Antonio Elizalde Hevia Universidade Bolivariana (Chile) Breves reflexões sobre a ética Adela Cortina, uma das principais autoras no âmbito da reflexão ética recente, em breve e precisa síntese (Cortina, 1994:17-33) a respeito do que é a Ética, salienta que: “A ética é um tipo de saber que orienta a ação (um tipo de saber prático)” e que “…é essencialmente um saber para agir de um modo racional.” Afirma que há dois modos de saber ético (modos de orientar racionalmente a ação): 1. aprender a tomar decisões prudentes, mediante a forja do caráter 2. aprender a tomar decisões moralmente justas, com respeito aos direitos humanos desde uma moral crítica Nos aponta além disso que os fundamentos da ética surgem do fato de que: a) os seres humanos são estruturalmente morais; b) os seres humanos tendem necessariamente à felicidade; c) todos os seres vivos buscam o prazer (hedonismo); d) os seres humanos têm dignidade porque só eles são livres já que são autônomos; e) todos os seres humanos são interlocutores válidos (ética do diálogo). Formula como características da ética cívica 1. uma ética de mínimos 2. uma ética de cidadãos, não de súditos 3. um tipo de consciência moral baseada na autonomia Por último, mantém que seus conteúdos mínimos devem ser: 1. os valores de liberdade, igualdade e solidariedade 2. os direitos humanos (primeira geração: direitos civis e políticos: liberdade) (segunda geração: direitos econômicos, sociais e culturais: igualdade) (terceira geração: direito a viver em paz, direito a viver em um meio ambiente são: solidariedade) 3. a tolerância ativa 4. um ethos dialógico (que busca compatibilizar dois componentes, o universalismo e o respeito à diferença). Já outro filósofo, também espanhol, José Antonio Marina afirma que “a culminação da inteligência é a ética e não a ciência.” Nos anos recentes estamos assistindo a uma mudança na idéia de inteligência. Até agora era mais importante resolver equações complexas que: organizar uma adequada relação de casal; viver uma família feliz; ou construir relações justas e solidárias. Assinala Marina que a grande criação da inteligência é a ética, porque é o melhor repertório de soluções que os humanos encontraram para resolver os problemas da dignidade e a felicidade. Pergunta-se: por que ter um comportamento ético? E se responde: porque só assim se tem soluções para os complexos problemas da existência humana. Algo nos acontece no plano ético se é que nossas atuais prioridades são estas. Hoje se aborda insistentemente no discurso economicista hegemônico a necessidade de privatizar os bens públicos, inclusive os bens ambientais. Mas vale a pena se perguntar: por que o bem será protegido melhor se ele tem proprietários (por exemplo, as espécies ameaçadas, os bosques nativos, as biomassas pesqueiras, os elefantes, as araucárias, etc.)? e se é mais rentável substituir (vacas por elefantes, pinhos por araucárias, etc.)? Pelo contrário, no avanço ético da humanidade nos distanciamos da lei da selva, aprendemos a necessidade da proteção do mais fraco, que as coisas funcionam por direitos. O que chamamos felicidade é satisfazer harmonicamente nossas duas grandes necessidades: a de dignidade, expressa no bem estar ou qualidade de vida; e a de liberdade, o poder de ampliar nossas possibilidades ou capacidades, como diria Amartea Sen. Embora a economia se encarregue de dizer que sua função é administrar recursos escassos e que funciona sem valores, isso é falso, ninguém age sem interesses ou valores. Pode ser que esses valores não nos agradem, não sejam os que queríamos, mas estão aí. São expressos nas prioridades mundiais às quais fiz referência. Temos que decidir que tipo de vida queremos viver. Segundo creio, teríamos que suprimir o consumo de coisas que são altos consumidores de energia, de reorientar recursos à educação, de buscar um tipo de desenvolvimento mais pessoal e menos tecnológico, de educar-nos para desfrutar de uma vida mais rica, mais plena, mais atrativa, mais prazerosa, de reduzir os horários de trabalho, de alcançar um desenvolvimento mais vivível, com vida familiar, com vida afetiva. Porém, estamos sendo muito estúpidos. Nos queixamos e temos a solução muito perto de nós, valorizamos muito mais o que não temos, o que perdemos, e não valorizamos o que temos, estamos fomentando sistematicamente a desvalorização de tudo o que temos. Devemos voltar a valorizar o que temos: o ar, a água, os bens, nosso lar, as plantas, a comida, as árvores, as aves, as relações de trabalho, as amizades, as conversas. Há pessoas que dizem que quando estão deprimidas vão às compras. Por que temos mais do que necessitamos? Porque estamos aborrecidos, porque temos que preencher nosso tempo e prover de sentido nossas vidas (vazias?). Precisamos desenvolver o sentimento ecológico, valorizar o que temos: ar, água, paisagem, plantas, jardins, a união da vida com os espaços vazios de um prédio, um pavimento ou um areal. Algumas digressões acerca da democracia. A democracia, dizia alguém, não me lembro quem, é como o ar, enquanto a temos não nos damos conta da sua existência, mas quando nos falta, como sofremos e como sentimos sua ausência. Um destacado filósofo colombiano, Estanislao Zuleta (1995), escreveu algumas profundas reflexões sobre a democracia que quero compartilhar com os senhores. Ele afirmou que a democracia implica na aceitação de um certo grau de angústia, já que a democracia é a aceitação da angústia de ter que decidir por si mesmo, e o pensar por si mesmo é mais angustiante do que acreditar cegamente em alguém. Daí então que a democracia é frágil. Sua fragilidade procede da dificuldade em aceitar o grau de angústia que significa pensar por si mesmo, decidir por si mesmo e reconhecer o conflito. Zuleta nos ressaltou que a democracia implica igualmente da modéstia de reconhecer que a pluralidade de pensamentos, opiniões, convicções e visões de mundo é enriquecedora e que a própria visão de mundo não é definitiva nem segura porque a confrontação com outras poderia obrigar-me a mudá-la ou a enriquece-la. A verdade não é necessariamente a que eu proponho senão a que sai do debate, do conflito; por tal razão o pluralismo não faz nada mais que aceitála resignadamente senão como o resultado de reconhecer o fato de que os seres humanos, não funcionam em uníssono como os relógios. É a existência de diferentes pontos de vista, partidos ou convicções que nos deve levar à aceitação do pluralismo com alegria, com a esperança de que a confrontação de opiniões melhorará nossos pontos de vista. Em tal sentido, para Zuleta, a democracia é modesta, uma disposição para mudar, disposição para a reflexão autocrítica, disposição para a ouvir seriamente ao outro. Afirmo assim mesmo que a democracia implica igualmente na exigência do respeito. O respeito significa levar a sério o pensamento do outro: discutir com ele sem agredir-lo, sem violenta-lo, sem ofende-lo, sem desacreditar seu ponto de vista, sem aproveitar os erros que cometa ou os maus exemplos que apresente, tratando de saber que grau de verdade tem, mas também ao mesmo tempo significa defender o próprio pensamento sem cair no pequeno pacto de respeito às nossas diferenças. Em um debate levado seriamente não há perdedores: quem perde ganha, sustentava um erro e saiu dele; quem ganha não perde nada, sustentava uma teoria que resultou corroborada. Também Zuleta diz que devemos reconhecer que no ser humano existem profundas tendências arcaicas contra a democracia e, se queremos defende-la realmente, devemos começar por reconhecer uma de suas maiores dificuldades: nossas origens não foram democráticas. Para ele, em conseqüência a democracia é amadurecimento. A democracia não nos vem espontaneamente, senão como resultado de uma conquista, como aceitação da angústia, da dúvida, da dúvida sobre si mesmo e de passar pela “prova da dúvida”. Nos assinalou assim mesmo que somos dogmáticos quando não fazemos o esforço de demonstrar. “A demonstração é uma grande exigência da democracia porque implica na igualdade: demonstra-se a um igual; a um inferior se intimida, se ordena, se impõe; a um superior se suplica, se seduz ou se obedece. A demonstração é uma lição prática de tratar aos homens como nossos iguais”. (extraído para fins didáticos de http://ww2.prefeitura.sp.gov.br//urbal/pt/midia/entrevista_elizalde.html )