ALGUMAS SUGESTÕES RELATIVAS À GESTÃO DA ÁGUA NA REGIÃO DO PORTO Mário Valente Neves Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto [email protected] RESUMO A vital importância da água é por (quase) todos reconhecida, não raramente se ouvindo vaticinar que poderá vir a constituir um dos principais problemas deste século. As pressões para um uso eficiente do precioso líquido, bem como a disponibilização de novas tecnologias, conferem maior actualidade à conveniência de uma gestão integrada das águas urbanas. Numa altura em que se anuncia um Programa Nacional para o Uso Eficiente da Água (cuja versão preliminar já foi dada a conhecer em 2001) parece oportuna uma reflexão sobre a matéria. Até há algum tempo, questões como o abastecimento de água, as águas residuais e as águas pluviais, dentro de uma comunidade, eram tratadas de forma separada. Entretanto essa filosofia tem evoluído, começando o artigo justamente por apresentar uma visão das interrelações entre várias facetas do uso dessas águas, perspectivando o conceito de gestão integrada das mesmas, o qual envolve temas como a gestão dos consumos, uso eficiente da água, reutilização de águas residuais, aproveitamento de água das chuvas, combate às cheias urbanas, etc. São depois apresentadas algumas sugestões, de entre as quais se destacam: (i) A elaboração de um plano para a gestão integrada das águas urbanas; (ii) Acções visando a redução dos consumos, designadamente em chuveiros e autoclismos, identificadas como as que reúnem maior potencial de poupança em termos económicos; (iii) Medidas para redução de perdas de água nos sistemas públicos e privados; (iv) Aproveitamento de águas alternativas, como efluentes de ETAR´s, águas recicladas e águas das chuvas; (v) Medidas para redução de caudais pluviais, incluindo, por exemplo, o planeamento urbano, técnicas de infiltração e o uso de bacias de retenção. ALGUMAS SUGESTÕES RELATIVAS À GESTÃO DA ÁGUA NA REGIÃO DO PORTO Mário Valente Neves Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto [email protected] INTRODUÇÃO A vital importância da água é por (quase) todos reconhecida, não raramente se ouvindo vaticinar que poderá vir a constituir um dos principais problemas deste século. As pressões para um uso eficiente do precioso líquido, bem como a disponibilização de novas tecnologias, conferem maior actualidade à conveniência de uma gestão integrada das águas urbanas, aqui entendidas como águas de abastecimento, águas residuais e águas pluviais. Numa altura em que se anuncia um Programa Nacional para o Uso Eficiente da Água (cuja versão preliminar foi dada a conhecer em 2001) parece oportuna uma reflexão sobre a matéria. GESTÃO INTEGRADA DAS ÁGUAS URBANAS Até há algum tempo, questões como o abastecimento de água, as águas residuais e as águas pluviais, dentro de uma comunidade, eram tratadas de forma separada. Entretanto, talvez pelas pressões e possibilidades tecnológicas acima referidas, assiste-se a uma evolução no sentido ilustrado na Figura 1. De um ponto de vista metodológico a água para consumo da comunidade pode ser classificada como “água para beber”, “água potável” e “água não potável”. A primeira categoria é aqui entendida como água de grande qualidade, tratada especificamente para ser bebida, enquanto “água potável” se refere àquela que pode ser bebida esporadicamente sem problemas, mas que, em princípio, não deveria ser usada para tal. Em relação às origens da água incluiu-se propositadamente uma questão provocatória, que tem sido debatida recentemente. Trata-se da defesa, feita por pessoas com responsabilidades (Beuhler, 2002) de que a água para beber deveria ser fornecida em garrafas ou máquinas próprias, pelo que à água da torneira não seria exigível tão elevada qualidade. Os principais argumentos são os seguintes: (i) a água para beber representa uma pequeníssima fracção do consumo, o que quer dizer que cerca de 99 % da água é tratada a níveis superiores aos que seriam realmente necessários; (ii) por outro lado, muitas pessoas não bebem água da torneira, preferindo água engarrafada; (iii) a cada dia surgem novos problemas e exigências em relação à qualidade da água, o que aumenta os custos, temendo-se o seu contínuo agravamento; (iv) a utilização de água engarrafada, ou dispensadores, seria uma solução mais segura contra actos terroristas. Trata-se, evidentemente, de uma ideia muito controversa, rebatida por outros especialistas, que reconhecem, no entanto, a conveniência de uma reflexão sobre o assunto, eventualmente liderada ÁGUA DAS CHUVAS ORIGENS PRIVADAS Depois da utilização da água põe-se REDE PÚBLICA GARRAFAS E DISPENSADORES DE ÁGUA pela International Water Association, a maior associação mundial devotada às questões da água. a questão do seu tratamento, e também aqui uma nova corrente se vem afirmando, em favor de soluções descentralizadas, em que o tratamento seja realizado nas proximidades dos locais onde se produz a ÁGUA NÃO POTÁVEL ÁGUA POTÁVEL ÁGUA PARA BEBER COMUNIDADE poluição. Um ÁGUAS DAS CHUVAS ÁGUAS RESIDUAIS SEM REUTILIZAÇÃO SEM RETENÇÃO / INFILTRAÇÃO RETENÇÃO / INFILTRAÇÃO INDIRECTA aspecto que tem conhecido grandes desenvolvimentos é o da DIRECTA TRATAMENTO DESCENTRALIZADO TRATAMENTO CENTRALIZADO REUTILIZAÇÃO outro reutilização das águas residuais, chegando-se já ao ponto de, nalgumas cidades norte-americanas, ser obrigatória a instalação de duas redes nos edifícios industriais e comerciais, uma para água SEM REUTILIZAÇÃO REUTILIZAÇÃO DISPOSIÇÃO FINAL potável, outra para água não potável. DISPOSIÇÃO FINAL Figura 1 – Gestão integrada das águas urbanas Finalmente, temos as águas pluviais, geralmente vistas como um problema em termos urbanos, mas que também podem ser aproveitadas como um recurso. Esse aproveitamento pode ser directo ou indirecto, neste último caso após infiltração. No caso de não se pretender aproveitamento, ainda se colocam as alternativas de um desembaraçamento directo, ou com recurso a técnicas de infiltração ou retenção. PROGRAMA NACIONAL PARA O USO EFICIENTE DA ÁGUA O Programa Nacional para o Uso Eficiente da Água, cuja versão provisória foi publicitada em 2001 - (PNUEA, 2001) - começa por caracterizar em termos “macro” os consumos de água nos sectores agrícola, industrial e urbano, avaliando a eficiência actual e propondo metas para o futuro. Analisa o potencial de redução nesses sectores, quer em termos de volumes poupados, quer em termos económicos. Passa depois a uma análise mais pormenorizada, inventariando numerosas sugestões para um uso mais eficiente da água, as quais são analisadas nas componentes técnica, económica e social. É curioso que, considerando apenas o lado económico da questão, as medidas com maior potencial se situam no sector urbano. As quatro medidas mais promissoras são as seguintes: (i) adequação da utilização de chuveiros, (ii) substituição ou adaptação de chuveiros, (iii) adequação da utilização de torneiras, (iv) substituição ou adaptação de autoclismos. A relevância da questão dos chuveiros advém do facto de implicarem custos com a água, energia para aquecimento, e águas residuais. ALGUMAS SUGESTÕES Embora não seja uma região com grande “stress hídrico”, o Porto não pode dar-se ao luxo de desperdiçar o precioso líquido. Daí que se julgue de interesse suscitar uma reflexão sobre o assunto, começando por avançar algumas ideias: (i) plano para a gestão integrada das águas urbanas, (ii) campanhas relativas a chuveiros e autoclismos, (iii) programa para redução de perdas de água, (iv) aproveitamento de águas alternativas, como efluentes de ETAR´s, águas recicladas e águas das chuvas, (v) utilização de bacias de retenção para águas pluviais. Segue-se o desenvolvimento destas sugestões. PLANO PARA A GESTÃO INTEGRADA DAS ÁGUAS URBANAS À semelhança do que tem acontecido noutras cidades, um Plano de Gestão Integrada das Águas Urbanas poderia ser muito útil para o Porto. Em alternativa, mas com um âmbito mais reduzido, poderia considerar-se, por exemplo, um Plano para o Uso Eficiente da Água, ou um Plano para a Gestão dos Consumos de Água. Em geral tais planos envolvem vários programas operativos, que podem ser agrupados em cinco blocos (Estevan, 2000): (i) Programas de infraestruturas. Incidem sobre o desenvolvimento e manutenção das infraestruturas do sistema de abastecimento de água e, se for o caso, também dos de águas residuais e águas pluviais. (ii) Programas de poupança. Visam reduzir os consumos sem intervenções técnicas, através de medidas como campanhas de comunicação, políticas tarifárias e contratos com grandes consumidores. (iii) Programas de eficiência. Procuram uma redução de consumos mediante a introdução de modificações técnicas, quer no âmbito residencial (chuveiros, autoclismos, torneiras, electrodomésticos, etc.), quer nos sistemas gerais de abastecimento. (iv) Programas de substituição. Têm por finalidade aplicar recursos alternativos (águas residuais, águas pluviais, águas salobras, cursos de água ou aquíferos locais, etc.) nos numerosos usos urbanos que não requerem a qualidade e/ou a regularidade próprias de uma rede de água potável. (v) Programas de gestão. Cobrem a área económico-financeira, a organização e gestão da informação, bem como a elaboração e aplicação das directrizes municipais. CHUVEIROS E AUTOCLISMOS Estima-se que, actualmente, o consumo de água por cada habitante na região do Porto se reparta conforme indicado no Quadro 1, perfazendo 136 l/hab/dia, dos quais apenas 121 l/hab/dia gastos em casa. A desejada redução de consumos pode ser alcançada quer por alteração de hábitos, quer pela utilização de equipamentos mais eficientes. As projecções que se seguem têm apenas em conta a segunda vertente, pelo que se admite haver ainda margem para uma redução mais acentuada. A simples mudança para chuveiros de menor consumo poderá reduzir substancialmente os gastos nos duches. Experiências realizadas pelo autor, no Outono, mostraram que é perfeitamente possível reduzir o caudal para 2 l/min o que, para uma duração de 4 minutos, representa um volume de 8 litros por duche, com a água permanentemente aberta. No entanto os gastos diferem de pessoa para pessoa e de uma época para outra, pelo que, como valor médio, se considerará um consumo substancialmente maior, digamos 18 l/hab/dia. Hoje em dia já estão relativamente divulgados os autoclismos de dupla opção, ou duais, que permitem escolher entre uma descarga maior ou menor. Os volumes são reguláveis, mas é corrente verem-se sugeridos valores de 6 litros e de 3 litros. A partir de uma análise efectuada pelo autor (Neves, 2003) estima-se que, com autoclismos duais, se poderá reduzir o consumo médio para 20 l/hab/dia dentro de casa e 7 l/hab/dia fora de casa. Actualmente já são correntes máquinas de lavar roupa com um consumo da ordem dos 60 litros por lavagem, com carga completa. Quanto ao número de lavagens, estima-se que possa ser da ordem de 0.7 por dia numa família de 4 pessoas e 0.5 por dia em famílias menores, o que corresponde a consumos “per capita” de 12 l/hab/dia, sensivelmente. Para lavagem de louça considera-se uma frequência média de 0.9 vezes por dia em casas de 4 pessoas e 0.7 para famílias menores. Uma vez que o consumo de uma máquina eficiente pode ser da ordem dos 15 litros por lavagem, chega-se a um valor de cerca de 4 l/hab/dia. Relativamente a limpezas e outras actividades estima-se que, com equipamento mais eficiente, os consumos possam ser reduzidos para valores da ordem dos 60% dos actuais, o que perfaz cerca de 4 l/hab/dia para cada uma destas rubricas. O Quadro1 mostra um resumo da análise efectuada, bem como uma estimativa dos consumos numa habitação de 4 pessoas. Parece possível que, com equipamentos mais eficientes, as capitações médias se reduzam para valores da ordem dos 70 l/hab/dia, isto é, cerca de metade dos actuais. Quadro 1 – Estimativa dos consumos actuais, e potenciais, na região do Porto Consumo com equipamentos mais eficientes Consumo actual, 2003 Tipo de consumo Habitação com 4 pessoas (litros/dia) Por pessoa (l/hab/dia) Por pessoa (l/hab/dia) 45 60 40 16 8 6 6 20 27 18 12 4 4 4 80 121 136 62 69 240 Sanitas - casa - total Banhos Máq. roupa Máq. louça Limpezas Outros Totais: Consumo em casa Consumo diário 72 42 14 16 16 Implementação destas medidas Antes de mais, para a generalização do uso de equipamento mais eficiente, seria importante o estabelecimento de normas relativas aos consumos máximos permitidos para cada aparelho, à semelhança do que foi feito em vários países. Conforme se viu, o PNUEA (2001) considera que a adopção de chuveiros de baixo consumo é uma das medidas com maiores vantagens económicas. Felizmente, é também uma das mais fáceis de levar à prática, com custos que poderão situar-se na casa dos 10 €, apenas. Por sua vez, o mecanismo para autoclismos de dupla opção é também bastante acessível, na casa dos 20 a 30 €, pouco mais que os modelos tradicionais, pelo que a sua adopção em novas instalações parece altamente recomendável. Em relação aos sistemas já montados, nalguns casos é possível a substituição do mecanismo. Conviria que os munícipes estivessem ao corrente destas possibilidades para reduzirem as suas contas de água e de energia, o que poderá ser feito através de campanhas de sensibilização. Nalgumas cidades estrangeiras foram concedidos incentivos, que chegaram mesmo à oferta do equipamento e atribuição de um prémio equivalente a 25 € por cada aderente a organizações locais, do tipo junta de freguesia, que promoveram campanhas porta a porta. Um acordo com fabricantes, para o fornecimento de grandes quantidades de equipamentos, a preços mais reduzidos, seria concerteza mais um contributo positivo. NECESSIDADE DE REDUZIR PERDAS DE ÁGUA As fugas e perdas verificam-se em todos os órgãos dos sistemas de abastecimento de água, isto é, na captação, tratamento, transporte, armazenamento e, sobretudo, na distribuição. Podem ser provocadas por má vedação das juntas, roturas de condutas, extravasamentos, avarias em bocas de incêndio, bocas de rega, etc. Em Portugal o nível médio de fugas e perdas é da ordem dos 35 %, embora nalguns bons exemplos desça a valores de 15 %. A nível mundial encontram-se nalgumas zonas números impressionantes, superiores a 60 %, enquanto os valores mais baixos, encontrados em países como Israel e Suíça, se situam ao nível dos 9 %. Verifica-se, portanto, que é possível reduzir drasticamente a percentagem de fugas e perdas. As medidas clássicas incluem, por exemplo: boa manutenção, e reabilitação de condutas, ramais domiciliários e equipamentos quando for caso disso; controlo de pressões; zonamento das redes; medição de volumes; vigilância e sistemas de detecção de fugas; actuação imediata em caso de fugas; exploração cuidadosa, quer em alta quer em baixa; formação de pessoal; balanços hídricos; apoio aos utentes para manutenção, reparação e eventual substituição de redes interiores. USO DE ÁGUAS ALTERNATIVAS A maioria das utilizações da água não exige uma qualidade semelhante à da água potável. Muitas delas permitem soluções alternativas, onde se incluem, por exemplo, águas recicladas, águas salobras, águas pluviais e águas freáticas, justificando-se um esforço para identificação dessas situações. A indústria, unidades hoteleiras, grandes superfícies comerciais, zonas verdes e outros grandes consumidores constituem, naturalmente, alvos preferenciais. Um estudo recente, no âmbito de uma tese de mestrado realizada na FEUP (Magalhães, 2003), apresenta bastantes ideias, algumas das quais retomadas no que se segue. Aproveitamento de águas residuais tratadas As ETAR´s do Freixo e de Sobreiras foram projectadas para assegurarem um grau de tratamento que permita a reutilização dos efluentes, o que estará a ser feito, particularmente no caso do Freixo, mas em escala ainda muito pouco significativa. O estudo de Magalhães (2003) admite justificar-se uma análise da viabilidade económica da irrigação do Horto Municipal do Porto e do Horto do Freixo a partir da ETAR do Freixo. O mesmo se aplica a algumas zonas verdes próximas de Sobreiras, como sejam o jardim do Passeio Alegre, Pasteleira, jardins de Serralves e o Parque da Cidade. Trata-se apenas de exemplos, que não esgotam o leque de possíveis utilizações. Uma nota com interesse é a intenção da Federação Portuguesa de Golfe de vir a construir campos de golfe municipais de pequena dimensão (9 buracos) em zonas próximas de ETAR´s, para aproveitamento dos efluentes tratados, prática que virá a tornar-se obrigatória a médio prazo. Reciclagem da água para lavagem de viaturas No Porto há vários postos de lavagem de viaturas. Só os que estão associados a determinada marca são 13, pelo que, no total, poderão ser cerca de uns 30. Em regra, a água usada nas lavagens provem de furos ou da rede pública. De acordo com o tipo e o número de lavagens, os consumos anuais são da ordem dos 3 125 m3 para os pórticos simples, 4 375 m3 para os pórticos duplos e 12 500 m3 para os túneis. Alguns postos já dispõem de unidades de tratamento compactas que permitem a reciclagem da água, sendo que o custo das mesmas, 16 000 € para reciclagem parcial ou 22 000 € para reciclagem total, não parece de molde a comprometer liminarmente hipóteses de viabilidade económica. A concessão de incentivos para a sua utilização, eventualmente sob forma publicitária, poderia talvez contribuir para uma maior generalização, com uma poupança de água significativa. Aproveitamento da água das chuvas A água das chuvas pode ser aproveitada directamente ou mediante técnicas que favoreçam a sua infiltração. No caso do Porto pensa-se que algumas aplicações com possível interesse poderiam ser a rega de plantas, lavagem de ruas, limpeza de colectores, reserva para combate a incêndios, alimentação de lagos e fontes, etc. Eventualmente, os privados poderiam ser obrigados a usar dessa água para fins menos nobres. Uma possível solução seria a captação a partir da cobertura de edifícios e o armazenamento sob os passeios em reservatórios prefabricados. A generalização desta medida contribuiria, seguramente, para soluções engenhosas e abaixamento de custos. Ao interesse já referido poderá ainda acrescentar-se uma contribuição para atenuação de cheias urbanas. REDUÇÃO DE CAUDAIS PLUVIAIS. BACIAS DE RETENÇÃO A crescente impermeabilização dos núcleos urbanos torna cada vez mais complexa e onerosa a drenagem das águas pluviais, aumentando a probabilidade de inundações, aluimentos e outros acidentes. Para combater esta tendência torna-se necessária, antes de mais, uma boa política de gestão dos solos. Mas outras medidas poderão atenuar o impacto do problema, como sejam a adopção de técnicas que favoreçam a infiltração (em logradouros, arruamentos, zonas de estacionamento, etc.) ou a retenção das águas (bacias de retenção, por exemplo). As bacias de retenção são reservatórios para onde são conduzidas as águas pluviais recolhidas numa determinada zona, com o objectivo de um breve armazenamento provocado por uma descarga controlada, designadamente no seguimento de precipitações intensas. Podem ser subterrâneas ou superficiais, bem como conter água permanentemente, ou apenas a seguir à chuvada (bacias secas). Podem ser materializadas de diversas formas, como tanques ou lagos em jardins, parques, praças, empreendimentos imobiliários, industriais, etc. Esses reservatórios são equipados com um sistema de descarga que não é capaz de dar vazão total aos caudais afluentes, pelo que a água se vai acumulando e subindo de nível, o que, por sua vez, aumenta o caudal descarregado. Ao fim de algum tempo a cheia natural vai-se desvanecendo, e o descarregador passa a evacuar um caudal superior ao que entra. Nessa altura o nível na bacia começa a baixar, até que atinge uma situação de equilíbrio. A vantagem fundamental consiste, então, em permitir descarregar caudais muito inferiores aos que entram em regime de ponta, reduzindo os riscos de inundações. Os custos são reduzidos, podendo mesmo ser compensados pela poupança decorrente da redução de diâmetros na canalização de jusante. Uma situação típica é aquela em que a rede de drenagem se encontra subdimensionada: a redução de caudais por esta via poderá evitar obras de remodelação ou de reforço. Outros aspectos positivos proporcionados pelas bacias de retenção são os seguintes: - contribuição para o melhoramento da qualidade das águas pluviais; - permitir a criação de espelhos de água com interesse estético, recreativo ou de lazer; - constituição de reservas de água para rega e combate a incêndios. Nalguns países existe legislação que não permite que um novo empreendimento venha a originar caudais pluviais superiores aos ocorridos antes da construção. Parece uma medida a ter em conta para o Porto, a qual viria, por certo, a despertar um maior interesse para a utilização de técnicas de infiltração e de retenção. As potencialidades estéticas também devem ser enaltecidas, para uma maior popularização junto de arquitectos e urbanistas, quer para obras públicas, quer privadas. Repare-se que muitos dos pequenos e grandes lagos existentes em parques, jardins e praças do Porto reúnem condições para funcionarem como bacias de retenção; uma fácil integração nas redes de drenagem pluvial já existentes, ou previstas, constitui, evidentemente, uma condição preferencial. OUTRAS MEDIDAS É claro que, potencialmente, muitas outras oportunidades existem para um uso mais eficiente da água no Porto mas, por razões de espaço, limitamo-nos a recordar apenas mais duas: exploração de novas tecnologias na rega dos espaços verdes, e realização de contratos de eficiência com grandes consumidores. Muitas outras são dissecadas no já referido trabalho de Magalhães (2003) e, com carácter mais geral, na versão provisória PNUEA (2001), sendo que a implementação dessas medidas deverá ser acompanhada por acções complementares, como a sensibilização da população e outros agentes, a formação técnica e a preparação de regulamentação técnica e administrativa. CONCLUSÃO Foram passados em revista algumas das oportunidades e desafios hoje associados à gestão das águas urbanas, sugerindo-se, paralelamente, algumas medidas para uma gestão mais eficiente. Entre elas encontram-se (i) a elaboração de um plano para a gestão integrada das águas urbanas, (ii) campanhas relativas a chuveiros e autoclismos, (iii) programa para redução de perdas de água, (iv) aproveitamento de águas alternativas, como efluentes de ETAR´s, águas recicladas e águas das chuvas e (v) utilização de bacias de retenção para águas pluviais. A publicação do Programa Nacional para o Uso Eficiente da Água, que se espera para breve, virá por certo a fomentar uma mais ampla reflexão sobre algumas das questões aqui abordadas. À semelhança do que tem acontecido com outras cidades europeias, é provável que estas acções, visando um desenvolvimento sustentável, possam beneficiar do apoio da União Europeia. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Beuhler, M. (2002), “Tap water versus drinking water: is it time to have the debate?”, Water 21, International Water Association, February, UK. Estevan, A. e Viñuales, V. (2000), “La eficiencia del agua en las ciudades”, Fundación Ecología y Desarrollo, Zaragoza, España. Magalhães, Filipa (2003), “Uso Eficiente da Água. Oportunidades de uso eficiente da água na cidade do Porto”, Tese de mestrado, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. Neves, Mário (2003), “Perspectivas para um uso mais eficiente da água em habitações”, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. PNUEA (2001), “Programa Nacional para o Uso Eficiente da Água”, Ministério do Ambiente e Ordenamento do Território, http//www.maot.gov.pt.