COMUNICAÇÃO 4. Concorrência e Ética Uma pequena estória de encantar, em tempos difíceis. Alexandre Marques Pereira (nº 2756) “Chamo cultura ao equilíbrio entre o interior e o exterior do ser humano, que garanta um modo de pensar e actuar sensato” Adolf Loos Era uma vez um lugar longínquo, onde todas as pessoas eram indispensáveis, os Invernos longos e nos verões deslumbrantes as noites brancas. Nessa terra na sua bela capital, banhada por canais de água tão pura que se podia beber e rodeada de frondosos bosques, existia uma velha e belíssima Biblioteca situada num pequeno Parque, no centro da cidade. Mas como nesse lugar, as pessoas preferiam aprender coisas novas, do que ver na televisão as estafadas intrigas das novelas, chegou certo dia em que a “Casa dos Livros” ficou pequena, então os habitantes dessa doce cidade começaram a pensar, como poderiam ajudar a “Velha senhora” a continuar viva e cheia de pessoas, sem perder o seu Esplendor, (que por acaso era na relva). Acontecia que nos longos Invernos, os naturais dessas terras aprenderam as virtudes das decisões ponderadas e amadurecidas. E assim tiveram todo o tempo, necessário para pensar como é que seria a melhor maneira de ajudar a crescer, essa Bela e Velha “Casa dos Livros”. Primeiro fizeram um Programa, que era o mais claro possível, funcional qb, flexível à evolução, pragmático e o mais económico possível, ou seja, despretensioso e com a escala adequada ao Tempo e ao Espaço. Depois um concurso aberto a todos, com a intenção de ser o cenário o mais livre, transparente e democrático, que se pudesse imaginar, para de seguida poderem escolher entre todas as ideais possíveis, uma mão cheia de fortes propostas, para com tempo e meios poderem (num segundo tempo), escolher a que seria “a proposta ideal”, para ampliar a sua querida “Casa dos livros”. Tendo em mente quando recebessem os trabalhos da primeira fase fazerem uma grande exposição pública, para então escolher as melhores cinco propostas, para dar os meios igualitários a todos para então poderem escolher a mais acertada das propostas,. E para consumar todo o processo, se o autor da proposta vencedora, não tiver por acaso as condições práticas para por de pé as suas ideias, então a “cidade” propõem-se a criar as condições para isso se tornar possível, condições logísticas, financeiras e temporais. Esta é uma estória difícil de acreditar em Tempos Difíceis, como os que vivemos no nosso país, num país como o nosso em que á partida se pede uma extensa lista de requisitos para fazer uma qualquer obra. Quando é pedido que tenha um elevadíssimo volume de facturação, um currículo notabilíssimo, uma vastíssima equipa, um sofisticado leque de equipamentos, uma contabilidade fiscal intocável e depois se resistir ás ratoeiras do processo e da burocracia, então por fim poderá entregar uma proposta a qual eventualmente poderá vir a ser julgada. Esta dolorosa Via Sacra acontece, nem que seja para construir uma escola primária em Vale de Cambra, a junta de Sever do Vouga ou o mercado de Tabuaço. Mas acontece para nossa vergonha, que a estória de encantar da Biblioteca do país das Noites Brancas, não é uma história de inventar, mas está neste momento a acontecer. Hoje dia 24 de Novembro de 2006, algures em Estocolmo estará agora a abrir uma exposição, com 1100 propostas da primeira fase do concurso de ampliação da Biblioteca de Estocolmo, uma das mais celebradas obras de arquitectura do século XX, da autoria do arquitecto Erik Gunnar Asplund. E onde radica este desconfortável senso, será pela constatação do nosso desfasamento de desenvolvimento? O que nos envergonha é que já estivemos bem melhor, e que hoje em dia uma situação como esta nos pareça tão distante e quase extraterrestre. Como se nos últimos anos houvesse uma espécie de conspiração para acabar de vez com todas as veleidades de assumirmos estes factos como factos naturais e eminentemente culturais, como se existisse uma “Solução Final” para acabar de vez com uma justa e sensata politica de encomenda (pública ou privada). Como se estivéssemos condenados á mediocridade no quotidiano, para nos superarmos em certos momentos, momentos de excepção, então nestes momentos estamos de facto ao nível dos “outros”. Esta estranha condição de permanente sobrevalorização e hiper valorização, jogando entre o medo, a insegurança e a suposta precariedade do estar e do lugar, é o território para o amordaçar da revolta e da indignação, é de facto um sinal contrário á cultura e ao reconhecimento do valor da educação e do conhecimento. O nosso país, entrou num ciclo bipolar de perdas e ganhos, desde a perda do Império ao ganho da liberdade, da perda da ruralidade ao ganho da urbanidade, da perda da autonomia ao ganho da Europa, da perda da esperança ao ganho da ilusão, do estado de iletrados á ânsia de doutorados, como se essa fosse a resposta à mediocridade e incompetência. E perguntamo-nos se somos todos deprimidos e psicóticos, quando temos estas leituras das nossas realidades, e aqueles que ocupam os lugares de responsabilidade, dia após dia nos apregoam o contrário, que este nosso pequeno país está cada vez melhor, e que as nossas vidas e arquitecturas estão de boa saúde. Mas se por acaso temos de ir de Lisboa a Caneças pela velha estrada da Pontinha, passando por Vale de Cambra, e de relance espreitamos o largo horizonte, então de repente realizamos que vivemos num lugar esquizofrénico, onde muita das chamadas novas elites vivem entre o Bairro Alto e Nova York, sem realizar o verdadeiro desastre que este país se tornou, sendo que as velhas elites continuam a acreditar que não existem pessoas insubstituíveis e o lusitano tem de estar sempre eternamente grato. Estranho é que num país como o nosso com um território á beira do caótico (basta uma visão aérea), com uma mediana arquitectura muito abaixo da vulgaridade e da banalização, certas vozes da crítica propaguem serenamente a qualidade da arquitectura feita em Portugal (que obviamente existe) insistem num discurso alienado da realidade, e proclamem este facto como uma vitória da cultura sobre a prática. Ou será que afinal um pequeno bando de andorinhas fazem a Primavera? Na minha leitura, (porventura carregada de um pessimismo niilista), o “estado da nação” será exactamente o oposto, a vitória da má prática sobre a cultura, ou melhor dito a consequência do divórcio da prática e da cultura. Mas este é “o assunto” que nós podemos, se estivermos interessados, começar a resolver, começando na nossa casa (ordem dos arquitectos), criando uma nova gestão fazendo a fusão entre a prática e a cultura, para um dia podermos fazer como no caso da Biblioteca de Estocolmo, que para atingir um objectivo eminentemente prático, a atitude e os princípios são eminentemente pragmáticos e naturalmente profundamente cultos.