EDITORIAL
EIXO DE TRABALHO 2005
“NARRATIVAS EM PSICANÁLISE”
A
instituição psicanalítica é acima de tudo o resultado das suas discussões, da sua capacidade de troca, crescimento e questionamento
mútuo entre seus membros. Por isso, além das atividades regulares,
onde se realiza a exegese de textos clássicos ou se acompanha a exploração de um tema proposto por um coordenador, buscamos a cada ano escolher um eixo de trabalho que aglutine a instituição como um todo, catalisando
as diversas atividades numa única discussão. Para tanto, a Comissão de
Ensino encaminha uma proposta para ser debatida pela Mesa Diretiva, levando em conta a necessidade de encontrar um tema que sintetize nossas
inquietações teóricas, assim como deve estar em sintonia com os desafios
que a clínica e a sociedade seguidamente nos demandam. O tema do ano
de 2005 possui características peculiares. Este eixo visa a dar uma continuidade, uma unidade (na pesquisa), e uma visibilidade, a um trabalho que de
fato já está em curso, faz um bom tempo, em seminários, cartéis e núcleos
da APPOA.
Constatamos que existe uma confluência de estudos e produções
que apontam na direção da fronteira entre psicanálise e literatura, e numa
acepção mais ampla, para as variadas formas de narrativa. Para aglutinar
todas essas vozes, escolhemos como eixo temático: NARRATIVAS EM
PSICANÁLISE. Vamos então aproveitar essa inclinação, que acreditamos
não deva ser uma coincidência. Afinal, anos trabalhando juntos nos aproximam, às vezes da maneira que menos suspeitamos.
Uma série de fatos contemporâneos poderão, desse modo, ser abordados e elaborados: ao contrário do que se previu, o império das imagens
convive com uma nova geração que escreve e lê muito. Quem apostou no
declínio da palavra escrita errou; o computador, inicialmente visto como vilão,
criou novas formas de comunicação escrita. Primeiro o e-mail, depois outras
formas aprimoradas conectaram uma geração que troca mensagens de forma quase instantânea. O telefone está ao lado, por que escrever? O que
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esta forma guarda de parentesco com as cartas via correio que várias gerações utilizaram? Quem já leu trocas de cartas entre dois pensadores pode
ver que é mais que uma comunicação que se busca, é também um momento
de elaboração do próprio pensamento. Essas novas formas possuem também essa função? Além disso, como pensar os “blogs”? Alguém coloca seu
diário na rede para buscar o quê? E seja como for, está se fazendo representar por sua escrita. Os clássicos diários adolescentes, escritos para serem
profanados ou para agarrar um tempo que parece rápido demais para elaborar talvez tenham ganho uma sofisticação realmente inovadora.
Como se não bastasse, é preciso discutir temas como autoria e originalidade. A Internet tornou-se o reino do anonimato e do pastiche. O importante é que fique atraente para um grande número de internautas, se bem
colocado na rede o autor muitas vezes se regozija na intimidade do anonimato. Além disso, histórias coletivas são uma verdadeira coqueluche entre os
jovens, a ficção é um fio coletivo que tece laços e constrói histórias. É nessa
categoria que entram as “fanfics”, histórias escritas “como se fosse” por
Jorge Luís Borges, Luis Fernando Veríssimo, J.K. Rowling ou Tolkien, para
citar os mais populares, onde o escritor esmera-se por reproduzir o espírito
do original e propor situações que seriam partes, ou seqüências convincentes para histórias cultuadas. Só para acrescentar mais alguns exemplos de
interrogação possível, temos os “chats” onde uma conversa é escrita, lida e
respondida aqui e agora, ou ainda o “orkut” onde cada um tem uma página de
auto-apresentação com mensagens e imagens, para a qual são angariadas
adesões, por escrito. Existe uma epidemia de livros estruturados como diários, e os de depoimentos pessoais com objetivos de oferecer auto-ajuda.
Enfim, todo mundo se escreve e descreve.
Estas são algumas das novidades, mas não nos dedicaremos apenas
a elas. Há muita palavra decantada, saborosa como um vinho envelhecido,
disposta a nos inspirar idéias e dúvidas. A começar pelas do próprio Freud.
Sob essa luz, gostaríamos de estudar os grandes casos relatados por ele.
São momentos mais literários, onde um personagem protagoniza certos
aspectos da teoria e cada um pode ser interrogado desde o ponto de vista do
eixo narrativo, por exemplo: “Dora” (no que te concerne toda essa situação
sobre a qual estás te queixando?); “Homem dos Lobos” (o que fazer com o
relato das reminiscências infantis?); “Hans” (uma criança pode ver o mundo
de um jeito diferente a partir do momento que alguém dialoga com ela);
“Homem dos Ratos” (o que fazer com o discurso sobre a dívida, como articulálo com o necessário trabalho sobre as origens?); “Schreber” (constatando
como escrever um texto deu suporte e estrutura a um delírio). Em termos
freudianos, poderíamos sintetizar a questão assim: como Freud foi passando, ao longo de toda a vida (não somente no momento em que abandonou
seus trabalhos com Breuer), de uma abordagem sintomática para uma mais
enfocada na narrativa do paciente? Como foi que esta última foi tornando-se
cada vez menos factual e mais importante em si própria?
Relativo ao legado de Lacan, que buscou formalizar estas questões
que em Freud eram um fato clínico e um ato de fundador, é importante repensar o trabalho da interpretação também como um exercício poético e quais
as conseqüências terapêuticas disso. Lembremo-nos que ao propor o “retorno a Freud”, na abertura de sua coletânea Escritos, Jacques Lacan vai analisar o texto “A carta roubada”, de Edgar Alan Poe. Assim, o diálogo com as
narrativas está norteando as preocupações clínicas, de transmissão e da
posição da psicanálise no mundo atual.
Além dos temas arrolados, que não passam de exemplos para acender a discussão, acrescentaremos mais itens, apenas para ilustrar as possibilidades deste eixo:
– o paralelo entre casos clínicos como novelas, análises semelhantes à construção de romances e a literatura propriamente dita como caminho de elaboração, tanto para o escritor como para o leitor;
– como a psicanálise faz para transformar as queixas cada vez mais
pragmáticas em momentos de introspecção?
– quais as relações da psicanálise com a antropologia, filosofia e a
teoria da literatura que dão substrato a essa abordagem?
– qual o lugar dos grandes textos de referência e mesmo dos grandes autores de ficção hoje?
C. da APPOA, Porto Alegre, n. 133, mar. 2005
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– como tomar as afirmações de Lacan: “a verdade tem estrutura de
ficção”, ou mesmo a passagem do romance ao conto como indicativo dos
efeitos de estilos que podemos esperar de uma cura?
Nesse espírito, a proposta de tema para a Jornada de Abertura é:
“Inventar-se em Análise”. Porque não se trata de debelar os sintomas apenas, mas de mudar o eixo a partir do qual nos narramos.
Para o Relendo Freud o texto: ”Construções em Análise” (1937). Por
ser o texto freudiano onde a questão da ficção clínica como suplência da
realidade não alcançada está colocada e teorizada.
Proposta para Jornada do segundo semestre: “A Psicanálise como
Narrativa”. Sintetizando nossas conclusões, falando sobre como partimos
dos sintomas para descrever e reescrever a história de uma vida.
Enfim, a bola está em campo, o jogo já começou. O time não tem
número limitado de jogadores, aprendemos que nosso trabalho de equipe só
tende a ganhar com as adesões e diferenças. Por isso a convocação é para
que as pessoas e grupos de trabalho da instituição interpretem este eixo a
seu modo e compareçam às reuniões que serão agendadas ao término deste período tórrido, a longa siesta do verão.
Comissão de Ensino
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CONVOCATÓRIA PARA ASSEMBLÉIA GERAL
A Associação Psicanalítica de Porto Alegre está convocando seus
membros para a Assembléia Geral de renovação da Mesa Diretiva, que será
realizada no próximo dia 01 de abril de 2005, às 19h30min, na sede, tendo
por pauta:
– Renovação da Mesa Diretiva – gestão 2005/2006 (trata-se da eleição em função da vacância e da renovação de um terço dos membros após
o mandato de dois anos, segundo prevê o estatuto).
– Relatório moral e relatório financeiro relativos à gestão que se encerra.
– Aprovação do Estatuto Social da APPOA.
Contamos com a participação dos membros da APPOA para este
importante momento de trabalho da instituição.
JORNADA DE ABERTURA DA APPOA 2005
“INVENTAR-SE EM ANÁLISE”
Cada analista tem uma responsabilidade com a psicanálise. Portanto, neste momento discutir a narrativa nos parece relevante pois traz à cena
algumas questões fundamentais, entre elas: o endereçamento, a construção do interlocutor em análise e a verdade estruturada como ficção.
Tanto em percursos de análise, quanto em momentos da vida, podemos encontrar duas expressões – aparentemente díspares – que colocam
em causa uma relação ao silêncio: de um lado o mutismo resultante de um
trauma, de outro a fala verborrágica que dispensa interlocutor. De um a outro
pólo temos inúmeras combinações, nas quais estará sempre em vigência a
referência ao “tempo do Outro”. Mesmo que a disparidade mencionada pareça resultar de questões completamente diversas é importante ressaltar que
uma posição está em causa. Essa posição está referida ao tema da implicação subjetiva, lugar da enunciação. Ou seja, dificilmente se produz implicação numa narrativa (ou mesmo num momento de silêncio) quando lidamos
com termos absolutos.
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Ao longo de mais cem anos de exercício, muitas soluções foram propostas para as demandas endereçadas à psicanálise. Desde o acento numa
arte interpretativa, passando por uma delimitação de preceitos técnicos, até
a mais recente preocupação dos lacanianos com o fim de análise. Essas
diferentes propostas dependeram dos desdobramentos resultantes do registro social da psicanálise e seus efeitos na prática dos psicanalistas.
A psicanálise traz uma noção que desalinha certezas do sentido comum, propondo que o fundamento da transmissão de uma narrativa não depende de nosso usual senso de comunicação. Ao contrário, aquilo que fica
impresso e que se transmite, para além da consciência, num laço discursivo
fica do lado do tensionante, do irresolvido e do impossível de comunicar.
Ponto de articulação da psicanálise com a literatura e as artes plásticas que
se valem dessa mesma posição em suas manifestações contemporâneas.
Assim, o campo da invenção – da possibilidade de transmissão do incomunicável – faz parte da investigação da psicanálise em sua relação com o
tema da narrativa.
Data: 2 de abril, sábado
Local: NOVOTEL – Av. Soledade, 575
Bairro Três Figueiras – Porto Alegre – RS
PROGRAMA
– 9h30min.
“Uma chinela turca, narrativa, passagens e a outra cena” - Lucia Serrano
Pereira
– 10h45min.
“Análise: experiência estrangeira” - Marieta Luce Madeira Rodrigues
(intervalo)
– 14h30min.
“Histórias para brincar” - Ana Laura Giongo
– 15h45min.
“Escritas da clínica” - Ana Maria Medeiros da Costa
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PROGRAMA DE ENSINO 2005
SEMINÁRIOS
O DIVÃ E A TELA – UM OUTRO OLHAR A PARTIR
DA PSICANÁLISE E DO CINEMA
Coordenação: Enéas Costa de Souza e Robson de Freitas Pereira
Segunda quarta-feira do mês, 19h30min, mensal
Início: 13 de abril de 2005
Duração do seminário: de abril a dezembro de 2005 (sempre às quartasfeiras)
Proposta: “o que nos aporta nossa experiência, a experiência analítica, está
centrado sobre o fenômeno da tela. A tela não é somente o que oculta o
Real, seguramente é isto, mas ao mesmo tempo o indica”. J. Lacan
Seminário mensal com a finalidade de discutir as articulações entre
psicanálise e cinema, a partir do mote “o inconsciente está estruturado como
uma linguagem”. Quais as influências do cinema na psicanálise (se as há) e
que efeitos se observam e analisam da psicanálise no cinema. Uma discussão sobre as contribuições recíprocas entre os psicanalistas e os cineastas;
ou que se pode dizer do (des)encontro entre dois discursos que nasceram
no alvorecer do séc. XX. e da atualidade de seus impasses. Método de trabalho: assistir filmes e discutir em seguida.
CRIAÇÕES CÊNICAS: UTOPIAS DA VOZ E DO OLHAR
Coordenação: Ângela Lângaro Becker
Terça-feira, 20h30min, semanal
Local: Sede da APPOA e MEME – Centro Experimental em Dança (Rua
Gonçalo de Carvalho, 147)
Este é um seminário que se propõe a trabalhar o sujeito, em múltiplas
expressões cênicas, como o teatro, a dança e a performance, através do
ponto de vista psicanalítico. É uma proposta de intersecção disciplinar, interessante para todos aqueles que transitam pelo campo psicanalítico e/ou
artístico.
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A cena como ficção composta por cenário, personagem e narrativa
pode ser tomada como elemento indispensável à constituição do sujeito
moderno como tal e à sua sustentação dentro de um laço cultural. A constituição do fantasma que estrutura cada um de nós diz respeito a uma cena,
presente no nosso discurso, na imagem de nosso corpo, na nossa linguagem corporal, na música que nos movimenta. Imagem, voz e olhar estão em
jogo no dramatizar e no dançar. Ambos proporcionam projeções e introjeções
da imagem do corpo, fabricando sombras, originando duplos, multiplicandose em singularidades ou confundindo-se numa série. Estão aí presentes a
repetição e a criação. O encontro corporal com a música ou com a voz do
personagem tem algo, por si só, de perda de acabamento, proporcionando a
experiência do invisível e do inaudível. Por isso, a dança, junto com o teatro
e a performance dizem respeito a tudo aquilo que inaugura a constituição da
subjetividade.
A proposta de trabalho aqui apresentada é pensar esses elementos
que compõe as artes cênicas, à luz da teoria psicanalítica de Freud e Lacan
numa tentativa de responder a questões que dizem respeito aos dois campos: 1) Qual a função das artes cênicas na subjetividade do homem atual,
como um exercício de construção de novas identificações? 2) Pode-se pensar o espaço virtual como uma das expressões do fazer cênico contemporâneo? 3) Poderíamos pensar a teatralidade como uma das novas formas utópicas do sujeito contemporâneo? 4) Em que medida se aproxima a estrutura
trágica da ética psicanalítica ou ética da palavra? 5) Dança, teatro,
performance... o que cada uma dessas artes oferece como elemento
subjetivador ao homem moderno?
TOPOLOGIA: O ATO ANALÍTICO
Coordenação: Ligia Víctora
Sexta-feira, 18h15min, quinzenal
Início: 18/03/2005
Em plena discussão sobre a aprovação da lei do “ato médico”, minha
proposta para o Seminário de Topologia em 2005, é trabalharmos sobre a
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especificidade do “ato analítico”. Para isso, penso que é necessário refletirmos sobre a função do “ato” como fundador de um sujeito portador/efeito do
inconsciente.
Lacan insistia sobre a dimensão de ato na teoria analítica. Para ele,
um ato, seja ele analítico, sexual ou social, tem sempre a ver com um corte.
No sentido matemático, seria o equivalente a uma relação, uma função. É
também um ponto de não-retorno: depois dele, nada será como antes. Partindo deste pressuposto, teremos que todo o ato funda uma topologia precisa, e que ele mesmo é um corte, no sentido mais radical do termo, pois
inclui um vazio.
No Seminário O ato psicanalítico (1967/68), Lacan comparou o divã
ao campo do Outro. Assim, o divã ou “leito psicanalítico” (sic) também é
topológico, pois introduz o sexual na transferência, sob a forma de um campo vazio (esvaziado do gozo implícito na não-relação sexual). Ou seja: um
conjunto vazio! O analista, por sua vez, ele também é colocado num lugar
vazio – lugar do desejo – pelo analisante. A transferência seria uma forma de
atuação/atualização do inconsciente.
A partir de uma sessão analítica pode-se traçar todo grafo do desejo,
desdobrando-se as relações entre o “grande-A” e o “pequeno-a”. Assim, o
ato analítico pode ser considerado como criador do sujeito do desejo. Sua
especificidade está no fato de ser uma forma de “ignorância”, já que lida com
o inconsciente. E, por sua estrutura estar marcada pelo corte, ele também é
falho. Ao contrário do dito “ato médico”, que promete ser a voz da Verdade
absoluta, o ato psicanalítico, ao contrário, é declaradamente portador da
falta! Se nós quisermos falar da função do ato em psicanálise, penso que é
graças a esta dimensão (inconsciente) do sujeito, que se justifica a existência e o “fazer” do psicanalista.
Leituras:
Lacan, J. Seminaire L’acte psychanalytique 1967/68.
La méprise du sujet supposé savoir; La psychanalyse, raison d’um échec
e De la psychanalyse dans sés rapports avec la réalité. In : « Autres écrits » E.
Seuil, Paris 2001.
Leituras paralelas: Erasmo. O elogio à loucura.Platão. Ménon.
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CLINICANDO
Coordenação: Ana Costa
Sábado, 10h, mensal
Este ano que passou centramos o trabalho na indagação de se Lacan
apresenta uma nova teoria da escrita, percorrendo diferentes leituras de autores lacanianos sobre esse tema. No próximo ano o acento será sobre as
diferentes escritas da clínica:
– formações do inconsciente
– escrita do fantasma
– escrita do sintoma
PSICOSSOMÁTICA: INTERDISCIPLINA E TRANSDISCIPLINA
Coordenação: Jaime Betts
Sábado, das 10h às 12h, mensal, em Novo Hamburgo
Este seminário sobre psicossomática procura articular a estruturação
primordial da subjetividade na infância com os fenômenos psicossomáticos
que se apresentam no adulto através de uma abordagem interdisciplinar.
Partindo da construção de um espaço de interlocução com os participantes
(de diferentes especialidades) com desejo de interdisciplinaridade, articulase uma rede de significações que enoda as respectivas disciplinas, transcendendo as fronteiras dos saberes de cada uma. Isso não implica uma
descaracterização de cada disciplina, mas sim a construção de um campo
de saber compartilhado, transdisciplinar, onde o sujeito do desejo é o ponto
pivô das intervenções clínicas específicas de cada disciplina.
O ORGÂNICO E O PSÍQUICO:
NOVAS CONFUSÕES ENTRE O SUJEITO E SEU CÉREBRO
Coordenação: Alfredo Jerusalinsky
Quarta-feira, 20h30min, semanal
INTRODUÇÃO À OBRA DE JACQUES LACAN
Coordenação: Alfredo Jerusalinsky
Quarta-feira, das 08h30min às 10h Semanal.
Local: Núcleo de Estudos Sigmund Freud (NESF). Em Porto Alegre.
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O ORGÂNICO E O PSÌQUICO:
NOVAS CONFUSÕES ENTRE O SUJEITO E SEU CÉREBRO
As conseqüências da nova psicopatologia psiquiátrica, na concepção
da estruturação do sujeito, na prática clínica e na vida cotidiana.
Coordenação: Alfredo Jerusalinsky
Segunda-feira, das 14h às 16h, mensal.
Local: Universidade de São Paulo. Lugar de Vida, Instituto de Psicologia.
PROBLEMAS DE CLÍNICA PSICANALÍTICA
Coordenação: Alfredo Jerusalinsky
Sábado, das 17h30min às 20h, mensal
Local: Rua Ministro Rocha Azevedo 482. Em São Paulo
PSICANÁLISE NA CLÍNICA DA LINGUAGEM
Coordenação: Alfredo Jerusalinsky
Segunda-feira, das 08h30min às 10h, mensal
Local: DERDIC da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
QUESTÕES FUNDAMENTAIS DA PSICANÁLISE
Coordenação: Alfredo Jerusalinsky
Bi-Mensal. Com a participação de Lea Sales.
Local: Grupo de Estudos em Psicanálise e Desenvolvimento de Belém
INTERVENÇÕES PSICANALÍTICAS NOS TRANSTORNOS
DO DESENVOLVIMENTO INFANTIL:
TRATAMENTO E ESCOLARIZAÇÃO
Coordenação: Alfredo Jerusalinsky
Em abril, maio e junho de 2005. Com a participação de Cristina Kupfer,
Celina Peixoto e Regina Stelin.
Local: Escola e Clínica Psicanalítica do Ceará (ECPC). Em Fortaleza.
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GRUPOS TEMÁTICOS
CASOS E NARRATIVAS DA PSICANÁLISE
Coordenação: Eda Tavares e Marta Pedó
Segunda-feira, 11h, quinzenal
Início: 14/03/2005
Casos e narrativas, sejam da clínica, da literatura ou da história, foram
sempre exemplares na história da psicanálise. Através deles, temos a oportunidade de acompanhar as construções, o passo a passo dos autores relativamente a conceitos fundamentais em sua forma mais viva – através das
questões a que a clínica aponta.
O caso Dora foi essencial à elaboração do conceito de transferência,
e Hans, único caso de criança trabalhado por Freud, inaugurou a psicanálise
com crianças e o desenvolvimento de conceitos que dessem conta de sua
especificidade. Assim como o pai da psicanálise, outros psicanalistas encontram alicerces da teoria psicanalítica no trabalho clínico e nas narrativas
colhidas da produção cultural.
Seguindo os passos de Freud e de outros psicanalistas que, através
da escrita desses casos, avançaram elaborações imprescindíveis à psicanálise, a proposta deste grupo é trabalhar ao redor desses textos (clínicos)
exemplares, acompanhando seus passos de elaboração e derivando conseqüências à clínica cotidiana atual.
ESTUDOS PSICANALÍTICOS SOBRE GRUPOS
Coordenação: Emília Estivalet Broide e Jorge Broide
Segunda-feira, 20h, semanal. Em São Paulo.
A proposta deste grupo de estudos é abordar o trabalho psicanalítico
com grupos em distintas situações de intervenção clínica. Para tanto, analisaremos a obra de Pichon Rivière e percorreremos alguns conceitos contidos em Freud e Lacan, analisando a contribuição de cada um destes autores na relação sujeito-coletividade.
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CONSEQÜÊNCIAS CLÍNICAS (NA INFÂNCIA E NO ADULTO) DA
ESTRUTURAÇÃO SUBJETIVA EM SEUS PRIMÓRDIOS
Coordenação: Silvia Molina e Jaime Betts
Segunda-feira, 20h, mensal
Início: março de 2005
No ano de 2005 desenvolveremos uma análise do valor sintomático,
na infância e no adulto, das alterações da inscrição e da constituição desejante
em torno de dois eixos: a) trânsito pela leitura clínica da estruturação subjetiva do bebê (abordada a partir da articulação sincrônica e diacrônica, através
do suporte de filmagens de bebês feitas pelos seus pais na convivência familiar); b) trânsito pela leitura clínica de fenômenos psicossomáticos em adultos (abordada a partir da discussão de casos clínicos).
Nesse estudo, iremos formular e questionar inferências sobre as conseqüências clínicas em adultos de formações sintomáticas estabelecidas
nos primórdios da vida, assim como, partindo da clínica com adultos, formular e questionar inferências sobre a estruturação subjetiva primordial dos
mesmos.
LEITURAS SOBRE O FANTASMA EM FREUD
Coordenação: Liz Nunes Ramos
Quarta-feira, 17h, quinzenal
Desde a descoberta do inconsciente se revela, na investigação
freudiana, que o desejo (sua constituição, expressão, reconhecimento ou
realização) está na mais estreita relação com uma estrutura fantasmática. A
própria articulação do desejo depende dessa estrutura que não se reduz a
um objetivo intencional, tampouco ao encontro de um objeto, embora revele
numa certa organização as relações do sujeito ao objeto causa de seu desejo. Muito além de mera modalidade defensiva, as conexões entre fantasma e
desejo são complexas e em torno de seu dinamismo inconsciente se desdobram as possibilidades e impasses de uma análise. Todo o esforço da reflexão freudiana consistiu precisamente em ultrapassar as abordagens lineares de causa e efeito no trabalho com os sintomas, reconhecendo a eficácia
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de uma ampla estrutura de linguagem, que opera no sujeito desde seus
registros mais arcaicos. Na perspectiva lacaniana o ganho último da análise
seria a possibilidade de giro do fantasma inconsciente, arcaico, demarcado
por Freud como construções típicas, mas singulares, instauradas pela relação ao desejo do Outro, de forma a reduzir seus efeitos de obliteração da
divisão subjetiva, que o apelo a objetos imaginários tenta fazer esquecer.
Trata-se, portanto, de um conceito central da clínica.
A proposta é de iniciar leituras nos textos de Freud, que demarquem
estes pontos centrais na obra de Freud, de forma a ter presente as referências que permitiram o desdobramento do conceito em Lacan.
MÍDIA E SUBJETIVIDADE
Os efeitos da midiatização da subjetividade para a constituição (psíquica) de
crianças e adolescentes de nosso tempo
Coordenação: Eliana Dable de Melo e Roselene Gurski
Quinta-feira, 11h30min, quinzenal
Considerando a participação do discurso midiático – em seus diferentes formatos – como uma das fortes condições de representação de nossa
época, a proposta deste grupo de estudos é questionar e problematizar os
efeitos deste discurso para os processos de constituição psíquica de crianças e adolescentes de nosso tempo, interrogando a possibilidade de falarmos, hoje, numa espécie de midiatização da subjetividade. Isso porque o
caráter plugado da subjetividade aos fluxos audiovisuais parece configurar
uma realidade sem possibilidade aparente de retorno – aspecto que revoluciona as categorias tradicionais de análise, exigindo sua pronta atualização.
Assim, em interface com a psicanálise, pretendemos abordar diferentes campos das ciências humanas e sociais, dentre eles, a filosofia, a antropologia e a sociologia, bem como a arte, a fim de refletir acerca de alguns
sintomas de nossa época que entendemos como uma resposta a pregnância
dos ideais e significações propostos pelo discurso da mídia.
A idéia, portanto, é tomar, desde a psicanálise, os elementos da
estruturação psíquica que poderiam ajudar-nos a compreender o que estamos
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chamando de midiatização da subjetividade e, em especial, os desafios que
colocam às questões que dizem respeito à infância e adolescência atuais.
Percorreremos textos de Freud e Lacan que tratam mais especificamente
dos processos de identificação e inscrição pulsional, articulando este ensino
às analises críticas de alguns pensadores da cultura de nosso tempo, tais
como Maria Rita Kehl, Jurandir Freire Costa, Zygmunt Bauman, Elizabeth
Roudinesco, entre outros.
A CRIANÇA E A CLÍNICA PSICANALÍTICA
Coordenação: Izabel Joana Dal Pont e Margareth Kuhn Martta
Quinta-feira, das 20h às 21h30min, quinzenal
Local: Rua Bento Gonçalves, 2302/702. Fones: (54) 223.3857 ou (54) 221.107.
Em Caxias do Sul
Com esse seminário nos propomos estudar questões pertinentes à
clínica com crianças. O sintoma na infância é efeito da constituição psíquica
da criança ou advém dos ideais propostos pelas figuras parentais? Qual a
sua peculiaridade? No que se diferencia do sintoma em outras idades e qual
a especificidade da transferência e da direção do tratamento? Que lugar dar
ao uso de objetos, aos jogos, aos desenhos e à presença dos pais, de modo
que, mesmo intermediando a transferência entre analista e analisante, não
venham a desconsiderar que o trabalho se dá no campo da linguagem em
que se situa a própria criança? Qual a especificidade do lugar do analista e
da operação analítica na clínica com crianças?
A CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO
Coordenação: Carmen Backes
Sexta-feira, 9h30min, quinzenal
Início: 11/03/2005
O objetivo deste grupo de estudos é pensar em quais lugares pode se
instalar a criança na novela familiar a partir dos mitos constituídos no seu
interior. Em que mito a criança vive. Um mito familiar pode ser definido como
um punhado de significantes dispostos de certa maneira. Para poder “ser”, o
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pequeno sujeito precisa ser falado por significantes. A “tarefa” do sujeito que
vem ao mundo é então se aferrar aos significantes que lhe são colocados a
disposição, significantes estes que o representam frente ao e dentro do discurso familiar.
Como a criança recorta seu lugar independizada do corpo materno e
ao mesmo tempo o que representa no desejo parental – pois ocupar um
lugar diz respeito antes de tudo a ocupar um lugar no desejo do Outro – são
questões que também norteiam este trabalho. A gestão de um lugar que
assim como para o adolescente é a constituição de um lugar social, para a
criança será primeiro seu lugar familiar.
Ao mesmo tempo, o projeto deste grupo de estudos se propõe a pensar o lugar dos pais no trabalho com a criança pequena. Qual é o alcance e
o limite da intervenção sobre a família?
CONCEITOS FUNDAMENTAIS DE FREUD E LACAN
E AS SUBJETIVIDADES CONTEMPORÂNEAS
Coordenação: Maria Ângela Brasil e Eduardo Mendes Ribeiro
Sexta-feira, às 10h30min, quinzenal
Início: abril
Este grupo é oferecido a estudantes de psicologia e áreas afins, interessados em experimentar uma maior aproximação à psicanálise, através
do trabalho com textos de Freud, Lacan e outros autores contemporâneos.
A apresentação e discussão dos textos abordarão seus fundamentos clínicos e a atualidade de seu interesse, tanto no campo mais estrito da clínica,
quanto no que se refere à compreensão de diversas modalidades de relação
social presentes em nossa sociedade.
GRUPOS TEXTUAIS
CLÍNICA PSICANALÍTICA: ALGUNS CONCEITOS FUNDAMENTAIS
Coordenação: Carmen Backes
Sexta-feira, 14h30min, quinzenal
Início: 04/03/2005
Defrontar-se com o início da prática clínica faz gerar inúmeras questões que o desafio da condução do trabalho coloca. Da mesma forma, introduzir-se nas leituras dos pressupostos teóricos da psicanálise traz interrogações. A pesquisa freudiana, desde o seu início, passou por várias transformações no que se refere ao método, à técnica e à construção dos conceitos. O trabalho deste grupo de estudos visa a resgatar os principais pontos
da construção de alguns conceitos que estruturam o corpo teórico da psicanálise enquanto essenciais à prática clínica e com ela fazendo sua articulação. Este estudo será também orientado por uma releitura das contribuições
de Lacan em seus Seminários. A trajetória inclui questões relativas ao início
do tratamento, aos conceitos de transferência e identificação, como também aos quadros clínicos. Pretende-se que o estudo destes temas possa
ser articulado à prática, a partir de exemplos clínicos. É destinado a todos
os que se interessam pela discussão destes temas e também àqueles aos
quais a prática clínica psicanalítica e seus pressupostos teóricos suscita
interrogantes.
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SEMINÁRIO X, 1962-63, A ANGÚSTIA, DE J. LACAN
Coordenação: Adão Costa
Segunda-feira, 10h, semanal
“Vocês verão, penso, que a angústia é muito precisamente o ponto de
encontro onde os guarda tudo o que fazia parte de meu discurso anterior e
onde se esperam entre si, um certo número de termos que, até o presente,
não apareceram para vocês suficientemente unidos”.
J. L. S10, 11. Propomos seguir estudando este seminário nodal para o
fio lacaniano.
O ESTUDO DO SEMINÁRIO 1 DE JAQUES LACAN
OS ESCRITOS TÉCNICOS DE FREUD
Coordenação: Rossana Stella Oliva e Otávio Augusto Winck Nunes
Quinta-feira, das 12h15min às 13h45min, mensal
Estudo do Seminário 1 de Jacques Lacan – Os Escritos Técnicos de
Freud, estabelecendo o necessário diálogo com os textos de Freud que
subsidiaram a teorização lacaniana. Temos o interesse de situar, neste estudo, a trajetória realizada por Lacan – declaradamente freudiano – tanto na
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perspectiva da retomada do texto de Freud, quanto pelas contribuições realizadas por ele que deram uma nova perspectiva para a psicanálise desde
então. Seguiremos a leitura do Seminário 1 e dos textos nele referidos, entendendo que esse diálogo fornece ricos elementos para o trabalho clínico.
LE SINTHOME
SEMINÁRIO XXIII 1975-76
Coordenação: Maria Auxiliadora Sudbrack
Quinta-feira, 14h, quinzenal
Lacan escolheu a palavra antiga francesa Sinthome como uma maneira de escrever Symptome, ou seja, o sintoma. Quase ao finalizar sua trajetória de ensino, Lacan vai ligar sua leitura de Joyce com avanços no estudo do
no´ borromeu apresentando não três, mas quatro nós: o Simbólico, o Imaginário e o Real entrelaçados com o Sinthoma, escrita da estrutura do parlettre
e que se torna o âmago do sistema.
Mantendo uma rigorosa unidade interna, apresenta uma sequência
renovadora em varias questões clínicas, ao mesmo tempo que nos mostra,
de uma forma muito especial, a relação da psicanálise com a arte literária,
a da palavra, da letra, do equívoco, do atravessamento das línguas. Tentativa
de Lacan para uma nova abordagem da arte.
Por outro lado, comenta o desejo de Joyce de se fazer um nome para
compensar a carência paterna, aliada à necessidade de se encarregar do
pai para fazê-lo existir: “Ulisses é o testemunho de por que Joyce continua
enraizado em seu pai, enquanto o renega, e é isto o seu sintoma”.
Nesse seminário, Lacan dá maior extensão ao conceito de Sinthome,
fazendo referência ao final de análise e ao recalque originário o qual não pode
ser anulado, diz: “Não há nenhuma redução radical do quarto termo”, – talvez
uma redução parcial em proveito de outro – mesmo assim seria este o que
não cairia, diferençando, pois, dos sintomas dos quais se espera que caiam
durante a análise.
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MOMENTO DE LER
Coordenação: Maria Auxiliadora Sudbrack
Sexta-feira, 16h, semanal
Propomos um espaço dedicado especialmente à leitura e discussão
de textos psicanalíticos. Textos variados, sem compromisso de preparo prévio, incluindo autores que sejam no momento do interesse dos colegas (colegère, ler juntos), ou mesmo opção de leitura por determinados artigos cujos
assuntos estejam em pauta ou referenciados a algum movimento de estudo
na APPOA.
O trabalho de leitura em textos psicanalíticos, a partir da originalidade
da letra de Freud e Lacan, leva o leitor a um lugar onde, em determinados
pontos, esses escritos não constituem sentido. Os equívocos dessa leitura
esburacada tendem a promover um lugar a partir do qual cada sujeito estará
como que forçado a pensar.
Por sua própria especificidade, este espaço permanece sempre aberto, dirigindo-se também àqueles que só desejem nele transitar enquanto
forem tratados assuntos de seu interesse.
Pretendendo, este ano, cotejar textos que acompanhem o eixo de
ensino previsto da APPOA, iniciaremos com Radiophonie (1970), entrevista
de sete perguntas e respostas a Lacan por Georgin, seguindo após com
Conferénce et Entretiens dans les Universités nord- américaines (1975). E
prosseguindo, provavelmente , com o seminário XVIII de Lacan De um discurso que não seria do semblante (1970-71).
OFICINAS
OFICINA DE TOPOLOGIA
Coordenação: Ligia Víctora
Sábado, a combinar.
Horário: das 10h às 12h
Dando seqüência às Oficinas de Topologia, em 2005 trabalharemos as estruturas topológicas de Lacan, como o toro, a banda de Mœbius, o cross-cap,
e a garrafa de Klein..
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NOTÍCIAS
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EXERCÍCIOS CLÍNICOS
Datas: 30/04/2005, 13/08/2005 e 05/11/2005.
NÚCLEOS DE ESTUDOS
Atividades gratuitas e abertas aos interessados.
NÚCLEO PASSAGENS
ATO PSICANALÍTICO, ATO CRIATIVO
Segunda-feira, 21h, reuniões mensais e, também, reuniões em São Paulo.
Responsáveis: Ana Costa, Edson Sousa e Lucia Pereira
CICLO DE DEBATES MACHADO DE ASSIS NA CULTURA
PSICANÁLISE E LITERATURA
Encontros organizados pela APPOA, pós-graduação de Letras da UFRGS e
Livraria Cultura, em torno da atualidade da obra de Machado de Assis. Local:
Livraria Cultura – Porto Alegre, última quinta-feira do mês, às 20h, de março
a outubro. Total de 8 encontros: 31 de março – O jovem Machado de Assis,
(Luís A. Fischer); O conto machadiano e as passagens (Lucia S. Pereira);
28 de abril – O espelho (Edson de Sousa); Arcaico e moderno (Homero V.
Araújo); 19 de maio – Pai contra Mãe (Robson Pereira); Machado e Brecht
na dramaturgia de Pai contra Mãe (Paulo Brody); 30 de junho – Brás Cubas
(Flávio Azevedo); O momento crucial de Brás Cubas (Enéas de Souza);
Palestrantes já confirmados para o segundo semestre: Ana Costa, João
Rovati, Flávio L. Chaves.
Este Ciclo de debates trabalhará sobre a atualidade e trama da ficção
de Machado de Assis na cultura hoje, abordando ficção e subjetividade –
literatura e psicanálise. “A verdade tem estrutura de ficção”, J. Lacan.
Pensar intervenção a partir dos textos de Machado, além das abordagens de psicanálise e literatura, trabalhando na interface de questões como:
Machado e história – escravagismo e seu legado contemporâneo;
Política – nascimento da República, atualidade da democracia brasileira;
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Economia – qual a relação da economia com a cultura;
Urbanismo, arquitetura – a cidade, a passagem para a modernidade
Direito – o país dos bacharéis ontem e hoje;
Cinema – Brás Cubas, Dom, A cartomante; a dificuldade de filmar;
Tteatro – Pai contra Mãe; identidade e distanciamento atualizados;
Fotografia – situar o simbólico e o imaginário através do registro
iconográfico de uma época.
NÚCLEO DAS PSICOSES
Segunda-feira, 21h, reuniões mensais
Responsáveis: Ester Trevisan, Mário Corso e Rosane Ramalho
NÚCLEO DAS TOXICOMANIAS
Sábado, 10h, reuniões mensais
Responsáveis: Eduardo Mendes Ribeiro e Otávio Augusto W. Nunes
PRINCIPAIS EVENTOS DO ANO DE 2005
JORNADA DE ABERTURA
“Inventar-se em análise”
Data: 02 de abril de 2005 – Local: NOVOTEL – Porto Alegre/RS
JORNADA INTERNA DA ASSOCIAÇÃO
“Transmissão e formação”
Data: 14 de maio de 2005 – Local: Sede da APPOA – Porto Alegre/RS
JORNADA DA CONVERGÊNCIA LACANIANA NO BRASIL
“Análise terminável e interminável”
Data: 05 a 07 de maio de 2005 – Local: Salvador – Salvador/BA
RELENDO FREUD
“Construções em análise”
Data: 03 a 05 de junho de 2005 – Local: Hotel Continental – Canela/RS
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JORNADA DO PERCURSO DE ESCOLA VI
Data: 02 de julho de 2005 – Local: Sede da APPOA – Porto Alegre/RS
GLOBALIZAÇÃO, LADO B*
Maria Rita Kehl
JORNADA CLÍNICA
“A psicanálise como narrativa”
Data: 21 e 22 de outubro de 2005 – Local: NOVOTEL – Porto Alegre/RS
PERCURSO DE ESCOLA
TURMA VII
Em andamento. Terceiro Semestre: Narcisismo e Identificação
PERCURSO PSICANÁLISE DE CRIANÇAS
Início: 23/03/2005
Primeiro Semestre:
Metapsicologia do sujeito infantil.
A constituição subjetiva de acordo com as diferentes escolas (Seminário
compartilhado com o Núcleo de Estudos Sigmund Freud).
Coordenação: Alfredo Jerusalinsky, Bárbara Conte, Beatriz K. dos Reis, Eda
Tavares, Frederico Seewald, Gerson Pinho, Ieda prates, Luis Marcirio Machado, Marta Pedó, Nilson Sibemberg, Silvia Molina, Simone Rickes.
* OBSERVAÇÕES
1. Mais informações (datas, programas e bibliografias) sobre as atividades,
na Secretaria da APPOA. As informações que não forem esclarecidas pela
Secretaria, poderão ser obtidas diretamente com os coordenadores das atividades ou discutidas com a Comissão de Ensino.
2. O programa completo do PERCURSO encontra-se á disposição na Secretaria da APPOA.
Se o dinheiro, o mercado e as telecomunicações há muito
tempo dissolveram fronteiras nacionais, já era hora da
sociedade civil formar uma aliança planetária para impor
limites aos abusos de poder.
”A sociedade civil internacional é que está salvando a humanidade”. A
frase do sociólogo espanhol Manuel Castells, em entrevista à TV Carta Maior
no último dia do Fórum Social Mundial, apontou o verdadeiro sentido deste
mega encontro – 155 mil pessoas inscritas – que já está em sua quinta
edição.
O formato deste ano, decidido pelos organizadores depois do encontro de 2004, em Bombaim (Índia), foi o mais dispersivo até agora. O Fórum foi
dividido em onze espaços temáticos onde todos os grupos que se inscrevessem teriam espaço para falar. As mega conferências foram abolidas e, à
exceção de alguns grandes eventos de massa (a mesa redonda sobre Quixote
e as Utopias, o discurso de Hugo Chávez no último dia), todos os debates
tinham o formato de mesas redondas em salas menores, de modo a que os
participante tivessem mais condições de intervir.
Foi um encontro fragmentado, horizontal, sem nenhuma hierarquia
entre figurões maiores, menores e participantes anônimos. Além disso, o
FSM perdeu o caráter propositivo; nenhuma carta de intenções, nenhuma
proposta seria votada ao final da reunião – o que não impediu que um grupo
de intelectuais peso-pesado divulgasse, domingo, um manifesto que incluía
o fim da ocupação do Iraque, a democratização da ONU, o fim da miséria no
mundo.
* Agência Carta Maior e Fórum AOL em 01/02/2005.
A APPOA esteve presente neste 5° FSM com três oficinas.
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Fui ao Fórum em missão jornalística, pela Agência Carta Maior. Durante os dois primeiros dias, tive a impressão de que este formato fragmentado acabaria destruindo o potencial político do FSM. Teria sido este o propósito
dos organizadores? Não importa. O fato é que a simples existência desta imensa feira das mais variadas esquerdas do mundo inteiro tem tido um efeito político acumulativo, ano após ano, que nem mesmo a proposta new age de 2005
(do tipo: “cada um na sua, mas com alguma coisa em comum”) conseguiu
neutralizar. Houve um amadurecimento óbvio do primeiro ao quinto Fórum, que
talvez tenha sido o mais potente de todos.
É que a seqüência dos Fóruns Sociais deu visibilidade e articulação
aos vários movimentos sociais do planeta, tanto os de esquerda, no sentido
tradicional da palavra, quanto os que fazem outros tipos de oposição ao
neoliberalismo, ao poder ilimitado do capital financeiro, à degradação humana e ambiental promovida pelas grandes corporações transnacionais. O Fórum
Social Mundial tornou-se um pólo de referência para a sociedade civil
internacional a que se referiu Castells. Além dos participantes de corpo
presente, outros tantos permaneceram conectados pela internet, duplicando
a rede de interlocuções sediada em Porto Alegre.
Assim, o Fórum continua sendo um evento político de alcance global.
O lado B da globalização começa a se revelar aqui: se o dinheiro, o mercado e as telecomunicações há muito tempo dissolveram fronteiras nacionais,
já era hora da sociedade civil formar uma aliança planetária para impor limites aos abusos de poder ou – na hipótese mais otimista – reverter de uma
vez o jogo do poder, que tem sido exercido de forma predatória.
A sociedade civil internacional é necessariamente diversificada. Nela
convivem os interesses de humildes agricultores representados pela Via
Campesina, de remanescentes de tribos indígenas tentando preservar o que
resta de suas reservas naturais, de militantes dos movimentos feministas,
dos movimentos negros, de grupos homossexuais. Nela estão alguns grandes pensadores internacionais que não têm outro poder além do poder da
palavra. Dela participam educadores empenhados em reverter o declínio da
qualidade do ensino público em seus países, trabalhadores da saúde que
lutam para desvincular os interesses dos doentes dos interesses dos grandes laboratórios multinacionais. Participam ambientalistas aliados a entidades ruralistas contra o rolo compressor dos agronegócios, que arrasam a
terra, deslocam populações locais, provocam desemprego e mais miséria;
contra as propostas de privatização dos últimos recursos naturais do planeta (principalmente a água); contra o abuso do emprego de agrotóxicos que
poluem o solo, os rios, e contaminam os alimentos.
A lista é interminável. A fragilidade política destes grupos, considerados um a um, é evidente – e preocupante. Qualquer empresário bacanão
cheio de dólares, que saiba jogar no mercado financeiro e ter na mão uma
bancada de deputados em seu país, deve rir da pretensão de adversários
tão insignificantes que imaginam ser possível reverter a lógica atual da
globalização. Mas a política é o terreno da visibilidade. O FSM tornou globalmente visível a existência pulverizada dos que se opõem aos rumos que
a gestão do planeta está tomando, e esta visibilidade, por si só, é um fato
político que ganha peso ano após ano.
“O mundo não é uma mercadoria”, disse o filósofo alemão Robert
Kurz. A frase sintetiza bem a diversidade de propostas que vêm se internacionalizando desde o primeiro Fórum, maior espaço público de todos os
anticapitalistas do planeta. É possível que este encontro possibilite a
identificação de um novo tipo de subjetividade, em oposição à do sujeito
predatório do capitalismo, mas também diferente do sujeito do trabalho abstrato da esquerda tradicional que, ainda segundo Kurz, a onda irreversível
do desemprego em escala global veio desmantelar. Talvez o sujeito das
futuras transformações políticas seja o sujeito das grandes redes internacionais de apoio e interlocução, capaz de articular a singularidade de suas
características regionais e subjetivas com a universalidade de seus propósitos. “Pense globalmente, haja localmente”, dizem os ambientalistas, em
oposição ao “pense no próprio interesse e domine o mundo” característico
das grandes corporações capitalistas. O Fórum não é uma internacional
revolucionária, mas pode ser o ponto de convergência capaz de dotar o
conjunto de milhares de ações locais de um alcance internacional.
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NOTÍCIAS
SEÇÃO TEMÁTICA
MEMORIAS DE MIS PUTAS TRISTES 1 – NOTAS PARA
JOVENS QUE NÃO TIVERAM
MEDO DE ENVELHECER
CICLO DE CONFERÊNCIAS “MACHADO DE ASSIS
NA CULTURA – PSICANÁLISE E LITERATURA”
Inicia neste mês o ciclo de conferências organizado pelo Núcleo Passagens da APPOA, o Pós-graduação de Instituto de Letras da UFRGS e a
Livraria Cultura. A proposta é que ao longo de oito encontros mensais (sempre na última quinta-feira de cada mês) possam ser abordados vários textos
de Machado de Assis mostrando sua articulação com temas fundamentais
de nossa cultura, tais como a arte, política, história, a vida urbana e a subjetividade. Ao mesmo tempo, será uma oportunidade de discutir sua atualidade e influência nos mais diversos campos da vida contemporânea.
1° encontro (palestras):
O jovem Machado de Assis – Luís Augusto Fischer
O conto machadiano e as passagens – Lucia Serrano Pereira
Data: 31 de março, quinta-feira, às 20 horas.
Local: Livraria Cultura de Porto Alegre (Shopping Bourbon Country).
Obs: a íntegra do projeto pode ser consultada no programa de ensino editado
nesta edição.
Robson de Freitas Pereira
H
“
oje, sim.” A frase, dita ao telefone, sintetizava um pedido, uma resolução, quase uma ordem. Sua interlocutora, Rosa Cabarcas, experiente em lidar com os caprichos masculinos responde num suspiro:
ay mi sábio triste. Desapareces por veinte años y sólo vuelves para pedir
imposibles 2.
Este é o início do mais recente romance de Gabriel Garcia Márquez,
lançado no segundo semestre de 2004. Resumidamente, trata-se das memórias de um homem que resolve contá-las a partir do seu nonagésimo
aniversário. Na verdade, nos damos conta, ao final, que os 90 anos passaram. Ele acaba de cumprir 91 anos e, por isto, resolve escrever suas memórias, mesmo não se julgando um bom narrador. Nunca hice nada distinto de
escribir, pero no tengo vocación ni virtud de narrador, ignoro por completo las
leyes de la composición dramática, y si me he embarcado en esta empresa
es porque confío en la luz de lo mucho que he leído en la vida.
Este contador de histórias, no dia de seu aniversário de 90 anos, tem
o desejo de dormir com uma virgem. El año de mis noventa años quise
regalarme una noche de amor loco con una adolescente virgen, é a primeira
linha com que o livro se apresenta.
Telefona para Rosa Cabarcas, “dona de uma casa clandestina”, conhecida de longos anos e pronuncia a frase traduzida acima: Hoy, si. Ela
responde com sua perspicácia habitual e, de certa forma, descrevendo alguns traços do estilo do personagem.
1
Título do livro mais recente de Gabriel Garcia Márquez, Editorial Sudamericana/Mondadori,
Buenos Aires, 2004.
2
Algumas expressões estão em espanhol para conservar a força do estilo do autor e
também porque a versão utilizada é a original.
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SEÇÃO TEMÁTICA
A citação da primeira expressão de Rosa é importante porque nos
remete ao título do livro. “Memórias de mis putas tristes”. Curiosamente, as
putas não são tristes. Seja Rosa que resolveu “administrar seu próprio negócio”, e que vai ter um papel fundamental na trama porque atende os desejos
de seu cliente, mas também é sua confidente e mestra que vai ensinando
uma série de coisas neste trajeto de realizar os desejos deste homem velho.
Sejam as outras prostitutas e mulheres que passaram pela vida do personagem/narrador. Todas enfrentaram seu destino, mudaram de vida ou não, enfrentaram seus infortúnios sem demonstrar tristeza por sua vida e seus desdobramentos.
O personagem sim, é triste/melancólico, solitário (a y mi sábio
triste....sólo vuelves 3...). Faz um relatório implacável e suave de uma vida
medíocre e sem paixão. Sem grandes abalos, tudo sob controle,vivendo na
mesma casa que foi de seus pais. No mesmo chão que os enterrou e que
agora, pacientemente, espera pelo seu desfecho. O relato de suas memórias é que vem salvá-lo de sua mediocridade, ou melhor, segundo ele, o relato
se faz necessário justamente para poder contar o que aconteceu, aunque
solo sea para alivio de mi conciencia. Vivir para contar-la4, não sem razão, é
o título das memórias de Gabriel Garcia Márquez, lançadas no final de 2002.
Seu último escrito antes desta ficção.
O narrador justifica o porquê iniciou com a insólita chamada telefônica: “visto desde hoy, aquél fue el principio de uma nueva vida a uma edad en
que la mayoria de los mortales están muertos.Este personagem que passou
a vida a dissimular sua feiúra, timidez e anacronismo nunca transou com
mulher sem pagar. Lembra que as poucas que não eram do ofício as convenceu por bem ou por mal a receber dinheiro nem que fosse para jogar fora. A
única relação que considera estranha foi com Damiana, sua fiel empregada
PEREIRA, Robson de F. Memorias de mis putas...
doméstica a quem um dia agarrou num impulso de desejo febril. Não conseguiu que ela consentisse em receber pagamento. Assim, teve que aumentar
seu salário por conta dos serviços prestados toda semana.
Até uma certa idade fazia contabilidade do número (como um D. Juan
latino e arrevesado; pois em lugar da sedução, o pagamento). Aos cinqüenta
anos eram 514 mulheres com as quais havia estado pelo menos uma vez:
interrumpi la lista cuando ya el cuerpo no me dio para tantas y podía seguir
las cuentas sin papel.
Não teve filhos e nunca conseguiu casar (as putas ocuparam seu
tempo). A única tentativa foi com Ximena Ortiz, que por um engano de porta
viu desnuda ainda adolescente. Tentou fechar a porta, disposto a esquecê-la
para sempre, mas Ximena não deixou. Tanto fez que ele acabou “entregando
as armas”, com petición formal de mano, intercambio de anillos y anuncio de
boda grande antes de Pentecostes. Foi o máximo de compromisso. No dia
do casamento, não compareceu, deixou a noiva na porta da igreja. Foi difícil
superar o sofrimento pela afronta social,5 mas sobreviveu.
Hoje escreve notas dominicais no jornal “Diario de La Paz”. Atividade
que iniciou aos dezenove anos levado pela mãe (Florina de Dios Cargamantos 6)
que queria ver publicada uma redação premiada sua. Assim, começou seu
ofício. Já era tarde quando tempos depois, ficou sabendo que a mãe pagara
a publicação da primeira e dos sete dias seguidos. Sobrevive ainda com uma
pequena herança deixada pelos pais. Além disto, está aposentado de inflador
de cables 7 do mesmo jornal, sustenta-se desta aposentadoria e de professor
de gramática castelhana e latim, além de notas, comentando os eventos
musicais que esporadicamente acontecem na cidade. Nunca se arriscou
muito longe no mar do Caribe. Uma vez para a inauguração de um bordel e,
5
Várias vezes o personagem principal é chamado de sábio. Não somente pela idade avançada. Sem falar que as referências a música erudita e popular também são muitas. Uma
delas aparece nesta mesma frase : “Veinte años” é um bolero caribenho cantado por Omara
Portuondo. Quem ouviu/assistiu “Buena Vista Social Club” vai estar lembrado.
4
Vivir para contarla, Sudamericana, Buenos Aires, 2002. Epígrafe: La vida no es la que uno
vivió, sino la que uno recuerda y cómo la recuerda para contarla.
A promessa de casar e ter três filhos, sendo o caçula mulher para levar adiante o nome da
linhagem materna, fora promessa feita no leito de morte da mãe.
6
Florina de Dios Cargamantos, intérprete notable de Mozart, políglota y garibaldina, y la
mujer más hermosa y de mejor talento que hubo nunca en la ciudad: mi madre.
7
Este era o nome dado ao repórter que fazia “escuta” das rádios de ondas curtas e
decodificação em código Morse dos telegramas das agências internacionais para redigir
notícias.
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SEÇÃO TEMÁTICA
PEREIRA, Robson de F. Memorias de mis putas...
de outra feita, acompanhar as finais dos Juegos Florales de Cartagena de
las Índias.
O impulso de deitar-se com uma virgem veio quando escrevia sua
crônica dominical, obviamente com o tema de sua passagem de idade e na
qual tentaria glorificar a velhice. Nada de se lamentar pelos anos passados.
Afinal, desde cedo na vida apreendera melhor o sentido do pudor social do
que o da morte. Havia feito uma certa cronologia que começava com a pergunta a respeito de quando tomou consciência de ser velho. Não fazia muito
tempo. Aos quarenta e dois anos foi ao médico queixar-se de uma dor nas
costas que não o deixava respirar. Depois de escutar que era uma dor natural
da idade, pensou que o que não era natural era sua idade. Acostumou-se a
levantar todos os dias com uma dor diferente que ia mudando de forma e
lugar com o passar dos anos. Às vezes parecia que a morte estava chegando, impressão terrorífica que se dissolvia no dia seguinte e era esquecida
momentaneamente. Aos cinqüenta começou a preocupar-se com os lapsos
de memória. A velha procura pelos óculos que estão no lugar de sempre, o
olhar complacente dos amigos quando escutavam a mesma história pela
enésima vez, ou o fato de um dia ter almoçado duas vezes. Não tinha muita
preocupação com a potência sexual. Confiava nos poderes femininos: “elas
sabem o como e o porque quando querem”. Assim, sorri quando sabe dos
“rapazes“ de oitenta que correm para o médico assustados com estes sobressaltos. Eles não sabem que aos noventa eles pioram, mas são os riscos
de estar vivo.
Com estas e outras reflexões terminava o esboço de sua crônica quando
levantou os olhos para acompanhar a passagem do barco fluvial do correio –
atrasado uma semana devido à seca – e pensou: aí chegam meus noventa
anos. Imediatamente, no término desta evocação, sem saber porque decidiu
telefonar para Rosa Cabarcas a fim de que ela o ajudasse a honrar a passagem de seu aniversário com uma noite de libertinagem.
O encontro com sua Delgadina (assim ele a nomeia, como um personagem de canção popular) é definitivo. Invade todos os sentidos. Fica capturado pela visão daquele corpo desnudo e adormecido, com os seios ainda
desabrochando na flor dos quatorze anos. Uma observação antiga: lo mejor
de su cuerpo eran los pies grandes de pasos sigilosos com dedos largos y
sensibles como de otras manos. Ele que não era dado a fetiches, nunca
participara de orgias ou outras veleidades, agora pode reconhecer sua amada pela singular anatomia dos pés.
Não vamos nos alongar mais num relato que pode ser desfrutado por
cada um. Só acrescentar que as mudanças foram vertiginosas e se disseminaram por todos os aspectos de sua vida, se sentiu mais verdadeiro e menos
disposto a cultivar aparências desnecessárias. Podia morrer de repente e
sonhar em chegar aos cem anos; não tinha mais o temor de estar
despreparado para a chegada da “parca cruel”. Agora cultivava um desejo,
destes que fazem com que um homem fique mais verdadeiro e menos solitário. Ainda gostava de música e livros, mas agora tinha prazer em compartilhar. Repassou junto a ela suas memórias, sua perseverança em cultivar um
estilo de escrita por mais de cinqüenta anos, para reconhecer que insistira
não somente porque escrevia para velhos, mas também para os jovens que
não tiveram medo de envelhecer. Delgadina nunca acorda, seu diálogo acontece entre um sussurro noturno e modificações no sono. Seu amado vela e
se deixa levar pelos efeitos de sua companhia. Dorme com ela à noite e
imagina sua presença durante o dia.
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EFEITOS DE UMA LEITURA E NOTAS SOBRE FICÇÃO E VERDADE
Nos interrogamos sobre o que pode nos ensinar uma ficção bem contada. Sobre o desejo, sobre a vida e o enfrentamento da morte, da velhice, da
decadência. Passagem do tempo e uma morte que nos espreita desde muito cedo, como nos lembrou Freud8 um dia, citando Shakespeare: “cada um
de nós deve à natureza uma morte” . Falecimento que é aplacado pela escri8
FREUD, S. Nossa atitude frente a morte. Obras Completas. v.1. 1915 in Contribuições à
história do movimento psicanalítico e outras obras. No original: Thow owest God a death,
Henrique IV, ato V, cena I. Mais adiante escreve: “Já disse que a meu juízo, o desconcerto e
a paralisia de nossa produtividade, que sofremos agora, estão comandados essencialmente pela circunstância de que não podemos conservar a mesma relação que até agora
mantivemos com a morte e, ainda não encontramos uma nova.”
31
SEÇÃO TEMÁTICA
ta como ele mesmo escreveu: “é no mundo da ficção, na literatura, no teatro,
onde temos que buscar o substituto que falta à vida. Aí, todavia, achamos
homens que sabem morrer, ainda que perpetrando a morte de outro”.
Todavia, é preciso saber ler; pois sempre somos personagens de nossa própria novela. Neurótica quando temos sorte. A questão é como a queixa
pode se transformar em uma outra leitura da própria história, com direito ao
humor relido na tragédia de nossa existência. Saber escutar e possibilitar a
passagem tramada entre gozo, desejo e amor.
Como as Memorias... indicam: no início era a repetição e o gozo. Uma
paixão fulminante (vale o pleonasmo) acede ao desejo pela via do amor. Bem
entendido que sob a aparência de uma estória romântica, o autor vai tecendo
um painel das vicissitudes de uma existência, um retrato da história política
e das modificações que envolvem a América de Colombo, San Martin e Bolívar.
Um texto que em seu enredo nos conta a história de vários personagens e
desta terra de América Latina, caribenha, quase amazônica. Simultaneamente, em sua estrutura nos apresenta a multiplicidade de referências de
um mundo em extinção. O mundo das tradições do personagem, está envelhecido e decrépito como ele mesmo. Salvo a possibilidade de contar e rever
sua história a partir de um episódio que o obriga a enfrentar-se com sua
verdade. Como escreveu Lacan; “a verdade saca sua garantia da palavra.
Como também é dela que recebe esta marca que a institui em uma estrutura
de ficção”. 9
Com esta afirmação podemos pensar que além de servir como
paradigma de um alívio para o peso da existência, o que chamamos de
fictício está na raiz do que concebemos como simbólico. A ficção não é o
enganoso, mas aquilo que está intimamente articulado, relacionado com o
simbólico. Lacan é enfático: “toda verdade tem uma estrutura de ficção”10;
em outras palavras, é fundamental dar-se conta que na busca da verdade de
um sujeito, a estrutura de ficção se acha na origem desta busca, porque
PEREIRA, Robson de F. Memorias de mis putas...
esta, assim como o inconsciente, está constituída como uma linguagem. O
falasser sustenta-se nesta dialética da palavra e da morte, da escritura e da
vida, da memória e do esquecimento11. “O homem, como sujeito, tem que
constituir-se e ocupar um lugar como aquele que porta a palavra, mas que
não poderia portá-la senão em uma estrutura, que por verídica que seja, é
estrutura de ficção”. 12
Aqui chamamos atenção para uma elaboração que nos parece relevante: se considerarmos a posição ficcional de um sujeito como uma forma
singular de cada um estar imerso na relação com o campo do Outro, com o
lugar da linguagem que nos constitui, poderíamos nos aproximar da
formalização que Lacan busca ao nomear o conceito de sinthome. Não por
acaso James Joyce e sua obra estão em pauta no seminário dedicado ao
“sinthomem”.13 Tanto por esta forma tão ousada de Joyce re-inventar a língua
inglesa e a narrativa moderna, fazendo-se um nome (fazendo-se ilustre e
ilustrando sua terra natal); como pela busca de Lacan de uma nova escrita
para a psicanálise. Uma escrita que se embasa da topologia dos nós, nas
modulações da voz e da relação com a ficção para tentar inscrever um
significante novo. Com isto, uma das conseqüências seria permitir que nossa discussão sobre a patologia e um diagnóstico na transferência tenha
mais chance de se suportar de uma escuta propriamente psicanalítica. Onde
a interrogação sobre o saber do psicanalista possa sustentar-se do discurso
que está em jogo a partir do momento em que alguém decide falar sobre seu
11
LACAN, J. Subversão do sujeito e dialética do desejo ou a razão desde Freud in Escritos.
J.Zahar. Rio de Janeiro.
10
LACAN, J. Seminário 7, Ética, aula de 18/11/59.
Muito já se escreveu sobre esta articulação entre o recalque e a recordação.Vale mais um
acréscimo:quien pretenda recordar há de entregarse al olvido, a ese peligro que es el
olvido absoluto y a ese hermoso azar em el que se transforma entonces el recuerdo.
Maurice Blanchot, citado em epígrafe por Jorge Semprún em “La escritura o la vida”,
Tusquets editores, Barcelona, 1995.
12
LACAN, J. Seminário Angústia, aula de 23/01/63.
13
Esta é uma discussão longa, mas importante. A função do “sinthomem” como um quarto nó
que mantém a propriedade borromeana, como prótese ou como estrutura, ainda está por ser
melhor esclarecida. Mas acreditamos que discutir as narrativas em análise e as elaborações
de Lacan sobre a verdade/ficção estão articuladas com seus avanços sobre a letra, a
lituraterra, a topologia dos nós que joga com o equívoco dos nomes do pai (les non dupes
errent) e permite nomear “sinthomem” e sintoma.
C. da APPOA, Porto Alegre, n. 133, mar. 2005
C. da APPOA, Porto Alegre, n. 133, mar. 2005
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sofrimento, enunciar sua queixa e colocar em movimento esta aposta de
fazer uma mudança pela via da palavra. Em outras palavras (vale a redundância) o analista sempre está em causa, entretanto é qualitativamente diferente se ele puder questionar se sabe ou não o que faz no ato analítico com
base na experiência e nos efeitos do discurso analítico. Curiosa dialética
onde afirmar a possibilidade de avanço da psicanálise está diretamente articulada com o reconhecimento de que o inconsciente participa de um equívoco entre o Real e o Imaginário e este equívoco permite passar de um sentido
a outro, de uma ficção a outra. O engano, o lapso funda a noção de inconsciente14 e mesmo nossa imaginação se sustenta da linguagem. Não há pensamento sem palavras.
CODA: ORIENTE, OCIDENTE, ACIDENTES
Esta não é a primeira vez que Gabriel Garcia Márquez aborda a velhice, “Cem anos de solidão” colocou a história das várias gerações dos Buendia.
El general en su laberinto, desnudava o isolamento e a loucura do tirano a
espera da morte. El amor en los tiempos del cólera nos apresenta uma
história de amor que luta conta todos os inimigos, e reúne os amantes
(Florentino Ariza e Fermina Daza) a bordo de um barco que se chama Nueva
fidelidad. Sabemos de sua própria pena (Vivir para contarla) que Garcia
Marquez escreveu esta novela baseado na história de seus pais, aos cinqüenta anos. Agora, com mais de setenta, resolve escrever sobre a reviravolta na vida de um homem aos noventa anos. Fábula que permite depreender
dali uma possibilidade de falar do desejo como relançador da vida, seja qual
for a idade do homem. O que nos remete a este momento de pensar a clínica
de todas as idades, dos momentos de uma existência. Além de como fazer
o luto pela transitoriedade, por cada “fase” da vida que se apresenta e que
nos coloca cada vez mais próximo da morte15.
PEREIRA, Robson de F. Memorias de mis putas...
Detalhe que chama atenção: nesta história o personagem não declina
seu nome. Tampouco o nome de seu pai. As mulheres, putas ou não, têm
nome e sobrenome. Conhecemos o personagem por suas referências, com
o nome familiar – citando a mãe –, com sua casa, suas cidades, a passagem do séc. XIX para o XX, seus escritos. O que nos leva a pensar a respeito
do suporte que o escrito fornece para as referências fundamentais de um
sujeito. Neste sentido, onde o referente simbólico está constituído desta
série de significantes, na qual o Nome do Pai está apontado em cada uma
destas referências. Ou seja, o Nome do Pai se escreve na articulação de
Real, Simbólico e Imaginário.
Simultaneamente, a tradição literária também está referida. Memorias
de mis putas tristes tem como epígrafe uma citação de “A casa das belas
adormecidas” de Yasunari Kawabata16. Nesta novela, um homem de 67 anos,
encontra uma casa onde os velhos podem dormir com jovens. Elas estão
profundamente adormecidas e nuas, a disposição de seus freqüentadores.
Eguchi ainda não se sente um velho impotente, que ele supõe serem os
freqüentadores habituais. Mas suas visitas esporádicas à casa possibilitam
uma reavaliação da vida, da família e de sua relação com o desejo e a morte.
Desnudando os impasses entre a verdade das paixões, a covardia e o medo.
Além da homenagem explícita, um detalhe: assim como o velho Eguchi, o
cronista/narrador de Márquez também está impressionado com os pés de
suas amadas. O feitiço transforma o feiticeiro. Oriente e Ocidente podem se
reconhecer através da literatura, através do deslize de ocidente e acidentes
da vida e do desejo. Tudo isto escrito com leveza, “aliviando a linguagem de
todo seu peso”. Como escreveu Ítalo Calvino: leveza em contraponto ao peso
da existência17, “em todos os que são feitos desta mesma substância de
16
LACAN, J. Seminário Le sinthome, aula de 17/02/76.
FREUD, S. A transitoriedade, 1915/1916. “...o luto se aferra ao objeto perdido, ainda que
o substituto esteja aguardando....A formosura do corpo e do rosto humano vemos-la desaparecer para sempre dentro de nossa própria vida; mas esta brevidade agrega aos seus
encantos um novo”.
“Não faça nenhuma brincadeira de mal gosto, por favor não vá, por exemplo, enfiar o dedo
na boca da menina adormecida – recomendara insistentemente a mulher da hospedaria ao
velho Eguchi”, A casa das belas adormecidas , Yasunari Kawabata, Estação Liberdade,
São Paulo. 2004.
17
“Minhas reflexões sempre me levaram a considerar a literatura como universal, sem
distinções de língua e caráter nacional, e a considerar o passado em função do futuro.”
Seis propostas para o próximo milênio. Italo Calvino, Cia. das Letras. SP 1994. Calvino
deixou escritas cinco conferências com as características que considerava essenciais
para a literatura: Leveza, rapidez, exatidão,visibilidade e multiplicidade.
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RICKES, Simone M. Analistas... Escribas.
ANALISTAS... ESCRIBAS1
que são feitos os sonhos, mas sobretudo naquela específica modulação
lírica e existencial que permite contemplar o próprio drama como se visto do
exterior, e dissolvê-lo em melancólica ironia”. Nesta forma que permite ao
leitor ter menos preconceito ao se enfrentar com a complexidade do mundo
dos homens, e sua subjetividade, particularmente quando estamos ocupados em dar conta da prática psicanalítica. A teoria não pode funcionar somente como carteira de identidade. Procuramos reconhecer um saber que
se articula a partir da não totalidade, do furo instalado pelo simbólico, onde a
prática do bem dizer possa, enfim, dialogar com a bendita mania de contar18.
Simone Moschen Rickes
“Quien escribre teje. Texto proviene del latín textum, que significa tejido.
Com hilos de palabras vamos diciendo, com hilos de tiempo vamos viviendo.
Los textos son, como nosostros, tejidos que andan...”
Eduardo Galeano
N
ão raro na clínica com crianças nos encontramos na posição de
escrever. Escrever uma história que, ditada pelo pequeno –
freqüentemente imbuído do lugar de ilustrador –, toma emprestado
a estrutura de uma novela televisiva, desdobrando, a cada sessão, as tramas
de um novo capítulo. Escrever as regras de um jogo, com insistência “esquecidas” sempre que o “adversário” se vê na iminência de ganhar. Escrever
quando, talvez por resistência de nossa escuta, vemo-nos um pouco perdidos diante de um enredo que não guarda nenhuma permanência e que tentamos minimante fixar através do registro no papel. De muitas formas a escrita
aparece do lado do analista – para não dizer daquilo que se desdobra do lado
do analisante. O que poderia nos fazer pensar a freqüência com que evocamos esta possibilidade?
Uma primeira formulação por certo passará por uma reflexão sobre a
transferência na qual nos vemos tomados. Não são poucas as vezes em que
os pequenos formulam um endereçamento que vai nos situar no lugar de
“escribas”2. Escreventes incumbidos de ajudá-los a produzir o registro de
uma história em relação a qual estão procurando tecer o lugar que lhes cabe.
1
Es decir, padezco de la bendita manía de contar. Y me pregunto: esa manía, se puede
transmitir? Las obsesiones se enseñan? Lo que sí puede hacer uno es compartir
experiencias, mostrar problemas, hablar de las soluciones que encontró y de las decisiones
que tuvo que tomar, por qué hyzo esto y no aquello... Gabriel Garcia Márquez, La bendita
manía de contar, Ollero&Ramos editores, Escuela Intern. de Cine y Televisión, Cuba, 1998.
Este trabalho constitui o desdobramento de uma discussão realizada no evento “Histórias
de brincar”, realizado em 26 de junho de 2004, pela Mosaico - Centro Interdisciplinar e
Oficinas Terapêuticas.
2
Escriba: s.m. 1. Doutor da lei, entre os judeus; 2. Oficial das antigas chancelarias ou
secretarias; 3. Aquele que exercia a profissão de copiar manuscritos, muitas vezes mediante ditados; copista. – Buarque de Holanda, A. Novo dicionário Aurélio. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, s/a
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Contratam nossos “serviços de escriba”, meninos e meninas, habitantes de
um lugar na linguagem que lhes permite exercitar a “contação”, uma vez que
já se encontram capazes de contar a vida e se contar nela, mas para quem
a narrativa elaborada não tem a densidade suficiente para lhes garantir a
permanência do lugar desde onde possam retomar o registro. Solicitam um
escriba para que a história não se evanesça, para que lhe seja garantida,
pelo registro, a permanência necessária.
Gostaria de tomar a reincidência do aparecimento desta configuração
da cena analítica para me permitir um salto, articulando alguns elementos
que desde Freud e Lacan talvez possam nos autorizar a propor a escrita
como um operador importante das construções teórico-clínicas de ambos os
autores.
Freud, desde os primeiros escritos vai se interrogar sobre as condições de produção de um registro psíquico, de algo que poderia ser como que
impresso no psiquismo enquanto uma marca capaz de ser (re)encontrada.
Primeiramente, no intuito de desdobrar a indagação sobre as condições necessárias ao registro de uma marca psíquica, recorrerá ao paradigma biológico que via, naquela época, avançar vertiginosamente as pesquisas sobre
os neurônios. É no Projeto para uma Psicologia Científica (1895) que esboçará as suas primeiras articulações sobre as condições de um registro.
Este texto, duro (e um pouco soporífero, dirão alguns), reveste-se de
uma riqueza simbólica quando fazemos atravessar, à nossa leitura, as formulações da lingüística sausseriana, retomadas por Lacan. Nele, Freud se
pergunta sobre o que faz memória. Como algo que se marca no nível da
percepção pode ganhar registro de palavra? Como algo que afeta o sujeito na
dimensão da imagem pode restar inscrito na dimensão simbólica? A pergunta sobre essa passagem de registros – da imagem à palavra, da propriocepção
(ou seja, daquilo que se experimenta como intensidade no corpo) à palavra –
impulsionará Freud na direção de uma teoria do aparelho psíquico que, dito
de forma muito rápida, penso que poderíamos situar como uma teoria da
escritura. Da escritura do traço de memória. Somos nossa memória – o que
lembramos e o que esquecemos. Nossa memória tramada ao corpo. Uma
memória que toma corpo. Conforme lembra Lacan (2003, p.561), não dizemos que somos um corpo, mas que temos um corpo. Um corpo tecido a um
conjunto disperso de traços que são agrupados numa lógica mais ou menos
fechada por um eu que resiste à dispersão e que designamos como representante de nosso ser. Freud queria saber sobre as leis que articulam esses
traços, sobre sua sintaxe mais do que sobre sua semântica. Queria saber
sobre a escritura da memória.
Falar de clínica é, de algum modo, falar de uma escritura; de uma
escritura na qual o analista está contido, seja como elemento interveniente
na sintaxe que o sintoma adota, seja como escriba que faz o registro da
ficção elaborada, seja como leitor que lê as possibilidades de outros sentidos no sintoma incessantemente repetido, seja como suporte do
endereçamento de traços perdidos, achados, guardados...
Assim como em Freud, em Lacan a temática da escrita tem uma
força que vale não negligenciar. Um dos momentos em que este tema vai
surgir com intensidade retumbante é no seminário IX, A Identificação (196162). Interessante que Lacan sistematize o que poderíamos chamar de uma
teoria da escrita ao longo de um ano de trabalho dedicado à identificação,
dedicado à pergunta sobre o que permite ao sujeito produzir uma operação
de identificação a um traço, retirando dessa operação efeitos de subjetivação.
Como sabemos, o tema da identificação tem um laço muito estreito com a
clínica da infância e com o brincar como um tempo de desdobramento de
uma identificação primeva que permite fabricar, ampliar, estender os
significantes que sustentam a posição do sujeito no discurso.
Neste seminário, Lacan (06/12/1961) faz alusão a uma visita que realizou a um museu onde encontrou o osso da costela de um animal no qual
estava entalhada uma seqüência de traços que, supostamente, indicavam o
registro de cada animal abatido pela comunidade. O que teria permitido a
utilização dos pequenos bastões como representação dos animais mortos
num tempo em que não havia a escrita propriamente dita e quando a habilidade e os instrumentos já permitiriam o desenho do mamífero abatido? O
que permitiu, ou até impulsionou, esta referência ao animal através do traço
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e não de seu desenho? Desta pergunta poderíamos desdobrar inúmeras
conseqüências para pensarmos a passagem do desenho à escrita alfabética, a passagem da representação da coisa por um traço que guarda com ela
uma relação de similitude para a sua representação por um traço que não
guarda com ela nenhum laço. E para desdobrar ainda mais o espaço das
perguntas, Lacan se indaga sobre o que nos permite pensar que o segundo
traço marcado no osso representa o segundo animal abatido, ou seja, o que
faz com que um segundo traço, qualitativamente idêntico ao primeiro, represente uma outra cena que não a primeira. Chama sua atenção a seqüência
em que traços qualitativamente idênticos representam uma diferença que
não é oriunda de qualquer atributo qualitativo que cada traço contenha, mas
que deriva de seu lugar posicional frente aos outros traços. Não deixamos de
reconhecer aí as conseqüências da leitura de Saussure – leitura que lhe
possibilitou avançar na direção da cadeia significante. Diz Lacan: “cada um
desses traços não é idêntico a seu vizinho, mas não é por serem diferentes
que eles funcionam como diferentes, mas em razão de que a diferença
significante é distinta de tudo o que se relaciona com a diferença qualitativa”
(p.61).
Pensemos, a partir das conseqüências que Lacan dá à sua visita ao
museu, isto que, com uma certa freqüência, vemos surgir como mais uma
forma de aparecimento da escrita na clínica com crianças, desta vez pequenos – ou não tão pequenos assim – que se encontram num certo impasse
em sua estruturação psíquica e se aventuram na produção de uma escrita
sob a forma de listas. O que está em jogo nesta necessidade de listar que
alguns sujeitos apresentam? Que função estruturante pode estar inscrita
nessa repetição? Não seria o pequeno que faz listas um descendente próximo daquele que cravou no osso do mamífero a contagem dos animais que
abateu? Ele já opera em um certo nível de descolamento da coisa para a
representação, porém precisa se referir a cada animal como um; um traço, a
cada vez, repetido. Ao vasculhar a sala enumera: cadeira, mesa, cadeira,
tapete, cama, mesa, cadeira... Cada objeto registrado por um traçado no
papel. Porém, referir-se a algo em seu conjunto, a totalidade dos animais
abatidos, ou às cadeiras da sala, já será uma operação de outra ordem.
Exigirá mais uma volta no vai-e-vem da estruturação.
Para referir os que foram mortos precisa que possamos ter em consideração todos os que não foram, todos que estão vivos. O conjunto só se
estabelece em relação ao que fica fora dele. Uma totalidade só se estabelece quando algo se saca dela, sendo que isto que é perdido pode se referir
tanto a todos os objetos não-cadeira, avesso/negação que sustenta o conjunto das cadeiras, quanto à diferença de cada objeto na relação com o outro
que, embora nomeado da mesma forma, tem características diversas na
medida em que não é o mesmo.
Vale retomar as palavras de um personagem de Paul Auster (1999),
em “Cidade de Vidro”, que penso dizer de uma forma muito interessante da
operação de perda necessária à circulação na ordem simbólica. Trata-se do
Sr. Stillman que, no seu delírio científico, propôs-se a, através de um experimento cujo sujeito (objeto) era seu filho, provar que um ser humano colocado
em total isolamento seria capaz de falar o idioma de Deus. Sr. Stillman,
cujos ares lembra Funes, de Borges 3, o fantástico jovem incapaz de esquecer (e por conseguinte de lembrar), ocupa-se de formular uma nova língua:
“Uma língua que irá, enfim, dizer aquilo que temos para dizer. Pois
nossas palavras já não mais correspondem ao mundo. Quando as coisas
formavam um todo, tínhamos confiança de que nossas palavras eram capazes de expressá-las (...) Por isso toda vez que tentamos falar o que vemos
falamos com falsidade, distorcendo a coisa mesma que desejamos representar. (...) Um guarda-chuva não é só uma coisa mas uma coisa que representa uma função (...) Quando você rasga o pano do guarda-chuva ele ainda
é um guarda chuva? (...) Como já não pode mais desempenhar sua função, o
guarda-chuva deixou de ser guarda-chuva. Pode até se parecer com um guarda-chuva no passado, mas agora se transformou em outra coisa. A palavra
porém permaneceu a mesma. Portanto ela não pode exprimir a coisa. É
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3
BORGES, Jorge Luís. Funes, O memorioso. Em Obras Completas I. São Paulo: Globo, 2000.
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imprecisa; é falsa; oculta a coisa que deveria revelar”. (Auster, 1999, p.89-90
– grifo nosso)
“Quando as coisas formavam um todo”, quando o sujeito, no tempo
mítico de alienação ao Outro, produzia a ilusão de uma completude, ao contrário do que refere o Sr. Stillman, não era possível falar, não era possível
suportar a falsidade, a mentira, o engano, a perda que todo significante implica quando examinado a partir de sua relação com a “coisa que deveria revelar”. Dos efeitos de sua empresa, seu filho, Peter Stillman, testemunha: “nada
sei do tempo. Sou novo a cada dia4. Nasço quando acordo de manhã, envelheço no correr do dia e morro à noite quando vou dormir” (p.26). O traço que
dá sustentação à permanência se inscreve por obra de uma perda que
descompleta o Outro, que introduz ali uma falta. Por isso, escrever o conjunto implica que o sujeito possa, ele mesmo, distanciar-se, colocar-se fora
para, a partir do recorte que sua posição delimitou, ao ser sacado do todo,
só então, poder recortar com palavras o real. É na medida que o sujeito pode
separar-se de um Outro em que ele, sujeito, nasceu enquanto ser alienado,
que lhe é possível escrever o conjunto. E mais, é desta separação que a
escrita sustenta a permanência necessária que lhe permite não ter que ser
reeditada a cada vez. É preciso suportar a falta no Outro, suportar descompletar
o Outro para contar e se contar numa história.
A convocação à escrita de que somos depositários na transferência
armada por muitas crianças certamente não diz respeito somente à elaboração das possibilidades de sustentar o ato de registrar, mas também é relativa à estruturação da própria superfície onde a inscrição se dará. Aliás, ambos, o registro e a superfície, podem ser pensados, eles mesmos, como
efeitos de uma mesma operação. Enquanto o curso da estruturação dos
pequenos não lhes permite experienciar a consistência de uma superfície de
inscrição, tomam de empréstimo algo que pode funcionar como tal e que
seja capaz de propiciar o exercício do registro. O analista, na generosidade
RICKES, Simone M. Analistas... Escribas.
da transferência, empresta o papel/superfície e o gesto/registro para que o
pequeno possa escrever os contornos singulares de sua estruturação frente
ao Outro.
BIBLIOGRAFIA
AUSTER, P. A trilogia de Nova York. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
FREUD, S. [1895] Projeto para uma psicologia científica In: Ed Standart Brasileira
da Obras Completas de Sigmund Freud. 2ed. Rio de Janeiro: Imago, 1974.
LACAN, J. A Identificação – Seminário 1961-1962. Recife: Centro de Estudos do
Recife, 2003 – publicação não comercial.
_____. Outros Escritos. Rio de Janeiro : Zahar, 2003.
4
Não conseguimos deixar de notar aqui o contraponto à permanência, à constância, que seu
patronímico, still, remete-nos.
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SEÇÃO TEMÁTICA
CORSO, Mário. A cena primária...
A CENA PRIMÁRIA DO PSICANALISTA
que faz alguém querer ser psicanalista? Essa sempre foi uma pergunta difícil, e certamente sem uma resposta padrão, provavelmente teríamos que tomar a questão de forma individual, um a um. Mas
uma pergunta que poderíamos nos colocar é: existiria algum fator especialque predisporia alguém, além de uma neurose tenaz é claro, a ser psicanalista?
Uma vez Contardo Calligaris, colega e mestre, que tenho em mais
alta estima, sugeriu que existiria uma cena primária do psicanalista. Funcionaria assim: um psicanalista seria fruto de uma cena forte à qual foi confrontado e ficou sem resposta. Ou seja, um encontro particular com uma encruzilhada enigmática, onde alguém seria tomado numa situação de radical
falta de sentido, a qual teria a possibilidade de lhe inclinar à psicanálise, num
momento posterior. Em outras palavras, a busca por resolver um enigma
inaugural o encaminha a essa hermenêutica particular que é a psicanálise.
Digamos que a cena é o problema e a psicanálise é a busca pela resposta.
A cena primária nunca se constituiu num conceito psicanalítico propriamente dito, ela pertence mais ao território da literatura psicanalítica, onde
habitam as situações exemplares que Freud usa para ilustrar seu pensamento. Trata-se da criança surpreendendo-se ao topar com a relação sexual
parental. O caráter traumático da visão dever-se-ia ao fato dela não ter condições de decodificar o que observa e ser levada a interpretar o evento como
sendo de caráter violento ou agressivo. Traumático aqui equivale a ser incompreensível, enquanto a suposição de que haja violência na cena já é uma
atribuição de sentido, portanto um alívio.
A mais clássica destas cenas pertence à história clínica do Homem
dos Lobos, sendo que a insistência de Freud em demonstrar sua realidade
vale mais como um contraponto à tese de Jung que a remetia a um inconsciente coletivo. Para o fundador da psicanálise era importante frisar o caráter
pessoal e histórico da fantasia, ela só tinha sentido na vida de determinado
paciente. Por isso, podemos pensar que se um psicanalista tiver sua cena
primária que engendraria seu futuro ofício, ela será um híbrido de algo que
resulta da sua história particular e ao mesmo tempo introduz um hiato em
sua linha do tempo: ali aconteceu algo muito grande que não pôde interpretar. Por isso a cena primária de um psicanalista não é necessariamente um
coito, mas talvez seja o primeiro ou o mais traumático encontro com a
incompreensão.
E vale a metáfora também pela cristalização de lugares que a visão da
cena primária coloca. Mais do que uma visão, ela seria um organizador de
posições, seria uma base sobre a qual a subjetividade e particularmente seu
mais recôndito eixo, o fantasma, encontraria uma espécie de fonte, lugar de
origem. A criança que olha se pergunta: como eu me incluo nisso que vejo,
não compreendo, mas me concerne? A resposta estranha para essa pergunta maluca seria seu fantasma. Ou seja, a cena não é sem conseqüências
sobre os caminhos que suas fantasias sexuais irão tomar.
O caso é que Contardo colocou isso num momento em que, não lembro por que cargas d’água, eu acabara de contar uma passagem densa que
vivenciei na infância. Se essa seria a minha “cena primária do psicanalista”,
não tenho bem claro. Mas acho que acabou sendo, principalmente graças a
sua sugestão de que essa experiência teria contribuído para que eu me
tornasse psicanalista. Embora estivéssemos num bar, lugar não muito sério
para reflexões psicanalíticas, vale como teoria, e como ele mesmo diria: se
non è vero, è bene trovato.
A cena ocorreu numa ocasião que minha cidade estava chocada. Um
acidente matara um homem, não tão conhecido, mas nem por isso menos
querido, um jovem imigrante japonês chegado a não muito tempo na cidade.
As circunstâncias do acidente eram especialmente sinistras, pois pareciam
insinuar que a morte era requerida. Durante a noite sua camionete se
desgovernou e caiu de um viaduto situado a poucos quilômetros do centro.
Ninguém percebeu o acidente. Como o viaduto é bastante alto, isso já seria
o suficiente para morrer, mas o carro tombou sobre os trilhos do trem, que na
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C. da APPOA, Porto Alegre, n. 133, mar. 2005
Mário Corso
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CORSO, Mário. A cena primária...
Para maiores explicações sobre on, ver um dos meus livros de cabeceira, O crisântemo e
a espada, de Ruth Benedict, Editora Perspectiva, 1988. De maneira resumida: é uma noção
de dívida a qual eles sentem em relação a pessoas não próximas que por um acaso lhes
prestou um favor, isso pode ser um pequeno pesadelo, pois não pode não ser paga. Por
exemplo, Benedict explica assim a certa passividade dos transeuntes no caso de um acidente, qualquer um deles sabe que ajudar vai causar um constrangimento ao ajudado.
estava de fato precisando. Esse pequeno procedimento poderia figurar como
a expressão do nosso pesar, que a diferença de língua não permitia que
proferíssemos nossas condolências de outra maneira. Isso retardou o término da cena, que só foi acabar mesmo quando ela voltou no dia seguinte,
trazendo um presente.
A cena pode até não ser tão tocante agora. Mas na ocasião eu tinha
uns seis anos e meu maior orgulho era ser um dos primeiros a aprender a ler
da minha turma, e aquelas letras vermelhas não faziam nenhum sentido para
mim, elas me devolviam ao meu analfabetismo. Ela também não parava de
falar uma cantilena incompreensível, mas triste, visivelmente muito triste.
Ainda agora, a lembrança do desamparo daquela jovem mulher me comove.
O destino lhe retirou, num só golpe, um marido, um lar e uma pátria e, como
se não bastasse, para reatar o fio de sua vida teria que partir para o outro
lado do mundo.
Se a dita cena primária de psicanalista existir, aqui estaria a minha:
um cruzamento de amor, morte, desespero, crueldade do destino, sofrimento, luto, incompreensão, tudo narrado numa língua e numa gestualidade incompreensível para mim, só duplicando a falta de sentido que o fato em si já
me infligia.
Uma cena traumática geralmente nos quebra as duas pernas, por um
lado somos incapazes de entender o que está posto por falta de software
adequado, por outro lado estamos suficientemente emocionalmente envolvidos, como para não querer saber o que se passou. A cena acima, embora
fosse forte e me fizesse sofrer, tanto por empatia como por impotência, me
permitia uma certa distância, até mesmo graças às diferenças culturais, que
obstruíam as identificações mais óbvias. Portanto, a visão não necessitava
de recalque, ou pelo menos um recalque com a mesma força de um trauma
pessoal.
O impacto mais forte era de desconcerto, eu queria saber o que se
passava, qual seria aquela dor de perder um amado. Nesse sentido é uma
espécie de anti-cena primária, se tomarmos o sentido inicial, pois não se
trata de união de amantes, mas de separação. Ao mesmo tempo, como o
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madrugada arrastou o carro por muitos metros. Especulava-se se ele estava
morto ou não quando o impacto do trem selou qualquer possibilidade de
salvar-se que porventura existisse.
Até aí tudo bem, ou tudo mal, mas no dia seguinte ao acidente surgiram no laboratório de análises clínicas da minha mãe três japonesas. As
três juntas não falavam uma dúzia de palavras em português e elas pediam
algo. A muito custo, entre mímicas e esforços de ambas as partes, minha
mãe conseguiu descobrir o que elas queriam: que ela retirasse certa quantidade de sangue de uma delas. Até aí ela entendeu, mas quanto e para o
que? Na cabeça de um bioquímico a questão é: usar ou não anti-coagulante?
Qual o tamanho da seringa? Não sei bem como, talvez movida por uma
empatia que só funciona nesses momentos, minha mãe fez a coisa certa.
Retirou então uns 20ml de sangue dessa estranha cliente. Nesse ponto,
pelo desespero do trio, já suspeitávamos que a japonesa do pedido era a
recém viúva. Quando ela enfim conseguiu a porção de seu sangue, abriu
uma faixa branca no chão da sala de espera e, com destreza, colocou seu
sangue num pote e o usou como tinta. Antes que o sangue coagulasse,
escreveu uma longa mensagem no pano. Não lembro como ficamos sabendo que essa faixa seria enterrada junto ou ornaria o túmulo do seu recém
falecido marido. Após o ritual ela voltaria para o Japão.
Terminada a faixa ela queria pagar. Se minha mãe soubesse o que é
on*, a noção de dívida na cultura japonesa, cobraria qualquer coisa e estaria
tudo acabado. Aliás, o que era seu desejo, pois estava desconcertada. Mas
ela não queria cobrar, pois o episódio não constituía, como vamos dizer, um
serviço habitual, lhe parecia mais uma ajuda, um favor, desses que não faz
sentido cobrar. Afinal, seria a sua singela maneira de ajudar a alguém, que
*
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SEÇÃO TEMÁTICA
uso do corpo, pelo sangue, estava presente, testemunhei um outro tipo de
comunhão, aquela pela qual a humanidade sempre imaginou que seus pactos mais sérios deveriam ser selados: a assinatura com sangue. Ou seja,
tem um caráter de trauma, na medida em que foi demais para meus parcos
decodificadores de mundo, mas por outro lado fui apenas um observador no
fundo de uma cena, ela aconteceria com ou sem a minha presença. Coubeme ver apenas um pedaço de um drama que estava quase no epílogo.
Um observador poderia dizer que a cena poderia muito bem ter fundado um antropólogo, pois comportava um não sentido produzido por um ritual
não compreendido. Quem sabe se os antropólogos não teriam também a
sua cena inaugural, que os captura para o enigma da diversidade das culturas. Quem sabe...
Como resto desse episódio, num concurso íntimo, cujo resultado ninguém soube, creditei à bandeira japonesa um primeiro lugar entre as bandeiras. No meu solilóquio usava argumentos sobre o design moderno, onde a
beleza provém da concisão. Essa bandeira é de uma simplicidade absoluta:
redondo sobre quadrado, vermelho sobre branco e evoca a força do sol. Considerava-a a bandeira das bandeiras, invejava o povo que vivia sob tal símbolo. Hoje penso que o sangue sobre fundo branco, signo inicial para mim de
como o acaso me apresentou o Japão, prejudica emocionalmente meu julgamento estético. Já não sei se ela é tão bela ou representa minha bandeira
privada do dia em que descobri que o mundo era muito complicado.
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BREDA, Fernanda P. Escrevendo a clínica...
ESCREVENDO A CLÍNICA COM CRIANÇAS
Fernanda Pereira Breda
O VERSO
“O verso é um doido cantando sozinho.
Seu assunto é o caminho. E nada mais!
O caminho que ele próprio inventa...”
Mário Quintana
E
screvo esse texto a partir da produção escrita de uma criança, em
análise comigo há quase dois anos, tendo como resultado uma longa história produzida em mais de 45 episódios, estando pelo menos
a metade deles escritos.
Para situar um pouco, trata-se de um menino de quase 10 anos, que
em função de um quadro de hipotonia quando bebê, sem causa orgânica
definida, teve como conseqüência um atraso significativo em seu desenvolvimento motor, bem como a instalação de um estrabismo convergente. Como
acontece com muitas crianças, iniciou desde cedo um percurso exaustivo
entre médicos, fisioterapeutas, estimuladores, chegando por fim à Clínica
Mosaico, onde o tomei em atendimento após um tempo de trabalho de terapia psicomotora.
O que me chamou atenção, logo no primeiro encontro, foi a rapidez
com que realizou a passagem de um terapeuta a outro, sem marcas de
descontinuidade. Assim, a história a que me refiro acima, iniciada a partir de
uma outra transferência, seguiu sendo contada como se ali não houvesse
ocorrido nenhuma interrupção, nenhuma mudança de terapeuta. Logo, se
dirigia a mim como se o estivesse acompanhando desde o início. Brincava
com seus bonecos, fazendo suas falas em voz alta. De tempos em tempos
dirigia-me o olhar. O brincar tomava a forma de uma história, contada ao
outro, uma verdadeira saga, intitulada desde o início “O Castelo do Rei”.
Enredo em que uma quantidade muito grande de personagens, verdadeiras
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SEÇÃO TEMÁTICA
hordas, desfilava seus golpes e poderes numa luta incessante e quase desprovida de um sentido mais amplo. Apesar da quantidade de elementos presentes no brincar, a dimensão ficcional era bastante empobrecida.
Alguns episódios após minha entrada em sua história, vejo surgir,
para meu contentamento – o que eu interpretei como referente à mudança de
terapeuta – um episódio que ele denomina: “O Novo Amigo”. Parecia-me,
portanto, que seria necessário caminhar justamente em direção à construção desse “novo amigo” e, a partir de então, passei a me incluir, escrevendo
sua história. Lugar transferencial que se impôs na tentativa de ali, tomando a
escrita como uma ferramenta de trabalho, fazer diferença.
Meu pequeno paciente brincava, enredado em uma ficção cheia de
aventuras e perigos, na qual não se distinguiam noções de tempo ou espaço, com poucas diferenças entre o bem e o mal, e com nenhuma simpatia
específica por qualquer personagem inventado: ele era todos e, ao mesmo
tempo, nenhum. Estranhava minhas interrupções à sua história, quando, por
exemplo, colocava-me ali como um ou outro personagem, aquele “novo amigo” criado por ele no inicio de nossos encontros. Nesses momentos, parava
de brincar e me olhava, como se mais ninguém pudesse entrar na história.
Assim, optei pela posição de escriba. E seguimos, ele brincando e eu registrando, em nossas inumeráveis folhas em branco, o percurso de sua longa
narrativa. Sendo um escriba, registrava sua história para que não se perdesse, para que fosse traçada em uma superfície que lhe desse permanência. 1
Em “O Castelo do Rei”, o rei era uma referência e não um personagem. Ambos foram desenhados, o castelo e o rei, mas este, diferente de
todos os outros, nunca foi corporificado, aparecia como uma entidade, sem
um boneco que viesse a presentificar sua magnitude. Havia dois grandes
blocos de personagens que lutavam entre si, porém um enredo muito frágil
justificava essa luta, sendo que inúmeros personagens mudavam “de lado”
1
Agradeço as contribuições de Simone Rickes a essa temática, trabalhada anteriormente
em um encontro na Clínica Mosaico, intitulado “Histórias de brincar”.
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BREDA, Fernanda P. Escrevendo a clínica...
com alguma facilidade e pouco registro. Como uma grande superfície, sua
ficção não encontrava bordas.
Com o trabalho analítico, categorias do bem e do mal foram aos poucos tomando forma. A escrita provocava uma espécie de suspensão no brincar para que seu escriba pudesse entender um pouco mais o que se passava e seguir escrevendo a trama. A ficção inventando forma justamente naquilo que no brincar era inconsistente. O escriba por vezes lhe interrompia: “O
quê aconteceu? Como seria possível escrever o que passou?” Então surgiam novas tramas, novas costuras e novos significantes (“bandidos”, “heróis”,
“traidores”...). Procurava apontar as descontinuidades que porventura surgissem e, em alguns momentos, inventá-las. Assim, “O Castelo do Rei” foi
ganhando consistência.
No Seminário XXVIII, Lacan associa literal a litoral, proposição da letra
como algo que possa bordear, desenhar um litoral em uma superfície contínua, não se tratando somente de um “divisor de águas” mas, mais propriamente, da instituição de um novo registro. Referência essencial, que modifica o estatuto dos sujeitos e funciona como um organizador para as demais
identificações necessárias à subjetivação. Para seguir fazendo fronteiras na
imensidão do Outro é necessário estar bem acompanhado por alguém que
possa ir “apresentando o terreno”, o “tu” como refere Lacan nesse seminário.
(A imagem de Virgílio, na barca de Caronte, na travessia do Inferno de Dante,
pode nos servir muito bem, justamente por tratar-se de um poeta.) O analista, aquele que pode ir fazendo as vezes de guia por destacar, a partir da
história, os significantes que permitam traçar a constelação “eu”. É importante considerar que o sujeito toma como apoio não apenas o traço unário,
constituinte de sua identificação fundamental, mas uma rede que lhe posiciona
em um lugar na cadeia das gerações.
Voltamos, mais uma vez, ao nosso pequeno paciente, imerso em uma
imensa rede de significantes que pouco lhe referenciava. Na medida em que
nenhum o representava, fazia-se necessário ir apontando no enredo o que
poderia constituir-se como referência, numa espécie de corte e costura de
um longo tecido. Os processos identificatórios correndo paralelo à institui-
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BREDA, Fernanda P. Escrevendo a clínica...
ção de lugares. O eu se destaca do grande Outro ao mesmo tempo em que
o define. Para a constituição desses lugares (eu/tu, da bidimensionalidade),
fazia-se necessário uma alteridade, uma terceira dimensão. É nessa direção
que a dimensão da escrita e minha posição de escriba serviu como ponte e,
portanto, como demarcador do vão.
O “castelo do rei”, logo que anunciado, situava-se em um imenso labirinto, um lugar sem saída. Não havia, no inicio da história, portanto, um lugar
alhures. Como numa fita de Moebius, o externo e o interno se comunicavam
sem remeter a um exterior.
No decorrer do trabalho analítico começaram a surgir outros mundos,
outras dimensões em que as passagens ficavam submetidas a algumas
convenções e, portanto, a descontinuidades.
Surgem dimensões temporais: os que vêm do futuro para, no passado,
alterar o curso da história a seu favor, passagens realizadas através de “portais
do tempo”. Aqui, o tempo funcionando como metáfora de um descompasso
entre o que já foi escrito e o que é possível re-escrever, em um a posteriori, que
se debruça sobre as brechas de uma ficção inacabada. Distinguindo o campo
do eu e o campo do Outro (como um campo que precede temporalmente o
sujeito) esse descompasso acaba por marcar um encontro impossível.
Destacam-se também alguns personagens que foram formando uma
espécie de novela familiar: os irmãos, a Mulher, o Pai... bem como a construção de uma árvore genealógica em que é explicado com detalhes os
antecessores do Rei e da Mulher, como oriundos de uma mesma família.
Família essa com muitos irmãos, todos batizados com as mesmas letras
iniciais de seu nome (onde ali foi possível, na transferência, contar-se como
mais um dentre eles). Essa novela se escreveu durante muitas sessões a
partir da qual foram se constituindo processos identificatórios importantes.
O mito familiar passou a ter uma função fundamental na organização narrativa, fornecendo elementos para o recorte de figuras do Outro. A representação do eu se constituindo a partir do destaque no Outro, no absoluto desse
código, de algo que possa referir um si-mesmo.
Ana Costa (1998) situa a ficção como: “Responsável pela construção
das figuras do Outro. É o que dá vestimenta ao Outro, que a partir de então
não apresenta somente sua face de linguagem, adquirindo consistência de
presença, consistência de corpo”.
A utilização da escrita como ferramenta, como um apoio ao significante
por sua concretude, evoca, como pano de fundo, uma outra distinção importante: o lugar daquele que escreve e o daquele que narra (brinca). Atividade e
passividade são constantemente recolocadas no retomar, a cada encontro,
após um período de ausência, a leitura do que já se escreveu. Ouvir-se no
outro, naquele que era seu escriba e que agora lê, em um segundo tempo, o
percorrido da sessão anterior. Ser, portanto, o contador e o contado, o que
nomeia e o que é nomeado, alienação e separação em um movimento constante em direção a apropriação de uma rede de referências a partir da qual
seja possível contar-se.
Sabemos que é necessário, para que o sujeito advenha ao campo do
Outro, passar pelos significantes que, no mesmo movimento, o alienam a
este Outro. Ser o contador e ser o contado, estar ao mesmo tempo dentro e
fora do que se produz. Poder nomear em um segundo tempo, numa espécie
de atualização e apropriação da operação de nomeação a qual cada um foi
objeto, faz parte do percurso de uma análise.
E, nesse sentido, encerraria com uma proposição de Barthes: “Desde que nomeio, sou nomeado: fico preso na rivalidade dos nomes”. A primeira parte dessa proposição nos serve na medida em que nosso paciente, já
inscrito em uma determinada ordem simbólica, caminha em direção à
assunção de um lugar próprio, ancorado em uma rede de significantes anteriormente traçada. O binômio nomear/ser nomeado, de certa forma, “resolve”
o par alienação/separação na medida em que lança o sujeito em uma nova
ordem: a rivalidade dos nomes. Aqui vale lembrar as letras iniciais do prenome de nosso pequeno paciente que, por semelhança, passa a contar-se
como mais um na comunidade dos irmãos.
A escrita, por seu caráter de permanência através do tempo, por seu
aspecto de perdurar como registro transmissível entre gerações, transcendendo o tempo da memória individual, diferencia-se da fala, sempre volátil e
fugidia, e possibilita a inscrição do sujeito alhures.
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SEÇÃO DEBATES
A LEITURA1
BIBLIOGRAFIA:
BARTHES, Roland. O prazer da escrita.São Paulo: Editora Perspectiva, 1999.
COSTA, Ana Maria. A ficção do si-mesmo. Rio de Janeiro: Companhia de
Freud,1998.
LACAN, Jacques. O seminário XVIII. Cd-rom.
QUINTANA, Mário. Preparativos de viagem. Rio de Janeiro: Globo, 1987.
Ana Miranda2
A
cada livro que lemos nos transformamos um pouco mais e em algo
melhor. Dizia Borges que o livro não passa de papel e tinta, o que lhe
dá vida e relevo é o que acontece na mente do leitor. A leitura é um
processo tão complexo que talvez não possa ser totalmente explicado. Parece ser a relação mais íntima que pode existir entre duas pessoas, pois o
autor revela-se em sua plenitude, e o leitor descobre a verdade ali contida. O
leitor está silencioso, só, debruçado sobre o livro, numa atenção de grande
intensidade, pois qualquer distração faz cessar a leitura; não sofre interferências externas que possam censurar sua visão ou sua compreensão ou seus
julgamentos. Ele é capaz de ouvir tudo e qualquer coisa, sob o prisma mais
pessoal e independente. Ele está só, e ao mesmo tempo acompanhado.
Sua mente funciona da mesma forma que a mente do autor, seus sentimentos e emoções percorrem a mesma curva, seu pensamento se transforma no
pensamento do autor, ele vê e imagina o que viu e imaginou o escritor. O
leitor não deixa de ser ele mesmo, mas passa a ser o autor durante a leitura,
o mesmo ocorrendo no sentido inverso. Nessa comunhão secreta e tantas
vezes apaixonada, a mente do leitor aprende a funcionar de uma nova maneira, ampliando suas possibilidades de raciocínio e sua percepção. A verdade
do autor torna-se uma nova verdade, ampliando-se, recebendo e incorporando a cada leitura uma nova interpretação. Cada leitor transforma o livro, e a
cada geração de leitores o livro se amolda, vindo ao encontro das necessidade interiores e das relativas ao tempo, à época. A mobilidade de um livro é
tão extraordinária quanto a de um leitor.
A leitura de um livro se dá em vários níveis, e processos acontecem
ao mesmo tempo, em intensidades que variam de leitor para leitor. Há a
1
Texto publicado na revista CAROS AMIGOS de dezembro de 2004 (n. 93).
Escritora, autora de “Boca do Inferno”, “Desmundo, Amrik, Dias e Dias, Deus-dará”, entre
outros livros.
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SEÇÃO DEBATES
MIRANDA, Ana. A leitura.
leitura da trama, talvez a mais superficial, em que acompanhamos as ocorrências, os fatos, as descrições, as reflexões do livro, e enquanto isso nossa
mente observa o comportamento humano, e nosso próprio comportamento,
realizando uma leitura da história de nossa vida, pois os exemplos da vida
dos personagens fazem surgir memórias de fatos semelhantes acontecidos
na vida do leitor. É a leitura da memória pessoal. Há a leitura dos sentimentos dos personagens e do autor, que provocam sentimentos análogos no
leitor, que pode experimentar novas emoções, ou emoções esquecidas e
não realizadas na vida cotidiana. Há a leitura da linguagem que o livro apresenta, em que assimilamos novas palavras, expressões, dicções, vindas de
diversas partes e tempos do mundo, e desenvolvemos nossa percepção lingüística, e a de significados. Também a leitura gramatical, em que nossa
mente se acostuma às formas vernaculares, ou não, registrando e incorporando as grafias corretas, as maneiras de pontuação, as apresentações
normativas do idioma. A leitura das formas narrativas nos leva a identificar
inúmeras possibilidades de expressão. A leitura do gênero – romance, conto, poesia, etc. – nos põe diante de estruturas clássicas, e das maneiras
infinitas de misturar esses formatos. A leitura da estrutura do texto nos ensina a organizar nosso pensamento.
Há a leitura da personalidade do autor do livro, pois tudo que ele escreve, ainda que seja ficção, é um registro da sua maneira de ser. Conhecemos Clarice Lispector, sem nunca termos nem mesmo a visto sequer uma
vez. Temos intimidade com os autores dos livros que lemos em nossa vida.
Viajamos por dentro de suas almas e aprendemos a discernir suas verdadeiras biografias. A leitura da imaginação do autor provoca uma leitura de nossa
própria imaginação, e quanto mais livre for sua mente, mais liberdade terá a
nossa para fabular e criar as próprias imagens diante da proposta do texto.
Há a leitura do ritmo, em que a cadência da escrita nos leva a respirações e
pausas e silêncios, e melodias, pois cada palavra tem um som, uma tonalidade, e causa uma sensação. A leitura das palavras em si, e a forma como
se organizam nas frases, provoca também um sentimento de prazer estético, afinando nossos sentidos. A leitura da realidade versus sonho nos leva a
experimentar as tênues fronteiras entre esses universos. A leitura ideológica
nos faz pensar em nossas próprias crenças e nas alheias, medimos as
diferenças pessoais e sociais. A leitura filosófica nos leva a questões da
existência humana, o mesmo se passando com a leitura da moral e da ética.
A leitura política nos questiona e descobrimos nossos limites de tolerância.
A leitura religiosa e a ontológica nos aproxima de Deus. A leitura, enfim, da
literatura nos traz toda história do espírito humano. Assim, aprendemos a
ler, a falar, a pensar, a escrever, a olhar, a imaginar, a sonhar, a viver, enfim.
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RESENHA
RESENHA
TRAMAS DA CLÍNICA
PSICANALÍTICA EM DEBATE
KESSLER, Carlos. KREISNER, Bianca Guaranha.
FRÖHLICH, Claudia Bechara... [et al.] org. Tramas da
clínica psicanalítica em debate. Porto Alegre: Editora
da UFRGS, 2004. 290p.
E
ssas “Tramas” são mesmo para estreitar laços e para intrigar. Para falar de
questões concernentes à clínica, entrelaçam a psicanálise com o cinema, o teatro, a fotografia e a literatura; com a educação, a psicopedagogia, a antropologia, a psicologia e a psiquiatria – e acabam por enredar
gente de dentro e de fora desses campos. Debatem a viabilidade dos próprios laços, os “naturais” ou “históricos” e também, por que não, os aparentemente “inelaçáveis”. Promovem, principalmente, o encontro da psicanálise
com seus interrogantes. Talvez possamos situar nesse ponto o que “Tramas
da Clínica Psicanalítica em Debate” pode fazer de intriga ou produzir de
intrigante. Esse livro conta ainda a história de um encontro: entre organizadores
e autores, que tiveram seu estilo de falar, de fazer e de escrever impressos
ali.
A origem dessa trama só se deixa ler no entre-linhas e remete à história de um outro encontro. Integrantes da Clínica de Atendimento Psicológico da UFRGS reuniram-se por um tempo para debater sua clínica com outros autores, com outros campos. Entre os ruídos de dentro da instituição e
os barulhos de fora, neste descompasso, foram desenhados os esboços
dos eventos que se seguiram, que culminaram nesse livro, cujo fim é compartilhar sua produção, fomentar inquietações e “melhor compreender nosso
papel na obra que é nossa”.
O que então produziu esses encontros não é nenhuma novidade para
os psicanalistas: a própria prática clínica, que obriga à reflexão sobre seus
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efeitos. Afinal, que efeitos a psicanálise produz e que efeitos sofre? Nos
textos que compõem essas tramas ficam desvelados os fios que enlaçam
os diferentes campos e profissionais, catalisando com certeza efeitos outros.
A intensidade do trabalho clínico foi o que dimensionou a importância
que teve esse arejar para delinear uma certa distância necessária para seguir o trabalho. Em um movimento contrário à ameaça de engessamento da
escuta, houve a busca por abrir poros e, num entra-e-sai, permitir o encontro
com a alteridade, com a palavra do outro/Outro e com outras narrativas que
enredam os daqui e os de outras paragens.
Que essas tramas não cessem, portanto, de produzir seus efeitos; e
que as portas e janelas abertas a partir de então produzam brisa suficientemente forte para provocar outras aragens e quiçá não mais fechem.
Thoya Lindner Mosena
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RESENHA
RESENHA
NOVOS SINTOMAS
ovos Sintomas” nos brinda com a possibilidade de traduzir em palavras e trans
formar em reflexão teórica muitas das
questões colocadas pela clínica psicanalítica
com crianças em nossos dias. Ao lermos suas
páginas, somos remetidos a nossas experiências e nos sentimos, de certo modo, acolhidos
pelos autores, na sua capacidade de abrir caminhos para avançarmos em alguns pontos crucias
da prática clínica.
A grande marca desta obra situa-se na sua relação com nosso tempo e
no olhar dos autores sobre os contornos de uma infância atravessada por sintomas sociais. Os psicanalistas que ali escrevem se dedicam a pensar sobre o
que presenciamos cotidianamente: crianças que são “atropeladas” em seu brincar
por ideais sociais como o consumismo exacerbado, a fragmentação e fugacidade
das relações e a sexualidade banalizada; crianças que precisam dar conta,
com seu sintoma, da fragilidade com a qual os adultos têm exercido suas
funções parentais. “Novos Sintomas” trata de atualidades do mal-estar ao
qual a infância tem sido exposta. Neste sentido, podemos tomá-lo como um
testemunho de nossos dias, estando aí um de seus grandes méritos.
O livro é composto por oito textos. O trabalho de Anne Marie Hamad
abre as interrogações sobre o que seriam os “novos” sintomas: agitação,
stress e instabilidade, ao lado da violência e da depressão. Para dar conta
disto, emerge a tendência à medicalização precoce, tendo como norte o
ideal de perfeição. A autora associa os sintomas das crianças aos dos adultos na atualidade: uma angústia difusa que se exprime no corpo e pelo corpo. Sintomas que têm como pano de fundo a fragilidade da função simbólica
do pai e o desdobramento disto sobre homens e mulheres na posição de
pais. A criança é o “pai do homem”, como diz o título, na medida em que é
chamada, na realidade da falha simbólica dos pais, a dar conta do exercício
de suas funções.
Continuamos a leitura com um texto de Jean Bergès, onde prossegue
o questionamento sobre a posição das crianças frente às desventuras dos
adultos. Aqui se trata do luto que uma criança precisa fazer a partir da separação do casal parental e do que podemos apreender, a partir daí, no que diz
respeito ao conceito de representação, retomando Freud e o legado de Lacan
sobre a inscrição significante no corpo.
No texto de Alfredo Jerusalinsky vamos encontrar interessantes observações sobre a exposição das crianças ao consumo e ao tipo de oferta
que o mundo adulto lhes faz: objetos em profusão e manuais de instrução
que produzem pouca experimentação, numa proposta de “poupança de pensamento” (p.39) que sustenta a não-responsabilização do sujeito pelas suas
escolhas, uma posição associada ao discurso social onde também os pais
se regem por manuais de instrução na educação dos filhos.
Ana Marta Meira desenvolve questões cruciais a respeito do brincar
na contemporaneidade. Situa os processos envolvidos na possibilidade de
uma criança armar um brincar (metaforização, repetição, linguagem, imagem especular e ausência do Outro) para seguir abordando os sintomas
sociais presentes no brincar hoje: o excessivo olhar do adulto sobre a criança que a autora associa à incidência dos pequenos brinquedos em série
“pokemons, digimons...” – que permitiriam um espaço fora deste olhar; a
prevalência do ideal social de “ter” para “ser”, em torno do qual se fundam
laços marcados pelo vazio simbólico; a emergência de um brincar fragmentado, caracterizado por processos metonímicos no lugar de metáforas. Acima de tudo, o trabalho da autora toca fundo num sintoma bastante presente
atualmente na clínica com crianças: sua dificuldade de constituir um brincar que esteja em posição de oferecer suporte para sua subjetividade: “Onde
no brincar teriam a ferramenta básica para sustentar a elaboração de sua
angústia, não conseguem encontrar consistência” (p.52).
A seguir, encontramos o instigante texto de Maria Luisa Viviani, que
aborda a posição dos pais na educação de um filho, identificando um traço
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C. da APPOA, Porto Alegre, n. 133, mar. 2005
MEIRA, Ana Marta (org.). Novos sintomas. Salvador: Ed.
Ágalma, 2003. 138p.
N
“
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RESENHA
RESENHA
presente em nossa cultura: a tendência dos pais colocarem as crianças
num lugar privilegiado, norteando-se pelo ideal de que a elas nada falte. Aponta
para os efeitos desta posição para os filhos, que ficam submetidos ao
narcisismo dos pais, ao invés de receberem como transmissão a lei do desejo.
O questionamento em torno da função dos pais continua no texto de
Denise Vincent, onde os sintomas dos filhos (dificuldades de aprendizagem
e de autonomia na escola, delinqüência, violência) são relacionados à carência no exercício das funções parentais, estabelecendo-se uma relação entre
a exclusão social e econômica dos adultos e sua desistência ou ausência
da condição de pais. Denise Vincent afirma que tudo o que tende à não
preservação da diferença sexual e da diferença de gerações degrada a qualidade simbólica do laço social, tendo conseqüências sobre os pequenos.
Caberia, entretanto, interrogar a posição da autora em relação às famílias
constituídas por casais homossexuais que, em sua leitura, poderiam trazer
um risco aos filhos por não assegurarem a transmissão da diferença sexual
e da filiação. Na psicanálise encontramos outras posições sobre este tema,
especialmente se não fizermos uma correspondência direta entre a diferença sexual e o real do sexo.
O próximo texto é de Rodolpho Ruffino e traz uma contribuição teórica
bastante importante ao dedicar-se à latência, um momento da constituição
subjetiva um tanto “esquecido” na Psicanálise e que recebe do autor um
olhar tão cuidadoso, a ponto de que possamos encontrar no texto elementos
para defini-la como um conceito de peso para a clínica e a teoria. Ruffino
recorre a Freud e Lacan e produz um trabalho de fôlego, partindo da idéia de
que o quê ficaria latente, “incubado”, entre a finalização do drama edípico e o
surgimento da puberdade, não seria a presença, a eficiência ou o exercício
do sexual, mas o laço que articula o sexual na criança ao Outro sexo. O que
está latente é a vetorização do sexual ao Outro, apesar de que o sexual e o
Outro aí permaneçam.
O livro tem seu fecho de ouro com um belo texto de Diana Corso,
“Menina Modelo”. A autora vai trazer à cena a posição das meninas frente ao
ideal social que lhes convoca a carregar em seu corpo emblemas da mulher
sensual: salto alto, batom, unhas pintadas para menininhas de 4, 5 anos.
Situa a diferença entre brincar disso ou ser convocada a executar este papel
e, neste percurso, recorre a uma teorização de Helene Deutsch acerca de
um período entre o brincar (infância) e o fantasiar (adolescência) que se
caracteriza por uma tendência de “atuar”, de “desempenhar um papel”. Haveria neste movimento uma diminuição na capacidade de metaforizar, de fazer
a diferença entre o eu e o outro, o dentro e o fora. Pensando na demanda que
chega às crianças, a autora coloca que talvez nossa sociedade, para seu
próprio uso, tenha dilatado essa condição de “desempenhar” e encontre limitações para o trabalho de elaboração presente no brincar e fantasiar.
Temos então, ao nosso alcance, um livro de grande interesse não
somente para aqueles que se dedicam à clínica da infância e da adolescência, mas para uma reflexão mais ampla sobre as vicissitudes da contemporaneidade. Neste sentido, “Novos Sintomas” é um trabalho de cunho histórico, uma obra para ser lida hoje e guardada com carinho para as próximas
gerações de psicanalistas, como um testemunho de nosso tempo.
C. da APPOA, Porto Alegre, n. 133, mar. 2005
C. da APPOA, Porto Alegre, n. 133, mar. 2005
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Ana Laura Giongo
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AGENDA
Capa: Manuscrito de Freud (The Diary of Sigmund Freud 1929-1939. A chronicle of events
in the last decade. London, Hogarth, 1992.)
Criação da capa: Flávio Wild - Macchina
MARÇO – 2005
Dia
10, 17 e
31
07 e 21
03
11
04 e 18
14 e 28
17
Hora
19h30min
Local
Sede da APPOA
Atividade
Reunião da Comissão de Eventos
20h30min
21h
8h30min
15h15min
20h30min
21h
Sede da APPOA
Sede da APPOA
Sede da APPOA
Sede da APPOA
Sede da APPOA
Sede da APPOA
Reunião da Comissão do Correio da APPOA
Reunião da Mesa Diretiva
Reunião da Comissão de Aperiódicos
Reunião da Comissão da Revista da APPOA
Reunião do Serviço de Atendimento Clínico
Reunião da Mesa Diretiva aberto ao Membros da APPOA
ASSOCIAÇÃO PSICANALÍTICA DE PORTO ALEGRE
GESTÃO 2003/2004
Presidência: Maria Ângela C. Brasil
a
1 Vice-Presidência: Mario Corso
2a Vice-Presidência: Ligia Gomes Víctora
1a Secretária: Marieta Rodrigues
2a Secretária: Marianne Stolzmann
1a Tesoureira: Grasiela Kraemer
2a Tesoureira: Maria Lúcia Müller Stein
MESA DIRETIVA
Alfredo Néstor Jerusalinsky, Ana Maria Medeiros da Costa, Ângela Lângaro Becker,
Carmen Backes, Clara von Hohendorff, Edson Luiz André de Sousa,
Gladys Wechsler Carnos, Ieda Prates da Silva, Jaime Betts, Liliane Seide Froemming,
Lucia Serrano Pereira, Maria Auxiliadora Pastor Sudbrack,
Maria Beatriz Kallfelz, e Robson de Freitas Pereira
EXPEDIENTE
Órgão informativo da APPOA -Associação Psicanalítica de Porto Alegre
Rua Faria Santos, 258 CEP 90670-150 Porto Alegre - RS
Tel: (51) 3333 2140 - Fax: (51) 3333 7922
e-mail: [email protected] - home-page: www.appoa.com.br
Jornalista responsável: Jussara Porto - Reg. n0 3956
Impressão: Metrópole Indústria Gráfica Ltda.
Av. Eng. Ludolfo Boehl, 729 CEP 91720-150 Porto Alegre - RS - Tel: (51) 3318 6355
PRÓXIMO NÚMERO
PSICANÁLISE NA INFÂNCIA
C. da APPOA, Porto Alegre, n. 133, mar. 2005
Comissão do Correio
Coordenação: Marcia Helena de Menezes Ribeiro e Robson de Freitas Pereira
Integrantes: Ana Laura Giongo, Fernanda Breda, Gerson Smiech Pinho,
Henriete Karam, Maria Lúcia Müller Stein, Norton Cezar
Dal Follo da Rosa Júnior e Rosane Palacci Santos
S U M Á R I O
EDITORIAL
1
NOTÍCIAS
5
SEÇÃO TEMÁTICA
27
MEMORIAS DE MIS PUTAS TRISTES –
NOTAS PARA JOVENS QUE NÃO
TIVERAM MEDO DE ENVELHECER 27
Robson de Freitas Pereira
ANALISTAS... ESCRIBAS
Simone Moschen Rickes
37
A CENA PRIMÁRIA
DO PSICANALISTA
Mário Corso
44
ESCREVENDO A CLÍNICA
COM CRIANÇAS
Fernanda Pereira Breda
49
SEÇÃO DEBATES
55
A LEITURA
Ana Miranda
55
RESENHA
58
“TRAMAS DA CLÍNICA
PSICANALÍTICA EM DEBATE”
58
“NOVOS SINTOMAS”
60
AGENDA
64
N° 133 – ANO XII
M A R Ç O – 200 5
“INVENTAR-SE EM ANÁLISE”
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Data: ______/_____/2005
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