DEBATER A EUROPA Periódico do CIEDA e do CIEJD, em parceria com GPE, RCE e o CEIS20. N.1 Junho/Dezembro 2009 – Semestral ISSN 1647-6336 Disponível em: http://www.europe-direct-aveiro.aeva.eu/debatereuropa/ A protecção do ambiente em rede: uma estratégia nacional, uma responsabilidade europeia Alexandra Aragão Professora Auxiliar da FDUC Resumo 1. Novas formas de integração ambiental: “bolhas” e “redes” 2. As alterações climáticas e a “bolha europeia” 2.1. O clima e a partilha de responsabilidades 2.2. O comércio de licenças de emissões de gases com efeito de estufa 3. As “redes” e as responsabilidades europeias 3.1. A Rede Natura 2000 e a conservação da natureza 3.2. A gestão comum das águas interiores europeias 3.3. A gestão dos resíduos sólidos 4. Conclusão: a protecção do ambiente “em rede” como estratégia nacional Summary/Abstract 1. New forms of environmental integration: "bubbles" and "networks" 2. Climate change and the "European bubble" 2.1. The climate and the sharing of responsibilities 2.2. The trading of licences of emissions of greenhouse gases 3. The “networks” and the European responsibilities 3.1. Natura 2000 network and nature conservation 3.2. The common management of European inland waters 3.3. The solid waste management 4. Conclusion: The protection of the environment "networking" as the national strategy 47 1. Novas formas de integração ambiental: “bolhas” e “redes” O Direito Europeu do Ambiente é um conjunto de normas jurídicas, composto pelas disposições específicas do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (especialmente os artigos 191º a 193º, núcleo duro da política ambiental, mas também pelo artigo 11º, relativo à integração do ambiente nas restantes políticas1) e por uma extensa constelação de actos jurídicos de direito secundário do ambiente, de onde destacamos o dever europeu de sancionar penalmente as infracções ambientais graves cometidas em território dos Estados2. Tanto quantitativa como qualitativamente, a importância da política ambiental europeia é tão significativa, que cria para os Estados, que devem executá-la, uma obrigação de conjugar esforços e criar sinergias entre as actuações nacionais e os objectivos europeus. Defendemos, por isso, que existe actualmente na Europa um dever reforçado de colaboração na protecção do ambiente. O que nos permite chegar a esta conclusão é a interpretação do novo número 4 do artigo 191º do Tratado da União Europeia, na versão de Lisboa3, relativo à política ambiental, conjugado com o princípio da cooperação leal, consagrado no nº3 do artigo 4º do 1 “As exigências em matéria de protecção do ambiente devem ser integradas na definição e execução das políticas e acções da União, em especial com o objectivo de promover um desenvolvimento sustentável”. 2 É a Directiva n.º 2008/99, de 19 de Novembro de 2008, aprovada primeiro sob a forma de Decisão-quadro (n.º2003/80/JAI) no âmbito de um polémico procedimento legislativo considerado inválido pelo Tribunal de Justiça em13 de Setembro de 2005, no processo C-176/03 que anulou aquela decisão. 3 “1. A política da União no domínio do ambiente contribuirá para a prossecução dos seguintes objectivos: – a preservação, a protecção e a melhoria da qualidade do ambiente, – a protecção da saúde das pessoas, – a utilização prudente e racional dos recursos naturais, – a promoção, no plano internacional, de medidas destinadas a enfrentar os problemas regionais ou mundiais do ambiente, e designadamente a combater as alterações climáticas. 2. A política da União no domínio do ambiente terá por objectivo atingir um nível de protecção elevado, tendo em conta a diversidade das situações existentes nas diferentes regiões da União. Basear-se-á nos princípios da precaução e da acção preventiva, da correcção, prioritariamente na fonte, dos danos causados ao ambiente e do poluidor-pagador. Neste contexto, as medidas de harmonização destinadas a satisfazer exigências em matéria de protecção do ambiente incluirão, nos casos adequados, uma cláusula de salvaguarda autorizando os Estados-Membros a tomar, por razões ambientais não económicas, medidas provisórias sujeitas a um processo de controlo da União. 3. Na elaboração da sua política no domínio do ambiente, a União terá em conta: – os dados científicos e técnicos disponíveis, – as condições do ambiente nas diversas regiões da União, as vantagens e os encargos que podem resultar da actuação ou da ausência de actuação, – o desenvolvimento económico e social da União no seu conjunto e o desenvolvimento equilibrado das suas regiões. 4. A União e os Estados-Membros cooperarão, no âmbito das respectivas atribuições, com os países terceiros e as organizações internacionais competentes. As formas de cooperação da União podem ser objecto de acordos entre esta e as partes terceiras interessadas. O disposto no parágrafo anterior não prejudica a capacidade dos Estados-Membros para negociar nas instâncias internacionais e celebrar acordos internacionais”. 48 Tratado da União Europeia, e conjugado ainda com a centralidade que a política ambiental assume na constelação das políticas europeias, em virtude do princípio da integração. Começando por este último princípio, ele foi erigido, desde 1993, em princípio fundamental do Tratado e consta actualmente do artigo 11º do Tratado Sobre o Funcionamento da União. Na sua formulação clássica, este princípio propugna que “as exigências em matéria de protecção do ambiente devem ser integradas na definição e execução das políticas e acções da União, em especial com o objectivo de promover um desenvolvimento sustentável”. Os Estados membros, ao executar as políticas e acções da União, têm então o dever de ter em consideração todos os impactes ambientais, no sentido de os evitar ou, se isso não for possível, de os minimizar ou compensar. Por outro lado, se, como prescreve o artigo 191º, nº4, a União e os Estados membros têm o dever de cooperar, no âmbito das respectivas atribuições, com os países terceiros e as organizações internacionais competentes, por maioria de razão se devem conjugar e articular os próprios Estados membros entre si, na adopção de medidas nacionais de aplicação do Direito Europeu do Ambiente. Por fim, o dever de cooperação leal entre os Estados membros e as Instituições Europeias, desde sempre consagrado no Tratado que instituíu a Comunidade Europeia, foi alargado pelo Tratado de Lisboa, que dá agora a entender que se aplica também às relações entre os próprios Estados membros: “a União e os Estados-Membros respeitam-se e assistem-se mutuamente no cumprimento das missões decorrentes dos Tratados”. Em matéria ambiental, esta designação traduz-se no dever de os vinte e sete Estados membros, na execução da política ambiental Europeia, assegurarem que as medidas ambientais nacionais se conjugam e articulam convenientemente na prossecução dos interesses europeus em conformidade com o denominado “princípio da cooperação leal”, consagrado expressamente no nº3 do artigo 4º do Tratado da União Europeia. Em suma, a articulação entre todos os Estados europeus na protecção dos diferentes sectores ambientais é, desde logo, um dever, imposto pelo Direito Europeu do ambiente. Mas é também, simultaneamente, a melhor forma de prossecução dos interesses nacionais. É o que procuraremos demonstrar seguidamente. Como veremos nos pontos seguintes, o facto de, em matéria ambiental, a Europa se comportar como uma “bolha” ou como uma “rede”, é a melhor forma de salvaguardar valores fundamentais como as liberdades de circulação de factores de produção e a liberdade de iniciativa económica, com garantia de coesão económica, social, territorial e até ambiental. 49 A coesão territorial é uma novidade do Tratado de Lisboa. À clássica coesão económica e social, desde há muito promovida pela União Europeia, veio o Tratado de Lisboa acrescentar a coesão territorial, preocupação presente em regiões com “limitações naturais (…) graves e permanentes”, e dando como exemplos as regiões montanhosas e insulares. Exprime-se assim uma preocupação de tomar em consideração e até de compensar (através do Fundo de Coesão e de compensações orçamentais4) as populações das regiões geograficamente mais desfavorecidas. Com efeito, em regiões remotas e de difícil acesso, mesmo em situação de normalidade, as populações suportam sempre encargos acrescidos (tanto financeiros como temporais) de transporte. Em situação de catástrofe5, estas regiões ficam claramente mais desprotegidas, e as populações locais, extremamente vulneráveis. A coesão ambiental não tem consagração expressa no Tratado, mas é claramente um objectivo da política ambiental. Assim, a política ambiental europeia deverá ter em conta “a diversidade das situações existentes nas diferentes regiões da União”6 mas o grande objectivo a nível ambiental é “atingir um nível de protecção elevado”. Desvios às medidas europeias de protecção ambiental só são admissíveis, se o propósito dos Estados for introduzir medidas de protecção ainda mais reforçadas7. No entanto, esta possibilidade deve ser confirmada, caso a caso, pela Comissão Europeia que verificará se o “goldplating”8 pretendido pelo Estado é compatível com o Tratado. 2. As alterações climáticas e a “bolha europeia” A luta contra as alterações climáticas é, indubitavelmente, o exemplo máximo de um sector ambiental em que as actuações isoladas dos Estados são tão injustas como ineficazes. As alterações climáticas, 4 Vide Protocolonº28 ao Tratado de Lisboa, relativo à coesão económica, social e territorial. E não nos esqueçamos de que o Tratado de Lisboa inclui agora, como novo domínio de cooperação, a protecção civil: “a União incentiva a cooperação entre os Estados-Membros a fim de reforçar a eficácia dos sistemas de prevenção das catástrofes naturais ou de origem humana e de protecção contra as mesmas” (Artigo 196.º). 6 Artigo 191º, n.º2. A consideração da diversidade regional está também presente no nº3 do mesmo artigo, a propósito dos pressupostos da política ambiental europeia: “na elaboração da sua política no domínio do ambiente, a União terá em conta: os dados científicos e técnicos disponíveis, as condições do ambiente nas diversas regiões da União, as vantagens e os encargos que podem resultar da actuação ou da ausência de actuação, o desenvolvimento económico e social da União no seu conjunto e o desenvolvimento equilibrado das suas regiões”. 7 Artigo 193º do Tratado. 8 Expressão (que, à letra, poderia ser traduzida por “dourar o direito comunitário”) cunhada pela doutrina anglosaxónica para designar as situações em que os Estados membros, na prossecução das políticas europeias, vão mais além do nível estabelecido pelas Instituições da União. Sobre as práticas nacionais de “goldplating” ver “Gold plating’ of European Environmental Measures?” J.H. Jans & L. Squintani , A. Aragão, R. Macrory e B.W. Wegener, disponível em: http://ssrn.com/abstract=1485386. 5 50 sendo um fenómeno global quanto à origem (na medida em que resulta de fontes emissoras muito difusas), e global quanto aos efeitos (pois eles se fazem sentir em todos os pontos do globo), são a prova da impotência absoluta dos Estados para alterar as condições ambientais através de actuações isoladas. O clima é um problema de todos e só uma actuação concertada pode aspirar a inflectir uma tendência, que já se vem desenhando há bastante tempo, mas cujos contornos só recentemente começámos a vislumbrar. Na Europa, este é um objectivo prioritário consagrado, pela primeira vez, como objectivo constitucional, no Tratado de Lisboa. No artigo 191º, relativo à política ambiental, a par dos objectivos de preservação, protecção e melhoria da qualidade do ambiente, protecção da saúde das pessoas, utilização prudente e racional dos recursos naturais, encontramos agora “a promoção, no plano internacional, de medidas destinadas a enfrentar os problemas regionais ou mundiais do ambiente, e designadamente a combater as alterações climáticas9”. A reforçar esta ideia, o novo artigo 194º do Tratado, relativo à política energética, sublinha a ligação entre a energia e o ambiente: “no âmbito do estabelecimento ou do funcionamento do mercado interno e tendo em conta a exigência de preservação e melhoria do ambiente10, a política da União no domínio da energia tem por objectivos, num espírito de solidariedade entre os EstadosMembros: a) assegurar o funcionamento do mercado da energia; b) assegurar a segurança do aprovisionamento energético da União; c) promover a eficiência energética e as economias de energia, bem como o desenvolvimento de energias novas e renováveis; e d) promover a interconexão das redes de energia”. A Convenção-Quadro sobre Alterações Climáticas, das Nações Unidas, marcou a partida de uma nova época na percepção e no esforço de combater, colectivamente as alterações climáticas. A Convenção foi adoptada em 9 de Maio de 1992 pelo Comité Intergovernamental de Negociação, instituído pela Assembleia Geral das Nações Unidas no contexto da Eco-92, a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, que teve lugar no Rio de Janeiro, em Junho de 1992. Esta Convenção foi aberta à assinatura pelos Estados em 4 de Junho de 1992 e entrou em vigor em 21 de Março de 1994, tendo recebido 189 ratificações. 9 Negrito nosso. Negrito nosso. 10 51 No Preâmbulo desta Convenção encontramos o reconhecimento de que, apesar das incertezas11 subsistentes quanto aos fenómenos meteorológicos, a natureza das alterações climáticas12 é essencialmente antropogénica13. Daí o objectivo essencial deste instrumento de direito internacional ser o de “conseguir, de acordo com as disposições relevantes da Convenção, a estabilização das concentrações na atmosfera de gases com efeito de estufa a um nível que evite uma interferência antropogénica perigosa com o sistema climático”14. Por outro lado, as responsabilidades dos Estados são variáveis15 mas inadiáveis, em função da decisão de “proteger o sistema climático para as gerações actuais e futuras”. Afirma-se assim, de forma peremptória, o princípio da “responsabilidade comum mas diferenciada” e o dever de cooperação dos Estados: “reconhecendo que a natureza global da alteração climática requer a mais ampla cooperação possível entre todos os países e a sua participação numa resposta internacional eficaz e apropriada, de acordo com as suas responsabilidades comuns mas diferenciadas e de acordo com as suas capacidades respectivas e com as suas condições sociais e económicas”. 2.1. O clima e a partilha de responsabilidades O Protocolo de Kyoto surge precisamente para concretizar esta partilha de responsabilidades. A complexidade do procedimento de aprovação e entrada em vigor do Protocolo de Kyoto16 é bem reveladora da sensibilidade e da magnitude da tarefa, que consistiu em atribuir a cada Estado uma quota-parte da responsabilidade pela redução das emissões de gases com efeito de estufa (GEE). 11 “Notando que existem muitas incertezas nas previsões sobre as alterações climáticas, especialmente quanto ao momento da sua ocorrência, amplitude e modelo regional”. 12 Alteração climática é “uma modificação no clima atribuível, directa ou indirectamente, à actividade humana que altera a composição da atmosfera global e que, conjugada com as variações climáticas naturais, é observada durante períodos de tempo comparáveis” (artigo 1º, n.º2 da Convenção-quadro) e na sua origem estão os “gases com efeito de estufa”, que são “os constituintes gasosos da atmosfera, tanto naturais como antropogénicos, que absorvem e reemitem a radiação infravermelha” (artigo 1º, n.º5 da Convenção-quadro), como por exemplo dióxido de carbono, metano, óxido nitroso, hidrofluorcarbonetos, perfluorcarbonetos ou hexafluoreto de enxofre. 13 “(...) por as actividades humanas terem aumentado substancialmente na atmosfera as concentrações de gases com efeito de estufa e pelo facto de esse aumento estar a acrescer ao efeito de estufa natural, o que irá resultar num aquecimento médio adicional da superfície da Terra e da atmosfera, podendo afectar adversamente os ecossistemas naturais e a humanidade”. 14 Artigo 2º. 15 “Notando que a maior parte das emissões globais actuais e históricas de gases com efeito de estufa teve origem em países desenvolvidos, que as emissões per capita nos países em desenvolvimento são ainda relativamente baixas e que a quota-parte das emissões globais com origem nos países em desenvolvimento irá aumentar para satisfazer as suas necessidades sociais e de desenvolvimento ...(...)”. 16 De acordo com o estabelecido no artigo 25º, o Protocolo entraria em vigor “no nonagésimo dia após a data em que pelo menos 55 Partes da Convenção, englobando as Partes incluídas no anexo I que contabilizaram no total um mínimo de 55% das emissões totais de dióxido de carbono em 1990 das Partes incluídas no anexo I, tenham depositado os seus instrumentos de ratificação, aceitação, aprovação ou adesão”, o que só veio a ocorrer em 16 de Fevereiro de 2005, mais de sete anos após a assinatura (que teve lugar em 11 de Dezembro de 1997). O Protocolo foi ratificado por 168 partes. 52 De acordo com o sistema instituído, os países que assumem obrigações quantificadas são apenas os que constam do Anexo I17 (e mesmo estes, obviamente, assumem-nas apenas na medida em que ratifiquem o Protocolo). É nesta concretização da partilha de responsabilidades que surge, através do Protocolo de Kyoto, a chamada “bolha europeia”. A “bolha” mais não é do que a possibilidade, que é dada aos espaços económicos integrados, de alcançar conjuntamente os objectivos definidos, com uma redistribuição interna de esforços, que se considera ser mais justa e mais eficaz do que uma distribuição igual para todos. O fundamento legal para a existência da “bolha” é o artigo 3º do Protocolo de Kyoto que prevê a possibilidade de as Partes incluídas no anexo I assegurarem, “individual ou conjuntamente, que as suas emissões antropogénicas agregadas, expressas em equivalentes de dióxido de carbono, dos gases com efeito de estufa incluídos no anexo A não excedam as quantidades atribuídas (…), com o objectivo de reduzir as suas emissões globais desses gases em pelo menos 5%, relativamente aos níveis de 1990, no período de cumprimento de 2008 a 2012”. Assim, tomando como ponto de referência o ano de 1990, a Europa (que ratificou autonomamente, a par dos Estados membros, a Convenção e o Protocolo), assumiu globalmente uma obrigação de redução de 8%18 das emissões de GEE das categorias de fontes19 consideradas no período de 2008 a 2012. Este é o valor da “bolha europeia”. Mas isto não significa que internamente não possa haver uma ponderação diferenciada das responsabilidades nacionais, designada habitualmente por “burden sharing”. Esta redistribuição dentro da “bolha europeia” foi feita e teve como resultado, por exemplo, que enquanto a Alemanha assumia uma redução de 21%, ou a Áustria de 13%, Portugal gozava de um direito de aumentar as suas emissões em 27%, relativamente aos valores de 1990. Idêntica situação aconteceu com a Grécia (25%) ou com a Espanha (15%). Neste caso, as vantagens de actuar num espaço de integração económica, como é o Europeu, são óbvias. 17 Do anexo I constam a Comunidade Europeia e ainda os seguintes Estados: Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos da América, Finlândia, França, Grécia, Irlanda, Islândia, Itália, Japão, Nova Zelândia, Noruega, Países Baixos, Portugal, Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte e Suécia. Entre os Países que estão a encetar um processo de transição para a economia de mercado estão ainda: Belarus, Bulgária, Eslováquia, Estónia, Federação Russa, Hungria, Látvia, Lituânia, Polónia, República Checa, Roménia, Suíça, Turquia, Ucrânia. 18 Em Março de 2007 o Conselho Europeu adoptou, unilateralmente, uma resolução comprometendo-se a reduzir, até 2020, a reduzir as emissões antropogénicas de gases com efeito de estufa pelo menos até 20% abaixo dos níveis de 1990. 19 Fonte é “qualquer processo ou actividade que liberta gases com efeito de estufa, ou um seu percursor ou aerossóis para a atmosfera” (Convenção-quadro, artigo 1º, n.º9). 53 2.2. O comércio de licenças de emissões de gases com efeito de estufa O comércio europeu de licenças de emissões (CELE) é, por excelência, a ferramenta mais sofisticada que permite dar cumprimento aos objectivos ambientais (redução dos gases com efeito de estufa) e energéticos (eficiência energética) através de mecanismos de mercado. O CELE foi criado pela Directiva n.º 2003/8720, de 13 de Outubro21, como um dos principais mecanismos destinados a dar execução ao Protocolo de Kyoto, relativo aos gases com efeito de estufa. Este diploma identifica um conjunto de actividades (energéticas, transformadoras, de construção, transportes, uso de solventes, agricultura, deposição de resíduos sólidos no solo, incineração de resíduos, metalúrgicas, minerais, de celulose, etc.22) emissoras de quantidades significativas de GEE cuja laboração passou a depender, desde Janeiro de 2005, da posse de um título de emissão de gases com efeito de estufa (art.7º a 10º). Trata-se de uma autorização administrativa, que estabelece as obrigações do operador quanto à monitorização e comunicação das informações relativas às suas emissões de gases e à devolução de um número de “licenças” correspondentes aos resultados da monitorização (art. 17º, n.º4). Cada “licença” corresponde ao direito de emitir uma tonelada de dióxido de carbono ou equivalente23 (art. 2º f)), e as licenças são atribuídas nos termos do artigo 16º, sempre em respeito pela regra da escassez24, isto é, a cada instalação são atribuídas menos licenças do que aquelas que se estimam necessárias para o funcionamento da instalação, na hipótese de todas as condições se manterem inalteradas. Considerando que as licenças são transaccionáveis no mercado, os operadores são, deste modo, obrigados a ir adquirir no mercado as licenças necessárias, em função das emissões medidas pelos seus sistemas de monitorização. Alternativamente, o operador poderá ainda optar por fazer os investimentos necessários para levar a cabo alterações ao processo produtivo25, que lhe permitam reduzir as suas emissões. Neste último caso, se acontecer a situação desejável de as alterações serem tão eficazes na prevenção das emissões, que o número de licenças atribuídas no início do ano é excessivo, o operador será premiado com a possibilidade de vender as licenças excedentes, no mercado de licenças de emissões, obtendo assim algum retorno pelos investimentos feitos. Surge assim o mercado de licenças de emissões. 20 Esta Directiva foi alterada pelas Directivas 2004/101, 2008/101 e pelo Regulamento 219/2009. Em Portugal foram transpostas pelo Decreto-lei n.º233/2004 que, em 2006, foi substancialmente alterado e republicado pelo Decreto-lei n.º72/2006 de 24 de Março. 22 Vide anexo I. 23 Ou seja: uma tonelada de CO2 ou a quantidade equivalente de outro gás cujo efeito de estufa é substancialmente maior que o do CO2, como o metano. 24 Vejam-se os critérios de atribuição de licenças a consagrar no Plano Nacional de Alocação de Licenças de Emissões (PNALE) no anexo III do diploma. 25 Por exemplo, por alteração radical do tipo de combustível, se o operador deixar de usar fuel para passar a usar exclusivamente energia eólica. 21 54 Havendo respeito pelas regras do mercado ― nomeadamente quanto à monitorização, à validade, devolução ou anulação das licenças e à penalização por emissões excedentárias26 ― ainda que nem todos os operadores sejam bem sucedidos a atingir a redução ideal das suas emissões, garante-se que, pelo menos globalmente (seja à escala nacional, comunitária ou internacional), a emissão de gases com efeito de estufa será reduzida e a performance ambiental geral das empresas, abrangidas pelo regime do CELE, será melhorada. Em 23 de Abril de 2009, o sistema foi reformulado pela Directiva 2009/29, a qual revogará, a partir de 31 de Dezembro de 2012, o regime actualmente em vigor, com o objectivo de melhorar o funcionamento do mercado de carbono (proibindo a atribuição inicial gratuita das licenças de emissões, substituída por um sistema de leilão de licenças, criando regras mais rigorosas quanto ao número de licenças de emissões a atribuir, etc.). 3. As “redes” e as responsabilidades europeias Aquilo que vamos ver, recorrendo a exemplos, é que, além da luta contra as alterações climáticas, há outros sectores da política ambiental em que os Estados devem colaborar activamente, conjugando estritamente as suas actuações de forma a reforçar a eficácia, mas também a justiça ambiental das suas políticas. Vamos passar em seguida a analisar três exemplos relativos a três sectores ambientais, aparentemente muito díspares, mas nos quais a dimensão europeia emerge fortemente, a ponto de levarem à criação de “redes”. 3.1. A Rede Natura 2000 e a conservação da natureza Considerando a mobilidade das espécies, especialmente as migratórias, não é difícil perceber a importância da colaboração entre os Estados na protecção de um recurso que se desloca ao longo de milhares de quilómetros de distância. Assim surge a ideia de “rede”, associada à conservação da natureza: de que adiantaria a um Estado pretender proteger, por exemplo, espécies da avifauna migratória que nidificam regulamente no seu território, se essas espécies não fossem igualmente protegidas, ao longo do seu percurso migratório, nas zonas de descanso, alimentação ou refúgio, no território de outros Estados membros? 26 Artigo 22º e 23º, 17º, 18º, e 25º. 55 Por isso foi criada a Rede Natura 2000, uma rede ecológica europeia coerente de zonas de protecção especial das aves e de zonas especiais de conservação das restantes espécies da fauna e da flora selvagens. Sabendo que as espécies só podem ser eficazmente protegidas se a os habitats também forem preservados, a Rede Natura 2000, além das espécies, destina-se ainda a proteger sítios que alojam habitats das espécies e outros habitats naturais, independentemente das espécies que lá ocorram, apenas por serem representativos da região bio-geográfica27 na qual se enquadram. Com efeito, a criação da RN2000 resulta do reconhecimento de que há semelhanças e contiguidades naturais e morfológicas que explicam a necessidade de conjugar esforços na protecção conjunta dos recursos. Por isso, como pode ver-se no mapa, a Europa biogeográfica tem um aspecto substancialmente diferente da Europa política. Alpina Anatólia (fora da UE27) Ártica (fora da UE27) Atlântica (Portugal continental) Mar Negro Boreal Continental Macaronésica (Portugal insular) Mediterrânea (Portugal continental) Panónica Estépica Neste contexto, é dever dos Estados assegurar a manutenção dos habitats naturais e das espécies num estado de conservação favorável, na sua área de repartição natural. Se necessário, os Estados deverão ainda promover a recuperação dos habitats degradados. Como referimos, a Rede Natura 2000 caracteriza-se pela coerência, a qual é especialmente importante em três momentos: 27 Portugal representa três regiões biogeográficas: a região macaronésica, cujos sítios de importância comunitária surgem listados na Decisão 2008/95 da Comissão (de 25 de Janeiro de 2008), a região atlântica na Decisão 2008/23 da Comissão (de 12 de Novembro de 2007) e a região mediterrânica na Decisão 2006/613 da Comissão (de19 de Julho de 2006). Outras regiões europeias são a alpina, a continental, a boreal e a panónica. 56 1. Na selecção e classificação de sítios junto à fronteira (como o Parque Natural de Montesinho, um sítio da Rede Natura 2000 localizado na fronteira nordeste, dando continuidade a um sítio Natura 2000 contíguo, situado em território espanhol). Nestes casos deve haver uma contiguidade geográfica entre os sítios e também uma semelhança entre as medidas de protecção adoptadas em ambos os Estados membros, na medida em que, para as espécies não existem fronteiras… 2. Na selecção das espécies consideradas “prioritárias” à escala europeia, em função do seu carácter endémico, estado de vulnerabilidade ou proximidade em relação à extinção. Pode até acontecer que uma espécie seja relativamente abundante em território nacional mas, se à escala europeia ela for considerada vulnerável, o Estado estará sempre obrigado a considerá-la e protegê-la como “prioritária”. 3. Na manutenção e desenvolvimento de elementos paisagísticos de importância fundamental para as espécies da fauna e da flora selvagens ― os chamados “corredores ecológicos”. Este elementos paisagísticos, que podem ser elementos lineares (como rios, ribeiros ou sistemas de vedação de campos ─ muros ou sebes ─) ou pontuais (como pequenos lagos ou bosques) asseguram a interligação entre os “nós” da rede. O exemplo mais típico de corredores ecológicos são os locais de descanso ou alimentação em terra, ao longo das rotas migratórias das aves. Mas os “corredores ecológicos” não são apenas importantes para as espécies migratórias. Quaisquer espécies, mesmo sedentárias, como roedores ou pequenos mamíferos, se deslocam no território (para se alimentarem, para se reproduzirem, para se protegerem dos predadores) utilizando para o efeito os locais de trânsito que lhes parecem mais seguros. Por fim, embora não correspondendo tão claramente ao conceito de “corredor” que comummente se imagina, também para espécies da flora selvagem existem “corredores ecológicos”. No caso das espécies vegetais os corredores estão relacionados com os ventos dominantes ou com os percursos dos insectos ou espécies polinizadoras. Mais recentemente, considerando o número de casos em que zonas classificadas ou classificáveis como Rede Natura 2000, eram afectadas a outras utilizações, as Instituições Comunitárias desenvolveram uma nova forma de controlar as actuações dos Estados. Na realidade, as pressões 57 económicas, as necessidades de expansão urbana, as aspirações de desenvolvimento turístico, e até finalidades tão nobres, como o reforço da coesão europeia através das redes trans-europeias de transportes, ou o cumprimento das metas de Kyoto28, levam os Estados a autorizar gradualmente a realização de actividades e projectos que afectam, definitivamente, zonas consideráveis de Rede Natura. Ora esta perda, paulatina mas sistemática, poderia pôr em perigo a realização dos fins comuns. Isto era especialmente grave num caso como o da conservação da natureza em que «a gestão do património comum está confiada, no seu território, aos Estados-membros respectivos»29. Por isso, as instâncias europeias passaram a defender a ausência de discricionariedade Estadual, tanto na designação de zonas a classificar, como na autorização de actividades potencialmente conflituantes com os objectivos de conservação dos sítios. O argumento foi a existência de critérios ornitológicos objectivos, condensados num documento científico de grande credibilidade, e consensual entre a comunidade científica ornitológica Europeia, que é o exaustivo relatório denominado “Important Bird Areas” (IBA)30. É com base nele que a Comissão Europeia, com o aval do Tribunal de Justiça, tem aferido a compatibilidade da actuação dos Estados com os objectivos Europeus de conservação, libertando, de certo modo, os Estados membros das pressões económicas e da censura social que sempre emerge quando se recusa um projecto de investimento. Os meis de comunicação social dão frequentemente eco dos típicos confrontos entre os defensores do “desenvolvimento para o país” e os defensores “dos passarinhos”. Por aqui se vê que só uma actuação concertada dos Estados membros entre si, e destes com a Comissão Europeia, permite garantir a desejada coerência da Rede Natura 2000. 3.2 A gestão comum das águas interiores europeias Que as águas marítimas são um bem comum, parece uma afirmação óbvia. O mesmo não pode dizerse para as águas costeiras e muito menos para as águas interiores31 que, à primeira vista, parecem 28 Pela construção de infra-estruturas destinadas à produção de energia renovável (parques eólicos, centrais electrovoltaicas). 29 Expressão recorrente na jurisprudência do Tribunal repetida, nomeadamente, nos processos n.º 236/85 (Comissão contra Países Baixos), n.º 247/85 (Comissão contra Bélgica), n.º 252/85 (Comissão contra França) e n.º 262/85 (Comissão contra Itália). 30 Trata-se de um inventário preparado pela «BirdLife International», o Conselho internacional para a preservação das aves, para a Comissão Europeia, com a colaboração alargada de peritos dos Estados membros e em cooperação com peritos da Comissão, editado pela primeira vez em 1989. 31 Águas interiores são “todas as águas lênticas ou correntes à superfície do solo e todas as águas subterrâneas que se encontram entre terra e a linha de base a partir da qual são marcadas as águas territoriais” diz o artigo 2º, nº3 da Directiva quadro da água. 58 mais vinculadas à soberania dos Estados. No entanto, mesmo as próprias águas interiores são um recurso partilhado, que exige uma gestão comum. Efectivamente, as águas não são um bem estático, mas antes um recurso que se desloca ao longo do território dos Estados. Por outro lado, através do chamado “ciclo da água” as águas entram em relação com diversos outros componentes ambientais, como o solo, o subsolo, o ar, os recursos biológicos e até a saúde humana. Devido à interligação entre sistemas hidrológicos, a quantidade e a qualidade das águas vai influenciar o estado dos restantes recursos em território nacional e fora dele. Os usos da água podem ser individuais, mas os seus efeitos são globais. Se um Estado situado a jusante dos principais sistemas hidrológicos, como acontece com Portugal na Península Ibérica, pretender estabelecer um determinado nível de protecção da água ou dos componentes ambientais relacionados com a água, não conseguirá fazê-lo unilateralmente, sem entrar em acordo com os Estados situados a montante, quanto à aproximação das utilizações aceitáveis e sustentáveis das águas. Deste modo, de acordo com a Directiva-quadro da água32 a unidade de gestão dos recursos hidrográficos comuns é a bacia hidrográfica e as decisões relativas à utilização dos recursos hídricos devem envolver também os restantes utentes e beneficiários das massas de água que pertençam à mesma bacia hidrográfica33. O direito de participação internacional na gestão das bacias hidrográficas comuns é um direito de cidadania que reflecte a realidade da gestão partilhada de um recurso comum34. A dimensão das bacias hidrográficas internacionais é bem visível no mapa da Península: 32 Directiva 2000/60, de 23 de Outubro de 2000. Veja-se o artigo 3º, relativo à coordenação das disposições administrativas a aplicar nas regiões hidrográficas e o artigo 13º, relativo à elaboração de planos de gestão de bacia hidrográfica. 34 O artigo 14, relativo à informação e consulta do público estabelece as condições mínimas de acesso à informação e participação em todos os momentos relevantes da gestão das águas. 33 59 Em todo o continente europeu encontramos casos ainda mais flagrantes de interdependência, como o caso paradigmático do rio Danúbio, cuja bacia hidrográfica percorre o território de dez estados europeus. Em suma, pelas razões apontadas, a preservação sustentável das águas europeias não pode deixar de passar por uma gestão supranacional. 3.3 A gestão dos resíduos sólidos Tal como nos casos anteriores, também a gestão de resíduos sóidos envolve uma dimensão europeia muito forte. Neste caso a supranacionalidade deste grave problema ambiental não resulta do carácter comum ou partilhado do recurso, mas antes das transferências de resíduos entre Estados membros, propiciadas pela inexistência de fronteiras e pela liberdade de circulação de mercadorias. Com efeito, a transferência de resíduos entre Estados membros é uma tentadora opção de gestão35, cujos efeitos ambientais podem ser muito significativos para o Estado destinatário, sobretudo se os fluxos forem abundantes e o fim da transferência for simplesmente a eliminação. Por isso, a regra é a liberdade de circulação de resíduos para valorização e o controlo da circulação para eliminação. Actualmente as transferências de resíduos para eliminação estão condicionadas à aprovação pelas autoridades competentes dos Estados envolvidos na transferência (o Estado de envio, o Estado de destino e, eventualmente, o Estado de trânsito se os resíduos atravessarem um terceiro 35 “Longe dos olhos, longe do coração” é o adágio que melhor ilustra a gestão de resíduos por mero afastamento em relação ao local de produção, mas sem preocupações de garantir uma gestão ambientalmente correcta. 60 Estado), em função dos requisitos estabelecidos no Regulamento n.º 1013/2006, de 14 de Junho36. O estabelecimento do regime legal da transferância de resíduos através de um regulamento comunitário é uma excepção à regra europeia, numa matéria como a ambiental, em que as directivas predominam. O regulamento tem como efeitos práticos, eliminar a discricionariedade dos Estados membros na aplicação de um dos princípios que, em matéria de resíduos, é um princípio dominante: o princípio da proximidade entre o local de produção e o local de eliminação. Outro princípio, que o regulamento faz respeitar, é o princípio da auto-suficiência Europeia: a Europa deve munir-se de uma rede de instalações necessárias e adequadas à eliminação dos resíduos que produz. Na sua versão nacional, este princípio da auto-suficiência assume uma feição apenas tendencial, sendo admitidas algumas excepções, ou seja, algumas situações em que os Estados são admitidos a “exportar” resíduos para eliminação. Este mesmo princípio tem, desde 2008, consagração na Directiva-quadro dos resíduos, a Directiva n.º2008/98, de 19 de Novembro: “a fim de permitir que a Comunidade no seu conjunto se torne autosuficiente em matéria de eliminação de resíduos e de valorização de misturas de resíduos urbanos recolhidos em habitações particulares e que os Estados-Membros tendam para esse objectivo individualmente, é necessário prever o estabelecimento de uma rede de cooperação no que diz respeito às instalações de eliminação e às instalações de valorização das misturas de resíduos urbanos recolhidos em habitações particulares, tomando em consideração as circunstâncias geográficas e a necessidade de instalações especializadas para determinados tipos de resíduos”37. Em suma, qualquer das autoridades competentes, envolvidas na autorização da operação pode recusar a operação, se ela não respeitar os princípios da proximidade ou da auto-suficiência comunitária e nacional38. Mas este último fundamento de objecção, que aparentemente permite fechar a porta, com grande facilidade, às indesejáveis importações de resíduos para eliminação, inclui, ele mesmo, uma excepção: estes princípios não são aplicáveis no caso de resíduos perigosos produzidos num Estado membro de expedição em quantidades globais anuais tão pequenas, que a construção de novas 36 O Regulamento da Comissão, nº 1379/2007 de 26 de Novembro, altera os anexos I-A, I-B, VII e VIII do Regulamento de 2006. 37 Preâmbulo, parágrafo 32. 38 Este último fundamento de objecção, que aparentemente permite fechar a porta, com grande facilidade, às indesejáveis importações de resíduos para eliminação, inclui, ele mesmo, uma excepção: estes princípios não são aplicáveis no caso de resíduos perigosos produzidos num Estado membro de expedição em quantidades globais anuais tão pequenas, que a construção de novas instalações de eliminação especializadas nesse Estado, não teria viabilidade económica. Aplica-se, neste caso, a regra de minimis (reflexo do princípio da proporcionalidade) para permitir moderar a aplicação do princípio da auto-suficiência nacional, de forma a racionalizar, à escala europeia, a construção e utilização da rede comunitária de instalações de eliminação. 61 instalações de eliminação especializadas nesse Estado, não teria viabilidade económica39. Aplica-se, neste caso, a regra de minimis (reflexo do princípio da proporcionalidade) para permitir moderar a aplicação do princípio da auto-suficiência nacional, de forma a racionalizar, à escala europeia, a construção e utilização da rede comunitária de instalações de eliminação. E a consideração da escala nacional é, sem dúvida, um argumento com grandes potencialidades para ser invocado por um Estado como Portugal, em algumas das transferências, para eliminação de resíduos nacionais, para outros Estados membros40. Mais uma vez vemos como o regime, instituído para a transferência de resíduos entre Estados membros, é expressão do dever de solidariedade e colaboração entre os Estados na gestão dos efeitos colaterais das suas actividades económicas. 4. Conclusão: a protecção do ambiente “em rede” como estratégia nacional Até aqui o que quisemos provar foi que, além das razões de eficácia económica e ambiental que servem para justificar as vantagens europeias da protecção ambiental “em rede”, há outras razões que justificam e tornam imprescindível a conjugação de esforços na protecção do ambiente. Eis as razões de justiça ambiental ao nível nacional: - No caso das alterações climáticas e das metas de Kyoto, porque, devido à industrialização tardia do nosso país, é justo que o esforço que nos é exigido seja menor do que o que se exige aos restantes Estados europeus; - No caso da conservação da natureza, porque os órgãos competentes nacionais têm facilitada a tarefa de proteger os habitats e recursos bióticos escassos existentes em território nacional, livres de pressões e censuras dos movimentos “pró-desenvolvimento”. - No caso da gestão supranacional das águas, porque sendo maioritariamente internacionais os cursos de águas superficiais, que percorrem o território nacional e, sobretudo, situando-se o nosso país a jusante, nos encontramos muito mais protegidos por um regime de gestão internacional obrigatória dos recursos partilhados; 39 Em caso de dúvida quanto à aplicabilidade desta excepção, e não havendo acordo entre os Estados envolvidos, o caso deverá ser submetido à Comissão Europeia. 40 Em termos práticos, Portugal é um país de exportação e trânsito de resíduos (sobretudo para eliminação) e não é importador de resíduos. Além do princípio da auto-suficiência, esta situação é explicada essencialmente por razões de localização geográfica e de escala. 62 - No caso da gestão de resíduos, porque a quantidade, relativamente reduzida, de produção de certos resíduos perigosos é argumento para justificar transferências de resíduos, destinados a eliminação, de Portugal para outros Estados membros. Em conclusão, em qualquer dos casos que referimos há que procurar o equilíbrio entre o desenvolvimento acelerado da economia e o reforço da coesão, que além de económica e social é agora também territorial e ambiental, na Europa. E a coesão prende-se também com a justiça na repartição dos benefícios e dos encargos do desenvolvimento. O desenvolvimento sustentável da Europa não pode ser o resultado da simples prossecução do aumento do desenvolvimento “médio” europeu, ignorando as diferenças regionais e as disparidades existentes em certos pontos da Europa. 63