X Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação - SEPesq Centro Universitário Ritter dos Reis Uma Conversa Sobre Argumentação e Escrita Cristiano Mendes Majewski Mestrando em Letras Centro Universitário Ritter dos Reis Pró-Reitoria de Pesquisa, Pós-Graduação e Extensão do Centro Universitário Ritter dos Reis http://www.uniritter.edu.br/ Resumo: A produção escrita tem sido objeto de pesquisas sustentadas por correntes linguísticas atuais, sejam discursivas, enunciativas ou outras. A preocupação com o desenvolvimento das competências discursivas dos usuários de língua se multiplica. Uma destas competências é a escrita de textos que se propõe a argumentar. Esse artigo, em sua primeira parte, constitui-se de uma reflexão teórica sobre a argumentação, sobre produção da escrita argumentativa e sua função. O objetivo principal deste estudo é trazer considerações sobre a organização do texto argumentativo levando em consideração as instâncias de uso em que determinados mecanismos persuasivos podem agir sobre o leitor. Por essa razão, os termos sujeito argumentante e sujeito alvo são explicados como elementos constituintes e fundamentais para o processo de produção escrita de um texto com características argumentativas. Por fim, o artigo tece considerações quanto às questões de produção de escrita argumentativa como prática social efetiva e dotada de possibilidades transformadoras através da ação persuasiva. As reflexões desse trabalho têm fundamentação teórica procedente da teoria discursiva que trata dos modos de organização do discurso argumentativo de Charaudeau. Palavras-chave: Argumentação, produção de escrita argumentativa, modos de organização, teoria discursiva. 1 A Argumentação – Primeiras Considerações Quando saiu da montanhosa Calcídica, no noroeste da Grécia moderna, aos dezessete anos, é provável que Aristóteles não tivesse condições de imaginar que seria o tutor do jovem macedônio Alexandre Magno (c.356-323 a.C.), que mais tarde se tornaria um grande conquistador e responsável, muito provavelmente, através de sua campanha de expansão, por propagar muitos dos princípios aristotélicos na cultura e nas instituições gregas em terras conquistadas. Foi em Atenas que o jovem Aristóteles tornou-se discípulo admirado por seu mestre Platão (c.427-347 a.C.). Apesar dos mais de vinte anos de convivência, discípulo e mestre tinham temperamentos muito X Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação SEPesq – 20 a 24 de outubro de 2014 X Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação - SEPesq Centro Universitário Ritter dos Reis diferentes. Onde Platão era brilhante e intuitivo, Aristóteles era erudito e metódico, porém, havia um grande respeito mútuo. Platão tinha tanta admiração pela inteligência do jovem que o chamava de “O Ledor”. Certa ocasião, entrando no recinto onde todos os alunos se encontravam para as lições, Platão notou a falta de Aristóteles e não se conteve, dizendo: A Inteligência está ausente! (ARISTÓTELES, 2005). Filho de um médico, os interesses científicos de Aristóteles se voltaram, mais tarde, para o que hoje podemos chamar de ciências biológicas. Por outro lado, a formação de Platão tinha sido firmemente baseada na matemática. Podemos supor, por causa desses fatos, que a diferença de formação pode elucidar as distintas abordagens, ambas epistemológicas, porém uma racionalista (Platão) e outra empirista (Aristóteles). Através do empirismo, Aristóteles pôde desenvolver o que define como Retórica. Segundo Aristóteles (2005), a Retórica é “a faculdade de ver teoricamente o que, em cada caso, pode ser capaz de gerar a persuasão”. Sabe-se que o emprego da Retórica estava ligado diretamente às formas de discurso público, mais precisamente à oratória. Ademais, o filósofo ampliou a classificação do emprego retórico levando em conta os tipos de auditórios. É através do desenvolvimento metódico do raciocínio comparativo, que focaliza o auditório como um elemento fundamental para formação do gênero retórico, que se nota um direcionamento mais específico para a argumentação. Contudo, pode-se notar uma ênfase na sequência estrutural, uma atenção maior aos mecanismos de significar (metáforas, analogias, imagens etc.) do que, especificamente, às formas da língua diretamente responsáveis pela construção da argumentação. Observa-se que a perspectiva aristotélica pode ser retomada por diferentes etapas que podem reconstruir o percurso da argumentação: a etapa de procura de argumentos, considerando o auditório e a situação em que se processará a argumentação; a etapa textual em que se organizam os argumentos; a etapa linguística, na qual a argumentação é estruturada (FONSECA, 1997). Para desenvolver a prática da oratória como memorização do discurso, Aristóteles desenvolveu metodicamente os mecanismos que hoje entendemos como os modos argumentativos do discurso. Por conta dessa preocupação metodológica, somos levados a imaginar as primeiras inserções argumentativas de Aristóteles na tentativa de persuadir seu mestre, defendendo sutilmente seus pontos de vista. Sabemos que em seus diálogos finais, Platão reconheceu falhas nas suas teorias mais antigas. Para nós permanece a dúvida: será que as habilidades argumentativas de Aristóteles exerceram influência sobre Platão? Não podemos responder a essa questão, porém o legado dos estudos argumentativos permanece, é um pouco sobre esse tema que nos debruçaremos com o suporte de autores situados na Nova Retórica. X Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação - SEPesq Centro Universitário Ritter dos Reis 2 O Que é Argumentação? O que é argumentação e por que se argumenta? Será que empregamos estratégias argumentativas em determinados discursos ou quase todo discurso está constituído, de certa forma, com alguma argumentação? O ato de argumentar está tão presente e intrínseco aos discursos que quase não percebemos quando e onde está se argumentando, afinal a troca de informações não se dá de forma linear e desinteressada, pois é preciso um interesse por parte de um locutor e de um interlocutor. Qual argumento pode ser considerado mais forte, mais consistente e de maior poder persuasivo - o argumento expresso na forma oral ou na escrita? É possível aprender esse jogo discursivo? Mas se dominarmos a habilidade de argumentar com precisão e frieza, onde podemos chegar e o que faríamos com essa habilidade tão peculiar de convencimento e demonstração? Quais são os meios de avaliar se um texto expressa o domínio da técnica argumentativa e quais são os mecanismos de que necessita o orador que deseja elaborar um razoável arcabouço argumentativo a fim de persuadir seus oponentes? Embora esteja presente em quase todas as instâncias de uso1 de uma língua, a argumentação tem lá suas particularidades que não a tornam disciplina muito fácil. Sabe-se que muitas áreas do conhecimento humano se utilizam de estratégias argumentativas para que os locutores dessas áreas possam convencer de forma coerente destinatários e, por conseguinte, alcançar seus objetivos persuadindo em favor de suas próprias especificidades. Essas operações dão a esse fenômeno da língua um interesse todo especial. A análise de discurso é uma disciplina da linguística dividida em muitas linhas de pesquisa e cada uma delas se dedica especialmente a um tipo de fenômeno linguístico que, por sua vez, também pode articular com temáticas de áreas como Psicologia, Filosofia, Direito, Antropologia etc. Sabemos que a argumentação não é privilégio da linguística, porquanto está intimamente ligada em quase todas as instâncias de uso da língua, seja para demonstrar, para persuadir, ou mesmo para convencer pessoas de que determinado pensamento é verdadeiro. Segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), uma boa argumentação pode convencer um auditório, até mesmo um auditório desconhecido, se bem observadas e desenvolvidas as premissas 2, se bem trabalhados os fatos e as verdades dentro da esfera de uso em que se queira argumentar. O resultado de uma boa organização e reflexão sobre como vão se desenvolver os mecanismos argumentativos é fundamental para que o 1 Ver Charaudeau e Maingueneau (2012, p.280). Segundo Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), é preciso verificar se as premissas estão de acordo com o auditório. Esse acordo serve de ligação explícita entre o ponto de partida e o desenvolvimento da argumentação. O autor observa também que a própria premissa, em si mesma, já traz um valor argumentativo (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p.73). 2 X Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação - SEPesq Centro Universitário Ritter dos Reis locutor3 se saia bem em sua argumentação, afinal o objetivo é a adesão dos espíritos que divergem em algum aspecto de um determinado tema. 3 Considerações Sobre a Função da Argumentação na Escrita O estudo da argumentação escrita requer que tomemos por base algumas concepções teóricas que irão nos ajudar a compreender o processo, primeiro da escrita e de algumas das suas funções e particularidades vinculadas à argumentação e, posteriormente, a própria argumentação sob a forma escrita. A escrita possui distintas funções em processos comunicativos. Uma dessas funções é a de estocar informações, ou seja, transportar informações selecionadas pelo autor através do tempo e do espaço. Hoje, existem possibilidades da inserção dessas informações no domínio do visual 4. Esse tipo de inserção, por outro lado, não depende da compreensão do contexto das informações ali escritas para manipular seus enunciados e darlhes a forma que o autor deseja (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2012, p. 203). Observa-se também que a manipulação desses mesmos dados, a mudança de atitude mediante a tomada de consciência dos fatores intrínsecos à informação podem exercer fortes coerções no que se quer dizer por meio de determinado modo de organização escrita. Essas inflexões provocadas é que incidem sobre os destinatários (leitores e/ou ouvintes), modificam, intensificam de forma às vezes exagerada alguns elementos constituintes de uma argumentação escrita. Ainda, quanto à função da escrita propriamente dita, existe por parte dos estudos linguísticos de análise de discurso a preocupação com a comparação entre a fala e a escrita. Dubois (2006) afirma que a fala se “desenrola no tempo e desaparece”. O autor desenvolve uma formulação comparativa para explicar os dois termos (fala e escrita) chamando-os de graus um e dois. O grau um pertence aos processos da fala e o dois é relativo os processos da escrita. Afirma também que existe uma tênue vantagem da escrita sobre a fala, já que a escrita permanece inscrita em um espaço que a conserva. Se fizermos indagações sobre as faculdades das quais o autor de uma escrita precisa para executar esse processo de sistematização intelectual, podemos considerar o que Guedes (2009) aponta como constituintes necessários para que uma escrita atinja o seu objetivo. [...] este texto que agora é lido, cujas palavras escritas estão sendo decodificadas pelos ouvintes, para ser escrito, teve de consultar tanto o entendimento das palavras com que se foi compondo quanto o 3 Ver Dubois (2006, p. 396). Segundo Charaudeau e Maingueneau (2012), a manipulação de informações escritas através das mídias audiovisuais (cinema e televisão) é capaz de suprimir a restrição do código gráfico independentemente do contexto dessas informações. 4 X Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação - SEPesq Centro Universitário Ritter dos Reis entendimento do mundo pelo qual tais palavras se tornaram significativas para o autor que as encadeia com base no entendimento que está construindo com esse confronto. Onde está sendo construído esse entendimento? Tanto no entendimento – na inteligência, diz o autor – de quem escreve, para quem o texto é o resultado desse processo, quanto no entendimento de quem lê, para quem o texto é matéria-prima para o alongamento de sua inteligência do mundo. Ou seja: as palavras, o mundo e o entendimento de quem escreve e de quem lê compõem o texto, que vai se organizar para dar conta desse diálogo à medida que esse diálogo vai se dando [...] (GUEDES, 2009, p.16) O entendimento ao qual se refere o fragmento acima é justamente um dos componentes que ajudará no processo de compreensão do funcionamento de uma escrita com características argumentativas que pretenda atender a todas as etapas discursivas para atingir o escopo do qual a função da argumentação é instrumento. Contudo, deve-se fazer uma ressalva a respeito da diferença entre a modalidade oral e a modalidade escrita da argumentação. A argumentação é um fenômeno linguístico poderoso e muitas vezes invisível ao destinatário dos discursos. Essa invisibilidade pode ser ocasional ou fabricada, segundo as intenções do produtor desses discursos. Mecanismos de seleção e separação desses processos persuasivos podem ser desenvolvidos para que os receptores desse discurso possam compreender de forma mais completa o que se está realmente querendo dizer. As formas estruturais da argumentação são variadas de acordo com as instâncias de uso em que estão sendo encenadas5. Chamamos de intradiscursividade argumentativa este processo, por vezes oculto, outras vezes explícito, de provocar efeitos perlocutórios vinculados a uma persuasão de quem escuta ou de quem lê determinados discursos (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2012, p. 52). Como o estudo da argumentação a que nos referimos é o de modalidade escrita, é necessário distinguir o que em análise de discurso significa comunicação monologal. A comunicação monologal se opõe a comunicação dialogal. A dialogal se dá diretamente, sem interferências físicas entre os interlocutores no processo comunicativo. A falta de interferência faz com que a comunicação sofra a todo o momento trocas, coerções, pausas intencionais ou não, ênfases etc. Por outro lado, o canal de transmissão de um texto com características argumentativas é o monologal, pois é a expressão gráfica de registro do discurso. O enunciado escrito não permite receber de forma direta as interferências e a reação do interlocutor-leitor. Portanto, grandes são as vantagens em conhecer mais sobre esse sistema de organização discursiva, visto que podemos nos organizar e ponderar de maneira mais tranquila o que vamos dizer, refletir e, assim, medir os possíveis 5 Sobre encenação argumentativa, ver Charaudeau (2010, p.220). X Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação - SEPesq Centro Universitário Ritter dos Reis efeitos nos nossos leitores; afinal, não estamos à mercê deles (CHARAUDEAU, 2010, p.72). Essa lógica progressiva, extremamente ponderada em alguns casos, da qual dispomos para organizar os nossos pensamentos na escrita é que faz parte da organização do texto argumentativo. 4 A Organização do Texto Argumentativo Sabemos que um texto predominantemente argumentativo se organiza de forma diferenciada das outras modalidades textuais. Sabemos também que um texto narrativo bem como um descritivo contém argumentação. Embora admitamos a existência de algumas marcas linguísticas6 próprias nesses modos de organização textual, convêm separar, pelo menos por enquanto, a narração e a descrição, direcionando as atenções para o estudo do texto argumentativo. Essa separação dará condições de colocar em evidência o modo argumentativo quanto às singularidades desse em relação àqueles. Para melhor compreender as singularidades de um texto com ênfase na argumentação, preferimos estudar os dois termos (texto e argumentação) separadamente, a fim de que essa delimitação de conceitos possa favorecer a compreensão de elementos que atuam diretamente no mecanismo do modo argumentativo do texto escrito. Para isso, toma-se o conceito que, segundo Dubois (2006, p.586) torna o estudo do texto mais substancial. Para ele, o texto é um conjunto bem específico de enunciados linguísticos que estão, de certa maneira, ligados à análise dos interlocutores; aqui, nos interessam os leitores. Ademais o texto, para o autor, é uma espécie de amostra dos comportamentos linguísticos que podem ser escritos ou - de acordo com a ocasião do contrato de comunicação7 – enunciados sob a forma da fala. O texto escrito é, então, uma espécie de todo organizado para um fim específico de uso. As partes que contribuem para que o efeito pretendido tenha algum êxito dependem da coerência dos elementos que o constituem, dependem de uma sintonia temática, de possuírem afinidades entre as categorias de língua; resultando assim na eficiência de um modo discursivo. No modo discursivo da argumentação é importante que essas partes estejam em total sintonia e coerência, afinal a base da coerência é a continuidade de sentido e, quando possível, a ausência de discrepâncias. Vejamos uma 6 Sobre marcas linguísticas em argumentação, ver Koch (2011, p. 107). Charaudeau e Maingueneau (2012) chamam de contrato de comunicação o termo “empregado pelos semioticistas, psicossociólogos da linguagem e analistas do discurso para designar o que faz com que o ato de comunicação seja reconhecido como válido do ponto de vista do sentido. É a condição para os parceiros de um ato de linguagem se compreenderem minimamente e poderem interagir, coconstruindo o sentido, que é a meta essencial de qualquer ato de comunicação” (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2012, p.130). 7 X Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação - SEPesq Centro Universitário Ritter dos Reis explicação bastante eficaz dessa comunhão ou não comunhão de partes de um texto: Em princípio, seria incoerente um texto que dissesse Pedro está muito doente. O quadrado da hipotenusa é igual à soma do quadrado dos catetos. Essa incoerência seria dada pelo fato de que não se percebe a relação de sentido entre as duas frases que compõem um texto. [...] Assim em Não chove há vários meses. Os pastos não poderiam, portanto, estar verdes, o termo portanto estabelece uma relação de decorrência lógica entre uma e outra frase. Esse segundo fator é menos importante que o primeiro, pois, mesmo sem esses elementos de conexão, um conjunto de frases pode ser coerente e, por conseguinte, um todo organizado de sentido. (FIORIN; PLATÃO, 1999, p.16) A concatenação de partes que a princípio parecem distintas, quando trabalhada e organizada de maneira lógica e coerente, no intuito de ser compreendida por um destinatário, é muito importante também para o planejamento da argumentação escrita. Durante o processo de escrita do texto argumentativo pode ocorrer uma série de marcas linguísticas que caracterizam o mecanismo da argumentação, porém a presença dessas marcas não garante sua eficiência. Nesse sentido, o texto com características argumentativas tem uma organização que pode ser percebida. É essa possibilidade de percepção que proporciona ao sujeito argumentante8 uma reflexão sobre as condições de entendimento do sujeito alvo (leitor). Deve-se ressaltar que há diferentes intuitos para cada contrato de uso e, portanto, alguns são muito mais sutis quando se estuda a produção de textos com ênfase em argumentação. Além disso, sabemos que alguns modos de expressão podem, se ponderados quanto à situação de comunicação, produzir um efeito estético vinculado à harmonia, à consistência de premissas, ao ritmo, a outras qualidades formais, podendo assim exercer uma influência persuasiva através da admiração, da eloquência, da comoção junto ao leitor. Por outro lado, a utilização desses artifícios textuais argumentativos não é garantia de que o leitor se dará conta, que tomará consciência dos elementos com função diretamente argumentativa, pois, como já foi dito, são muito sutis e às vezes não analisáveis diretamente (PERELMAN; OLBRECHTS-TYTECA, 2005, p.162). Sabendo o que é um texto e como alguns textos se organizam, convém agora partir para a argumentação e, por conseguinte para a organização do texto argumentativo. Todos os textos, de alguma maneira, são argumentativos, 8 Existem diferentes abordagens para definir quem argumenta. Escolhemos os termos utilizados na obra Linguagem e Discurso: modos de organização (2010) de Patrick Charaudeau – sujeito argumentante e sujeito alvo, pois essa proposta metodológica de produção de escrita argumentativa é a que nos parece mais adequada. Ver CHARAUDEAU (2010, p.205). X Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação - SEPesq Centro Universitário Ritter dos Reis pois todos eles têm o propósito de persuadir através de raciocínios lógicos e inferências intencionais por parte do sujeito argumentante do discurso. Esses elementos que compõem o modo argumentativo têm como função produzir, mesmo de forma retórica, uma sensação, um efeito de que o que se está falando corrobora com fatos, realidades, situações que condizem com a pura verdade (FIORIN; PLATÃO, 1999, p.284). Por isso, a organização de um texto com predominância argumentativa influi diretamente no processamento da informação lida pelo receptor do texto, dando a ideia de coisa real ou verdadeira. Assim, segundo a organização de um texto com propósito de persuadir o leitor, e considerando a intencionalidade do autor, se estabelece um tipo de relação que mede o impacto das implicações, que se preocupa com o encadeamento, que pondera principalmente sobre a apresentação das premissas, justificativas, razões que dão forma ao tecido argumentativo (KOCH, 2011, p.30-31). Para que um texto seja predominantemente argumentativo são necessários três elementos essenciais. O primeiro deles é a existência de uma proposta sobre o mundo. Essa proposta deve provocar um questionamento. É condição fundamental, quando lemos um texto com intenções persuasivas, instantaneamente questionar sobre a legitimidade dessa proposta. Em alguns casos essa legitimidade parece sem fundamentos lógicos, contudo, é prudente ao leitor, aguardar até que as outras premissas da proposta sejam apresentadas a ele e, depois disso, realizar um pré-questionamento sobre a proposta. Outro elemento bastante presente, porém de mais simples percepção por parte do sujeito alvo, é o engajamento 9. Algumas premissas têm forte engajamento e isso, geralmente, pode enfraquecer o argumento, tornando-o, por conseguinte, mais superficial e passível de refutação sem maiores dificuldades. Por outro lado, é necessário que haja convicção para que se desenvolva um raciocínio e se tente estabelecer uma verdade. Nesse ponto é que se deve atentar para o exagero na tentativa do estabelecimento da verdade, seja ela própria ou universal. Por fim, o último dos elementos e a inexorável razão da existência dos dois anteriores, é o leitor ou receptor – que chamaremos aqui de sujeito alvo. Esse sujeito alvo é o motivo que leva o sujeito argumentante à formulação do encadeamento do texto argumentativo. A confecção do texto foi toda pensada para que esse leitor, após estabelecer uma relação com as premissas e verificar a legitimidade ou não delas, encontre na proposta algo de verdade, que o leve a aceitá-la; ou encontre problemas que o induzam a não levá-las em consideração e até mesmo refutá-las como proposta polêmica sobre o mundo (CHARAUDEAU, 2010, p. 205). É na relação triangular entre um sujeito-argumentante, uma proposta sobre o mundo e um sujeito-alvo que acontece a encenação do texto com o 9 O engajamento é uma tomada de posição do sujeito argumentante mediante sua própria argumentação. Sobre essa posição do sujeito, suas características, seus problemas e implicações ver Charaudeau (2010, p. 229). X Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação - SEPesq Centro Universitário Ritter dos Reis propósito de persuadir, convencer ou demonstrar. A organização desses elementos que às vezes se encontram dissociados é que dá ao modo argumentativo a importância que tem e, por isso, o faz imprescindível na composição da maioria dos textos escritos em circulação midiática. Deve-se levar em conta que algumas marcas linguísticas estão mais presentes no modo argumentativo, contudo, mesmo que repetidas ao longo de um texto, não podem por si só determinar uma ordem discursiva. Essa determinação está muito mais ligada à situação de comunicação do que a essas marcas (CHARAUDEAU, 2010, p. 109). Todas as características de um texto evidenciam que ele é um material de estudo muito complexo para ser fechado em tipologias, porquanto só o estudo da coesão e coerência não dá conta daquilo que faz sua unidade (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2012, p. 466-467). Por isso, aprofundar os estudos voltados ao texto persuasivo pode ser conveniente tanto para quem escreve textos com essa finalidade quanto para quem os lê, afinal, além de regras de boa formatura10 dos textos, os autores e/ou destinatários podem tomar consciência do papel da escrita em práticas sociodiscursivas. Essas práticas, que são reguladas pela instância de uso em situações discursivas bem definidas, por exemplo, um editorial de jornal, é que fazem do texto e do aprendizado do modo argumentativo na produção escrita uma questão a ser pensada como prática social mais consistente. 5 O Ensino da Argumentação Como Prática Social: Um Caminho Possível O homem atua em correlação com os seus semelhantes através de práticas sociais. Entre as possibilidades de práticas de interação na sociedade está a escrita - com todas as suas características. Como prática social, a escrita está ligada às praticas de produção, de transformação ou apenas de reprodução. Já sabemos que a reprodução não é inocente e que a mediação do homem provoca, através da subjetividade, certas coerções, influindo assim, intimamente, no resultado da simples reprodução. Charaudeau e Maingueneau (2012) pensam a escrita como um modo de organização dos homens. Segundo os autores, essa organização pode ser didatizada ao mesmo tempo como conteúdo desenvolvido para melhoria da formação discursiva, porquanto está ligada diretamente a uma comunidade discursiva específica. Porém, existe aí um problema. Suponhamos que se essa prática de produção, transformação ou reprodução for transmitida de forma artificial e inexpressiva. Logo, não terá condições de representar o objeto de sua gênese e será um esforço pedagógico na transmissão de um determinado conhecimento incapaz de representar realmente este conhecimento. Segundo Antunes (2003), existem problemas em ensinar as competências da escrita porque: 10 Expressão utilizada por Koch. X Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação - SEPesq Centro Universitário Ritter dos Reis [...] a prática de uma escrita artificial e inexpressiva, realizada em exercícios de criar listas de palavras soltas ou, ainda, de formar frases. Tais palavras isoladas, desvinculadas de qualquer contexto comunicativo, são vazias de sentido e das intenções com que as pessoas dizem as coisas que têm a dizer. Além do mais, esses exercícios de formar frases soltas afastam os alunos daquilo que eles fazem naturalmente, quando interagem com os outros, que é “construir peças inteiras”, ou seja, textos, com unidade, com começo, meio e fim, para expressar sentidos e intenções. Parece incrível, mas é na escola que as pessoas exercitam a linguagem ao contrário, ou seja, a linguagem que não diz nada. Nessa linguagem vazia, os princípios básicos da textualidade são violados, porque o que se diz é reduzido a uma sequência de frases desligadas umas das outras, sem qualquer perspectiva de ordem ou de progressão e sem responder a qualquer tipo particular de contexto social. (ANTUNES, 2008, p. 26) Nota-se a preocupação da autora em relação a propostas de ensino e aprendizagem de produção escrita. Em algumas situações, essas propostas, ao invés de facilitar a reflexão sobre o verdadeiro sentido da escrita, acabam por atribuir à produção escrita dos alunos valores artificiais, pois possuem uma interação com pais, professores, outros alunos, amigos, enfim, muitos atores da sociedade; a artificialidade suprime, no caso das propostas, a naturalidade de uma comunicação escrita. Sabe-se que essa “linguagem ao contrário” está presente nas salas de aula e é uma das razões que dificultam as possibilidades de avanço na qualidade discursiva dos alunos. Por outro lado, essas práticas não ignoram que a língua escrita é muito mais estável que a falada, que a representação escrita é o principal fator de conservação linguística, que a língua escrita não possui o mesmo léxico da língua falada. No entanto, essas mesmas práticas, através de uma “linguagem vazia”, não contribuem para que a escrita exerça o seu potencial como uma cultura de unificação (DUBOIS, 2006, p. 232). Nesse sentido, convém que observemos a escrita como um ato restringido pelo social e que ao mesmo tempo produz efeitos sobre ele, podendo, se bem utilizados os meios de ação e observadas as intenções quanto aos objetivos da produção escrita, transformá-los. Essas práticas linguageiras são reflexos muito consistentes das estruturas sociais e, por conseguinte, o desenvolvimento da capacidade de articulação com essas estruturas pode ser um avanço nos estudos que visam à melhoria de propostas de produção de escrita. Os efeitos desse movimento de relações sociais através da escrita (CHARAUDEAU; MAIGUENEAU, 2012, p. 397) podem ser menos visíveis do que outros movimentos, como, por exemplo, o movimento de transformação da natureza para a degradação ou preservação; em contrapartida, são as pequenas inserções por meio de atividades que promovam a capacidade de análise de material diverso e possibilitam o confronto dos pontos de vista desse mesmo material (texto) com o próprio X Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação - SEPesq Centro Universitário Ritter dos Reis ponto de vista que podem materializar-se em estratégia possível a introdução da argumentação como prática social. Segundo Koch (2011), considerar a interação social que se realiza por intermédio da língua escrita significa levar em conta uma série de atividades intelectuais simultâneas que o homem realiza constantemente, como, por exemplo: julgamentos de valor, críticas com determinadas implicações (sociais e políticas), avaliações do que é considerado um valor universal, tentativas de influência sobre o comportamento de outra pessoa, compartilhamento de opiniões alheias ou próprias etc. Por isso, pode-se afirmar que o ato de orientar os discursos com objetivos predominantemente persuasivos, no sentido de que obtenham conclusões mais fundamentadas (sempre levando em consideração o material que leram), ora concordando com as premissas e conclusões desse material, ora refutando e contra-argumentando com nova premissa baseada em conhecimento ou opinião diversa, é uma forma de organizar o próprio pensamento através da argumentatividade. A possibilidade de ensino de textos com predominância argumentativa como uma prática social traz como fundamento a circunstância de produção desse texto. Sabemos que a escrita não requer a presença simultânea dos interlocutores (sujeito argumentante e sujeito alvo) para o exercício dessa atividade linguageira, porém, serve à comunicação (ANTUNES, 2008, p. 46), e por que não dizer modificação, ajuste e condicionamento desses sujeitos alvo. Nesse sentido, considerar a atividade de escrever como atividade dotada de intencionalidades persuasivas é que faz dessa prática uma atividade de interação: uma representação escrita de mundo. Portanto, saber o que é uma argumentação, as diferentes concepções, suas funções primordiais no texto, sua organização na modalidade escrita, suas possibilidades de chegada11 quanto às conclusões persuasivas são conhecimentos essências ao planejamento da escrita. Finalizamos chamando atenção para a possibilidade de ampliação do estudo desse modo de organização textual: o modo argumentativo. A escola tem se preocupado com a produção escrita, principalmente voltada à descrição e narração, porém, a argumentação, apesar de muito importante para exposição e discussão de pontos de vista não tem sido apresentada com propostas coerentes para o desenvolvimento dos mecanismos que proporcionam a compreensão de textos onde predomina a intenção persuasiva. Um dos caminhos possíveis para estabelecer a harmonia entre o ensino de escrita e a escrita argumentativa parece ser através de pesquisas que desenvolvam estratégias fundamentadas em teorias discursivas que tratam da argumentação. A transposição didática dessas teorias pode ser um passo importante para que usuários da língua tenham maior domínio desse modo de escrita. 11 V. asserção de chegada em CHARAUDEAU (2010, p.209). X Semana de Extensão, Pesquisa e Pós-graduação - SEPesq Centro Universitário Ritter dos Reis Referências ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro e interação. São Paulo: Parábola, 2008. ARISTÓTELES. Arte Retórica e Arte Poética. Tradução Antônio Pinto de Carvalho. 17 ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005. CHARAUDEAU, Patrick. Linguagem e discurso: modos de organização. São Paulo: Contexto, 2010. CHARAUDEAU, Patrick. MAINGUENEAU, Dominique. Dicionário de análise do discurso. São Paulo: Contexto, 2012. DUBOIS, Jean. Dicionário de linguística. São Paulo: Cultrix, 2006. FIORIN, José Luiz; PLATÃO, Francisco Savioli. Lições de texto – leitura e redação. São Paulo: Editora Ática, 1999. FONSECA, I. B. B. A Retórica na Grécia: o gênero judiciário. In: MOSCA, L. L. S. (org.) Retórica de ontem e de hoje. São Paulo: Humanitas, 1997. p. 99-117. GUEDES, Paulo Coimbra. Da redação à produção textual: o ensino da escrita. São Paulo: Parábola, 2009. PERELMAN, C.; OLBRECHTS-TYTECA, L. 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