Simone Courel - O que você entende por compromisso social? No meu entender, compromisso social implica em uma postura ética de co-responsabilização com seu entorno, com a sociedade, com desenvolvimento de projetos e ações voltados para a comunidade, visando qualidade de vida. Tem como pressuposto a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, entendendo o sujeito integralmente como ser social, como indivíduo e cidadão. Compromisso social não é discurso, é envolvimento, posicionamento, relfexões e ações considerando a comunidade e a sociedade em questão. - Você acredita que sua prática, especialmente na área da Clínica e da Formação, está relacionada a esse conceito? Se sim, como se dá essa relação? Se não, por que acredita que muitas vezes o Compromisso Social não faz parte ou não aparece no exercício da Psicologia? A minha prática profissional, tanto na área clínica, na saúde pública e na educação, está relacionada ao conceito de compromisso social. Desde a minha formação fui movida por questionamentos sobre o fazer do psicólogo, sobre as práticas, o sentido e a função do profissional de Psicologia nos diferentes contextos de atuação. Considero um ponto favorável a isto a realidade social em que vivia e a oportunidade, ainda na formação, de conviver com profissionais de práticas tradicionais ao mesmo tempo em que fui apresentada aos conceitos de Análise Institucional, Psicologia Comunitária e professores recém engajados com propostas libertárias da Psicologia Social. A Psicologia engatinhou no Brasil em plena ditadura militar, se definindo inicialmente por uma proposta elitista e longe de reflexões sociais, mas foi movida pelos questionamentos advindos após esses anos e, a partir da década de 1980, as discussões na academia foram consolidando uma ênfase na função social da Psicologia, relacionada às mudanças sóciopolíticas no Brasil. Inicialmente esta discussão abarcava a contribuição social da Psicologia, o olhar para os grupos minoritários e a popularização da Ciência. Minha atuação foi marcada pelo compromisso social, o que muitas vezes me levou a não pertencer a coorporativismos e instituições elitistas. Atuar na área clínica ou em instituições educativas com compromisso social entre os anos de 1990 e 2000 era um ato revolucionário pois a Psicologia ainda era muito vista, principalmente fora da academia, como uma ciência e prática focada no indivíduo e sua “adaptação ao meio”. Entender que o sujeito com o qual se lida é um sujeito “biopsicossocial”, com suas singularidades, inserido, construído e construindo a realidade que o cerca é fundamental na minha prática profissional. Além disso, considerar os grupos existentes, respeitar sua cultura, promover ações e reflexões visando a necessidade social e do sujeito, respeitando os direitos humanos é o eixo de uma pratica comprometida socialmente. Na atuação em psicologia educacional, o compromisso social é ao mesmo tempo a base da atuação e seu grande desafio, pois implica no questionamento do modelo tradicional e das práticas conservadoras, padronizadas e pautadas no paradigma cartesiano ainda presente na filosofia educacional e sistema de ensino de muitas instituiçoes educativas em nossa realidade. Conforme Paulo Freire, educação é compromisso com o Homem e não há como negar o papel social da escola. O compromisso com a inclusão se dá pela promoção e exercício da crítica construtiva, respeitando o processo de todos os atores do contexto educativo, sem esquecer da responsabilidade pela mudança e do papel transformador da sociedade que cada um carrega. Assim, meu fazer é um ato comprometido a refletir, agir e promover o mesmo em cada sujeito deste processo. - Em sua opinião, o que caracteriza a Psicologia neste momento em que vivemos? Como a profissão é percebida pelos próprios psicólogos e pela sociedade em geral? Nos últimos anos a Psicologia se viu compelida a uma produção de conhecimento cada vez mais relacionada às políticas públicas, sendo chamada a uma postura política e adotando um discurso social. Inicialmente voltou-se para as populações mais carentes e minorias, seguido de questionamentos sobre as práticas vigentes, abrindo espaço para práticas diferentes aos modelos tradicionais e vem propondo ações transformadoras da realidade. No entanto, infelizmente ainda percebemos dificuldades significativas de ações realmente engajadas com as demandas reais, contextualizadas, visando o empoderamento dos sujeitos e com críticas efetivas no plano da ação - para além do discurso. A sociedade por sua vez, ao mesmo tempo que demanda transformações, também conclama da Psicologia a solução mágica para os males psicossociais e o enquadramento dos indivíduos à condutas adaptativas e inseridas. Tal situação gera muitos conflitos e dissociações entre discursos e práticas, ocasionando muitas frustrações, por parte da sociedade e também do profissional de psicologia diante de seu fazer. Por sua formação inicial ter se baseado em práticas individualizantes e desconectadas de reflexões críticas e sociais, o Psicólogo se vê diante de muito discurso mas ainda pouco apropriado de um fazer político como profissional. Algo semelhante se dá a nível social, pois o discurso é reivindicatório mas ainda sem plena consciência das ferramentas e importância de um empoderamento através de atitudes por parte de cada cidadão em sua inserção social. O compromisso social na Psicologia, não só na área Educacional , pode se dar por um posicionamento ético, político e social com abordagem interdisciplinar da realidade, com ênfase nos direitos humanos. - O CRPRS vem ao longo de seus 40 anos de história firmando seu compromisso social na construção da Psicologia. De que forma você vê essa trajetória? Como tem acompanhado esse movimento? Os Conselhos profissionais têm um grande desafio na sociedade brasileira moderna: ao mesmo tempo que devem fiscalizar e orientar a categoria que representam, são solicitados a promover reflexão e auxiliar na construção de uma identidade profissional em constante transformação histórica e social. Nos últimos anos, o CRPRS vem se propondo a uma inserção cada vez maior nas políticas públicas, olhando para os desafios da sociedade atual, levantando a importância de um fazer ético e comprometido com as necessidades sociais e voltado para os direitos humanos. A participação nos eventos nacionais como o CNP, a participação nas atividades de pesquisa através do CREPOP, a promoção de rodas de conversa sobre temas polêmicos, a abertura de algumas plenárias para a participação de colaboradores, a divulgação de posicionamentos através dos meios de comunicação atuais e o chamamento da categoria para participação em eventos temáticos são exemplos dessa trajetória, que ainda tem muito a evoluir, da mesma forma que a Psicologia como profissão. Como colaboradora, acompanho as ações do CRPRS, atuo contribuindo e questionando esse processo e acredito que as reflexões coletivas e críticas sobre o nosso próprio fazer são fundamentais neste caminhar constante de compromisso social . - Como você percebe a relação entre categoria e CRPRS? Apesar do CRPRS se propor à aproximação e representação da categoria, isto ainda é um desafio em andamento. A expansão das áreas de atuação e de práticas na Psicologia, positivamente se traduz em uma diversidade grande de teorias, posicionamentos e ações, o que, ao mesmo tempo, gera tensões, dificulta consenso e convergências, tornando o papel de representação do CRP muito polêmico e desafiador. Ao mesmo tempo, ainda não é claro para os psicólogos suas possibilidades de participação política inclusive dentro das Instituição CRP. Apesar dos anos de discussão, a formação do psicólogo ainda está engatinhando na direção das políticas públicas, compromissos éticos e desafios sociais: ainda temos uma formação muito mais técnica do que ética, principalmente na reflexão sobre nosso próprio fazer. Assim, estamos todos aprendendo e exercitando o verdadeiro sentido de práticas comprometidas socialmente, qualquer que seja a área de atuação do profissional. Problematizar nossas práticas significa questionar nossas convicções teóricas e técnicas: isso gera tensionamentos, inseguranças, desconforto, desacomodação para todos os atores neste processo. Para isso a reflexão, o respeito às diversidades e o diálogo são fundamentais - O que você espera e projeta para os próximos anos do CRPRS? Imagino que o CRPRS tenha alguns desafios pela frente: buscar uma representatividade cada vez mais efetiva de uma categoria profissional com áreas de atuação tão diversas, contribuir para a construção de identidade profissional dinâmica e histórica, exercer seu papel em um cenário democrático e auxiliar à categoria na compreensão da importância de seu papel social inclusive em práticas individuais. Para tanto, além se incrementar a participação em eventos nacionais, manter ativas as ações do CREPOP, colaborar na elaboração junto aos demais Conselhos Regionais e ao Federal na elaboração de referências técnicas e outras publicações, acredito que seja crucial uma constante aproximação com os espaços de formação profissional e rodas de conversa e encontros temáticos para aproximação com a categoria, promovendo escuta, reflexão e orientação. Importante abrir diálogo e troca com os profissionais nas várias áreas de atuação, propiciando uma integração constante entre a técnica e a política.