A escrita de histórias na interdisciplina Cotidiano da Escola
Contar histórias sempre foi a arte de contá-las de novo, e ela se perde
quando as histórias não são mais conservadas. Ela se perde porque
ninguém mais fia ou tece enquanto ouve uma história.
Walter Benjamin
Apresentamos, a seguir, a proposta de escrita de histórias na interdisciplina
Cotidiano da Escola. Pretendemos, com o presente texto, estabelecer uma conversa com
os licenciandos, professores pesquisadores e professores tutores do Curso de
Licenciatura em Ciências a respeito da escrita narrativa na formação de professores.
A epígrafe de Benjamim nos remete a pensar na arte de contar histórias, que se
inicia desde quando somos crianças em que escutamos as histórias dos nossos avós,
pais, histórias da literatura infantil, e contamos as nossas histórias de vida a partir das
histórias que nos marcam. Assim, somos constituídos por fragmentos narrativos,
encenados em diferentes momentos, espaços e tempos (CLANDININ, CONNELLY,
2000).
Apostamos na escrita de histórias durante a formação de professores no Curso de
Licenciatura em Ciências, no exercício de narrar a experiência da docência e os fatos
elencados como significativos na sala de aula, configurando as histórias como
produtoras de conhecimento. Por isso, convidamos ao coletivo de licenciandos e
professores do curso a constituir rodas virtuais de escrita de histórias. O significado da
roda é de partilha das nossas experiências, de aprender com a história do outro e de
repensarmos e reconstruirmos as nossas histórias. Lima (2005) nos diz que “na
experiência da narrativa, vive-se a experiência do outro como se fosse genuinamente
pessoal. E, nessa polifonia de histórias, é possível continuar narrando a história que já
foi do outro e configurar, então, outros sentidos” (p. 48).
Podemos dizer que vivemos contando histórias em diferentes rodas, rodas de
amigos, rodas de chimarrão, mas o desafio no Cotidiano da Escola é o registro escrito
das nossas histórias de vida e formação na docência em Ciências. Dessa forma, a seguir,
iremos conversar a respeito dos elementos que constituem uma escrita narrativa.
O elemento principal é o envolver-se com a escrita. É escrever o que se está
pensando nesse momento, e não pensar para depois escrever (MARQUES, 2001). Os
pensamentos poderão se perder, por isso procure ter sempre por perto um bloquinho de
papel, um diário, canetas, e registre cada lembrança. O escritor vai descobrindo a arte de
escrever histórias ao escrevê-las (SOARES, 2010).
Porém, existem elementos importantes que fazem a escrita narrativa ser clara e
coerente. Soares (2010) destaca que no início de uma história podemos apresentar o
espaço (o lugar onde a história acontece), seus personagens (sendo que outros poderão
surgir no decorrer da narração) e o tempo (quando os fatos aconteceram).
E no meio da história, o que escrevemos? Nesse momento, o narrador explora os
detalhes da história, apresenta o conflito e o motivo que irão fazer o enredo narrado
envolvente (SOARES, 2010). A ação narrada é configurada no meio da história, quando
os personagens atuam na cena e nela tentam resolver problemas e contar situações
conflitantes, cujas soluções ainda não foram encontradas.
É no final da história que se revela os motivos que tornaram a história
envolvente para o leitor e o narrador e, também, que se conta como os conflitos foram
superados. Mas, nem sempre encontramos respostas para os conflitos narrados, assim,
podemos finalizar com questionamentos e colocar a história na roda, na busca de
refletirmos sobre nossas ações.
Dorneles (2013), em sua pesquisa de mestrado, propõe a escrita de histórias a
partir do quinteto dramatístico de Burke, que consiste em cinco elementos principais
que compõem uma história, como segue:
Figura 1: Fluxograma representando o quinteto dramatístico de Burke adaptado para ação de
narrar histórias de sala de aula. Fonte: Dorneles (2013, p. 38) apud Burke (1969).
Podemos imaginar uma história como uma peça de teatro com o cenário (pano
de fundo) e nele as cenas acontecendo, por isso a importância de dizer logo no início da
história quando e onde ela aconteceu, pois outras cenas poderão estar presentes neste
mesmo cenário.
Durante a escrita, vamos apresentando os personagens envolvidos na história,
nesse caso, o escritor pode ser um personagem presente nela, ou um narrador que sabe
tudo, mas não participa dela, narrando como observador. Outra forma é quando o
narrador se coloca dentro da história assumindo-se como um personagem fictício: essa
pessoa não existiu de verdade; é criação dele (SOARES, 2010). Na escrita de uma
história, o autor tem a possibilidade de escrever em primeira pessoa, colocando-se parte
do contexto narrado, como também pode inventar uma história com nomes fictícios para
os personagens e para lugares em que a cena é narrada.
Na história, vamos descrevendo os atos (as situações marcantes) e os
relacionamos ao propósito, com a finalidade de nos lembrar de certos acontecimentos.
Nesse momento da história, cabe escrever detalhes que marcaram: daquele professor
inesquecível é interessante lembrar a aula que por algum motivo ficou na memória, sua
maneira de ministrar as aulas, de receber os alunos na sala de aula, a avaliação e tantos
outros detalhes. A escrita de uma história é momento de expressar a criatividade, a
invenção, de relembrar a escola da infância, da adolescência, os professores
inesquecíveis e demais lembranças que nos remetam a nossa formação como
professores de Ciências.
A ação de escrever histórias é encantadora, e não cabe ficarmos preocupados se
a escrita terá os elementos da narrativa. Lembrem-se de que estamos aprendendo a
escrever histórias e a melhor forma de aprender é escrevendo-as. O sentido maior da
escrita é o partilhar, desengavetar nossas lembranças, experiências, dilemas e vivências,
dando significado ao processo de formação do professor, trazendo à luz reflexões sobre
os docentes em que nos constituímos a cada dia, com a consciência do nosso
inacabamento.
Por fim, fica a dica: uma história puxa a outra. Então aproveitem e envolvam-se
com as histórias do álbum do PIBID/FURG que disponibilizamos para vocês,
conversem com os colegas a respeito das histórias lidas, fiquem inquietos e escrevam
suas histórias! Afinal, aprendemos a escrever histórias, escrevendo-as!
Boa escrita a tod@s! Encontramo-nos na roda virtual do Moodle com nossas
histórias, que, com certeza, possibilitarão bons diálogos e aprendizagens a respeito da
docência em Ciências.
Professores pesquisadores e Professores Tutores
do Cotidiano da Escola.
Referências
DORNELES, Aline Machado. A bordadura da sala de aula de Química em Rodas de
Formação. Curitiba: Editora Appris, 2013.
CLANDININ, J. D; CONNELLY, M. Narrative Inquiry. San Francisco: Jossey-Bass
Publishers, 2000.
LIMA, Maria Emília. Sentidos do Trabalho: a educação continuada de professores.
Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
MARQUES, Mario Osório. Escrever é preciso: o princípio da pesquisa. Ijuí: Ed.
Unijuí, 1997.
SOARES, Esther. A arte de escrever histórias. Barueri, São Paulo: Manole, 2010.
SOUZA, Moacir Langoni de. Histórias de Professores de Química em Rodas de
Formação em Rede: colcha de retalhos tecida em partilhas (d)e narrativas. 1.ed. Ijuí RS: Ed. Unijuí, 2011. v. 500. p. 248.
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