20 SÁBADO E DOMINGO 21 e 22 de novembro de 2015 GERAL Veja galeria de imagens sobre a viagem de Berto e vídeo sobre a cidade escola Aymni no Gaz e na edição digital da Gazeta do Sul Arquivo Pessoal A VIAGEM É INTERNA ■ ■ Aos 30 anos de idade, Thiago Berto largou uma carreira bem-sucedida como empresário, viajou por 75 países e, como resultado da experiência, agora aposta em um projeto educacional que promete revolucionar o município gaúcho de Guaporé Uma volta pelo mundo e o desejo de transformar sultou na libertação de padrões. Gradual, essa transformação teve início ainda quando tinha 24 , [email protected] anos. Profissional consolidado – abriu a sua própria empresa aos 19 anos –, o guaporense comeTrês anos pelo mundo. Butão, Tibete, Esta- çou a se sentir deslocado. Não se satisfazia mais com grandes negócios dos Unidos, Peru, Tailândia, Islândia, Uruguai, Chile, Peru e mais uma lista que alcança o total e o “sucesso”, ao invés de realização, lhe trazia de 75 países. A saga do guaporense Thiago Ber- uma sensação de constante vazio. “Me perguntato, 35, evidencia o exemplo de um viajante que va aonde eu queria chegar com todo aquela cordecidiu vender seus bens para se aventurar pe- rida por mais e mais. Por que essa busca desenlos quatro cantos do planeta. Mais do que a ba- freada?”, questionava-se. Foi então que, em parceria com os sócios, optou em gagem de prestar serviços vofazer o caminho oposto. Ao inluntários, desafiar-se e, sobre- Depois de se deslocar a tudo, sair da zona de conforto, turismo para o Nepal, não vés de mais, menos. E, paradoxalmente, o menos resultou em a experiência mais preciosa de mais. “Essa decisão significou toda essa aventura, garante ele, teve dúvidas: venderia o viajar menos a trabalho, cancediz respeito a um processo sin- carro, o apartamento e os lar contratos com clientes, megular e individualizado. Foi a demais bens nos reuniões, menos negócios viagem interna, aquela que ainapenas por status, menos parceda não terminou, mas que foi carias insalubres, menos estresse. paz de trazer respostas sobre o que, afinal, a sua alma ansiava. (A resposta vem Profissionalmente e pessoalmente, foi a melhor no final, aguardem.) “Foi um grande movimen- decisão que tomei na vida até então”, avalia. Assim o barco correu até que, aos 30 anos, deto de liberdade, mas que não é nada romântico. Decidi que era hora de desconstruir o persona- cidiu embarcar em uma viagem interna que não gem que havia criado por aqui e, principalmen- teria mais volta. Depois de se deslocar a turiste, de me conhecer”, lembra, com ar de quem não mo para o Nepal, no Tibete, não teve mais dúvidas: venderia o carro, o apartamento e os dese arrepende um segundo sequer. Em uma conversa que durou cerca de três ho- mais bens. Conversaria com a família, com a exras na sala 108 da Universidade de Santa Cruz mulher e com o filho, então com 6 anos, e daria do Sul (Unisc), nessa terça-feira, Berto, através largada para a viagem na qual o maior objetivo de um relato otimista e cheio de inspiração, con- era desbravar os limites de si mesmo. “O que a tou a acadêmicos de Administração e outros in- minha alma queria era suportar a minha própria teressados como foi o processo no qual largou a companhia. Nesse meio, aprendi a chorar e a choempresa de tecnologia da qual era sócio em Por- rar muito. Foi dessa forma que entrei no ‘túnel’ to Alegre para apostar em uma mudança que re- do meu entendimento.” Natany Borges Em Cusco, no Peru, a descoberta do sentido da jornada Um teatro sobre mantras budistas como resumo do que alunos de uma escola de Cusco, no Peru, haviam aprendido representou o pontapé inicial para que Berto desse um norte a sua jornada. Foi durante o voluntariado em Aldea Yanapay que ele conheceu um sistema de ensino diferente do convencional, por não focar no método usual de disciplinas, mas em valores como respeito e incentivo à cultura. Era exatamente isso. Criar uma escola em que a metodologia fosse mesmo “perder o controle”. “To- das as crianças são pequenas mestres que nos auxiliam nessa jornada chamada vida. Elas, diferente de nós, estão conectadas com o que realmente importa. Por que não interagir com elas ao invés de simplesmente enchê-las de conteúdos padronizados?”, questiona. A partir de então, depois de um ano e meio viajando, o guaporense seguiu o resto da jornada com um único objetivo: conhecer escolas e comunidades sustentáveis, absorver o que de melhor haveria nessas propostas para, então, criar um novo capítulo. Desta vez de volta a Guaporé. De Compostela ao Alasca Depois de colecionar dezenas de carimbos em seu passaporte, Thiago Berto finalizou a jornada com chave de ouro. Cruzou a pé os mais de 700 quilômetros do Caminho de Santiago de Compostela. Peregrinação que o fez valorizar os pequenos momentos da vida. Um banho, uma cama confortável, amigos com quem pudesse compartilhar as alegrias e batalhas do dia a dia: de tudo isso ele sentiu falta, mas não se intimidou. “É claro que nem tudo foram rosas. Muitas vezes me questionava se o que estava fazendo era o que realmente devia ser feito. Ao mesmo tempo, sentia que esse era caminho, já que aproveitava os momentos de descanso para projetar a escola.” E já que ninguém mais segurava Berto, esse viajante sem muitas exigências – ele precisava de uma mochila leve com o mínimo necessário – desceu do Alasca, acreditem, até o Uruguai em cima de uma Titan 150cc, focado em buscar instituições de ensino alternativas. O mais paradoxal é que nem mesmo apreço por andar de moto ele tinha. “Eu nem sabia trocar as marchas direito”, comenta ele, que não esquece dos “perrengues” pelos quais passou. Isso porque depois de algumas horas dirigindo, afirma ele, o desconforto se torna fora do controle. “Doem o peito, as nádegas, até xixi você faz. Mas toda loucura funciona quando tem sentido.” E o sentido foi a criação do projeto Ayni. ■ ■ Durante sua aventura, Thiago desceu do Alasca até o Uruguai de moto