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UMA ANÁLISE DOS “PAPÉIS” DE GÊNERO ATRAVÉS DA ESCRITA DE
ANAYDE BEIRIZ
Marcilene Pereira Barbosa
Alômia Abrantes
Universidade Estadual da Paraíba-UEPB
Resumo
Nosso trabalho pretende analisar como as identidades de gênero aparecem no discurso
da escritora e poetisa Anayde Beiriz (1905-1930), através das cartas trocadas entre ela e
seu namorado Heriberto Paiva, de 1924 a 1926. O nosso olhar sobre as cartas é voltado
para aquelas em que tais construções identitárias se mostram mais evidentes, aonde
essas relações tecem fios de poder. Procuramos assim visualizar como são demarcados
os lugares para o feminino e o masculino, considerando a escrita das cartas ricas em
códigos de comportamento da sociedade, marcadas por táticas de captura dos sujeitos,
mas que também dão visibilidade às rupturas em relação às regras de normatização
desses lugares. Uma escrita de caráter íntimo, cuja dinâmica é articulada em um campo
de avanços e recuos com relação aos dispositivos reguladores do corpo, do desejo e da
sexualidade, Para esse exercício, situamo-nos no território da história cultural,
inspirando-nos nas contribuições de Judith Butler, Ângela de Castro Gomes, Michel
Foucault, Joan Scott, Tânia Navarro, Margareth Rago, entre outro (a)s.
Palavras-chave: Gênero. Papéis. Poder.
Analisar a forma como os “papéis” de gênero aparecem no discurso da
escritora e poetisa Anayde Beiriz, que viveu na Paraíba no inicio do século XX, é nossa
proposta. Vista como uma mulher ousada para sua época, integrante de um grupo
literário de pretensões modernistas, chamado Os Novos, era entre eles a única mulher.
Todavia, a sua imagem adquiriu maior visibilidade quando a mesma começou a manter
um relacionamento amoroso com João Dantas, advogado ligado ao Partido Republicano
Conservador, que veio a assassinar o presidente da Paraíba, João Pessoa _ fato
considerado “estopim para a Revolução de 1930”. Anayde Beiriz teve assim sua história
envolvida em uma trama política e moral, marcada por valores como honra e virilidade.
Porém aqui o nosso olhar sobre ela é lançado em um momento anterior.
Para tanto, recorremos ao livro de Marcus Aranha, intitulado “Anayde
Beiriz: Panthera dos Olhos Dormentes”, obra lançada em homenagem ao centenário de
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nascimento da própria, em 18 de fevereiro de 2005. Nesse livro encontra-se uma série
de sessenta cartas, que foram trocadas por Anayde Beiriz e seu namorado Heriberto
Paiva, entre agosto de 1924 e setembro de 1926. Essa correspondência íntima e secreta
por tanto tempo, nos confere maior visibilidade aos signos corporais, sensuais e afetivos
que marcam sua imagem e nos permitem inscrevê-la em outros campos, possibilitando
novas perspectivas e abordagens, em particular a de uma escrita de si; nessa área
analisaremos as marcas discursivas utilizadas por Anayde Beiriz e Heriberto Paiva,
enfatizando essas construções que demarcam os lugares dos sujeitos, notadamente o do
feminino.
Tais cartas foram transcritas por ela, formando uma espécie de diário
daquele romance à distância. Esse arquivo, denominado “Cartas do meu grande amor”,
nos permite visualizar os conflitos que atrelam “papéis” para o feminino e para o
masculino. Porém, não intencionamos falar sobre sua vida pessoal, nem tampouco ver
essa fonte como uma “detentora” da “verdade” a respeito da mesma; o nosso olhar sobre
as cartas é direcionado aqui para aquelas em que aparecem mais visivelmente os
códigos de comportamento da sociedade, os quais citam os indivíduos nesse caráter
binário e demarca os territórios que ambos devem ocupar.
Portanto, nesse exercício duplo, na qual ela escreve e depois transcreve as
cartas para um diário junto das correspondências que recebeu do seu namorado
Heriberto Paiva, Anayde não apenas sustenta essa relação de alteridade, mas cria
também um memorial daquela relação, presentificada pelos manuscritos e fotografias
(ABRANTES, 2007). Um espaço nos quais os corpos dos sujeitos passam a praticar o
mesmo lugar social, uma relação de troca, em que os sujeitos se mostram ao outro e
esse ‘dar-se a ver’ é demarcado por uma especificidade, pois diferente de outras práticas
de escrita de si1 a correspondência tem um destinatário específico. Os indivíduos
mantêm um diálogo que lhe proporcionam avançar e recuar perante os códigos sociais e
para contextualizar essas vivências remetemo-nos a fazer uma seleção das cartas onde
essas funções estão mais evidentes no texto; em uma dessas cartas ela escreve:
1
Ver o prefácio da coletânea a Escrita de Si, Escrita da História, obra da historiografia Ângela de Castro
Gomes, p. 19.
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[...] E muitas vezes ouvi dos teus lábios um leve queixume, porque
não me mostrava meiga e ardente como tu; parecia-te naquelle tempo,
uma creatura sem nervos, fria, insensível, não é verdade, meu Amor?
Fiz o possivel para não trahir-me, para que não me conhecesses tal
qual eu era: ardente, apaixonada, vibrante... Temi muitas vezes que os
meus olhos te revelassem o que eu queria que tu desconhecesses e só
agora, (e isto porque estás longe e não me podes ver tão cedo), eu
tenho animo de revelar-me aos teus olhos, tal qual sou.
Não me creias uma mulher romântica, piedosa, dessas que amam
pacifica e sinceramente, mas sem intensidade e sem ardor, essas
mulheres que sabem ser esposas, sabem ser mães, mas não sabem ser
amantes...2.
Nessa carta, Anayde narra o receio de ser “descoberta” por Heriberto, no
entanto, o temor também perpassa pelo receio da traição de si mesma, percebemos a
sutileza com que os códigos normativos operam nessa construção sociocultural da
feminilidade, feita de contenção, discrição, doçura, submissão (sempre dizer sim, jamais
não), o pudor e o silêncio; eis as virtudes cardeais da mulher que Simone de Beauvoir
(1949, apud PERROT, 2003, p. 21) analisou. Essa postura também é contextualizada
nas problemáticas da Margareth Rago (1985, p. 45), quando ela observa que aquela que
não preenchesse os requisitos estipulados pela natureza, inscrevia-se no campo sombrio
da anormalidade, do pecado e do crime. Ao mesmo instante que as epístolas demarcam
essas apreensões, elas rendilham outras identidades, portanto, sem perder de vista essa
relação de alteridade, que no caso de Anayde Beiriz reporta principalmente para uma
alteridade de gênero; Michel Foucault nos fala que as cartas preparam de certa forma
um face a face3, esse trabalho precisa ser compreendido não é apenas um deciframento
de si, as epístolas não devem ser entendidas apenas como uma descrição de si.
Anayde ao se descrever não deixa de visualizar o outro, além de pontuar um
modelo de mulher romântica e piedosa, ela faz questão de dizer que esse tipo sabe ser
mãe e esposa, mas que, no entanto, não sabem ser amantes. Nessa “revelação” aos olhos
do seu amado, através do distanciamento físico, percebemos múltiplas convergências e
2
Trecho de carta de Anayde Beiriz para Heriberto Paiva em 29 de Setembro de 1925.
3
Ver Michel Foucault em Ética, Sexualidade, Política. p. 156.
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divergências e como nos pontua Judith Butler, o gênero4 é uma complexidade que não
obedece a um telos normativo.
O dispositivo amoroso e a sexualidade formam a trama onde se tece e se
produz o feminino – a objetivação indissociável do processo de subjetivação, a
produção do sujeito de um saber e a produção do saber sobre um sujeito por meio de
práticas discursivas e não discursivas diversas. As tecnologias do gênero tem assim uma
dupla face, externa e interna a si mesma, que trabalha na produção do sujeito feminino
em quadros de valores para os quais é e cria referencia. A ação sobre si utiliza técnicas
de adaptação, de recusa, de assujeitamentos aos códigos, aos limites, às normas de
gênero e de sexualidade, constituindo o que chamamos de "processo de subjetivação”
(SWAIN, 2009). Essas relações de poderes urdem “papéis” para os indivíduos,
condições essas que não devem ser compreendidas como naturais e nem tão pouco
resumi-las a um caráter binário, devemos observar as multiplicidades sem deixar de
compreender o seu lugar social5.
Nessas táticas discursivas que a permitem resistir e/ou avançar ante os
códigos normativos e disciplinares, as cartas observam as ressonâncias das mudanças
vivenciadas em sua época, porém Heriberto demonstra em uma de suas narrativas a sua
ideia de felicidade, um ideal que perpassa por uma divisão de papéis para o feminino e o
masculino, ele compara a sua amada a esse modelo quando diz:
Tu, a esposa ideal, amante do teu lar, fiel ao teu companheiro, para o
qual sempre terás um beijo, uma carícia e, ainda, a mãe carinhosa;
porque, como já te disse uma vez, pretendo, ou, melhor, pretendemos,
desejamos possuir dois filhinhos, Ruth e Fernando, que hão de ser o
nosso encanto, os fructos de todo o nosso affecto.
Não é verdade, não afirmas também o que eu digo? Porventura, Amor,
existe ainda maior felicidade? Para mim o segredo da sciencia e o
amor ao lar sacrosanto; para ti, a doçura da vida e a educação dos
nossos filhinhos6.
4
Sobre o conceito da categoria de gênero, observar Judith Butler em Problemas de Gênero: Feminismo e
subservão da identidade. p. 37.
5
Lugar social, conceito tomado de empréstimo a Certeau, Michel de. “A operação histórica”. In: A
escrita da Hstória, 2008, p.66-77.
6
Trecho de carta de Heriberto Paiva para Anayde Beiriz em 31 de Julho de 1925.
5
Observamos que nessa descrição Heriberto posiciona Anayde como amante
do lar, pois esse é um espaço sacrosanto, além disso, a educação dos filhos é uma de
suas responsabilidades, ou seja, o ambiente privado é reservado para sua pessoa, no
entanto, para ele será o segredo da ciência e o âmbito público sua esfera de ocupação. E
embora a historiografia ao referir-se a Anayde Beiriz a posicione comumente num
campo da ousadia e transgressão, devemos compreender as particularidades desse
vínculo, os ventos trazidos com essa modernidade, “exigiam” novas formas de
circulação dentro da sociedade, todavia esse transitar não anulava antigas práticas, pois
ao responder essa carta que seu Hery lhe enviou, ela diz que:
Ah! Meu amor! Como eu queria que todos os nossos sonhos, todas as
nossas ilusões, todos os nossos desejos se tornassem reas! [...]
Também a mim, o coração me diz, que ainda hás de ser meu, que
ainda hei de ser tua. Que ainda hei de esperar-te todos os dias à porta
da nossa casinha, para dar-te o beijo de boas-vindas. Voltarás
fatigado, do serviço médico, mas encontrarás sempre o meu collo para
repousares a cabeça. E depois... mais tarde... levar-te hei ao nosso
quarto, onde num berço, um bebê louro e rosado, de olhos azues como
os teus, nos estenderá os bracinhos, sorrindo... E nós havemos de
beijal-o tanto, não é verdade, meu Amor?!
Essa carta última que me enviaste, deu-me bem a prova do teu amor
por mim. Reconheço-te bem: és o meu Hery de sempre, dedicado e
forte7
Ao responder as perguntas de Heriberto ela corresponde aos anseios de seu
amado e também visualiza esse ideal de felicidade como sendo o seu sonho, aliás, os
desejos de “Hery” serão uma prova de amor para Anayde Beiriz. Essa escrita de si nos
mostra as tramas micropolíticas dessa historicidade, além do mais, essa prática é
construída através de um pacto de confiança feito entre eles, porém essa sinceridade,
não deixa de passar por uma seletividade de palavras, de imagens, que não ocupam um
lugar aleatório na composição da face e do corpo de quem escreve. É também uma
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Trecho de carta de Anayde Beiriz para Heriberto Paiva em 18 de Agosto de 1925.
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tessitura feita numa rede de linguagens, que põe em funcionamento um jogo de saber e
poder sempre dinâmicos.
E nesse jogo de captura do outro, as correspondências brincam com as
identidades, a escrita vista como um campo notoriamente masculino encontra outro
“proprietário” quando passa a circular no terreno silencioso, em uma dessas epistolas
Hery deixa claro que:
[...] Antes de terminar esta, peço-te Querida, que me envieis um
retrato teu, do mesmo tamanho que o meu, para que eu possa
conserval-o num quadro, à minha cabeceira.
Adeus, dama dos meus sonhos! Desculpe a letra trêmula, estou tão
fraco! Beija-te na bocca o teu fiel escravo Hery8.
Heriberto, ao término dessa carta, diz ter uma fidelidade de escravo para
com a sua amada, publicar em suas narrativas a sua condição não é vista por nós como
um caráter de deslocamento de papéis entre dominados e dominadores, a análise feita
nesse trecho retrata como as identidades vagueiam por territórios distintos ao modelo
que os cristalizam. Essa materialização feita através da escrita de ambos nos possibilita
problematizarmos esses corpos tidos como transgressivos para o seu contexto social,
além do mais, a escrita vai adquirindo com a troca de anseios uma corporeidade, mesmo
que os rostos dos indivíduos não se encontrem presentes, a linguagem toma para si uma
forma de poder que ultrapassa as barreiras das linhas de cada carta.
Nessas construções culturais, Mary Del Priore (2006, p. 122) pontua _ o
homem nascera para mandar, conquistar, realizar. O despotismo, antes privilégio de
monarcas, passa a ser do marido, dentro de casa. A mulher, por sua vez, nascera para
agradar, ser mãe e desenvolver certo pudor natural, no entanto, de forma “sutil” esses
ditos papéis também são questionados:
Amor: (não é a primeira vez que eu te faço esta pergunta) Por que será
que eu te amo tanto? Acaso em outra geração nós nos conhecíamos?
Pertencíamos um ao outro? É bem provável que nós nos
8
Trecho de carta de Heriberto Paiva para Anayde Beiriz em 19 de Fevereiro de 1926.
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conhecêssemos, porque, desde o dia em que te vi, eu senti que te
amava.
Queres saber ao certo a origem do nosso amor? Ahi vae: “Existia,
outr’ora, uma pantherinha de olhos tão dormentes que encantava o sol,
a lua, as estrelas... Um dia, ella encantou um pastorzinho e scismou
que elle deveria amal-a e...Pobre pastorzinho por que tu amaste tanto
aquela pantherinha? Por que tu te dedicaste tanto â ella, a tal ponto
que, após gerações e gerações, tu ainda estás preso aos seus encantos?
Ah! Pastorzinho, és tão feliz! Amar um pantherinha sempre, sempre...
Através dos tempos!
Adeus, Querida, já não sei o que escrevo.
Beija na bocca, nos olhos, no coração, o teu.
Hery”9.
Nos momentos em que se sente subjugado por esse sentimento, ele recorre a
metáforas para explicar o seu não controle perante a situação em que se encontra
imerso. As cartas desses enamorados nos possibilitam de algum modo o acesso de
alguns códigos de sensibilidade e sociabilidade de seu tempo e espaço, perscrutando
suas táticas, seu modo de inscrever-se num território de fronteira entre o normativo e o
transgressivo.
O feminino e o masculino são modelados através desse diálogo que
posiciona os corpos dos sujeitos a se equilibrarem entre a linha normativa e a linha
transgressiva, porém esse transgredir é uma teia emaranhada de rupturas e
permanências; a escrita de si não é uma detentora da real face do sujeito que a escreve,
ela é uma prática de escolhas, as quais não passam por uma seleção aleatória. Esses
territórios que em ambos se constroem demarcam um espaço de conquista, de sedução,
de captura do outro, mas também de constituição de si, ou seja, ambos participam
dessas mudanças nas relações entre homens e mulheres. No entanto, o amor ainda é um
dos dispositivos utilizados nos códigos morais para determinar os papéis e como nos
lembra a Mary Del Priore (2006, p. 290): “Embora fosse senso comum que “as
mulheres vivem para o amor”, bem como que o romantismo e a sensibilidade seriam
características eminentemente femininas, restava perguntar, qual amor? “Que amor era
9
Trecho de carta de Heriberto Paiva para Anayde Beiriz em 17 de Junho de 1926.
8
este? A herança de séculos impunha-se: um amor domesticado; feito de razões. “Nada
de paixões que violassem a lei e a ordem”.
E é esse amor atrelado às suas práticas que tanto inquietam a sociedade, pois
embora os ventos da modernidade nos trouxessem outros costumes, os discursos tecidos
acerca desse sentimento perpassam a sexualidade do individuo:
Creem elles que eu sou trágica, que gosto desse amor que queima,
dessa paixão que devora, dessa febre amorosa que mata...
É certo que antigamente eu pensava que se viesse a amar a alguém era
desse modo. Sympathizava em extremo com essas mulheres que
matavam aquelles a quem tinham amado, que faziam morrer os
amantes nos braços misturando a delícia de amar à agonia de
morrer [...] E não é assim o meu amor para comtigo; é alguma cousa
de mais casta, de mais doce, é aquelle amor que Julio Dantas
qualificou “de amor coração, de amor delicadeza, de amor
sentimento”: e este é ao meu ver o verdadeiro. As vezes, é certo
que sinto que se eu fosse tua, se me visses nos teus braços,
despertaria em meu ser a ânsia immoderada dos braços que
mordem, dos braços que torturam, das carícias que ferem, toda
essa sede violenta do amor sensual, característica das naturezas
ardentes como a minha10.
Anayde Beiriz nessas linhas nos mostra como o seu meio social a enxerga; a
sua forma de amar inquieta e lhe enquadra no perfil de mulher ousada para o seu
contexto histórico, embora ela deixe em sua escrita que suas ideias em um tempo
remoto, já caminharam de mãos dadas com o modelo de mulher mais trágica, aliás, uma
mulher que se entregava a paixão, essa forma de publicizar a interliga a irracionalidade.
O “amor razão” deve ser doce, calmo e delicado _ para narrar o seu sentimento para
com Heriberto será a racionalidade desse modelo padrão para a época que irá alicerçar
sua conduta. Mesmo que Anayde Beiriz ressalte que o amor razão é a seu ver a forma
verdadeira de amar, ela ainda escreve para Heriberto que se pudesse ser sua, a ardência
de sua natureza iria entrelaçar esse momento.
10
Trecho de carta de Anayde Beiriz para Heriberto Paiva em 07 de março de 1926.
9
Nas paisagens das narrativas dos apaixonados, percebemos que o feminino e
o masculino se deslocam com o enredo, todavia, a visibilidade em nossa proposta como
já foi ressaltado se volta mais para o feminino, pois as interdições que se opera em seu
corpo se inscrevem em vários espaços temporais. Essas escritas lhe conferem campos
negativos e positivos e ao mesmo tempo estabelecem e/ou reafirmam identidades. Essa
ideia de fixar os corpos em certos códigos é vista como uma maneira de garantir a
ordem e a segurança, ou seja, domesticar os comportamentos e os sentimentos são
maneiras de controle, no entanto, não é um controle exercido pela forma física, mas sim
por mecanismos educacionais repassados por valores morais e éticos. Sem esquecer do
que nos falara a Mary Del Priore:
Já os conselhos destinados às meninas começam por sublinhar a
condição inferior de seu sexo, por estar a mulher diretamente ligada ao
pecado. Nessa ordem de idéias, lembra-se a inconveniência de uma
infância desregrada na futura mulher. Os trabalhos domésticos,
afastando-a das tentações amorosas, era o que convinha ao sexo [...] A
dança não era aconselhável porque era “um laço do Demônio”. E a
música e os concertos tinham igualmente maus efeitos para as jovens
– as árias profundas “excitam as paixões, servem de isca à
sensualidade” (PRIORE, 2006, p. 94).
Embora constatemos que ela participe dessa dita “normatividade”, onde o
corpo da mulher passa por esse ordenamento, as suas identidades são instituídas e
abandonadas, elas se articulam com as propostas que estão em curso, todavia, Anayde
Beiriz em todas as pluralidades não deixa de ser a protagonista de suas histórias.
Referências
ABRANTES, Alômia. “Anayde Beiriz e seu corpo insurgente: outras “revoluções”. IN:
Gênero e Sexualidade: perspectivas em debate. Charliton José dos Santos Machado,
Maria Lúcia da Silva Nunes (Orgs.). João Pessoa: Editora Universitária, 2007.
ARANHA, Marcus. Anayde Beriz: Panthera dos olhos dormentes. João Pessoa:
Manufatura, 2005.
10
BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: Feminismo e subversão da identidade.
Tradução Renato Aguiar.- 2ª ed.- Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.
FOUCAUT, Michel. “A escrita de si”. IN: Ética, Sexualidade, Política. Manoel Barros
da Silva (Org.). Tradução Inês Autram D. Barbosa. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2004, v. V (Coleção Ditos & Escritos).
GOMES, Ângela de Castro (Org.). Escrita de Si, Escrita da História. Rio de Janeiro:
Record, 2004.
PERROT, Michelle. “Os silêncios do corpo feminino”. IN: O corpo feminino em
debate. Maria Izilda S. de Matos, Rachel Soihet (Orgs.). São Paulo: Ed. UNES, 2003.
PRIORE, Mary Del. História do Amor no Brasil. 2ª ed. São Paulo: Contexto, 2006.
RAGO, Margareth. Do Cabaré ao Lar: A utopia da cidade disciplinar – Brasil 18901930. 3ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.
SWAIN, Tânia N. Entre a vida e a morte, o sexo. IN: Labrys: Revista de Estudos
Feministas.
Brasília,
UNB,
n.10,
jun.
2006.
Disponível
em
<http://www.unb.br/ih/his/gefem/labrys10/livre/anahita.htm> Acesso em 24 agos. 2009.
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1 UMA ANÁLISE DOS “PAPÉIS” DE GÊNERO