Artigo de Fonoaudiologia Relação entre Respiração Bucal e Alterações Posturais em Crianças: Uma Análise Descritiva The Relantionship between Mouth Breathing and Postural Alterations in Children: A Descriptive Analysis Resumo Lilian Huberman Krakauer O presente estudo teve como finalidade analisar a postura corporal de crianças respiradoras bucais. Através da análise descritiva de fotos nas posições Frontal, Sagital e Dorsal, analisou-se 150 fotos de crianças respiradoras bucais e 90 fotos de respiradoras nasais, todas com idade entre 5,0 e 10,0 anos. As fotos foram tiradas com máquina Polaroid, com filme previamente quadriculado. Os resultados encontrados mostraram que as crianças respiradoras nasais melhoram a postura após os 8,0 anos e que as crianças que mantém a respiração bucal após esta idade, permanecem com um comportamento corporal parecido com o de crianças menores de 8,0 anos. O estudo fotográfico se mostrou efetivo para o tipo de análise proposta. INTRODUÇÃO Desde o nascimento, a respiração nasal é uma situação vital elementar para o ser humano. Alterar o padrão respiratório, e adquirir uma respiração bucal de suplência, é uma adaptação funcional Unitermos: Respiração Bucal; Postura Corporal; Avaliação Fonoaudiológica. que acarreta modificações não somente nos órgãos e aparelhos diretamente envolvidos, mas também na dinâmica corporal como um todo. A respiração bucal de suplência, sendo uma função adaptativa do Sistema Estomatognático, promove alterações estruturais que permitam sua instalação e funcionalidade. Estas alterações são acompanhadas de desequilíbrios miofuncionais, que podem causar mudanças nas funções estomatognáticas e no eixo corporal. ANGLE2 falou sobre respiração bucal. Ele descreveu as seguintes considerações: “Das mais variadas causas de maloclusão, a respiração bucal é a mais potente, constante, e variada em seus resultados... causando desenvolvimento assimétrico dos músculos, como dos ossos do nariz, maxila e mandíbula, e uma desorganização das funções exercidas pelos lábios, bochechas e língua... Os efeitos da respiração bucal são sempre manifestados na face. O nariz é pequeno, curto, com as asas retas; as bochechas ficam pálidas e baixas; a boca fica cons- Lilian Huberman Krakauer* Arnaldo Guilherme** * Fonoaudióloga Clínica do CEFAC – Especialista em Motricidade Oral – Mestre em Distúrbios da Comunicação pela PUC-SP. ** Professor Adjunto Doutor em Otorrinolaringologia e Distúrbios da Comunicação Humana da EPM-UNIFESP R Dental Press Ortodon Ortop Facial, Maringá, v. 5, n. 5, p. 85-92, set./out. 2000 85 tantemente aberta; o lábio superior é curto; a mandíbula fica posicionada para trás e tem falta de desenvolvimento, sendo geralmente menor que o normal em seu comprimento, provavelmente devido à pressões não equilibradas dos músculos.” Conhecendo melhor o desenvolvimento corporal (BEZIERS4; ROLF15; ROCABADO-SEATON14; AKERMAN1), é possível comparar as seqüelas que possivelmente sejam determinadas por uma respiração não adequada. E a partir deste conhecimento, abre-se a perspectiva de desenvolver trabalhos preventivos que visem uma melhor qualidade de vida e conseqüentemente saúde plena. O objetivo deste trabalho é analisar a relação entre respiração bucal e alterações posturais em crianças de 5,0 a 10,0 anos de idade, e comparar os seus resultados com os de crianças com respiração nasal, da mesma faixa etária, a partir da análise descritiva de fotos nos planos Frontal, Sagital e Dorsal. MATERIAL E MÉTODO O motivo de escolha da faixa etária deu-se com o intuito de privilegiar o grupo de crianças que mais freqüenta consultório fonoaudiológico, com queixa de respiração bucal. O limite até 10 anos foi adotado para evitar o erro de incluir na análise possíveis alterações inerentes ao crescimento na puberdade, e limite mínimo foi estipulado por ser praticamente inexistente, crianças com menos de 5,0 anos chegarem à clínica fonoaudiológica por alteração respiratória. Para constituição dos grupos, foram reunidas 50 (cinqüenta) crianças para o Grupo Respirador Bucal (GRB), recrutadas em clínicas fonoaudiológicas e odontológicas, e que apresentavam pelo menos duas das alterações, a saber: • Mordida aberta anterior; • Lábios evertidos ou flácidos; • Alargamento da base do nariz; • Olheiras; • Projeção anterior de língua; • Flacidez facial. Foram excluídos da amostra (através de anamnese sumária) pacientes portadores de deficiência visual, deficiência auditiva, alterações ortopédicas e neurológicas. Para constituição do Grupo Controle (GC) foram escolhidas crianças da mesma faixa etária, de escolas particulares, que compõem uma amostra incidental desta população. Este critério de seleção foi adotado com o intuito de manter o mesmo padrão sócio-econômico das crianças de consultório. Desta forma, para o estabelecimento do GC foram escolhidas 30 (trinta) crianças, de 5,0 a 10,0 anos, que atendessem aos seguintes critérios: • Respiração nasal; • Ausência de alterações visuais; • Não uso de aparelhos ortopédicos (coletes, botas corretivas, etc.); • Ausência de alterações neurológicas; • Não utilização de aparelho ortodôntico. Para a análise dos resultados, o GRB foi subdividido em 5 (cinco) faixas etárias com 10 (dez) crianças com respiração bucal em cada subgrupo, e 6 (seis) em cada subgrupo do GC. Os subgrupos foram subdivididos da seguinte maneira: De 5,0 a 6,0 anos; de 6,1 a 7,0 anos; de 7,1 a 8,0 anos; de 8,1 a 9,0 anos e de 9,1 a 10,0 anos. Todas as crianças foram analisadas através de fotografias tiradas em três posições: frente, perfil e costas, segundo proposta de ROLF15, pois a partir dessas posturas foi possível realizar um exame apropriado das alterações posturais colocadas como objetivo desse trabalho. Para as fotos foi utilizada máquina fotográfica POLAROID modelo SPECTRA 2, com filme HIGH GRID DEFINITION, um filme previamente quadriculado que permite um ajuste do referencial observado em relação ao solo e ao plano vertical. Esta técnica possibilita ainda uma análise imediata dos resultados fotográficos e even- R Dental Press Ortodon Ortop Facial, Maringá, v. 5, n. 5, p. 85-92, set./out. 2000 tual repetição, se necessário. Para melhor qualidade de análise, as fotos devem ser coloridas. A máquina foi colocada sobre um tripé, ajustado a uma altura de 1 metro do solo e à distância de 2 metros de um fundo constante. As crianças mantinham-se a 20 cm da parede, sobre uma marca fixada no chão. A criança permanecia em pé, sem encostar na parede, sem cruzar pés ou mãos ou apoiá-las na cintura, evitando assim alterações na postura. Foi solicitado às crianças que fixassem o olhar “longe” (olhar perdido no horizonte), do modo mais natural possível. Para a análise das fotos, tanto o GRB como das crianças do GC, foram estabelecidos os seguintes critérios: • Na foto de frente: análise do plano dos ombros em relação ao solo. Desta forma pode-se observar a postura dos ombros em seu relacionamento com o plano Frontal, podendo seu resultado ser simétrico ou assimétrico. Estes resultados são apresentados como FRONTAL. • Na foto de perfil: análise do plano da cabeça em relação ao pescoço. Desta forma pode-se observar a postura da cabeça em seu relacionamento com o plano Sagital. O resultado encontrado pode ser: anterior, posterior ou normal (cabeça no eixo). Estes resultados são apresentados como SAGITAL. • Na foto de costas: análise das escápulas em relação ao eixo corporal. Desta forma pode-se observar a postura das escápulas em seu relacionamento com o eixo horizontal, que pode ser simétrica ou assimétrica. Estes resultados são apresentados como DORSAL. A fim de que a análise fosse mais efetiva, para cada segmento examinado, foram observados, para cada plano, as seguintes características: • Plano Frontal: comparação entre os hemicorpos direito e esquerdo, observando-se assimetria de ombros, de face e de cabeça; • Plano Sagital: observou-se o deslocamento anterior ou posterior da 86 cabeça e posição da coluna cervical em relação aos ombros; • Plano Dorsal: observou-se assimetria de escápulas, de cotovelos e da linha da cintura. DISCUSSÃO A respiração nasal é a respiração fisiológica do ser humano. Para que ocorra, necessita-se além da integridade anatômica e funcional das vias aéreas, que estas não apresentem impedimento à passagem do ar. Quando há qualquer tipo de impedimento, criam-se as condições para que surja a respiração bucal de suplência. A caracterização de uma Síndrome envolvendo sinais e sintomas decorrentes da respiração bucal, baseia-se em uma série de pesquisas feitas principalmente por ortodontistas e otorrinolaringologistas, que analisam, em geral, alterações dento-maxilo-faciais, alterações de crescimento e desenvolvimento craniofacial e as conseqüências causadas por hipertrofia de amígdalas palatinas, amígdala faríngea, hipertrofia de cornetos, rinite ou pelo hábito de respirar pela boca. Segundo KIMMELMAN10, a resistência nasal é um fator muito importante para a respiração fisiológica, pois a sensação de liberdade da respiração nasal, paradoxalmente, somente acontece quando há alguma resistência. Por outro lado, a obstrução nasal é muito desconfortável. Por ação da válvula nasal, a resistência ao ar pode mudar, gerando a sensação de que o indivíduo está respirando normalmente, e se a resistência for muito alta ou muito baixa, há uma sensação de obstrução nasal. Nos indivíduos que apresentam respiração bucal, há um rebaixamento da resistência nasal, o que é completamente desconfortável para a maioria das pessoas. Durante a vida do indivíduo, a postura corporal vai se tornando cada vez mais ereta, sendo que os sistemas respiratório, sensorial, dentário, etc. promovem a adaptação anatômica do tronco em relação ao pescoço. Tendo os músculos do tronco e do pescoço um papel muito importante no equilíbrio da cabeça, se ocorrer alguma interferência neste equilíbrio, a postura da cabeça também sofre mudanças (ROLF15). Encontramos na literatura alguns autores que relacionam a postura corporal com a respiração bucal. RICKETTS13 citando um “ Fórum sobre problemas das Tonsilas e Adenóides” , demonstrou a importância das dimensões da nasofaringe em relação à presença de tecido adenoideano. Se ela fosse profunda, o palato mole estaria adequadamente inclinado; se fosse rasa, o palato mole estaria precipitado levando a um ângulo agudo em relação à espinha nasal posterior. Nestas condições, particularmente nos longilíneos, a língua não ocuparia uma posição adequada, o palato mole se dirigiria mais para trás e para cima, vedando assim a nasofaringe. Para a manutenção da passagem de ar, o palato mole poderia tender para baixo, e a língua conseqüentemente adquiriria uma postura mais anterior e mais baixa na boca, como resultado de demandas funcionais do palato mole. Este mesmo autor observou que o posicionamento mais anteriorizado da língua era freqüente nos casos em que a nasofaringe estivesse obstruída pela amígdala faríngea. A língua se encontraria nesta postura devido às condições da nasofaringe, e a respiração seria um fator predisponente à maloclusão dos dentes, através da influência da postura da língua e possivelmente até da posição da mandíbula. A erupção dos dentes estaria relacionada à ação muscular da língua por um lado, e dos lábios e bochechas, por outro. Comentou também a alta ocorrência de efeitos colaterais das amígdalas palatinas e amígdala faríngea, associando-os à Síndrome da Obstrução Respiratória. Algumas características desta síndrome são: face alongada, mordidas cruzadas unilaterais ou bilaterais ou mordidas abertas pela protrusão lingual, lábios curtos e dentes R Dental Press Ortodon Ortop Facial, Maringá, v. 5, n. 5, p. 85-92, set./out. 2000 protruídos, constrição bilateral da maxila, podendo estar associada à deflexão mandibular levando a uma mordida cruzada funcional. Em alguns casos, ocorre rotação da cabeça no eixo cervical em um esforço de aumentar a passagem do ar. FREUNTHALLER8 citou a importância do exame do rinologista para o estabelecimento das causas da respiração bucal, através da rinoscopia. Para ele, em um respirador bucal, ocorre um desvio funcional da musculatura bucal, do rosto e da postura, que levam a um desenvolvimento inadequado do aparelho mastigatório, o que é uma indicação para a maloclusão. SOLOW e KREIBORG18 analisaram 120 sujeitos através de cefalometria e sugeriram que a conexão entre obstrução aérea nasal e alteração facial resulta em um alongamento do tecido mole facial, mudando a morfologia craniofacial. De acordo com os autores, a obstrução nasal leva à modificação da postura da cabeça, o que irá influenciar o desenvolvimento dentofacial. SUBTELNY19 conceituando a respiração nasal como uma utilização adequada do trato nasal e nasofaringeo, concluiu que o aumento das estruturas contidas nestas áreas anatômicas, assim como do tecido adenoideano da nasofaringe e dos cornetos nasais, poderia causar um impedimento na passagem do ar no canal nasorespiratório. Se a obstrução nasal fosse de dimensão suficiente para impedir a respiração nasal, o resultado poderia ser uma adaptação para respiração oral. Esta respiração causaria adaptação postural das estruturas da cabeça e da região do pescoço, levando a conseqüências indesejáveis nas relações inter-maxilares e no desenvolvimento da oclusão. JOSEPH9 citou que um distúrbio no equilíbrio do crescimento tanto do tecido linfóide da nasofaringe quanto da área nasofaríngea poderia resultar em respiração bucal, que traria conseqüências à face e à dentição. Observou que após a remoção da causa 87 da obstrução, havia a restauração da respiração nasal, reduzindo as más formações presentes e normalizando a aparência e saúde. Os efeitos da respiração bucal para o autor seriam: “adenoid facies”; aumento da altura facial inferior; aumento do ângulo do plano mandibular e ângulo goníaco mais aberto; posição mais anteriorizada da língua; deglutição atípica; arcos superiores estreitados com sobremordida ou mordida aberta anterior; alteração da postura da cabeça e hiperplasia gengival. ARAGÃO3 faz uma descrição da postura corporal de crianças que apresentam respiração bucal. Ele relata que o pescoço está projetado anteriormente, a musculatura do pescoço e da escápula são afetadas, provocando uma postura anormal. Os ombros ficam encurvados e o peito afundado. Todo esse mau funcionamento muscular faz com que a respiração seja curta e rápida. O movimento do músculo diafragma fica alterado, os músculos abdominais ficam flácidos e os braços e pernas assumem uma nova posição em relação à gravidade. SÁ FILHO17 relatou uma série de características sobre pacientes que apresentam respiração bucal. Dentre as características abordadas, como alterações dentomaxilofaciais (musculares e esqueléticas), otorrinolaringológicas, psíquicas, do aparelho digestivo, do metabolismo geral e do aparelho ocular, faz uma descrição pormenorizada de alterações esqueléticas e musculotoráxicas. São elas: 1) tórax carenatum; 2) tórax excavatum; 3) tórax plano; 4) tórax enfisematoso; 5) tórax inspiratório; 6) ombros propulsados e caídos; 7) escápulas aladas; 8) alterações de ráquis; 9) cifose; 10) escoliose; 11) lordose; 12) assimetrias pélvicas; 13) hipotonias; 14) trabalho muscular inadequado; 15) ventre proeminente; 16) pés planos. VIG et al.20, exploraram a relação entre obstrução aérea nasal e alteração postural com 30 sujeitos. Eles ocluíram as narinas dos indivíduos durante 1 hora e meia, e reportaram um aumento ântero-vertical da extensão da cabeça durante o período testado. Esse estudo demonstrou que a obstrução nasal resulta em uma extensão progressiva da cabeça. KUMAR et al.12 realizaram estudo cefalométrico sobre a relação do osso hióide e a primeira vértebra cervical (atlas) em respiradores bucais, estudo esse feito com 29 respiradores bucais (17 meninos e 12 meninas), com idade entre 10 e 14 anos, avaliados com análise cefalométrica e comparados com 23 respiradores nasais (11 meninos e 12 meninas). A avaliação realizada nos dois grupos foi baseada na história e avaliação clínica. O resultado deste estudo demonstrou que os respiradores bucais mantêm uma postura estendida de cabeça, resultando em um evidente aumento da distância entre o occipital e o arco dorsal da primeira vértebra cervical. FARAH e TANAKA 7realizaram um estudo que tinha como objetivo caracterizar a postura e a mobilidade da coluna cervical e do tronco em indivíduos portadores de alterações miofuncionais orais. Participaram 26 indivíduos, de ambos os sexos, entre 14 e 29 anos. Avaliaram-se pacientes quanto à mobilidade da coluna cervical e do tronco e à posição da cabeça. A postura foi registrada por fotografias, segundo método personalizado. Este estudo demonstrou que esses pacientes apresentam protração da cabeça, diminuição do ângulo tíbio-társico, hiperextensão do joelho e antepulsão da pelve, com diminuição da mobilidade cervical e do tronco. No trabalho de SABOYA16, foi encontrada uma grande percentagem de alterações na postura da cabeça em relação ao eixo Sagital, que resultam em mudanças no equilíbrio. Esse eixo é descrito na literatura fisioterápica (ROLF), devendo a orelha do indivíduo manter-se no mesmo alinhamento que o ombro. A falta de harmonia de língua, lábios, palato e mandíbula estão, em geral, associados a uma desarmonia e a falta de flexibilidade R Dental Press Ortodon Ortop Facial, Maringá, v. 5, n. 5, p. 85-92, set./out. 2000 na cabeça e no pescoço. Partindo destas premissas, a idéia inicial deste trabalho foi a de verificar se crianças que têm respiração bucal apresentam ou não alteração da postura como decorrência deste tipo de respiração e comparar os resultados com os de crianças com respiração nasal. Outras situações também poderiam trazer alterações posturais em crianças e, para garantir que as crianças do estudo não apresentassem alterações posturais decorrentes de outras etiologias que não a respiração bucal, exclui-se da amostra (GRB) e do GC crianças com alterações auditivas, visuais, neurológicas e com problemas ortopédicos, pelo fato de poderem gerar, por si só, alterações posturais. Inicialmente procurou-se verificar se havia diferença nas posturas estudadas (Frontal, Sagital e Dorsal) para crianças do sexo feminino e masculino. Para isso, foi realizada uma divisão eqüitativa do GRB e do GC entre os sexos. A análise estatística mostrou que a incidência de alterações posturais em crianças do sexo feminino é igual do ponto de vista estatístico às alterações posturais em crianças do sexo masculino, tanto para o GC quanto para o GRB. A seguir, procuramos verificar se havia diferenças nas posturas analisadas, entre as faixas etárias, decorrentes do crescimento normal, os grupos GRB e GC foram segmentados em cinco faixas etárias (5,0 a 6,0 anos; 6,1 a 7,0 anos; 7,1 a 8,0 anos; 8,1 a 9,0 anos e 9,1 a 10,0 anos). Após a análise estatística, foi necessário restabelecer um novo agrupamento de populações homogêneas, que transformaram-se em objeto de nosso estudo a partir de então, a saber: Faixa Etária 1 – 5,0 a 8,0 anos e Faixa Etária 2 – 8,1 a 10,0 anos. Desta forma, analisando as fotografias tiradas, foram obtidos os seguintes resultados: • Quanto à postura Frontal, os resultados do estudo estatístico mostram que o número de alterações nesta postura no GC é igual do ponto de 88 vista estatístico ao número de alterações no GRB para a Faixa Etária de 5,0 a 8,0 anos, mas que o número de alterações na postura Frontal para a Faixa Etária de 8,1 a 10,0 anos é menor no GC. • Quanto à postura Sagital, os resultados do estudo estatístico mostram que tanto para a Faixa Etária de 5,0 a 8,0 anos quanto para a de 8,1 a 9,0 anos, o número de alterações nessa postura é menor no GC do que no GRB. • Quanto à postura Dorsal, os resultados do estudo estatístico mostram que o número de alterações no GC é menor do que o número de alterações no GRB para a faixa Etária de 5,0 a 8,0 anos, porém é igual para a Faixa Etária de 8,1 a 10,0 anos. Os resultados acima podem ser observados nas tabelas 1 e 2. Foi possível observar através dos resultados e análise das fotos que a maioria das crianças tem o eixo da cabeça fora do alinhamento do ombro, principalmente no GRB após os 8,1 anos. As crianças com respiração bucal, mudam a postura da cabeça, provavelmente, para adaptar a angulação da faringe para facilitar a entrada de ar pela boca, na tentativa de obter um melhor fluxo aéreo superior. A mudança do eixo da cabeça altera também a posição de repouso mandibular, os contatos oclusais, os planos ótico e bipupilar. A estas mudanças, podem seguir-se movimentos adaptativos do corpo em busca de uma postura mais confortável e de equilíbrio. Entende-se com isto, que a criança que possui respiração bucal, altera o funcionamento fisiológico da respiração, e a postura da cabeça acaba por sofrer transformações. Como conseqüência, as relações da cabeça com o pescoço e deste com o tronco, também poderão estar alteradas. Portanto podemos afirmar que em uma criança com respiração nasal, ocorre naturalmente um alinhamento do eixo corporal ereto, nos três planos (Frontal/Sagital/Dorsal), e que este fenômeno fisiológico estaria comprometido quando há a necessidade de TABELA 1 Distribuição numérica e percentual das alterações nas posturas Frontal, Sagital e Dorsal, nos indivíduos do GC e GRB, na faixa etária de 5,0 a 8,0 anos. GC Frontal Sagital Dorsal GRB N % N % Não 10 55,6 12 40,0 Sim 8 44,4 18 60,0 Total 18 100,0 30 100,0 Não 12 66,7 6 20,0 6 33,3 24 80,0 Total 18 100,0 30 100,0 Não 10 55,6 5 16,7 Sim 8 44,4 25 83,3 18 100,0 30 100,0 Sim Total TABELA 2 Distribuição numérica e percentual das alterações nas posturas Frontal, Sagital e Dorsal, nos indivíduos do GC e GRB, na faixa etária de 8,1 a 10,0 anos. GC N Frontal % 8 66,7 1 5,0 Sim 4 33,3 19 95,0 100,0 12 100,0 20 Não 9 75,0 0 0,0 Sim 3 25,0 20 100,0 12 100,0 20 100,0 Não 7 58,3 6 30,0 Sim 5 41,7 14 70,0 12 100,0 20 100,0 Total Dorsal N Não Total Sagital GRB % Total uma respiração bucal de suplência, principalmente na plano Sagital, por influência da projeção da cabeça. No trabalho, verificamos também se com o aumento da idade, haveria uma mudança no comportamento corporal das crianças, e se existiriam diferenças entre o GC e GRB. No GC, o número de alterações encontradas nas posturas estudadas na Faixa Etária de 5,0 a 8,0 anos é igual ao número de alterações nas mesmas posturas na Faixa Etária de 8,1 a 10,0 anos. Quanto ao GRB, o número de alterações encontradas na postura Frontal na Faixa Etária de 5,0 a 8,0 anos, é menor do que o número de alterações nesta postura na Faixa Etária de 8,1 a 10,0 anos. Em relação às posturas Sagital e Dorsal, o número de alterações na Faixa Etária de 5,0 a 8,0 anos é estatisticamente igual ao número de alterações na Faixa Etária de 8,1 a 10,0 anos. R Dental Press Ortodon Ortop Facial, Maringá, v. 5, n. 5, p. 85-92, set./out. 2000 Além destes resultados, observa-se que no GC, embora não significativo no ponto de vista estatístico, os percentuais de alterações são menores na Faixa Etária de 8,1 a 10,0 anos, em todas as posturas. Por outro lado, no GRB ocorre o contrário para as posturas Frontal e Sagital. Na análise destas posturas, os percentuais de alterações encontrados são maiores na Faixa Etária de 8,1 a 10,0 anos, sendo este aumento estatisticamente significante para a posição Frontal e com tendência significativa para a posição Sagital. Apenas para a posição Dorsal é que esse percentual do GRB comporta-se como para o GC. Estes dados revelam que, com a idade, há uma evolução na postura das crianças do GC. Este desenvolvimento parece não ocorrer com as crianças do GRB, podendo com isso ser possível inferir que, para a manutenção do eixo corporal adequado, a 89 respiração nasal se faz necessária. Os resultados acima podem ser observados nas tabelas 3 e 4. Os resultados deste estudo vão de encontro às posições de BÉZIERS e HUNSINGER 4,5 , ROLF 15 , DENYSSTRUYF 6, ROCABADO-SEATON 14 e AKERMAN1. BÉZIERS e HUNSINGER4 mostram a importância de quatro funções básicas do organismo em relação ao desenvolvimento da coordenação motora. São elas: enrolamento, endireitamento, torção e tensão. Em relação ao desenvolvimento de tronco e cabeça, faz-se a seguinte análise: na cabeça, o enrolamento é um movimento muito complexo, que parte dos músculos dos lábios e coordena todos os músculos da deglutição e do centro motor hioidiano, permitido a báscula da cabeça para frente, abrindo, atrás, o espaço das duas primeiras vértebras cervicais. Esse movimento representa uma pequena inclinação da cabeça quando esta faz uma flexão anterior. Em relação ao endireitamento, os músculos da parte posterior do tronco – os músculos extensores das costas – podem ser considerados uma espécie de mola. A flexão-extensão garante a harmonia e o equilíbrio ântero-posterior do corpo. No caso de desarmonia entre os músculos flexores e os extensores, o tronco fica em posição incorreta. Em 1996, as autoras relataram que a respiração bucal leva a alterações no processo de flexão, não permitindo que se crie o espaço entre as duas primeiras vértebras cervicais, promovendo uma diminuição do espaço dessa região e, por conseqüência, uma posição de cabeça mais anteriorizada. DENYS-SRTYUF6, discorrendo sobre eixo corporal e suas desarmonias, conclui que o equilíbrio do homem em pé resulta do jogo de três massas: cefálica, torácica e pélvica. A observação de uma pessoa inicia-se por sua expressão em pé, em particular pela observação dos modos por ela adotados para encontrar o equilíbrio na posição natural em pé. As formas TABELA 3 Distribuição numérica e percentual das alterações nas posturas Frontal, Sagital e Dorsal, segundo as faixas etárias, nos indivíduos do GC. 5,0 a 8,0 anos N % Frontal Sagital Dorsal 8,1 a 10,0 anos N % Não 10 55,6 8 Sim 8 44,4 4 33,3 Total 18 100,0 12 100,0 Não 12 66,7 9 75,0 Sim 6 33,3 3 25,0 Total 18 100,0 12 100,0 Não 10 55,6 7 58,3 Sim Total 66,7 8 44,4 5 41,7 18 100,0 12 100,0 TABELA 4 Distribuição numérica e percentual das alterações nas posturas Frontal, Sagital e Dorsal, segundo as faixas etárias, nos indivíduos do GRB. 5,0 a 8,0 anos N % Frontal Sagital Dorsal 8,1 a 10,0 anos N % Não 12 40,0 1 5,0 Sim 18 60,0 19 95,0 Total 100,0 30 100,0 20 Não 6 20,0 0 0,0 Sim 24 80,0 20 100,0 Total 30 100,0 20 100,0 Não 5 16,7 6 30,0 Sim 25 83,3 14 70,0 Total 30 100,0 20 100,0 de expressão corporal consideradas como principais são associadas às formas adotadas para garantir o equilíbrio do corpo em pé no eixo Sagital. Nossos gestos e atitudes são variados, mas a postura estática é caracterizada principalmente pela escolha de um tipo de equilíbrio. Na figura 1 podemos ver em (C), o eixo corporal equilibrado e nas figuras laterais, a adaptação a um novo padrão de equilíbrio, levando a posturas anteriorizadas (A) ou posteriorizadas (B). ROCABADO-SEATON14 discutiu a importância da relação entre crânio, coluna cervical e Sistema Estomatognático. O autor relatou que a estabilidade ereta de crânio (ortostática) é muito importante, uma vez que existe um delicado equilíbrio deste sobre a região occipital. O equilíbrio da parte mais baixa do crânio depende dos músculos mastigatórios e da musculatura da região supra e infrahióidea. R Dental Press Ortodon Ortop Facial, Maringá, v. 5, n. 5, p. 85-92, set./out. 2000 A análise do Sistema Estomatognático não pode separar-se de sua relação com as estruturas da cabeça e do pescoço, que devem ser avaliadas em conjunto e ter tratamento integral. A C B FIGURA 1 – Denys – Struyf (1995) 90 AKERMAN1 relatou que crianças de até 7 ou 8 anos não possuem função total da musculatura abdominal, ainda não plenamente desenvolvida, o que viria a ocorrer a partir desta idade. A musculatura abdominal é responsável pela estabilidade do esterno, costelas e coluna, contribuindo para a respiração e para a fala. Entre 5 e 8 anos, ocorre um estirão de crescimento, o que provoca uma desorganização no corpo da criança, que aos poucos vai reorganizando sua postura no espaço, se este desenvolvimento ocorrer de uma forma normal. Como a musculatura abdominal ainda não finalizou seu desenvolvimento, o tronco não sofre a ação adequada desta musculatura, não proporcionando o abaixamento das costelas e tendo por conseqüência sua anteriorização para compensar a falta de função abdominal. A criança, portanto, acaba por se adaptar a uma nova postura, que nessa época é transitoriamente compensatória. Com esses dados, podemos supor que a parte superior do tronco, fica com menor sustentação, proporcionando uma postura desorganizada, com ventre protruso, escápulas aladas e ombros assimétricos. Já para crianças maiores de 8 anos os achados não são os mesmos, pois nota-se que há uma melhora da pos- tura no GC, melhorando suas características corporais, enquanto estas são mantidas no GRB. Portanto, as crianças apresentam uma melhora na postura com o decorrer da idade, e isto é prejudicado pela respiração bucal. COMENTÁRIOS CONCLUSIVOS A partir deste trabalho verificouse que as crianças de 5,0 a 8,0 anos de idade, tanto com respiração bucal como com respiração nasal, apresentam alterações posturais. Porém as crianças com respiração nasal, maiores de 8,0 anos de idade, melhoram a postura com o crescimento e as crianças com respiração bucal mantêm um padrão corporal desorganizado, semelhante ao de crianças menores. Desta forma, parece ser inadequado o uso do termo patológico para caracterizar as alterações posturais de uma criança com respiração nasal até os 8,0 anos de idade. Porém, a manutenção deste padrão respiratório, após esta idade, pode vir a acarretar alterações estruturais no eixo corporal destas crianças, quando comparadas com crianças com respiração normal. Apesar destas considerações, o trabalho fonoaudiológico, focado na respiração bucal, com crianças de 5,0 a 8,0 anos de idade, mantém um papel muito importante sob o ponto de vista preventivo, para que estas não venham a apresentar problemas posturais mais sérios e conseqüentemente, maior dificuldade de reabilitação. O controle fotográfico se mostrou eficiente tanto para diagnóstico, como para seguimento do paciente. As fotos devem ser repetidas há cada 2 meses, para observarmos a evolução, ou não, da fonoterapia. CONCLUSÕES A utilização de recurso fotográfico se mostrou eficiente para caracterização de alterações posturais, devendo ser incorporado à prática fonoaudiológica, sendo o plano sagital o de melhor observação para as alterações posturais. As alterações posturais ocorrem igualmente em ambos os sexos, sendo que para crianças de até 8,0 anos, não se evidenciam diferenças estatísticas entre as alterações posturais dos respiradores nasais e dos respiradores bucais. Porém, a partir dos 8,0 anos, o número de alterações é estatisticamente maior no grupo de crianças com respiração bucal do que no grupo de crianças com respiração nasal. As crianças com respiração nasal apresentam uma maior harmonia corporal do que as crianças com respiração bucal. FIGURA 2 – Menino Respirador Bucal, 10 anos. Fotos de postura: frontal, sagital e dorsal. R Dental Press Ortodon Ortop Facial, Maringá, v. 5, n. 5, p. 85-92, set./out. 2000 91 Abstract The present study focused on the analysis of corporal posture of children with mouth breathing. Trough the descriptive analysis of pictures in Frontal position (observing the symmetry/ asymmetry of the shoulders), Sagital (analyzing the position of the head in relation to the Sagital axis) and Dorsal (observing the symmetry/ asymmetry of the scapulae), one has analyzed 150 pictures of children with mouth breathing and 90 pictures of children with nasal breathing, all of them between 5 and 10 years of age. The pictures have been taken with a Polaroid camera, with grid film. The results have shown the following: 1) there are no differences, concerning the studied postural alterations, between boys and girls, be it mouth breathers or nasal breathers; 2) the use of photographic tracking has proved efficient to he type of analysis proposed; 3) for children ranging between 5 and 8 years, there are no statistic differences between postural alterations of nasal breathers and mouth breathers within the three studied categories; 4) for children older than 8 years, the number of postural alterations is greater among mouth breathing children; 5) the greatest number of alterations is observed in the Sagital axis; 6) after Key-words: Mouth Breathing; Corporal Posture; Speech-Pathologist Assessment. no.9, p. 304-308, 1975. 9 - JOSEPH, R. The effect of airway on growth and development of the face, jaws and dentition. Int J Orofacial Myology, v.8, no.2, p. 4-9, 1982. 10 - KIMMELMAN, C. P. The Problem of Nasal Obstruction; in The Otolaryngologic. 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