MEMÓRIAS DOS APOSENTADOS
ÉLIO DE SOUZA FERREIRA
PROCURADOR DE JUSTIÇA APOSENTADO
APMP: Por que escolheu ser promotor?
Em uma palavra, eu poderia responder: por admiração. Mas isso não explicaria bem.
Na verdade, ao ingressar na faculdade, meu objetivo era outro. Concluir o curso de
Direito, e utilizar o conhecimento adquirido na melhoria do meu desempenho
profissional e impulso na carreira. Entretanto, alguns professores me impressionaram.
Pela postura, pelo conhecimento que demonstravam. Pelo amor que não escondiam
ao mister que exerciam: eram promotores de Justiça. A admiração por esses mestres
(exemplificativamente: Luiz Benedito Máximo, Roberto Gugliotti, Gilberto Quintanilha
Ribeiro, Renan Severo da Cunha, Jorge Luiz de Almeida), me fez decidir, ainda no 1°
ano, que estudaria para ser promotor de Justiça.
APMP: Como foi o concurso, qual o número do mesmo?
Infelizmente, não sei o número do meu concurso. Sei que foi realizado no ano de 1975,
contando com 1.464 candidatos. Eu o achei duríssimo. Tanto que, ao sair da banca
examinadora, tinha a sensação de me haver saído muito mal. E me lamentava de haver
perdido a oportunidade de, tendo chegado ao exame oral, não haver conseguido a
aprovação. Somente 48 horas depois, o candidato que passou em 1° lugar me advertiu
que eu não fora o mais brilhante até então, mas que havia feito um “oral” muito bom.
Fazendo uma retrospectiva, verifiquei que ele tinha razão. O resultado final
comprovou isso. O interessante dessa narrativa é que durante 48 horas eu ainda
estava desnorteado com o concurso, sem condições, sequer, de analisar o meu
desempenho.
APMP: Como foi a primeira experiência como substituto?
Inesquecível, a demonstrar a fidalguia dos, agora, colegas. Ao chegar em Santos,
minha primeira comarca, fui recebido pelo titular, Dr. Rubens que, cavalheiresca e
humildemente, me disse: “Você fez o concurso agora, e, portanto, está sabendo mais
do que eu. Mas, sente ao meu lado, e vá vendo como eu trabalho”. Essa recepção
afastou qualquer temor que o noviço pudesse ter e me encheu de uma satisfação,
ainda maior, pela carreira.
APMP: Como foi a experiência na comarca e relate as outras (acumuladas também).
A memória não guardou muito dessas experiências. Há que se destacar, entretanto, a
titularidade da comarca de Conchas. Após passar mais de 2 anos como promotor
substituto (era meu interesse amealhar o máximo de experiência antes de ser titular),
ao chegar em Conchas encontrei sério problema relativamente à falência de uma
marcenaria. Como eu havia passado algum tempo na Curadoria de Massas Falidas,
conhecia um pouco do assunto. Não foi difícil resolver o problema que atormentava a
comarca, no meu primeiro dia de trabalho.
APMP: Quais as dificuldades para se trabalhar na época (telefone, transporte,
situação dos fóruns).
Não tenho registros que mereçam maior destaque. Na 1ª entrância, o fórum era bem
instalado; os deslocamentos eram feitos com nossos veículos particulares. De curioso
o fato de, por alguns dias, eu haver dormido na minha sala. Na 2ª entrância (Poá), de
realce apenas o brutal volume de trabalho.
APMP: Como foram as passagens para as entrâncias (promoções e remoções).
A movimentação na carreira se deu, sempre, por antiguidade. Limitava-me a
formalizar minha inscrição. Entendia, e continuo entendendo esdrúxulo, pedir-se a
alguém que reconheça seu merecimento, já que isso pode ser aferido pelo trabalho
desenvolvido. Ademais, pedir para ter seu merecimento reconhecido e ouvir: “Como
é mesmo seu nome?”, deve ser desesperador.
APMP: Quais eram o procurador-geral e o corregedor-geral da época.
Respectivamente, Dr. Gilberto Quintanilha Ribeiro e Dr. Wilson Dias Castejón.
APMP: Se atuou no Tribunal do Júri, conte-nos a sua experiência. Outrossim, falenos dela na área criminal, em geral, e na cível.
Atuei no Tribunal do Júri em duas comarcas. As experiências foram muito agradáveis
no ponto de vista profissional. Ali, talvez mais que em outras atividades, o Ministério
Público mostra-se por inteiro à sociedade. Quanto à atuação na área criminal, agi,
sempre, norteado pelo entendimento de que a repressão penal deve ter em vista o
direito lesionado. Embora muita gente pense que dinheiro dá em árvore, a verdade é
que a reposição do bem subtraído não é tão fácil assim, e muitas vezes exige esforços
hercúleos da vítima, quando não a impossibilidade de repor o que lhe foi subtraído.
Assim, antes da preocupação com o bem-estar ou as razões do criminoso (que reincide
por volta de 70%), movia-me a vontade de satisfazer à necessidade da vítima, que
anseia por uma reparação material e emocional representada esta por rígida punição
ao infrator. O entendimento jurisprudencial e doutrinário, ao que penso, vai em
sentido contrário. Isso torna a atuação na área criminal extremamente penosa. Na
área cível, ao revés, onde atuei a maior parte da carreira, sempre me pareceu mais
fácil a aplicação do Direito e da Justiça : “A constante vontade de atribuir a cada um o
que é seu”.
APMP: Se atuou fora da carreira, fale sobre a sua experiência.
Atuei durante um ano como Diretor de Escritório Regional do Governo, na
administração de André Franco Montoro. Pretendia tirar alguma experiência para usar
na aposentaria, o que poderia fazer em seguida. A experiência não me agradou. A
forma de trabalho de cada uma das instituições era muito diferente. Na minha análise,
trabalhava-se muito e produzia-se pouco, sem muitas preocupações com o resultado
do trabalho. Ao fim do primeiro ano, retornei à carreira onde permaneci até o limite
de idade.
APMP: Como foi a aproximação da aposentadoria, e depois dela.
Cercada da ansiedade de quem desejava e precisava se aposentar , após haver
trabalhado, ininterruptamente, dos 16 aos 70 anos. Após ela, o coroamento de uma
vida de trabalho, extremamente, por mercê de Deus, bem sucedido. Hoje, uma
doença incapacitante que acometeu minha mulher, impede-me de qualquer outra
atividade, além de cuidar dela, o que faço com muita satisfação.
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