U APMP pelo mundo m grande tribuno “...o sucessor de Roberto Lyra.” Evandro Lins e Silva O nosso entrevistado cumpriu uma profecia do pai, importante advogado criminalista, que previu: “você será mais feliz como defensor da sociedade”. E parece que ele estava certo. Em sua trajetória profissional, Edilson Mougenot Bonfim angariou elogios de importantes juristas como Evandro Lins e Silva, Waldir Troncoso Peres e Baltazar Garzón. Quem teve a oportunidade de assistir a um júri dele – desde o de maior repercussão até o absolutamente esquecido pela imprensa – viu um aguerrido defensor da sociedade. Alguém que busca com tenacidade a justiça, sem meneios ou concessões, qualidade reconhecida até mesmo pelos maiores opositores. Nessa cruzada em busca da aplicação da justiça, Edilson se preparou muito. Legislação e doutrina comparada, especializações, mestrados e doutorados, no Brasil e no exterior. Assim, entende que o MP brasileiro, em razão do árduo trabalho desenvolvido pelo MP e APMP antes da Constituição de 88, é um dos melhores do mundo. Defende, também, o estreitamento das relações com outros países como forma de fazer frente aos desafios impostos pela criminalidade organizada. Edilson Bonfim recebeu a reportagem da APMP em Reflexão um pouco antes de partir para a Espanha para a defesa de tese de doutorado na Universidade Complutense de Madri. 2 www.apmp.com.br www.apmp.com.br 3 APMP pelo mundo APMP em Reflexão: Como foi o início de sua vida profissional? Edilson M. Bonfim: Fui advogado por muito pouco tempo e, por incrível que pareça, apenas em algumas causas cíveis. Como o que eu sempre gostei mesmo foi de Direito Penal, entendi que se quisesse realmente trabalhar com a matéria, teria que ser promotor de justiça. APMP: Por quê? EMB: Porque eu logo descobri que aquele perfil romântico que a história conferia ao advogado criminalista pertencia ao passado. O romantismo da juventude de querer fazer justiça na área criminal hoje está ao lado do Ministério Público. APMP: E como advogado isto seria impossível... EMB: Sim, pois nas causas criminais não conta a opinião pessoal do advogado. Mesmo que ele saiba ser o réu culpado, ao pleitear sua absolvição, não estará ofendendo o código de ética da A competência do júri, inclusive, poderia ser alargada para alcançar, por exemplo, os delitos de colarinho branco. Com isso a sociedade julgaria os crimes que geram maior dano social. categoria. É por isso que hoje na Europa se fala na flexibilização do sigilo profissional dos advogados, em homenagem a um conceito muito mais amplo: a preservação da humanidade. Imagine a consciência do advogado de um terrorista em uma situação na qual o cliente revela que vai haver um novo ataque com milhares de mortes. O advogado pode revelar este sigilo ou não? APMP: E dentro do Direito Penal, uma paixão em especial: o júri. EMB: Sim, é uma paixão bastante antiga. Meu pai pertenceu à escola romântica de advogados criminais, que defendiam homens sem o perfil dos assassinos de hoje, reincidentes ou multi-reincidentes. Meu pai me dizia o seguinte: “você, que gosta tanto de Direito Penal, se sentirá muito melhor acusando do que defendendo, porque aqueles réus que eu defendia já não existem mais”. APMP: As decisões emanadas do júri popular são justas? EMB: O conceito de justiça é extremamente pessoal. Mas, na minha opinião, o júri é mais justo porque permite a justiça para o caso concreto, esquecendo-se do tecnicismo legal e sem estar aferrado ao frio texto da lei. A competência do júri, inclusive, poderia ser alargada para alcançar, por exemplo, os delitos de colarinho branco. Com isso a sociedade julgaria os crimes que geram maior dano social. Imagine a consciência do advogado de um terrorista em uma situação na qual o cliente revela que vai haver um novo ataque com milhares de mortes. O advogado pode revelar este sigilo ou não? APMP: Civil Law ou Common Law, qual o melhor sistema jurídico? EMB: Boa justiça pode ser feita tanto na Inglaterra e nos Estados Unidos quanto no Brasil. Basta que os homens que estiverem operando a Justiça sejam homens na acepção clássica da palavra, com os melhores predicados morais. APMP: O que pensa do Ministério Público brasileiro? EMB: O Ministério Público brasileiro conta em seus quadros com profissionais idealistas, aguer- 4 www.apmp.com.br Na Escandinávia, por exemplo, se discute se poderia ser crime hediondo a pesca fora de temporada ou a derrubada de determinadas árvores consideradas sagradas. Para nós, o crime hediondo é a agressão mais perversa contra o ser humano. Lá, eles já passaram a efetivar os direitos até da quarta geração, enquanto nós ainda buscamos a efetivação dos direitos fundamentais. ridos, dispostos a darem o melhor de si pela causa social. Isto nós não observamos com a mesma freqüência, por exemplo, no continente europeu. APMP: Como assim? EMB: A Europa luta principalmente pela conservação daquilo que já construiu. A nossa visão é diversa. Ainda lutamos pelo que até hoje não tivemos: igualdade social, melhores condições de vida, paz social em termos de baixa criminalidade. O europeu tem seus problemas muito pontuados. Na Escandinávia, por exemplo, se discute se poderia ser crime hediondo a pesca fora de temporada ou a derrubada de determinadas árvores consideradas sagradas. Para nós, o crime hediondo é a agressão mais perversa contra o ser humano. Lá, eles já passaram a concretizar os direitos até da quarta geração, enquanto nós ainda buscamos a efetivação dos direitos fundamentais. APMP: Mas nosso Ministério Público pode ser considerado moderno? EMB: Sim, porque além de um ótimo material humano, não há Ministério Público tão bem desenhado ao sabor da democracia como o nosso. Isso é mérito da geração que liderou nossa Instituição quando da feitura da Constituição de 88. Temos uma dívida com esses colegas. www.apmp.com.br 5 APMP pelo mundo “O seu batismo de fogo nos auditórios forenses o colocou logo em ritmo e plano de competição com notáveis advogados de uma linhagem de tribunos que encanta com a palavra e seduz com o argumento.” René Ariel Dotti APMP: Essa visão é partilhada pelos estrangeiros? EMB: Sim. Basta dizer que os grandes juristas que estiveram no Brasil por ocasião do I Congresso Mundial tiveram uma impressão fortíssima do quanto o Ministério Público brasileiro é atuante e de vanguarda. APMP: Por ser uma matéria nova no Brasil há a necessidade de reciclagem e de recebermos a experiência de fora do país? EMB: Claro, pois só assim teremos condições de entender como o dinheiro oriundo do crime organizado é injetado no sistema financeiro nacional, para depois podermos entrar com a ação de lava- www.apmp.com.br APMP: É necessário uma integração entre Ministérios Públicos? EMB: Sem dúvida nenhuma. Essa é a palavra mais atual na Europa. Anos atrás, visitando o Ministério Público em Paris, conheci os chamados magistrados de ligação. Recordo-me de um italiano que era promotor de ligação em Paris para o combate ao crime transnacional. No caso, por exemplo, de uma máfia italiana operando na França, ficaria muito mais fácil a esse promotor italiano, sem muita burocracia, acionar um colega na Itália para produzir uma rápida investigação, o que pelas vias tradicionais não seria possível. de. É hora de quebrarmos o padrão clássico do membro do Ministério Público servindo somente no seu país. O mundo está globalizado e, pelo fato do crime não respeitar fronteiras, deveríamos aplicar o conceito da soberania partilhada, que não coloca em crise o Estado, mas reforça a idéia de Estado de Direito e de convivência entre nações irmãs. Este é o caminho do futuro e entendo que o Ministério Público brasileiro está desafiado não mais a sonhar, mas a concretizar o que já é uma realidade na Europa. tuições. E em ambas temos bons profissionais para servir a sociedade. APMP: O Ministério Público está preparado para assumir completamente o poder investigatório no Brasil ou ele tem que estar em harmonia com a polícia? EMB: Esta harmonia entre polícia e Ministério Público será sempre um conceito em construção. Não falamos “polícia” e “Ministério Público” em termos individuais, mas como Insti- Europa, quando dizem que a prisão faliu, é no sentido de reconhecer que ela não ressocializa ninguém, que tem caráter punitivo. Em suma, o indulto serve, de um lado, para esvaziar os cárceres e as esperanças do brasileiro e, de outro, para povoar os cemitérios. APMP: A concessão do indulto é coisa séria no Brasil? EMB: De forma alguma. Os governos têm premiado muitos criminosos, desrespeitando vítimas sobreviventes e a memória das falecidas, dando um péssimo exemplo de como não se fazer justiça. O indulto parte de uma falácia, que é a ressocialização de muitos criminosos. Na Não há esta tradição de federalização do julgamento de crimes no Brasil e essa experiência é bastante questionável. Melhor seria instituir os magistrados de ligação, o que permitiria a plena integração entre os Ministérios Públicos Estaduais e o Ministério Público Federal. APMP: Na questão da lavagem de dinheiro, você acredita que nos falta material humano ou apoio institucional? EMB: Nós temos uma lei de lavagem de dinheiro de 1998 que é pouco conhecida. Recentemente dei um curso para os procuradores da república e promotores de justiça em Brasília sobre o tema e percebi a vontade que os colegas têm de implementar um combate à lavagem como modo eficaz de estrangular as organizações criminosas. Temos material humano e uma legislação que, embora necessite ser aprimorada, já permite fazer um grande trabalho. Precisamos é de uma vontade política muito determinada de cima para baixo. 6 gem de dinheiro. Mecanismos nós temos. O que seria importante agora é ter uma nova cultura do Ministério Público, já que nos acostumamos e nos formamos para combater os criminosos tradicionais e não a criminalidade organizada. APMP: Poderia explicar melhor? EMB: No mundo todo existem convênios entre os Ministérios Públicos. Aqui no Brasil, não temos promotores de ligação sequer entre os estados, o que seria fundamental para o combate à criminalida- “... o destino me reservava uma surpresa: não assistiria a Lyra, mas conheceria Edilson Mougenot Bonfim, o melhor da atualidade brasileira, orador sem concorrentes, orgulho do Ministério Público, que não faz acusação, dá uma sentença, que eterniza Lyra, mas não pode ser considerado seu prolongamento porque é único e original.” Carlos Magno Couto APMP: Como recebeu as críticas do ex-prefeito www.apmp.com.br 7 APMP pelo mundo “Mestre do Júri.” Evaristo de Moraes Filho não existia. Depois se descobriu que o motivo era o prazer de matar. No último dos julgamentos, após ser lida a sentença, eu fui abraçado por uma senhora e suas filhas, mãe e irmãs de uma das vítimas, que choravam compulsivamente. Naquele momento eu me emocionei e questionei interiormente o sentido do homem na Terra e porque algumas pessoas tinham que partir de forma tão violenta. Não me envergonho de ter ficado comovido. “...brilhante, talentoso, de grande cultura, de cultura eclética, filosófica, literária e jurídica...” Waldir Troncoso Peres Hélio Bicudo, que acusou os promotores de júri de preguiçosos? EMB: Com profunda tristeza ao saber que um homem que pertenceu ao Ministério Público está tão desatualizado com a realidade da Instituição. Enquanto promotor do júri, minhas ações e as dos meus colegas têm recebido o aplauso e o respeito sociais. Não sei o motivo da declaração, mas ela está totalmente dissociada da realidade do tribunal do júri. APMP: O que você acha da possibilidade de retirar da Justiça Estadual o julgamento de alguns crimes que violariam os direitos humanos? EMB: Quem está melhor aparelhado para combater o crime é quem está mais próximo da realidade de onde ele acontece. Não há esta tradição de fede- 8 www.apmp.com.br ralização do julgamento de crimes no Brasil e essa experiência é bastante questionável. Melhor seria instituir os magistrados de ligação, o que permitiria a plena integração entre os Ministérios Públicos Estaduais e o Ministério Público Federal. Ao invés de classificar o crime como federal ou estadual, o ideal seria aparelhar o Ministério Público e as nossas instituições policiais. APMP: Qual caso mais o emocionou em sua carreira? EMB: O daquele famoso “serial killer”, o maníaco do parque. Para os parentes das vítimas, pior que sentir ódio do acusado, é ter o sentimento vazio de se perguntar o porquê daquele crime. As famílias necessitam saber o motivo do crime, que aparentemente APMP: Houve algum momento pitoresco no júri? EMB: Meus discursos no júri sempre foram pautados por tanta sinceridade e convicção, que já flagrei algumas vezes os familiares dos acusados reconhecendo a necessidade da pena e o próprio réu balançando a cabeça afirmativamente enquanto eu pedia sua condenação. Ele percebia que não seria absolvido pelo tribunal da sua própria consciência e sabia que a nossa fala era mais honesta do que a daquele que pedia sua absolvição. Há situações inusitadas também. No julgamento do maníaco do parque, a defesa se exasperou e, no afã de defender o réu, passou a atacar a memória da vítima. Exercendo o pleno direito de cidadania, o pai da vítima ficou em pé no plenário e ergueu a voz em defesa de sua filha. Eu saí da tribuna da acusação e me posicionei ao seu lado. Entendi que se o juiz quisesse calar a voz dolorosa dele que o fizesse. Eu, enquanto promotor, assistiria aquele grito desesperado de quem, já tendo perdido a filha fisicamente, não aceitaria que sua memória fosse enxovalhada. “...só comparável aos maiores. Uma das mais fecundas inteligências que o Júri revela ao Brasil...” Carlos de Araújo Lima Crimes que chocaram o Brasil Um dos mais cruéis detentos do Brasil, o motoboy Francisco de Assis Pereira ficou conhecido como o “maníaco do parque”. São atribuídos ao facínora 7 homicídios e diversos outros crimes, como roubo, estupro e atentado violento ao pudor, crimes ocorridos em 1998. O motoboy ganhou o apelido porque atraía suas vítimas com falsas promessas de emprego até o Parque do Estado, na divisa de São Paulo e Diadema, onde elas eram violentadas e, sete delas, assassinadas. No julgamento do maníaco do parque, a defesa (...) passou a atacar a memória da vítima. (...) o pai da vítima ficou em pé no plenário e ergueu a voz em defesa de sua filha. Eu saí da tribuna da acusação e me posicionei ao seu lado. Entendi que se o juiz quisesse calar a voz dolorosa dele que o fizesse. Eu (...) assistiria aquele grito desesperado de quem, já tendo perdido a filha fisicamente, não aceitaria que sua memória fosse enxovalhada. Conheça mais da vida e da obra de Edílson Mougenot Bonfim. Visite o site www.emougenotbonfim.com www.apmp.com.br 9