PERFIL
DA CANDIDÍASE BUCAL EM CLÍNICA ESTOMATOLÓGICA
ORAL
CANDIDIASIS PROFILE IN A CLINIC OF STOMATOLOGY
Rafaela Russo de Araújo1
Ana Paula Rezende1
Marina Brasileiro de Araújo1
Hermínia Marques Capistrano2
Resumo: Um estudo epidemiológico transversal retrospectivo foi feito com o objetivo de verificar a
prevalência da candidíase bucal nas clínicas de Estomatologia da Faculdade de Odontologia da PUC-MG e de
descrever o perfil da doença e do portador. Foram analisados 2.197 prontuários de pacientes atendidos durante
cinco anos, entre 1998 e 2002. Em 277 deles encontrou-se diagnóstico de candidíase bucal, correspondendo a
12,7% do total dos diagnósticos, neste período. Estes prontuários foram analisados para obter a freqüência da
doença por sexo, idade, raça, tipo da manifestação clínica, localização e tratamento preconizado. As mulheres
foram 3,5 vezes mais afetadas que os homens; 48% dos casos ocorreram entre 40 e 59 anos de idade e 5,4%
abaixo de 29 anos de idade; a maior freqüência foi em leucodermas (43,7%). O uso de prótese total removível foi
o fator predisponente associado em 75,4% dos casos. A principal localização da doença foi na mucosa do palato.
Em 154 casos (64,4%) o tratamento inicial foi feito com nistatina e em 61 (25,5%) com miconazol Os resultados
confirmam a candidíase como doença bucal de alta prevalência e indicam a necessidade de controle periódico
dos usuários de prótese removível, para prevenção e tratamento precoce da doença.
Unitermos: Candidíase; Diagnóstico; Prótese removível; Palato.
INTRODUÇÃO
A candidíase é uma infecção fúngica, produzida pelos microrganismos Candida sp, sendo a espécie mais comumente encontrada a C. albicans. Estes
fungos habitam normalmente as mucosas e só causam doença quando existem condições que favoreçam seu crescimento. A evidência clínica ou não de
infecção depende provavelmente de três fatores gerais: o estado imunológico do hospedeiro; o meio
ambiente da mucosa bucal e a resistência da Candida albicans (Neville et al., 2004).
A candidíase é a mais comum das infecções
fúngicas que afetam a boca. Os microrganismos podem desenvolver-se em qualquer superfície da mucosa. Os fatores predisponentes podem ser locais
ou sistêmicos e envolvem mais comumente próteses
removíveis mal-adaptadas e mal higienizadas, mudanças na microbiota bucal, feridas crônicas de
mucosa, uso sistêmico prolongado de antibióticos,
corticoterapia, uso de imunossupressores e doenças que causam imunodeficiência, como a AIDS
(Myzuka, 2005).
1
Cirurgiã-dentista
2
Doutora em Epidemiologia pela UFMG. Professora Adjunta da Faculdade de Odontologia da Pontifícia Universidade Católica
de Minas Gerais
Projeto PROBIC 2003/33
Arquivo Brasileiro de Odontologia
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Na mucosa bucal a candidíase apresenta formas clínicas variadas:
- Candidíase Eritematosa: apresenta-se sob a forma
de manchas ou áreas eritematosas avermelhadas.
Ocorre com maior freqüência no palato, onde também é chamada de Estomatite por Dentadura quando associada ao uso de prótese removível e no dorso da língua, podendo ocorrer como pequenos pontos avermelhados na mucosa jugal.
- Candidíase Pseudomembranosa: infecção resultante da
proliferação da Candida albicans, vulgarmente conhecida como “sapinho”. É mais comum em crianças. caracteriza-se pela presença de placas esbranquiçadas ou
amareladas removíveis por meio de raspagem deixando
a mucosa com áreas eritematosas e hemorrágicas.
- Candidíase Crônica Hiperplásica: caracterizada por
placas brancas que não podem ser removidas pela
raspagem. É também conhecida como leucoplasia por
Candida.
- Candidíase Mucocutânea: apresenta variações tanto
nos aspectos clínicos como no grupo de pacientes afetados. A forma localizada caracteriza-se pela candidíase
persistente e prolongada da mucosa bucal, das unhas,
da pele e da mucosa vaginal. Inicia-se como candidíase
pseudomembranosa envolvendo, pouco depois, unhas
e pele (Reichart et al., 2000; Ortega et al., 2002).
O objetivo deste estudo foi conhecer o perfil
da candidíase bucal na clínica de Estomatologia da
Faculdade de Odontologia da PUC/MG (FO-PUC/
MG), através da análise retrospectiva dos prontuários
de portadores, para determinar sua prevalência, os fa-
tores associados à sua ocorrência e comparar os resultados com dados disponíveis na literatura.
MATERIAIS
E
MÉTODOS
O método epidemiológico utilizado foi o estudo transversal retrospectivo. Foram analisados 2.197
prontuários de pacientes atendidos na clínica de Estomatologia da FO/PUC-MG, durante cinco anos, entre
1998 e 2002, para verificar a prevalência de candidíase bucal. Foram encontrados 277 casos com diagnóstico de candidíase bucal. Estes prontuários foram analisados para verificar a freqüência da candidíase em
relação a sexo, idade e raça dos portadores, localização e forma clínica da doença e o tipo de tratamento
preconizado. A análise estatística foi feita utilizando os
testes do Qui-Quadrado e o de Kruskal-Wallis.
RESULTADOS
A candidíase bucal representou 12,7% de todos os diagnósticos encontrados nos prontuários
analisados, durante o período avaliado. Os resultados encontrados para a freqüência da candidíase
bucal por faixa etária dos portadores estão na Tabela I. A maior ocorrência da doença (48% dos
casos) foi em pessoas entre 40 e 59 anos de idade,
com diferença estatisticamente significativa entre o
número de casos presentes por faixa etária avaliada
(p< 0,001). Entre 0-29 anos de idade foram encontrados 15 casos (5,4%). Em relação ao sexo a
candidíase foi 3,5 vezes mais encontrada no sexo
feminino: 216 dos casos (78,0%) ocorreram em
Tabela I - Freqüência e porcentagem de candidíase bucal por faixa etária dos pacientes
Idade
0 - 29
30 - 39
40 - 49
50 - 59
60 - 69
> 70
Total
No de casos
15
40
62
71
54
35
277
%
5,4
14,5
22,4
25,6
19,5
12,6
100,0%
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mulheres e 61 casos (22.0%) ocorreram em homens.
A Tabela II mostra a freqüência e a porcentagem da candidíase bucal, quando foi feita a relação
tes, 76,2% usuários de prótese total removível (PTR).
Em 18,8% dos casos, o fator predisponente associado não estava especificado nos prontuários.
entre a localização da doença e o fator etiológico predisponente associado. Acandidíase foi significativamente
associada ao uso de prótese removível e à localização
no palato (p<0,05) com 77,6% dos portadores da
doença sendo usuários de próteses removíveis e des-
Em relação à cor dos pacientes, encontrouse 121 casos de candidíase em pessoas leucodermas
(43,7%), 66 casos em feodermas (23,9%) e 50 casos em melanodermas (18,0%). Em 40 dos prontuários analisados (14,4%) não havia esta informação.
Tabela II - Freqüência da candidíase bucal considerando localização e fator etiológico associado
Na análise do tratamento preconizado observou-se que o tratamento inicial foi tópico, utilizando a
nistatina em 154 pacientes (55,6%) e o gel de miconazol, em 61 pacientes (22,0%), sendo os dois medicamentos antibióticos poliênicos. Em 18 casos
(6,5%) associou-se miconazol e nistatina. Nos casos
restantes, a prescrição medicamentosa utilizada foi
variada. Para muitos pacientes a medicação foi trocada após 15 dias, quando sua ineficácia foi constatada, conforme padronização de tratamento adotada
no serviço ambulatorial analisado. Em 3 casos, após
o tratamento com antibióticos poliênicos, foi feita
muco-abrasão no palato, técnica cirúrgica comumente
utilizada para a remoção da hiperplasia papilar associada à candidíase.
valência, uma vez que há grande variedade de doen-
DISCUSSÃO
de infecção. A candidíase pode desenvolver-se tanto
A candidíase bucal representou 12,7% do total
de diagnósticos estabelecidos para pacientes atendidos na clínica, indicando que a doença tem alta pre-
fecção oportunista relacionada a fatores etiológicos
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ças diagnosticadas neste serviço. Em trabalho recente realizado no Laboratório de Patologia da FO/PUCMG, onde a maioria do material enviado para diagnóstico é proveniente da clínica de Estomatologia,
encontrou-se 124 tipos diferentes de diagnóstico, em
8.900 fichas de biópsias analisadas (dados não publicados). Happonnen et al. (1982) encontraram 104
diferentes tipos de diagnóstico, em 15.758 biópsias
avaliadas.
A alta prevalência da candidíase pode estar
relacionada ao fato de que fungos da espécie Candida sp podem ser parte da microbiota bucal de humanos, com 30 a 50% das pessoas apresentando estes
microrganismos em sua boca, sem evidência clínica
em pessoas saudáveis, como se manifestar como in-
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predisponentes, locais e sistêmicos (Reichart et al.,
2000; Neville et al., 2004).
Para Ellepola & Samaranayake (2000), a principal razão da alta incidência da candidíase oral parece ser a multiplicidade de fatores predisponentes,
que facilitam a conversão da cândida na forma comensal para a parasita.
sociada ao uso de PTR. McEntee et al. (1998) demonstraram que nem a idade e nem a qualidade das
PTR foram associadas à prevalência de candidíase,
concluindo que o uso de PTR por si mesmo seria um
fator predisponente à infecção.
A maior prevalência da candidíase bucal neste estudo foi em mulheres (78% dos casos) e em usuários de próteses removíveis (77,6% dos casos). Este
resultado poderia estar relacionado ao maior número
de mulheres atendidas, ou ao uso da prótese removível por elas, maior número de horas sem tirar para
descansar, conforme observado por outros estudos.
Este dado merece ser investigado, para verificar a
significância e a força desta associação. Regezi &
Sciubba (1991) relataram que a candidíase crônica,
conhecida também por “estomatite por dentadura”,
A infecção pelo HIV foi o fator associado em
3,7% dos portadores de candidíase da amostra, sendo que a maior parte dos pacientes tinha menos de
30 anos de idade. Embora este ambulatório seja referência para alterações patológicas bucais, pacientes HIV positivos utilizam, geralmente, centros especializados para o seu tratamento, o que pode explicar
a baixa porcentagem de candidíase associada à infecção pelo HIV neste estudo. Além disto, a maior
eficácia dos novos medicamentos utilizados no tratamento da AIDS, vem reduzindo as infecções oportu-
ocorre predominantemente em mulheres, contribuindo para o seu aparecimento o traumatismo crônico
secundário a próteses mal adaptadas, relações oclusais deficientes e não remoção da prótese à noite. O
aspecto clínico é de superfície vermelho vivo, com
ceratinização relativamente pequena. Em pacientes
HIV positivos, Souza et al. (2000) encontraram maior
prevalência no sexo masculino (78% dos pacientes).
nistas associadas à doença. A candidíase é a doença
mais encontrada em pacientes aidéticos (Scully et
al.,1991).
Neste estudo, os achados de significativa
maior freqüência de candidíase entre os 40 e 59 anos
de idade (48%) e a maior associação da doença com
o uso de próteses removíveis, indica a perda precoce
dos dentes na população estudada, atendida em serviço ambulatorial gratuito, onde a grande maioria de
usuários é de nível sócio-econômico e cultural baixo.
Embora neste estudo 43,7% dos pacientes
portadores de candidíase bucal eram leucodermas,
não foram encontrados na literatura consultada, relatos que associem esta doença com algum grupo racial específico.
Acima de 60 anos de idade, observou-se
32,1% da ocorrência de candidíase bucal. Estes dados são coerentes com os encontrados por Frare et
al. (1997), estudando população de idosos de baixa
renda e por Birman et al. (1991) que, analisando 160
pacientes acima de 60 anos, encontraram 28,4% de
portadores de candidíase eritematosa no palato, as-
Os 17,3% de pacientes onde não havia um
fator específico associado à candidíase reforçam o
relato de Neville et al. (2004), de que a candidíase
bucal pode se desenvolver em pessoas que não apresentam qualquer associação oportunista detectada.
O tratamento preconizado para 55,6% dos
pacientes com o antibiótico nistatina deve-se ao protocolo adotado pela FO-PUC/MG, que utiliza este
medicamento como primeira escolha, por sua eficácia comprovada e por ser distribuído gratuitamente
nos Postos de Saúde, que o torna acessível à população de baixa renda, predominante entre os atendidos. O gel de miconazol, considerado igualmente eficaz no tratamento tópico da doença, foi utilizado como
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segunda escolha, provavelmente porque não é de distribuição gratuita. Apenas nos casos resistentes a estes medicamentos, foram receitados derivados imidazólicos e triazólicos. Todos estes medicamentos têm
sua utilização recomendada na literatura (Ortega et
al., 2002). A efetividade da nistatina, do cetoconazol
e ainda do fenticonazol, parece ser semelhante, sem
diferença significativa entre eles, no tratamento tópico da candidíase bucal (Lopez-De-Blanc et al.,
2002). Antes de tudo, a medida preventiva mais importante é evitar a interferência com o equilíbrio da
flora microbiana e as defesas do hospedeiro, bem com
suprimir os irritantes locais, principalmente o álcool e
o tabaco (Ortega et al., 2002). Além da terapia tópica, que deve ser a primeira escolha para pacientes
que usam próteses removíveis, é necessário orientar
os pacientes para desinfetar suas próteses rotineiramente, durante e após o tratamento. Promover cuidados com a saúde dental exerce importante papel
no diagnóstico e tratamento de doenças causadas por
12,7% of all diseases diagnosticated. These records
were analyzed for frequency of the candidiasis by gender, age and race of patients and for clinical aspect,
localization and used treatment of candidiasis. Women
were 3,5 times more affected that man; 48% of the
cases were found between 40-59 years of age an 5,4
% of the patients were under 29 years of age. The greatest frequency was in white people (43,7%). Wearing
a removable prosthesis was the predisposal factor for
candidiasis in 75,4% of the patients. The main localization was the palate. The initial treatment was made with
nystatin in 154 of the cases (64,4%) and with miconazole in 61 of the cases (25,5%%). The results confirm
oral candidiasis as a disease of high prevalence and
indicate the need of periodic control of the patients
wearing a removable prosthesis for the prevention and
early treatment of the disease.
fungos e, assim, os clínicos precisam estar cientes dos
sinais e sintomas da doença (Myzuka, 2005).
Candidiasis; Diagnostic; Removable prosthesis; Palate.
Os resultados encontrados neste estudo comprovaram a importância de pesquisas sobre infecção
REFERÊNCIAS
bucal por Candida sp, por sua alta prevalência, demonstrando a necessidade de controle periódico dos
usuários de próteses removíveis, a população mais
acometida pela doença, para sua prevenção e tratamento precoce.
Birman EG, Silveira FRX, Sampaio MCC. A study of
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1991; 3:17–25.
ABSTRACT
A retrospective cross-sectional study to determine prevalence of oral candidiasis and related factors
in the Clinic of Stomatology of the Pontifical Catholic
University of Minas Gerais School of Dentistry, Brazil,
was done. The records of 2197 patients were examined during five years. In 277 of them a diagnosis of
oral candidiasis was obtained, which corresponded to
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UNITERMS
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Recebido em: 07/05/2006
Aceito em: 01/08/2006
Hermínia Marques Capistrano
Faculdade de Odontologia da PUC Minas
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