APROVEITAMENTO DA ÁGUA DA CHUVA PARA LAVAGEM DE TRENS
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RESUMO
A água da chuva coletada em telhados tem na indústria um enorme potencial, visto que, em
geral, a mesma possui grandes áreas de telhado e um alto consumo de água. O presente estudo consiste
em avaliar a viabilidade de implantação de infra-estruturas que possibilitem o aproveitamento da água
da chuva para lavagem de trens. Os resultados buscam subsidiar a implantação de projetos, através da
verificação de sua viabilidade econômica e valor ambiental, evitando, assim, intervenções ineficientes.
Palavras-chave – Reuso da água, educação ambiental, recursos hídricos.
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INTRODUÇÃO
A crescente demanda por água tratada tem feito do reuso planejado um tema atual e de grande
importância. Ao longo dos últimos 50 anos, o crescimento acelerado das populações e o
desenvolvimento industrial e tecnológico vêm comprometendo as fontes disponíveis de água doce do
planeta. Neste contexto a água passa a se tornar um recurso estratégico, já que é impossível uma
indústria se expandir sem recursos hídricos (MOTA et al, 2006).
A água é um recurso abundante no planeta, contudo cerca de 97,5% dessa água é salgada e está
nos oceanos e apenas 2,5% é doce e própria para consumo. Do total de água doce, 68,9% está em
geleiras e apenas 0,3% está disponível nos corpos de água da superfície, isto é, rios, lagos e os 29,9%
restantes estão no subsolo que é, portanto, o grande “depósito” de água doce do planeta (MOTA et al,
2006) (FIGURA 1).
FIGURA 1 - Distribuição da água na terra. Fonte: Rebouças et. Al., 1999
Com o surgimento de problemas relacionados à escassez e poluição de água nos grandes centros
urbanos, começa a existir um interesse maior por parte de vários setores econômicos pelas atividades
nas quais a água é utilizada. Esta situação tem conduzido muitas indústrias à busca por um novo
modelo para o gerenciamento da água em seus processos, considerando novas opções e soluções que
impliquem em autonomia no abastecimento de água e racionalização no seu consumo. (FIESP, Manual
de Conservação e Reuso de Água Para a Indústria, s.a.).
O Reuso é o processo de utilização da água por mais de uma vez, tratada ou não, para o mesmo
ou outro fim. Essa reutilização pode ser direta ou indireta, decorrente de ações planejadas ou não
(LOBATO, 2005). A grande vantagem de utilização da água de reuso é a de preservar água potável
para atendimento de necessidades que exigem esta característica, como a ingestão humana e o preparo
de alimentos (CHAHIN et al, 1999)
A água proveniente da coletada em telhados vem sendo muito usada para fins não potáveis
como descargas de banheiros. Contudo, é na indústria que essa água parece ter o seu maior potencial,
por apresentarem plantas com áreas de telhado maiores e um grande consumo de água (MIERZWA et
al, 2007). Necessita-se, neste caso, de análises para determinar seu uso e tratamento com o objetivo de
atender à qualidade requerida (VALLE et al, 2007).
O objetivo deste trabalho é avaliar a viabilidade de implantação de um projeto de recolhimento
da água da chuva para lavagem de trens, limpeza externa e irrigação de jardins em Empresa de Trens
Urbanos. Busca-se identificar a redução no consumo de água, os benefícios socioambientais e as
vantagens subjetivas como a conscientização de funcionários e de usuários quanto à importância dos
recursos naturais.
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DESCRIÇÃO DO PROJETO/ ESTUDO DE CASO
O presente estudo de caso consiste em avaliar a viabilidade de implantação de infra-estruturas
que possibilitem o aproveitamento da água da chuva para lavagem de trens, pátio e irrigação de jardins.
Para isso, buscou-se: (i) diagnosticar o sistema atual, (ii) avaliar as alternativas de local de implantação,
(iii) aplicar métodos de cálculo específicos ao tema, (iv) avaliar a implantação do sistema e (v) analisar
a viabilidade econômica. Os resultados buscam subsidiar a implantação de projetos, através da
verificação de sua viabilidade, evitando, assim, intervenções ineficientes.
Diagnóstico do Sistema atual
A Empresa possui um pátio de manutenção de aproximadamente 135.000,00 m² com um total
de 20 prédios (FIGURA 3). Estas características conferem à área um potencial eminente para
aproveitamento da água da chuva vinda da captação direta dos telhados de seus edifícios.
FIGURA 2 - Planta do pátio de manutenção da Trensurb. Fonte: Empresa
A empresa possui, atualmente, quatro processos de lavagem: (i) a limpeza diária ou interna
onde 285 lavagens internas ocorrem por mês incluindo portas e janelas; (ii) a limpeza superficial que
inclui varredura interna, onde 40 lavagens são realizadas por mês; (iii) a limpeza profunda onde o trem
é lavado internamente como na limpeza diária, incluindo também a limpeza de dutos de ar e outros
dispositivos de difícil acesso, onde 52 lavagens são feitas por mês e (iv) a limpeza externa que é a que
consome a maior quantidade de água sendo realizadas 26 lavagens por mês com mangueiras e limpeza
manual (FIGURA 4).
A água utilizada no processo de lavagem de trens é misturada com resíduos e óleos presentes
nos veículos, obtendo uma coloração escura. Devido à geração de problemas ambientais, esta água se
torna imprópria para ser despejada diretamente no solo, sendo o que acontece hoje na empresa.
FIGURA 4 - Via de lavagem dos trens. Fonte: arquivo pessoal.
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Totalizando os gastos de água com limpeza dos trens estima-se um consumo mensal de 330m³
(valor fornecido pelo setor de manutenção dos veículos). Não há um sistema de medição exclusivo para
fornecer dados precisos. O gasto de água com irrigação e limpeza de calçadas foi estimado em
50m³/mês, totalizando um consumo de 380m³/mês de água potável. A água utilizada nestes processos
não necessitaria de potabilidade.
Através do levantamento do histórico da empresa com relação ao processo de lavagem de trens,
identificou-se que esta possuía um sistema de reaproveitamento da água. Neste sistema, a água
proveniente da lavagem era captada e, após passar por processos de limpeza, reutilizada na prélavagem. A falta de manutenção do sistema, falhas de projeto, além de uma visão não voltada para a
preservação ambiental, resultou na inutilização do sistema.
O presente trabalho visa à intervenção na infra-estrutura para a revitalização deste sistema
através de soluções que melhor se adaptem aos processos de lavagem atuais. A partir disso, buscou-se a
utilização da água da chuva para a lavagem dos trens e a reutilização da mesma para a pré-lavagem,
criando um sistema que objetiva principalmente a preservação ambiental.
Local de implantação
A possibilidade de captação da água foi testada no prédio de manutenção leve (SEMLE) onde
os trens são revisados periodicamente, sendo este um dos 20 prédios existentes no pátio. Este prédio foi
escolhido, pois possui uma área de telhado total de 5.000,00 m² e está situado na parte central do pátio,
onde as lavagens são efetuadas (FIGURAS 5 e 6).
FIGURA 5- Fachada do SEMLE. Fonte: Arquivo pessoal
FIGURA 6 – Fachada e planta do SEMLE. Fonte: Arquivo pessoal
Cálculos do aproveitamento anual de água e capacidade do reservatório
Os valores referentes ao aproveitamento anual de água, assim como a capacidade do
reservatório foram calculados através do método de RIPPL (MAY, 2004). Os dados utilizados foram:
(i) o índice pluviométrico para a região de Porto Alegre que possui a taxa de 1,4 mm/ano (INMET,
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2009) (FIGURA 7); (ii) a área de captação e (iii) a demanda de água (TABELA 1). Os resultados
indicaram que o aproveitamento anual de água será de aproximadamente 5.800 m³ e será necessário um
reservatório com capacidade para 1.080 m³ de água.
TABELA 1 – Calculo do reservatório pelo método de RIPPL.
Mês
Janeiro
Fevereiro
Março
Abril
Maio
Junho
Julho
Agosto
Setembro
Outubro
Novembro
Dezembro
TOTAL
Chuva média
mensal INMET
mm
120
120
120
80
80
120
120
120
120
120
80
80
Demanda
mensal
Volume
acumulado
Área de
coleta
m³
380
380
380
380
380
380
380
380
380
380
380
380
m³
380
760
1140
1520
1900
2280
2660
3040
3420
3800
4180
4560
m²
5000
5000
5000
5000
5000
5000
5000
5000
5000
5000
5000
5000
Coeficiente
Volume de
de RUNOFF chuva mensal
0,9
0,9
0,9
0,9
0,9
0,9
0,9
0,9
0,9
0,9
0,9
0,9
m³
540
540
540
360
360
540
540
540
540
540
360
360
5760
Volume
acululado
m³
540
1080
1620
1980
2340
2880
3420
3960
4500
5040
5400
5760
Volume
acumuladoDemanda
m³
160
160
160
-20
-20
160
160
160
160
160
-20
-20
Volume do
reservatório
m³
144
144
144
-18
-18
144
144
144
144
144
-18
-18
1080
Avaliação da implantação do sistema
No decorrer do estudo, um reservatório (FIGURA 8 e 9) com capacidade para 360m³ de água
foi identificado no pátio da empresa. Este reservatório era utilizado para armazenar a água tratada da
lavagem para reuso na pré-lavagem dos trens e, atualmente, está desativado. Apesar de necessitar de
reformas, este reservatório pode ser aproveitado, já que a implantação de um novo não é
economicamente vantajosa. O reservatório de 360m² atende as exigências de consumo, contudo não
atende a quantidade de água captada no telhado do SEMLE. Com isso, buscou-se reformar por
completo a tubulação de calhas do telhado e conectar apenas metade das mesmas ao sistema de
tratamento proposto. O restante da tubulação será mantida provisoriamente, até a criação de novos
usos, ligada ao sistema pluvial existente.
FIGURA 8- Reservatório subterrâneo
existente com capacidade de 300m³ que
deverá sofrer reforma. Fonte: Arquivo
pessoal.
FIGURA 9- Reservatório subterrâneo
existente com capacidade de 300m³ que
deverá sofrer reforma. Fonte: Arquivo
pessoal.
O processo de aproveitamento da água da chuva contará com filtros instalados após a tubulação
de descida das calhas (FIGURAS 10 e 11). Os filtros separarão folhas, insetos, musgos e sujeiras
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provenientes do telhado, resultando em um aproveitamento de 90% da água. Depois de filtrada, a água
será conduzida até a cisterna, de onde será bombeada a um reservatório superior situado próximo ao
local destinado à lavagem e estará pronta para o uso.
FIGURA 10- Detalhes do estado de
conservação das calhas existentes
no SEMLE. Fonte Arquivo pessoal.
FIGURA 11- Tubulação existente
SEMLE. Fonte Arquivo pessoal.
Após sua utilização, a água da lavagem será captada por meio de calhas em concreto
impermeabilizadas instaladas na via permanente número 16, local da lavagem, e passará pelas
seguintes etapas:
1. Caixas separadoras de água e óleo,
2. Reservatório inferior de água a ser tratada,
3. Estação de tratamento industrializada, onde o lodo será reservado em caixas específicas.
A partir destas etapas, a água tratada irá para um reservatório superior e destinada a pré-lavagem.
Viabilidade econômica do projeto
A empresa possui um gasto mensal de R$ 37.000,00 (trinta e sete mil reais) com água no pátio
de manutenção e um consumo de 1.600 m³ de água, o que representa um gasto de R$ 23,00 (vinte e três
reais) por m³ de água ao mês. Com o aproveitamento de 380m³ de água proveniente da chuva para
lavagem de trens, pátio e irrigação de jardins, tem-se uma diminuição mensal de aproximadamente R$
9.000,00 (nove mil reais) em gastos com água potável.
Com os cálculos de gasto de água atuais partiu-se para o orçamento da implantação do sistema de
aproveitamento da água da chuva (TABELA 2) e da reciclagem da água da lavagem para a prélavagem (TABELA 3) e com isso o cálculo do tempo de retorno do investimento e sua viabilidade.
TABELA 2 – Investimento aproveitamento da água da chuva.
Itens
Reforma de calhas e tubulações
Filtros
Reforma da cisterna
Bombeamento
Tubulação
TOTAL
Valores
R$ 34.500,00
R$ 12.337,00
R$ 22.300,00
R$ 3.742,00
R$ 11.000,00
R$ 83.879,00
Investimento
R$ 83.879,00
Gasto mensal atual
R$ 9.000,00
Tempo de retorno (meses)
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TABELA 3 – Investimento reciclagem da água da lavagem para a pré-lavagem.
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Itens
Impermeabilização do solo
Caixas separedoras água e óleo
Reservatórios
Estação de tratamento industrializada
TOTAL
Valores
R$ 60.000,00
R$ 10.000,00
R$ 20.000,00
R$ 37.000,00
R$ 127.000,00
Investimento
R$ 127.000,00
Tempo de retorno (meses)
Gasto mensal atual
R$ 9.000,00
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Os resultados indicam que o investimento total é de R$ 210.879,00 e o tempo de retorno total é
de dois anos, o que demonstra um tempo curto frente aos benefícios alcançados.
CONCLUSÃO
O presente estudo de caso consistiu em avaliar a viabilidade de implantação de infra-estruturas
que possibilitem o aproveitamento da água da chuva para lavagem de trens, pátio e irrigação de jardins
e também teve como objetivo a reutilização da água da lavagem dos trens para a pré-lavagem, criando
um sistema que visa, principalmente, a preservação ambiental.
O investimento total e o tempo de retorno demonstram um retorno do investimento em um curto
espaço de tempo frente aos benefícios alcançados. Após dois anos da implantação o sistema estará
traduzindo-se em lucro para a empresa com a redução de consumo, e, mesmo antes disso, tem-se o
lucro ambiental como a resolução do passivo ambiental do derramamento de óleo da lavagem no solo e
o gasto de água potável para fins não-potáveis. Outro importante retorno é o dado pelo marketing com
a mídia positiva que o sistema trará, e a educação ambiental de funcionários e usuários com o
aproveitamento da água da chuva.
A ampliação do sistema em 100% da capacidade com a disponibilização de novos usos para a
água da chuva como, lavagem de outros veículos e de equipamentos e peças é outro benefício que pode
ser implantado em um curto espaço de tempo e sem aporte de investimento.
A clara e visível resposta positiva que o trabalho demonstra, vem ao encontro do que a empresa
propõe em seu planejamento estratégico, onde a responsabilidade sócio-ambiental aparece como uma
de suas diretrizes.
REFERÊNCIAS
CHAHIN, R. R., NETTO, C. A. M. F, MESSUTI, E., RIBEIRO, L. A., 1999. Sistema de reaproveitamento de água para
edificações. 20º congresso brasileiro de engenharia sanitária e ambiental.
FIESP, s.a. Manual de Conservação e Reuso de Água Para a Indústria, vol.1. Disponível em
www.df.sebrae.com.br/Downloads/ambiental/cartilha_reuso.pdf. Acesso em 01 mar.2009.
HIDROCICLE - Reciclagem de Água. Disponível em www.hidrocicle.com.br. Acesso em 05 mar. 2009.
INMET - Instituto Nacional de Meteorologia, Disponível em www.inmet.gov.br. Acesso em 15 fev. 2009.
LOBATO, M. B. 2006. Sistema de hierarquização de ações de conservação da água em edificações com aplicação do
método Electre III. Ambiente Construído, volume 6, número 1.
MAY, S. 2004. Estudo da viabilidade do aproveitamento da água da chuva para consumo não potável em edificações.
Dissertação de Mestrado em Engenharia Civil, USP.
MIERZWA, J.C, HESPANHOL, I, SILVA, M.C.C, RODRIGUES, L.D.B, 2007. Águas pluviais: método de cálculo do
reservatório e conceitos para um aproveitamento adequado. Revista de gestão de água da América Latina, vol.4, n.1.
MOTA, M. B. R., MANZANARES, M.D,, SILVA, A.L., 2006. Viabilidade de reutilização de água para vasos
sanitários. Revista Ciências do Ambiente On-Line, vol.2, n.2.
REBOUÇAS, A., 1999. Água Doce no Mundo e no Brasil. Capital Ecológico, Uso e Conservação, Instituto de Estudos
Avançados da USP, São Paulo, SP.
SANEAS, 2006. Associação dos Engenheiros da Sabesp, vol.2, n.23,.
VALLE, J. A. B., PINHEIRO, A., FERRARI, A., 2007. Capacitação e avaliação da água de chuva para uso industrial.
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