Microbiologia em Foco Carga microbiana das formulações orais sólidas Por Claudio K. Hirai No Brasil, a maioria das indústrias farmacêuticas realiza os ensaios microbiológicos para a determinação da carga microbiana rotineiramente, muito embora esta análise possa ser reduzida em função da baixa atividade de água destes produtos, o que não favorece o crescimento microbiano. O ambiente de produção e os processos envolvidos são, na maioria das vezes, pouco favoráveis ao desenvolvimento microbiano. Sabemos que um indivíduo com condições de saúde normais pode apresentar uma contagem de até 1012 bactérias em algumas partes da pele, 1010 bactérias na cavidade oral e até 1014 bactérias no trato intestinal. A cavidade bucal, devido à presença de resíduos de alimentos, saliva e à temperatura, apresenta um habitat ótimo para uma grande variedade de bactérias. A flora normal é constituída de estreptococos, lactobacilos, estafilococos e corynebactérias, sendo que o maior número é de bactérias anaeróbias, a maior parte do gênero Bacteroides. No trato gastrointestinal a flora microbiana pode apresentar mais de 400 espécies bacterianas. O trato gastrointestinal superior (estômago, duodeno, jejuno e o íleo superior) apresenta uma contagem < 104 bactérias por ml de secreção. A flora do cólon é quantitativamente similar à das fezes humanas, sendo que a contagem pode atingir níveis de até 1011 bactérias por grama de fezes. A maior parte destes microrganismos é de bactérias coliformes. Os estreptococos, clostridia e os lactobacilos também são encontrados, porém a espécie predominante é o Bacteroides e a bifidobactéria. Estes microrganismos podem ultrapassar o numero de Escherichia coli na razão de 1000:1. Sabemos que a contaminação de um produto pode acarretar alterações em suas propriedades físicas e químicas e ainda caracterizando o risco de infeção para o usuário. Assim, produtos farmacêuticos de uso oral e tópico (cápsulas, comprimidos, suspensões, cremes, adesivos etc.), que não têm como requerimento serem estéreis, devem estar sujeitos ao controle de contaminação microbiana (Farmacopeia Brasileira 5º Ed.). 8 A garantia da qualidade e o controle de fabricação previstos nas boas práticas devem garantir que o produto cumpra as especificações determinadas, isto é, que atendam além de outros parâmetros, aos limites aceitáveis para microrganismos. Para a realização do teste devem ser considerados os limites microbianos, o tipo de contaminação mais provável nas diferentes categorias de produtos e a via de administração (Farmacopeia Brasileira 5º Ed.) Os limites de aceitação de contagem microbiana para produtos não estéreis estão descritos na Tabela e devem ser interpretados da seguinte maneira: 101 UFC: valor máximo aceitável = 20 102 UFC: valor máximo aceitável = 200 103 UFC: valor máximo aceitável = 2000 R evista A nalytica • Abril/Maio 2014 • nº 70 Contagem total de bactérias aeróbias UFC/g ou mL Contagem total de fungos/leveduras UFC/g ou mL Pesquisa de patógenos Preparação aquosa para uso oral 102 101 Ausência de E. coli em 1 g ou mL Preparação não aquosa para uso oral 103 102 Ausência de E. coli em 1 g ou mL Preparação para uso retal 103 102 Preparação para uso tópico (oromucosa, nasal, gengival, cutâneo, auricular) 102 101 Ausência de S. aureus e P. aeruginosa em 1 g ou mL Inalatórios 102 101 Ausência de S. aureus e P. aeruginosa e Bactéria Gram negativa bile tolerante em 1 g ou mL Preparação vaginal 102 101 Ausência de S. aureus e P. aeruginosa e Candida albicans em 1 g ou mL Dispositivo transdérmico (limite por unidade) 102 101 Ausência de S. aureus e P. aeruginosa / dispositivo Preparação para uso oral contendo matéria-prima de origem natural 104 102 Ausência de E. coli e S. aureus em 1 g, ou mL. Limite máximo de 102 bactérias. Ausência de Salmonella em 10 g, ou 10 mL Gram negativa bile tolerante em 1 g, ou mL Drogas vegetais que serão submetidas a processos extrativos a quente 7 10 10 4 Limite máximo de 102 E. coli em 1 g. Limite máximo de 104 bactérias Gram negativa bile tolerante em 1 g, ou mL. Ausência de Salmonella em 10 g Drogas vegetais que serão submetidas a processos extrativos a frio 10 4 10 3 Limite máximo de 101 E. coli em 1 g. Limite máximo de 103 bactérias Gram negativa bile tolerante em 1 g, ou mL. Ausência de Salmonella em 10 g Extrato seco 104 103 Tintura 104 103 103 102 Via de administração Produtos sintéticos e biológicos Produtos de origem vegetal, mineral e/ou animal Ausência de Salmonella spp. e E. coli em 10 g Substâncias para uso farmacêutico Matéria-prima, base galênica Ausência de E. coli, P. aeruginosa e S. aureus em 1 g, ou mL. Ausência de Salmonella spp. em 10 g. ou 10 mL Referências Farmacopeia Brasileira 5º edição. Martinez J. E. Pharmaceutical Technology 2002, 58-70. Esta seção é de responsabilidade da BCQ Consultoria e Qualidade. Mais informações: (11) 5539-6710. www.bcq.com.br R evista A nalytica • Abril/Maio 2014 • nº 70 9