A RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO SOB A PERSPECTIVA ÉTICA Rui Rossi dos SANTOS [email protected] http://ruirossi.pro.br Paulo Freire, em sua obra intitulada “pedagogia da autonomia”, procura apresentar diversos motivos que explicam e justificam a importância de se assumir o educando como um ser autônomo e com saberes próprios e indica diversas condições que precisam ser satisfeitas para que esta autonomia possa se desenvolver. Mas, ao invés de discorrer sobre todas estas condições, o presente texto concentra-se em analisar uma das concepções mais importantes que emanam do texto: a de que a relação entre professor e aluno é uma relação ética e que, portanto, o professor precisa adequar sua postura ao que ele chama de “ética universal do ser humano”. Ao longo de toda a sua obra, fica evidente que Paulo Freire centra-se na análise da formação dos professores e de suas práticas sob uma ótica educativo-progressista. A autonomia dos alunos, neste contexto, é condição fundamental para o desenvolvimento dos mesmos. De fato, atribui-se à escola a função de proporcionar uma formação aos seus alunos e formar é muito mais abrangente do que ensinar. De acordo com Freire, não se pode restringir o papel da escola a um mero trabalho de treinamento do aluno com vistas ao desenvolvimento de determinadas destrezas. Além disso, é preciso respeitar os saberes que os alunos trazem para o ambiente escolar. A própria concepção de natureza humana de Freire é importante para se compreender o caráter ético que ele atribui à relação entre docente e discente. De acordo com ele, o ser humano não possui, a priori, uma natureza; o ser humano é um ser histórico-social inacabado e se constrói no contexto histórico em que vive e nas relações que mantém com outras pessoas. Desse modo, toda pessoa possui certa autonomia para construir a si própria. O professor pode contribuir tanto positiva quanto negativamente para o desenvolvimento dos alunos e tudo depende da postura que ele adote no exercício de sua função. O papel do professor tem um caráter ético exatamente porque ele exerce influência sobre outros seres humanos e suas atitudes podem trazer benefícios ou malefícios para o processo de construção da identidade pela qual cada um precisa passar. Ao longo de sua obra, Freire se dedica a analisar a postura do professor tanto em sala de aula quanto fora dela e as suas influências sobre os seus alunos. Para ele, o primeiro passo que o professor precisa dar para adotar uma postura adequada é assumir que os alunos possuem uma cultura que precede o seu convívio na escola. Ao olhar os seus alunos como seres humanos, o professor poderá adotar uma postura mais adequada para trabalhar com eles enquanto seres histórico-sociais em construção. Nesse sentido, a postura ética do professor não é compatível com qualquer tipo de imposição ou autoritarismo, pois tal postura é extremamente prejudicial para a assunção da identidade cultural por parte dos alunos. Ao invés disso, o professor deve estimular a curiosidade dos alunos e permitir que eles construam o conhecimento com certa autonomia. Ressalte-se que Freire diferencia autoridade de autoritarismo e que é somente esta última que é danosa porque pressupõe uma atitude do professor que não assume o aluno enquanto um ser humano autônomo e lhe faz imposições que castram sua criatividade e limitam a possibilidade de ele assumir sua identidade cultural e de desenvolver seu próprio pensamento. Quando vêm à escola, os alunos já possuem uma curiosidade natural. O papel do professor é o de ajudá-los a superar esta “curiosidade ingênua” e a transformá-la em uma “curiosidade epistemológica”. Estas duas formas de curiosidade possuem a mesma essência, mas diferem entre si em termos de complexidade e profundidade. Enquanto a curiosidade ingênua se baseia apenas na experiência assistemática oriunda do cotidiano, a curiosidade epistemológica é dotada de rigor metódico. Do ponto de vista ético, o professor tem a missão de ajudar os alunos a desenvolverem uma curiosidade epistemológica, pois isso é condição para que eles possam se desenvolver enquanto seres humanos autônomos e assumir sua própria identidade. Tendo em vista o exposto, também é possível perceber que o preparo científico do professor também é vital para que ele tenha condições de cumprir com seu papel. Ele jamais conseguirá ajudar os alunos a desenvolverem uma curiosidade epistemológica se ele próprio permanece, a maior parte do tempo, sob uma visão ingênua das coisas. O fato de o professor precisar respeitar a identidade cultural do aluno e sua autonomia não significa que ele possa se eximir da responsabilidade que lhe cabe de trazer para a sala de aula os conteúdos e de tratar dos mesmos junto com os alunos. Entretanto, deve apenas tomar o cuidado de não tratar os alunos como meros repositórios destes conteúdos. Ao trazer estes conteúdos para a sala de aula, o professor precisa integrar o aluno no processo de construção do conhecimento e respeitar a sua autonomia de pensamento. Segundo Freire, o professor não deve respeitar a autonomia do aluno como se isso fosse um favor que ele faz. Na verdade, o respeito à autonomia do aluno e à sua dignidade é, na sua concepção, um imperativo ético. Se um professor não respeita a curiosidade do aluno, ele transgride um princípio ético fundamental da existência do ser humano. Do mesmo modo, se o professor não cumpre sua obrigação de propor limites à liberdade do aluno e se esquiva da sua tarefa de ensinar, ele também transgride este princípio ético. De fato, o professor está lidando com seres em construção e ele possui o dever de, ao mesmo tempo, respeitar a autonomia desses seres e também de ajudá-los nesta jornada. Desrespeitar a autonomia destes seres ou ser omisso na função de ensinar seria colocar barreiras ao desenvolvimento dos alunos e, por isso, caracteriza-se como atitudes que podem ser valoradas do ponto de vista ético. Referências FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educacional. São Paulo: Paz e Terra, 1996.