ASSISTÊNCIA Barreiras de Prevenção As estratégias dos serviços de hemoterapia para reduzir eventos adversos e garantir mais qualidade na assistência a pacientes e doadores Por Gilmara Espino M ais de 3 milhões e meio de transfusões são realizadas por ano em todo o Brasil. Para cada mil transfusões, são esperadas três reações transfusionais (RT) (1), relacionadas a causas como: erros de identificação de pacientes, amostras ou produtos, utilização de insumos inadequados ou inaptidão profissional. Segundo Elisângela Spinelli, coordenadora de gestão de qualidade do Banco de Sangue de São Paulo, “os eventos adversos mais comuns no ato transfusional são a reação febril não hemolítica (0,91%) e a reação alérgica leve (0,72%)”. Em ocorrência menos frequente – 1 caso para 33 mil, em 12 mil transfusões –, aparece a reação hemolítica aguda (quando os anticorpos de ocorrência natural anti-A, anti-B e anti-A,B do paciente reagem com as hemácias A, B ou AB do doador). Esse é um dos eventos mais temidos diante do alto índice de mortalidade associado (2). As RTs e incidentes diretamente relacionados à doação de sangue comprometem não apenas o resultado terapêutico, mas também 52 Melh res Práticas a satisfação do cliente e a imagem do hospital, mesmo que o serviço de hemoterapia seja terceirizado. Ambos, banco de sangue e hospital, podem responder solidariamente por qualquer negligência, imperícia ou imprudência que leve ao dano. Para Paulo Tadeu Almeida, presidente da Associação Brasileira de Bancos de Sangue, o caminho para minimizar os riscos pode estar na adesão às metodologias de qualidade especialmente desenvolvidas. “A acreditação específica para serviços de hemoterapia garante a execução de processos seguros, controlados e documentados. Contribui na assistência, pois permite a compreensão das interfaces, a busca conjunta pela melhoria da qualidade, a satisfação dos clientes internos e externos e o completo atendimento aos requisitos legais e técnicos dos processos.” A seguir, os serviços acreditados Banco de Sangue de São Paulo e Hemocentro São Lucas compartilham algumas das ações que desenvolveram para gerenciar riscos e reduzir incidentes. DOAÇÃO DE SANGUE ATIVIDADE Recepção e cadastro O doador apresenta um documento oficial com foto. A recepcionista realiza o cadastro ou atualiza as informações. Triagem Inicialmente, são realizadas medições de pulso, pressão e temperatura, obtidos dados de peso e altura e, finalmente, feito o teste de anemia. Os valores serão analisados durante a consulta de triagem com questões direcionadas à segurança do doador e receptor. Doação / Coleta O doador é acomodado em cadeira de doação enquanto um profissional realiza a sua identificação e coleta de sangue utilizando equipamentos e insumos específicos. A coleta de amostras é realizada ao final da doação para realização dos testes. Fracionamento A bolsa contendo sangue total coletado é avaliada, pesada e direcionada para separação dos hemocomponentes por centrifugação. RISCO Erro de cadastro; Troca de informações. Liberação de candidatos que não atendem integralmente os critérios de seleção; Troca de candidato à doação; Erro na entrevista clínica; Erro na análise hematológica. Reação adversa do doador; Coleta insuficiente ou excessiva; Erros de identificação; Contaminação bacteriana; Troca de amostra de doadores; Amostra inadequada; Extravio. Processar hemocomponente fora do padrão. Liberar hemoconponentes contaminados ou com tipagem incorreta; Erro de técnica, tipagem e sorologia; Erro de identificação de amostras. Testes de laboratoriais As amostras coletadas são encaminhadas para testes de triagem sorológica para doenças transmissíveis e testes imunohematológicos para verificação da tipagem e presença de anticorpos irregulares. Erro de etiquetagem/ identificação de hemocomponentes; Processamento inadequado do sangue total; Perda do hemocomponente. Liberação dos hemocomponentes Após a realização dos testes, realiza-se a liberação ou o bloqueio dos hemocomponentes e colocação do rótulo final. Controle de qualidade de hemocomponentes BARREIRA Erro de técnica; Equipamentos ou insumos fora das especificações. Apresentação de documento oficial com foto; Cadastro a partir de, pelo menos, dois identificadores vinculados (ex.: nome completo, data de nascimento, nome da mãe); Verificação de inconsistências e rastreabilidade de doações e tipagens anteriores; Uso de tecnologia como, identificação por código de barras e biometria. Entrega do voto de autoexclusão; Identificação ativa do doador para confirmação de dados cadastrados; Etiqueta de identificação (se disponível, com código de barras) colada no doador e de fácil visualização; Entrevista clínica com apoio de sistema informatizado, com travas automáticas para os casos de inaptidão; Equipamentos calibrados validados diariamente. Conferência de sinais vitais; Inclinação parcial da cadeira de doação; Controle do tempo máximo de doação; Identificação ativa do doador para confirmação de dados cadastrados; Utilização de homogenizadores controlando o volume; Leitura por código de barras com vínculo do doador com a bolsa a ser coletada; Rotulagem das amostras após identificação positiva e ao lado do doador; Boas práticas de técnicas de antissepsia e coleta de sangue; Coleta em sistema fechado com desvio primário do primeiro fluxo; Orientação e lanche ao doador pré e pós-doação; Descanso obrigatório do doador pós-doação; Acompanhamento pela equipe de qualquer sinal de reação adversa à doação; Boas práticas de homogeneização de amostras; Inspeção de recebimento e envio de amostras. Conferência informatizada das especificações dos hemocomponentes produzidos. Utilização de etiquetas com código de barras; Interfaceamento dos resultados entre os equipamentos; Dupla checagem na liberação dos resultados; Vínculo dos resultados com resultados de doações anteriores. Dupla checagem do rótulo com a bolsa via sistema informatizado; Interfaceamento dos resultados para o sistema informatizado; Validação dos insumos; Conservação e armazenamento apropriados. Controles internos e de proficiência técnica; Equipamentos validados e calibrados; Análise de tendência de produção; Análise dos resultados da validação. Melh res Práticas 53 ASSISTÊNCIA TRANSFUSÃO DE HEMOCOMPONENTES ATIVIDADE Solicitacão de atendimento de transfusão / Requisição de serviços hemoterápicos BARREIRA RISCO Não atendimento ou atraso da solicitação; Transfusão cancelada ou suspensa por falta de hemocomponente. Registro em planilha de solicitação de atendimento, seguida de análise da solicitação e capacitade de atendimento; Aceite da solicitação mediante a prescrição médica; Análise e acompanhamento do mapa cirúrgico; Análise clínica específica do receptor; Protocolo de reserva cirúrgica; Estoque de hemocomponentes fenotipados; Estoque mínimo de hemocomponentes. Coleta de amostra Após prescrição e pedido médico é realizada a identificação positiva do paciente e dos tubos e coleta de amostras. Testes pré-transfusionais Nas amostras do paciente e das bolsas são realizados os testes de tipagem e pesquisa de anticorpos irregulares e provas de compatibilidade. Instalação de hemocomponentes O hemocomponente selecionado e identificado para o paciente é transportado até o leito e, após identificação do paciente, é instalado e monitorizado. Monitoramento das transfusões Antes e após a instalação da transfusão, são verificados os sinais vitais do paciente. Eventuais reações são identificadas por alterações clínicas e dos sinais vitais. Ato transfusional Coleta de amostras do paciente incorreto; Erro de identificação da amostra; Não obtenção da amostra. Erro de tipagem e/ou compatibilidade; Erro de Técnica; Erro de Transcrição. Não respeitar o tempo estipulado para infusão ; Não identificar possível reação transfusional. Realizar identificação positiva à beira do leito. Monitoramento dos sinais vitais durante e após a transfusão e acompanhamento nos primeiros 10 minutos. Transfusão em paciente errado ou de hemocomponente errado Reação transfusional Transmissão de doenças infecto-contagiosas Agradecimentos: Banco de Sangue São Paulo: Elisangela Spinelli (Coordenação da Gestão da Qualidade) e Fernando Ghilardi (Diretoria de Qualidade) Hemocentro São Lucas: Rita Daniela Machado (Gestão de Processos) Melh res Práticas Controle de qualidade dos reagentes; Controles internos de cada teste; Cumprimento dos procedimentos técnicos; Inspeção de recebimento e controle de reagentes; Controle de reprodutibilidade; Interfaceamento dos resultados dos testes prétransfusionais; Vínculo em sistema informatizado de resultados anteriores. Instalação do hemocomponenente errado ou em paciente incorreto. Referências: (1) AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA / ANVISA. Boletim de Hemovigilância Nr. 5, 2012. (2) OLIVEIRA, Luciana C. O.; COZAC, Ana Paula C. N .C.. REAÇÕES TRANSFUSIONAIS: DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO. Medicina (Ribeirao Preto. Online), [S.l.], v. 36, n. 2/4, p. 431-438, dez. 2003. ISSN 2176-7262. 54 Identificação ativa ou passiva do paciente (duas identificações vinculadas); Rotulagem das amostras na beira leito; Identificação do tubo via etiqueta informatizada; Capacitação em venóclise. Termo de consentimento informado com identificação do paciente; Conferência da etiqueta de identificação com o tipo de hemocomponente; Identificação ativa ou passiva do paciente; Dupla conferência do hemocomponente com o receptor; Checagem da prescrição médica; Provas de compatibilidade pré-transfusional; Hemocomponentes especiais (deleucotização, irradiação, hemácias lavadas, hemocomponentes por aféreses); Emprego de técnicas laboratoriais com maior especificidade (NAT); Atualização constante em temas relacionados à transmissão de doenças infectocontagiosas; Testes sorológicos com metodologia de última geração.