TEATRALIZAÇÃO DO TRIBUNAL DO JÚRI PALCO X PLATÉIA: DIÁLOGO ENTRE O DIREITO E O TEATRO Eliene Rodrigues de Oliveira∗ Resumo: O Tribunal do Júri, revela elementos teatrais que o constituem, sendo marcante o espaço cênico, a indumentária, os atores, a platéia. A narrativa é a sua grande forma. O enfoque, o fato criminoso e sua síntese, o conflito humano na sociedade. Linguagem verbal e não-verbal se fazem presentes no “ritual jurídico” que alguém faz e alguém vê naquele momento específico. Um ritual que dialoga com o teatro de Brecht e que leva ao povo o esbulho a que fora submetido – o atentado contra o bem maior da sociedade, a vida. Palcos teatrais ou jurídicos não se mantêm sem o elemento primordial, o homem. Atores da vida e do palco, artistas e operadores do direito se esmeram na busca teórica, prática e no conhecimento do corpo e voz de si mesmos e dos outros para representarem nada menos que a sociedade, já que a aplicação das normas jurídicas requer muito mais que uma simples interpretação legal. Palavras-chaves: Tribunal do Júri; teatralização. THÉÂTRALISATION OF THE JURY COURT STAGE X AUDITORIUM: DIALOGUE BETWEEN RIGHT AND THEATER Abstract: The jury court discloses theater remarkable elements that constitute it, like the scenic space, the clothing, the actors, the auditorium. The narrative is its great form. The approach, the criminal fact and its synthesis, the human conflict in the society.Verbal and not-verbal languages are present at the “legal ritual” that somebody makes and sees at that specific moment. A ritual that dialogues with Brecht’s theater and takes to the people, the despoliation that it is submitted the attempted against the biggest society good, the life. Theater or legal stages are not remained without the primordial element, the man. Actors of life and stage, artists and lawyers perform with care in the theoretical search, practical and the knowledge of the body and voice of itself and others to represent nothing less than the society, since the application of the law rules requires much more than a simple legal interpretation. Key Word:: The jury court; théâtralisation. INTRODUÇÃO O presente trabalho, ao considerar o Tribunal do Júri como sendo um espetáculo teatral, busca demonstrar a tênue linha entre direito e teatro. A idéia desta pesquisa1 resulta do desejo de levar para o mundo jurídico a “consciência” de que imensa é a contribuição das artes cênicas ∗ Advogada; especialista em Interpretação Teatral pela UFU/MG e em Gestão Cultural pela UNA/Belo HorizonteMG. ([email protected]) 1 Monografia apresentada ao curso de especialização lato sensu em Interpretação Teatral pela Universidade Federall de Uberlândia-MG, sob orientação do professor Dr. Luiz Humberto Martins Arantes. ([email protected]) para o cotidiano forense. No teatro, para melhor se representar um personagem, estuda-se sua vida, sua história, seu passado, a geografia, seu psicologismo, o que não é diferente em se tratando do advogado - ele é um ator que, para melhor desempenhar seu ofício, procura mergulhar em todos os aspectos da vida do cliente. Então, ele é padre, psicólogo, conselheiro. Tal qual o “ator do teatro” que, no estudo da obra dramática, faz sua leitura de mesa, mergulha na vida do personagem para melhor representá-lo, o “ator do direito” também tenta reproduzir nos “palcos forenses” a imagem e o resultado da sua leitura de mesa. Em um Tribunal do Júri, tudo tem um sentido, uma funcionalidade real e concreta. Existem elementos teatrais que o constituem, sendo marcante o espaço cênico, a indumentária, os atores, a platéia. A disposição cênica da sala, por si só, é uma forma de comunicação. Muitas são as possibilidades de encenação. Diversas as características da tragédia grega. Neste trabalho, o método brecthiano foi o adotado, mesmo sendo cabíveis outros métodos. Assim, faz sentido a interdisciplinaridade entre as ciências jurídicas e as artes cênicas, já que o operador do direito, quer consciente ou inconscientemente, busca na preparação do próprio corpo e voz sua ferramenta de trabalho. O teatro jamais ocorre sem o ator. O direito inexiste sem o homem. Palcos teatrais ou jurídicos não se mantêm sem o elemento primordial, o homem. 2 TEATRALIZAÇÃO DO TRIBUNAL DO JÚRI José Ortega y Gasset (1978, p. 31) define teatro como sendo “um edifício que tem uma forma interior orgânica constituída por dois órgãos – sala e cenário – dispostos para servir a duas funções opostas mas conexas: o ver e o fazer ver”. Ao analisar as três dualidades por ele compreendidas (sala e cena; público e atores; o ver e ser visto) e dizer com mestria que “o teatro não é apenas prosa ou verso, não é uma realidade que, como a pura palavra, chega a nós pela pura audição”, Ortega nos desperta para a idéia de que mais que um gênero literário, teatro é um gênero espetacular, pois o ver antecede e ultrapassa o ouvir. “Vemos os atores moverem-se, gesticularem, vemos seus disfarces, vemos as decorações que constituem a cena. Desse fundo de visões, emergindo dele, nos chega a palavra como que dita com um determinado gesto, com um preciso disfarce (...)”(GASSET, 1978, p. 31). Ademais, Prosa e verso há fora do Teatro – no livro, no discurso, na conversação, no recital de poesia – e nada disso é o Teatro. (...) A palavra tem no teatro uma função constituinte, mas muito determinada; quer dizer que é secundária à “representação” ou ao espetáculo. Teatro é por essência presença e potência de visão – espetáculo – e, enquanto público, somos antes de tudo espectadores. (...) O Teatro é, com efeito, o contrário da nossa casa: é um local aonde é preciso ir. E este ir a que implica um sair de nossa casa é, a própria raiz dinâmica dessa magnífica realidade humana que chamamos Teatro.(GASSET, 1978, p.32) Nesse sentido, o salão do Tribunal do Júri é um espaço cênico. É um local aonde vamos para assistir algo. Assim como precisamos nos deslocar de nossas casas para irmos ao Teatro, nos deslocamos para irmos assistir a um Julgamento. Concomitante a isso, e analogamente ao que o autor em foco define como Teatro nas suas várias acepções do termo (Edifício: espaço demarcado que compreende sala e cenário), quanto ao espaço físico onde se dá o Tribunal do Júri, os vários conceitos também são cabíveis. Existe a sala cheia de assentos, platéia e o espaço vazio, a cena. O palco do Salão do Júri é o espaço em que as pessoas são submetidas às regras da sociedade, cada qual cumprindo sua função e assumindo seus atos. É o símbolo da razão. A platéia (aqui não considerados os jurados) é a proximidade das pessoas com as leis, com o Estado. Mas também elas são tocadas pela emoção e, por isso, pode-se dizer que é o símbolo da mesma. Emblemática é a disposição cênica, o próprio cenário e a indumentária dos operadores do direito (atores). Além do grande impacto dramático causado por ser o figurino preto, a cor tradicional do luto, o mesmo pode ser considerado como o limite entre as classes: vestidos de toga preta, operadores da justiça simbolizam o poder, vez que a veste os distingue dos “corpos” dos cidadãos comuns. Por outro lado, as cores das faixas que acompanham as togas definem os “corpos” desta mesma “classe” jurídica. Criam a identidade visual dos “corpos sociais” dentro de um mesmo “corpo social”. A faixa do juiz é branca (força ativa); e se houver defensor público é verde. É um só o tom colorido da faixa que compõe a vestimenta dos debatedores em plenário - a cor púrpura. A cor vermelha, nos dizeres de Diaulas (2006) 2, não é um enfeite ou um colorido para só ser visto, “é uma linguagem silenciosa da mente e do corpo. E nada mais próprio do Ministério Público do que essa energia física, essa agressividade institucional na defesa intransigente dos valores que tem sobre os ombros”. Na mesma balança, está a metáfora da cor vermelha para o defensor: vida, vigor, força, ação, energia, intimidade e proximidade com a sociedade. Se o promotor representa a sociedade, o defensor assim o faz, representando o infrator das leis, não como indivíduo sozinho, mas como fruto social. Concomitante a isso, estudos jurídicos brasileiros existem sobre a estrutura cênica dos Tribunais do Júri, revelando a inadequação ao modelo republicano e aos princípios garantidores expressos na nossa Carta Maior. Esta estrutura cênica, (...) nitidamente revela a estrutura patriarcal e a ideologia de casta, que, entranhadas na autoritária história do Estado brasileiro, favorecem 2 Disponível em: <http://www.diaulas.com.br/artigos/mudanca_de_habito.asp>.Acesso em:17 jul. 2006. o surgimento de violências simbólicas e tratamentos privilegiados, que acabam por não ser sentidos, nem percebidos como tal. (...) Enquanto se reserva ao Ministério Público – órgão acusador e, em sua unidade, sempre parte autora na ação penal condenatória – a posição cênica de destaque, imediatamente à direita do órgão jurisdicional singular ou de seu presidente nos órgãos colegiados, o Advogado ou o Defensor Público – representando a parte contrária – permanece no plano inferior e longe do órgão jurisdicional. E o réu, presente às audiências de primeiro grau de jurisdição, pior ainda, colocado no estigmatizante, préjulgador e distante “banco dos réus”. (KARAM, 2005, p.123-124) O sistema processual mostra uma cultura de contornos bem precisos, um completo modelo de organização judicial, cuja estrutura cênica é definida e os sujeitos processuais, específicos. É a própria realidade jurídica encenada por ela mesma. É como se fosse um método, o seu método de encenação, a sua “forma” espetacular: uma estrutura formal (pela própria disposição do cenário) e também de encenação (rituais). Esteticamente falando, quem assiste a um Tribunal do Júri, observa que ele culmina num verdadeiro espetáculo teatral, muito atrativo até. É perceptível o quanto a grande massa teme o ambiente forense. Mas em se tratando de Julgamento, as pessoas sempre se deslocam de algum lugar e vão até lá para ver algo acontecer. No Tribunal do Júri, o texto compõe-se pelo trabalho dos operadores do direito. Mesmo tendo suas peculiaridades, é possível enxergar a narração como a sua grande forma. O enfoque, o fato criminoso; sua síntese, o conflito humano na sociedade. No teatro, cada autor tem um estilo, propõe uma linguagem, podendo ela ser, por exemplo, rebuscada ou regionalista. No Tribunal, os “textos jurídico-teatrais”, pelas próprias formalidades processuais penais, apresentam o mesmo estilo: seguem uma seqüência de procedimentos a compor os autos, linguagem, forma jurídica. Sendo a representação por atores o fim do texto teatral, na mesma linha está o “textojurídico-teatral”, que é concebido para ser narrado pela defesa e acusação no plenário. De forma semelhante ao teatro, no Tribunal do Júri o texto é apenas um elemento constituinte do espetáculo, trazendo acusado e vítima, seus principais personagens. Observando tão só o “texto-jurídico-teatral” encontramos apenas estes personagens e as testemunhas, o que não ocorre quando olhamos o momento do espetáculo do Tribunal. Ali, os operadores do direito, se transformam em atores/personagens: os vemos enquanto personagens, enquanto “classes representativas” da sociedade. No momento do espetáculo, os holofotes transfiguram os operadores jurídicos em personagens que contracenam não só com os personagens simbólicos do texto (acusado, vítima e testemunhas), mas com a platéia e os jurados. Até então, havia o texto, o trabalho intelectual do operador jurídico - o mundo das letras e da imaginação. Agora, há o ator em cena, presente no palco, transfigurado no seu personagem. Está ele, antes de ser ouvido, sendo assistido. No Tribunal do Júri é possível considerar acusado, Ministério Público, defensor, juiz, como sendo atores/personagens; jurados e platéia, como espectadores/platéia. Estes assistem e observam àqueles cruzarem o palco e narrarem os acontecimentos. Vale ressaltar a importância na distribuição dos papéis, sendo alguns protagonistas e outros figurantes, como é o caso do policial, do escrivão, do oficial de justiça, que ali, naquele espetáculo, atuam, mas timidamente. O acusado é o principal personagem do Tribunal do Júri. A ele, são oferecidos direitos indiscutíveis, que não devem, porém, ser exagerados em detrimento da defesa social. O crime gera um conflito entre este protagonista e a sociedade, posto que a família humana tem interesse na sua punição. Averiguar a culpa ou inocência do acusado é a finalidade processual. Personagem que representa a sociedade transgressora, o acusado é sempre visto como fruto do seu meio, ou como um louco. Ou ele é uma vítima do destino, ou um ser anômalo. Não é possível julgar seu ato criminoso sem nos colocarmos, por um instante, no seu ângulo visual. Este é o papel do advogado: interromper a cinzenta e uniforme visão. Levar à ribalta da consciência do juiz um homem, diferente de qualquer outro. Um homem com motivos determinantes especiais e que cometeu um crime, que, em alguma coisa, se diferencia de todos os outros crimes. Por alguns aspectos do seu caráter, o criminoso remetido a julgamento é digno de interesse, piedade, indulgência e porque não dizer, de simpatia. Descobrir esses aspectos, compreendê-los e despertá-los nos outros, é a missão do defensor. Para melhor fazê-lo, ele procura saber o porquê de um crime - seus motivos determinantes, ocultos na treva fatal da hereditariedade, da degeneração; procura a ferrugem de uma ocasião; procura ver o crime tal qual ele é, uma resultante de forças complexas. Esse “dar-se conta”, esse novo olhar para o acontecimento que o advogado busca durante seu ofício, não foge ao “distanciamento” preconizado por Bertold Brecht, em que o ator, na construção de uma cena, deve estranhá-la na descoberta consciente do diferente. É enxergando a infração dolosa contra a vida de forma não convencional, que se vê o homem enquanto ser social em evolução. Enquanto a sociedade não se sentir responsável pelas atitudes daquele cidadão, ela continuará agindo de forma apenas a acusá-lo, sem entender as causas e conseqüências do desajuste humano. Pela criação de uma distância (...) que permite ao público olhar a ação como espírito objetivo e crítico, as coisas mais familiares, as atitudes, as situações, serão vistas sob nova compreensão da situação humana. As grandes descobertas da humanidade, lembrava Brecht, foram feitas por homens que olharam coisas familiares como se nunca as houvessem visto antes (...) e do mesmo modo o público teatral deve ser ensinado a olhar as relações existentes entre os homens com o olhar crítico, “distanciado”, do descobridor. “O natural deve ser tornado surpreendente”. (ESSLIN, 1979, p.140) O delinqüente revela a dualidade humana. Homem que mata e se arrepende, que ri e chora, que é cruel e bom, que é vilão e também mocinho. O defensor fala pelo réu e narra todo o acontecido em que ele é o personagem principal. Nessa “cena” está inserido um psicologismo profundo, principalmente por causa dessa dualidade do ser humano. É esse psicologismo o recurso maior utilizado pelo defensor, provocando diversos sentimentos por parte dos jurados e platéia. Em contrapartida, esse mesmo psicologismo e a mesma dualidade são utilizados pelo acusador, já que na mesma medida pesam a dor da sociedade, da vítima e sua família. Expressão de um interesse muito mais alto, o Ministério Público representa a pretensão punitiva do Estado e a tutela dos direitos dos concidadãos ofendidos pelo crime. Não procura um culpado, mas o culpado. Quer, como a sociedade também quer, a punição de quem a ofendeu. É o tutor natural, por moral, por lei e por dever, do inocente. Acusa o culpado. O promotor ecoa a voz da sociedade, encarnando o seu papel e clamando por seus direitos. Suas palavras retratam a dor de um povo e requerem a punição do homem que desrespeitou a lei de Deus – só vão a júri atentados dolosos contra a vida. De certa forma, aí está de forma implícita a questão do mito tratado na tragédia grega: a inobservância aos preceitos divinos gera a própria desgraça. O Tribunal do Júri, por causa da fé cristã, é visto por muitos cidadãos como a conseqüência do desrespeito a Deus (único que tem direito de tirar uma vida), e desrespeito a toda a sociedade. O júri, ao contrário do Juiz, é mais numeroso, podendo ser considerado como uma verdadeira multidão. Composto por pessoas de condições diversas, o corpo de jurados representa a voz do povo que clama por justiça, tal qual o coro da tragédia grega. A própria sociedade é que julgará o infrator das leis e assim, ao povo (jurados) é dado o poder da decisão. Platéia e personagem são os papéis nos quais os jurados se desdobram durante o Tribunal. Para os espectadores, eles são personagens, no mesmo momento em que assistem ao espetáculo. É o magistrado o encarregado pelo Estado de administrar, distribuir e fazer a justiça. De dizer do direito. Ele sempre se apresenta imparcial, sereno, comedido. Ele, ao mesmo tempo em que conduz todos os rituais que ali se fazem presentes, é o narrador do próprio espetáculo, enquanto os debatedores narram o acontecido. Enquanto o promotor representa o algoz; o defensor, o intercessor e o réu, o vilão-arrependido, o juiz é a temperança. E os jurados, o silêncio. Silêncio que diz mais, que decide. A grande massa é a espectadora por excelência deste espetáculo. Por conta da temática, do acontecimento em si, ela assiste ao Julgamento ciente de que sua é a decisão ditada pelos jurados. A platéia que foi o ponto de partida para as inovações teatrais feitas por Brecht é, no Tribunal do Júri, o alvo dos debatedores para angariar votos favoráveis a sua tese. A votação dos quesitos é por demais simbólica - denota a expressividade popular e a consciência do fato por parte dos jurados, que também é platéia. Num primeiro momento, a platéia é atraída pela estética, pelo visual, pelo espetáculo em si. De volta para suas casas levam consigo alguma reflexão. Reflexão do homem dentro de uma “teia” social. É o despertar da platéia do Tribunal do Júri dialogando fortemente com a platéia do teatro de Brecht. Mantendo o espectador num estado de espírito crítico, evita que este olhe o conflito exclusivamente do ponto de vista dos personagens nele envolvidos, ou que aceite suas paixões e motivos como sendo condicionados pela “natureza humana eterna”. Tal teatro levaria o público a ver as contradições existentes na sociedade; poderia até fazer com que os espectadores se perguntassem como essa sociedade poderia ser mudada. (...) O teatro de Brecht é um teatro que tem por objetivo provocar a indignação da platéia, insatisfação, a compreensão das contradições – um teatro supremamente adaptado à paródia, à caricatura e à denúncia e, portanto, essencialmente um teatro negativo. Por isso, são tão conspicuamente ausentes do teatro de Brecht os heróis positivos, por isso seus personagens bons são invariavelmente destruídos e derrotados. (ESSLIN, 1979, p.153-154) Assim pensando, quantas e quantas platéias existem para esse tipo de espetáculo, se despertam para as relações decorrentes do homem e não tem o costume de ir ao Teatro propriamente dito que também retrata e provoca o despertar do homem em sociedade. Tanto platéia teatral, quanto jurídica, é ela o instrumento da mudança social. Tanto no teatro, quanto no Tribunal do Júri, a platéia é imprescindível para o “acontecer espetacular”. O protagonista, que é o acusado, é de todas as personagens a que, no seu silêncio, mais diz através do seu corpo. Com ombros e peitos pesados, cabisbaixo, olhos pedindo socorro, o réuator incorpora um verdadeiro sofredor. Tal personagem é a base para toda a linguagem acontecida no “espetáculo”: seja ela verbal ou não; seja expressa pela acusação ou defesa. O acusado é a “caricatura” ali presente que cria e mantém todo o espetáculo jurídico. A linguagem do Tribunal do Júri revela nada menos que um discurso persuasivo, em que a oratória baseia-se precipuamente no “apelo emocional”, a provocar piedade ou terror para convencimento de uma tese proposta. A possibilidade de interpretar o fato acontecido encontrase no discurso oral, na forma narrativa. O debatedor utiliza artifícios e argumentos que possibilitem ampliar imaginariamente os detalhes da hipótese defendida. A verdade em que o “ator” interpreta e mergulha visa transformar o “jurado”. A fala é a mola-mestra para seu desempenho de acusação ou defesa. É nessa linguagem, é nessa hora, que o “ator” busca alcançar uma possível verdade dos fatos. Apela para o psicologismo; improvisa mediante as surpresas durante os debates; remete a citações bíblicas. Ecoa a voz e encena aquilo que não está nos autos, com a única finalidade de convencer o jurado. É possível no Tribunal do Júri entender a linguagem não-verbal como uma interpretação cênica, teatral, mímica; como uma “performance corporal” para alcançar os limites da verdade possível dos fatos narrados que não necessariamente estejam contidos nos autos. É o arremate da retórica. É a “carta na manga” trazida pelo ator. A sua fala requer um corpo que a alimente, que desperte a consciência de quem vê e não apenas ouve. Então, o expressar do corpo coaduna com a voz e provoca emoções, desperta a consciência de quem assiste. O debatedor prima pela teatralização dos gestos, o apelo emocional, o jogo de provocações, ironias, estratagemas, porque é o que “provoca” os jurados e os convence. No Tribunal, a forma teatral como os fatos são expostos, vale mais que a própria argumentação, pois é essa teatralização que “mexe” com o público. 3 CARACTERÍSTICAS DA TRAGÉDIA GREGA A ambigüidade é a identidade do universo trágico grego. A religião grega dava grande valor aos deuses ao mesmo tempo em que dava grande valor aos homens. Existe algo que está lá na Grécia, que ela forja: a concepção de tragédia3 que se fez acontecer em meio a danças rituais (religiosas e dionisíacas) e que se caracteriza pela máscara (essência da representação dramática – metamorfose), a presença do coro (representando a coletividade dos cidadãos) e o herói trágico (que reduplica os valores religiosos, políticos, aristocráticos questionados na época). O despertar no público de terror e piedade, sua marca4. A temática, um herói desafiando propositada ou involuntariamente as leis dos deuses, e por estes castigados. Muitos aspectos de tal espetáculo teatral dialogam com o espetáculo do Tribunal do Júri. O preceito moralizante da tragédia grega (o castigo pelos deuses) também é colocado sobre as costas do infrator das leis, com a diferença da morte pela punição. Assim como o herói trágico cujas palavras proferidas voltam contra si, o infrator das leis torna-se vítima dos seus próprios atos. Carrega para sempre a “mancha” da fatalidade decorrente da sua culpabilidade. Na tragédia grega o acaso não atinge só ao herói, contamina toda a família, a cidade. No Julgamento assim ocorre. A punição para o infrator não é individualizada, estende-se aos seus familiares que também sofrem e são punidos indiretamente. Para a família da vítima não há pena capaz de reparar o irreparável, a morte. É a desgraça da desgraça. O coro enquanto personagem da tragédia grega exprimia conselhos e opiniões, criticava valores sociais e morais. Enquanto espectador (voz do povo) reagia aos acontecimentos e comportamentos dos personagens. Com o desenvolvimento da tragédia grega ele acabou por 3 A articulação entre humano e divino, na tragédia, comprova o conflito entre o pensamento racional e o mítico, o que demonstra que o domínio da tragédia se localiza onde os atos humanos articulam com os deuses. (COSTA: 1988, 9) 4 No teatro grego ou aristotélico, o espectador por empatia, sofre a tensão, chegando ao desfecho. Quando a tensão se desfaz, o público alcança a catarse que libera as emoções.Esse tipo de teatro corresponde, em sua forma mais pura, ao século V a.C. (COSTA: 1988, 5) fazer apenas pausa entre os atos, perdendo a sua importância originária, a representação de uma personagem coletiva. No Tribunal do Júri essas características se desdobram em dois personagens: jurados e magistrado. Os jurados ainda representam o coletivo, compõem o coro. Mantidos afastados da ação principal da peça, as cadeiras justapostas a que eles ocupam dispõem-se em retângulo, tal qual na tragédia grega. Ali eles são a voz do povo. Voz silenciosa que se expressa através da votação. Há que se lembrar que os comentários dos acontecimentos dramáticos são, de certo modo, verbalizados pelo juiz em cada ato, o que leva o público a refletir e isso, tem muito a haver com o papel do coro na tragédia grega. A forma teatral da tragédia grega traz a religião, política social e individual como temas centrais. Sofrimento, angústia, violência, amor, vingança, orgulho, imprudência humana, livre arbítrio x destino, direitos individuais e coletivos explorados na tragédia grega, tudo pode ser colocado como paralelo ao Tribunal do Júri. Aqui, tal qual a máscara na tragédia grega, a indumentária expressa a transfiguração do ator em personagem. Tanto a tragédia grega quanto a moderna deixam no espetáculo do Julgamento traços marcantes no que tange a política, virtudes de honra, seriedade e dignidade. Até no que se refere ao “rol taxativo” dos acontecimentos trágicos, Tribunal do Júri e tragédia grega se assemelham. Ora, se no Tribunal só vão a Júri, os crimes de homicídio; induzimento, instigação ou auxílio a suicídio; infanticídio, aborto, na tragédia grega, a temática também centra-se apenas no parricídio, incesto e matricídio. 4 PARALELO COM O TEATRO ÉPICO DE BRECHT Brecht traz um novo tipo de dramaturgia diferente da tradicional. Sua forma de expressão, um teatro além do simples entretenimento, propõe despertar o povo, criar sua consciência política e tentar demonstrar a maneira como os fatos ocorrem. Não se trata de buscar uma verdade abstrata, mas uma demonstração condizente da decorrência dos fatos. As relações que os homens mantêm entre si é o material bruto do teatro brechtiano, vez que a vida do personagem é irrelevante a não ser na medida em que seja expressada em suas atitudes e ações exteriores. “Pois a menor unidade social não é constituída por um ser humano, mas por dois.” (ESSLIN, 1979, p.144) O comportamento em plenário dos debatedores do júri não só visa a interpretação de um fato examinado, como também, a aprovação por parte dos jurados. A situação dos homicidas não retrata um acontecimento isolado do indivíduo, mas relações que os homens mantêm entre si. O Tribunal do Júri, de certo modo, revela a própria sociedade de forma a despertá-la criticamente. Propõe a reflexão sobre a conduta racional ou irracional do infrator das leis naquele caso específico. É possível entender o discurso e o comportamento dos “atores” do Tribunal do Júri como sendo uma interpretação cênica, cujo foco central é o público. É a interpretação de um fato acontecido a provocar no julgador o perdão ou a condenação - o “Sim” ou o “Não”. Para chegarse a esta escolha, o julgador reflete sobre os fatos examinados, tomando por base as relações do homem enquanto indivíduo, família e Estado; enquanto ser humano na constante transformação de conflitos sociais; enquanto ser humano objeto consciente de reflexão, responsabilidade e culpa. A cena que narra a situação de opressor e oprimido traz como pano de fundo social, a dimensão histórica do acontecimento, seja ela família, pobreza, violência, o que quer que seja. Ao narrar os fatos violentos, o objetivo dos “atores jurídicos” é fazer com que o jurado se reporte à situação fática, se projete mentalmente a uma situação análoga para “testemunhar” ou “avaliar” a conduta do agente. Na mesma balança, está o teatro brechtiano, que objetiva provocar indignação e insatisfação da platéia (a própria compreensão das contradições). O teatro “épico” retrata a complexidade do homem “numa era em que a vida do indivíduo não pode mais ser compreendida isoladamente, separada das poderosas tendências das forças sociais, econômicas e históricas que afeta milhões de pessoas” (ESSLIN, 1979, p.137). A narrativa é caráter imprescindível para o despertar crítico da platéia, visto que Brecht enxerga que o público deveria ser levado a pensar e não a se emocionar. Deverá ser por isso a todos os momentos evidente aos espectadores que ele não está testemunhando acontecimentos reais que se estejam passando diante de seus olhos naquele momento, mas que, pelo contrário, estão sentados num teatro, ouvindo um relato (por mais vívido que este possa ser) de coisas que aconteceram no passado em determinado momento e local. (ESSLIN, 1979, p.136) É possível fazer um paralelo entre o Tribunal do Júri e o teatro “épico” de Brecht. Se espectador do teatro e jurado são destinatários das mensagens dos narradores da peça e do fato, pode-se comparar o comportamento do espectador do teatro com o jurado, e do ator com o do debatedor. A analogia do teatro dramático ao épico, feita por Bertold Brecht, enquadra os atores “jurídicos” aos atores “teatrais” e, jurados à “platéia” no espetáculo do Tribunal do Júri, foco desse trabalho. O espectador do teatro dramático diz: “É, já senti a mesma coisa. – Sou assim mesmo. – Isso é muito natural. – Será sempre assim. – O sofrimento desse ser humano me comove, porque não há saída para ele. – Isso é verdadeira arte: leva a marca do inevitável. – Choro com os que choram no palco, rio com os que riem.” O espectador do teatro épico diz: “ – Nunca pensei que fosse assim – Não é assim que se deve fazer. – Isso é muito surpreendente, quase que inacreditável. – Isso tem de parar. – O sofrimento desse ser humano me comove porque deveria haver uma saída para ele. – Isso é verdadeira arte: nada parece inevitável – Rio por causa dos que choram no palco, choro por causa dos que riem.” (ESSLIN, 1979, p. 141) No mesmo sentido, a obra “O Teatro Épico” de Anatol Rosenfeld, (no capítulo a comparar o teatro épico ao dramático), amolda o Tribunal do Júri no espetáculo teatral. Na forma épica do teatro, a narração desperta o espectador, tornando-o um observador que é forçado a tomar decisões. Ao invés de vivenciar as emoções, o público cria sua própria concepção do mundo, já que é posto em face de algo. Ele passa a argumentar, é impelido a atos de conhecimento e, permanecendo em face de algum acontecimento, ele o estuda. O homem é o objeto de pesquisa: um homem mutável, que é visto como processo, como ser social que determina o pensar, o raciocínio. A tensão do espectador no teatro épico visa ao desenvolvimento. Cada cena é por si, não havendo linearidade. (ROSENFELD, 2004, p.149). Se Brecht busca a lucidez no público, o Tribunal do Júri não o faz de modo diverso. Talvez seja um tipo de espetáculo em que tais elementos estão postos de forma bem clara para se entender o que é um teatro épico. A temática escancara o conflito das relações humanas: esboça nitidamente a caricatura do “opressor” e do “oprimido”, de forma que o homem está em constante mudança, pois ali o infrator das leis, que um dia foi “opressor”, está naquele instante, na condição de “oprimido”. Não se trata de um indivíduo por si só com suas características pessoais isoladas, mas como fruto de um processo histórico e dinâmico, como parte de um “corpo social” politicamente regulado. Os atores do Julgamento representam funções sociais da sociedade. Há uma identidade fruto de mitos definidores dos padrões sociais, sendo a própria forma de vestir a tradutora desses “corpos”. É sabido que ali, cada personagem compõe seu papel: durante toda a encenação o juiz conduzirá os rituais, o promotor será o carrasco a acusar o infrator e o defensor insistirá que, em absoluto as atitudes deste não o desabonam da indulgência. Por aí os personagens vão meandro adentro. Personagens que agem e reagem uns em relação aos outros são o que se torna a unidade básica do teatro brechtiano. As atitudes básicas dos seres humanos são expressadas pelo que Brecht chamou Gestus, termo que não significa apenas “gesto”, mas que cobre toda a gama dos sinais exteriores das relações sociais, inclusive “maneira de postar-se, entonação, expressão facial”. Cada cena de uma peça tem seu Gestus básico. (ESSLIN, 1979, p.145) Da mesma forma que o figurino, elemento integrante da linguagem teatral, a beca dos debatedores, que nas audiências normais não tem tamanha imposição, ali no Tribunal do Júri, manifesta ao espectador à sua contrariedade àquele acontecimento histórico-social, ao fato de opressão (crime). Quando veste a batina, é como se o acusador ou defensor, dissesse ao público “posso até concordar com a opinião de vocês, mas não me permito contrariar o meu personagem a ser encenado.” As cenas no Tribunal do Júri são interdependentes, é como se fossem quadros que, isolados, tem pleno significado. Por exemplo, se assistíssemos em um dia apenas a explanação do promotor, noutro a da defesa, noutro o depoimento do réu, perceberíamos o sentido proposto por cada explanação. Cada cena tem seu início, meio e fim. Cada cena desta nos despertará para algo. Cada cena por si só, se faz acontecer. E isso está presente até mesmo na forma da sua escritura. A criação do espetáculo a que ele se propõe, colocando aparatos que designam a passagem de uma cena (de um quadro para outro), torna-se perceptível no Tribunal do Júri. A cada quadro, temos a intervenção do magistrado. Da mesma forma que no teatro brechtiano, a música serve para despertar do ilusionismo, no Júri, as falas do juiz que repassam a vez de um operador para outro, bem retrata isso. Além do mais, na medida em que Brecht quebrava o ilusionismo do teatro dramático, deixando o palco “nu” a mostrar seus mecanismos utilizados (maquinaria), a revelar e questionar a si mesmo e pensar a sua própria função, o próprio sistema judiciário desmonta o palco para a platéia, para que ela, enquanto sociedade perceba algumas estruturas sociais do país. Ora, os assentos demarcados para os operadores jurídicos são signos que têm voz própria e dialogam com a platéia. Não estão ali à-toa, têm pleno significado. Nas “entrelinhas” do cenário jurídico, em especial os assentos, está a nitidez das diferentes classes sociais. 5 INTERDISCIPLINARIDADE ENTRE DIREITO X TEATRO Direito e Teatro, cada qual a sua forma, lida com o conflito humano, comunica-se com a sociedade e tenta o aperfeiçoamento para a sua transformação. Atores do direito e do teatro necessitam de técnicas, conhecimentos teóricos, expressividade e oratória. Conhecimentos teatrais não só contribuem para o campo científico como também para a formação e atuação dos operadores da justiça. Afora outros ofícios, tal arte lida com a improvisação, interpretação, tessitura de textos, expressão corporal, buscando sempre “enxergar” o outro. É de praxe nas faculdades de direito, já no término do curso, o Tribunal do Júri Simulado. Alunos estudam um caso já decidido (texto), distribuem os papéis, ensaiam e o apresentam publicamente. Agora, parte da platéia (professores, colegas, amigos e familiares dos protagonistas) não é atraída pelo caso real, mas pelo espetáculo em si, para assistirem a transfiguração dos atores no palco. Tal espetáculo é o meio de preparação de futuros profissionais para o mundo forense. Muito embora seja um instrumento pedagógico, é inegável que tal simulação seja uma encenação teatral. Aqui, sim, é nada menos que teatro. Por evidenciar semelhanças nas figuras do advogado e do ator, não ter dúvidas da proximidade boa entre os saberes jurídicos e teatrais e discernir o papel de cada um, a Faculdade Armando Álvares Penteado (FAAP) de São Paulo, inseriu na grade curricular do curso de Direito a disciplina de teatro ainda em 20045. Valorizando aspectos lúdicos adormecidos ou tidos com importância menor para alunos, a proposta demonstra benefícios teóricos e práticos propiciados pelo teatro. Segundo a diretora do Teatro da FAAP, os primeiros resultados favoráveis desta inovação, em que os alunos passaram a ter a disciplina nos dois semestres do primeiro ano, foram, compreensão de texto, relacionamento em grupo (percepção do outro) e falar em grupo. A princípio tinham muita resistência, pois não conseguiam entender o porque da decisão da FAAP em colocar a disciplina “teatro” na grade curricular. A cada turma que se apresentava (depois de um ano cada classe se apresenta no teatro FAAP), o resultado aparecia em sala de aula e na vida deles, “contaminando” assim as turmas futuras. (HAMRA, 2006)6. Afirma ainda, que depois do contato particular com o teatro, os alunos tiveram um maior despertar de humanização e sensibilidade, pois os textos dados em sala de aula “despertam os alunos a perceberem as situações sob dois ou mais pontos de vista. Fazer o aluno expor uma situação conhecida que também tenha mais de um ponto de vista para ser percebido, assim, acontece o despertar” (HAMRA, 2006). 7 Toda inovação de seu tempo causa “estranhamento”, mas o despertar sempre acontece. A Companhia de Teatro Commune desenvolveu projeto análogo para alunos de Direito da PUC-Campinas. Segundo o coordenador do curso Augusto Marin, o objetivo é trabalhar técnicas de comunicação básicas, de fala e de corpo por meio de jogos teatrais. "Essas atividades humanizam o estudante e o deixam mais donos de seu corpo, de sua voz e de sua expressividade. Ele passa a ser capaz de articular e manejar esses elementos de forma mais consciente", diz. Segundo Marin, por meio do lúdico, é possível vencer o rigor e a rigidez inicial e começar a atingir os jovens que, embora pareçam pessoas mais soltas dentro da sociedade, enfrentam uma série de barreiras quando o assunto é falar em público e dominar suas próprias funções corporais. (Artes....2006)8 Como mencionado está, o Tribunal do Júri é um espetáculo formador de grande público, com número maior quando comparado ao Teatro propriamente dito. É perceptível a ausência de uma educação formal para as artes, em especial para o Teatro. Existem muitos letrados que abominam o teatro inconscientes da contribuição rica que ele dispõe. Também aí, se faz tamanha 5 A disciplina aprova ou reprova como todas as outras da grade curricular. É estruturada de modo que, ao fim do segundo semestre, seja encerrada com a montagem de uma peça. Mas não é ela que vai determinar o êxito ou fracasso do aluno na disciplina. Será, sobretudo, a presença e a participação, o processo de trabalho. (ENTRE...2006) 6 Entrevista informal com Cláudia Hamra, concedida via e-mail em data 21/07/2006. 7 Entrevista informal com Cláudia Hamra, concedida via e-mail em data 21/07/2006. 8 Disponível em <http://www.aprendervirtual.com/index.php?pg=noticia&codigo_noticia=124>. Acesso em:17 jul.2006. necessidade do teatro na academia de direito, até mesmo para essa leitura de “códigos” que a arte demanda, porque na economia cultural, a variável “renda” não é que o que forma a platéia. CONSIDERAÇÕES FINAIS A teatralização do Tribunal do Júri revela temática e métodos de encenação próprios; espaço cênico delimitado; personagens definidos. É o mundo jurídico encenado no próprio “cenário” jurídico. Cenário repleto de signos teatrais a mostrar o inacabado, o homem em conflitos e mudanças. Cenário a mostrar cores, formas, trajes, posturas e entonações de atores que dão vida às diversas classes sociais, tradutoras de um sentido ético, moral e religioso para a platéia. Se na arte jurídica há a realidade dos fatos colocada no próprio palco sob “cores e formas” e não a originalidade da “montagem” enquanto espetáculo (apenas recursos estéticos vistos por quem o assiste), na arte teatral “cores e formas” são colocadas como reflexo de algo real acontecido que sempre envolve o homem regido pelas leis. Por mais abstrato que seja um espetáculo teatral, ali, na sua construção e apresentação ele se faz realidade. Por mais real que seja o desenrolar do Julgamento, ele se faz abstrato. Momentos há em que ele perpassa o campo real e atinge o imaginário dos espectadores a se tornarem testemunhas do fato criminoso. Também os próprios signos trazem um quê teatral. Mesmo que latente, existe uma comunicação entre os dois saberes cumpridores de papéis diversos. A comparação do Tribunal do Júri ao teatro pode até ser, num primeiro momento, recebida pelos operadores da justiça como “ofensa”. Talvez por entenderem o teatro com algo de importância menor, ou por não perceberem que o que se identifica são elementos teatrais. O espetáculo do Tribunal do Júri ao demonstrar tais elementos revela que a aplicação das normas jurídicas requer mais do que uma simples interpretação legal. A criação das leis, que é construída com o perpassar dos tempos a revelar mudanças sociais e também identidade de um povo, tem grande afinidade com o teatro, que também reflete um contexto histórico da humanidade. Para “mostrar” esta identidade e memória, Direito e Teatro demandam uma prática interpretativa e argumentativa, sendo que os textos teatrais, pela investigação dos conflitos humanos que têm, ampliam e consolidam os métodos de interpretação jurídica. Vê-se nas obras teatrais, grande discussão das concepções de justiça. A sua investigação leva para o palco forense novos olhares para homem. Tanto dos atores jurídicos durante o “laboratório” do Tribunal do Júri, quanto da sociedade, platéia dela mesma. Para muitos, a narrativa dos conflitos sociais exposta pelo Tribunal do Júri, não passa de mais um “fato” no cotidiano. Para os iniciados em Brecht é o libelo contra a “alienação” - o “teatro jurídico” revelando à grande massa os personagens regidos pelas leis que viveram, vivem em sociedade e são reflexos de uma história. Se o Tribunal do Júri apresenta uma somatória de elementos teatrais e ainda dialoga com o teatro de Brecht cujas “formas” tendem abandonar no palco a idéia do ilusionismo, sendo o despertar consciente o passo fatal para a “criação” do espetáculo, não tem porque não enxergá-lo como um Espetáculo Teatral. Trata-se de ritual jurídico que alguém faz e alguém vê naquele momento específico e que leva ao povo o esbulho a que fora submetido – o atentado contra o bem maior da sociedade, a vida. Um ritual que tem como “porta vozes” os atores jurídicos simbolizando as diversas classes sociais, tentando a consciência do fato e para serem ouvidos, mesmo que inconscientemente, encontram nas técnicas teatrais o seu aprimoramento, porque no momento do “julgamento”, o espetáculo significa nada menos que a busca pela justiça. REFERÊNCIAS BORNHEIM, Gerd. O Sentido e a Máscara. São Paulo: Perspectiva, 2004. 7-37 p. CASARA, Rubens R. R.; ARAM, Maria Lúcia. Redefinição Cênica das Salas de Audiências e de Sessões nos Tribunais: REVISTA DE ESTUDOS CRIMINAIS. Ano V – Jul./Set. 2005. nº 19. p. 123-131. COSTA, Ligia Militz da; LUIZA, Maria; REMÉDIOS, Ritzel. A Tragédia: Estrutura & história. São Paulo: Ática, 1988. 79 p. ESSLIN, Martin. Brecht: dos males, o menor um estudo crítico do homem, suas obras e suas opiniões. Rio de Janeiro: Zahar, 1979. p.131-156 GASSET, José Ortega y. A Idéia do Teatro. São Paulo: Perspectiva, 1978. 101 p. ROSENFELD, Anatol. O Teatro Épico. São Paulo: Perspectiva, 2004. 145-175 p. Artes nas Aulas: Atividades relacionadas à arte valorizam estudantes tanto como seres humanos quanto como profissionais. Disponível em <http://www.aprendervirtual.com/index.php?pg=noticia&codigo_noticia=124>. Acesso em:12 mai..2006. Entre o Palco e o Tribunal. Disponível em <http://www.universia.com.br/html/noticia/noticia_clipping_cdbab.html> Acesso em 17 jul.2006 RIBEIRO, D. C. Mudança de hábito: uma beca para o Ministério Público. Disponível em: <http://www.diaulas.com.br/artigos/mudanca_de_habito.asp>.Acesso em:17 jul. 2006