REVISTA LUMEN ET VIRTUS
ISSN 2177-2789
VOL. IV
Nº 8
FEVEREIRO/2013
A INTERDISCIPLINARIDADE
E AS RADICAIS TRANSFORMAÇÕES DO
PENSAMENTO CIENTÍFICO
Profª Drª Alzira Lobo de Arruda Campos1
http://lattes.cnpq.br/4945544723389636
RESUMO: Este artigo trata da questão da interdisciplinaridade e sua importância na evolução
do pensamento científico no mundo Ocidental, mostrando como, na modernidade, mais se
acentua a necessidade do pensar complexo, para se evitar o monolitismo das ciências.
PALAVRAS-CHAVE: Interdisciplinaridade, ciências, pensar complexo.
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ABSTRACT: This articles deals with the question of the interdisciplinarity and its importance
in the evolution of the scientific thought in the Western world, showing how, in the modernity,
it is very important the necessity of the complex thinking, to avoid the monolithic character of
the sciences.
KEY WORDS: Interdisciplinarity, sciences, complex thinking.
Os defensores das pesquisas interdisciplinares ou multirreferenciais têm estudado a
questão metodológica que lhes interessa, concedendo grande ênfase à conceituação dos termos
que indicam o diálogo metódico entre disciplinas. Muitas vezes, com temor e timidez,
desenvolvem a teoria do conhecimento interdisciplinar, com base no diálogo intrínseco a
diversas áreas do saber, como acontece com a Linguística, a Filosofia, a Psicologia, a
Geografia, a História, a Matemática, a Economia, a Administração e outras ciências, que
trabalharam, metodicamente com as chamadas ciências auxiliares.
Embora este artigo pressuponha a existência de discussões importantes sobre a
interdisciplinaridade, presentes em quase todas as áreas do conhecimento, neste momento
propõe-se a sustentar, tão somente, a questão de sua necessidade histórica.
1
Livre-docente pela USP, professora do mestrado da Unisa.
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Para alguns, a interdisciplinaridade talvez pareça uma novidade fútil e até
comprometedora da seriedade das ciências, baseadas, por princípio, em rigorosa metodologia
especializada, que deve precisar as fronteiras entre as chamadas disciplinas (palavra com
denotação poderosa!). Essa ideia está na raiz da organização do conhecimento em campos de
caça, exclusivos de tribos acadêmicas determinadas, que se organizaram nos departamentos da
universidade do século XIX. Portanto, a criação de fronteiras rígidas entre as disciplinas teve a
ver muito mais com a política do poder acadêmico, do que propriamente com a lógica
científica. Nesse sentido, a posição hiperespecializada do saber corresponde a estratégias
corporativistas e de competição entre intelectuais da mais vária natureza, estratégias que se
apresentam ameaçadas pela dificuldade de elaborar problemas e propor soluções a
necessidades sociais cada vez mais complexas, que exigem o pensar complexo, próprio à
interdisciplinaridade.
Mas vamos recordar, em largas pinceladas, a evolução dos caminhos do conhecimento
na civilização ocidental, em tempos anteriores à compartimentação do saber. Os pensadores
gregos, helenísticos, romanos e medievais eram filósofos, matemáticos, médicos, políticos,
professores, poetas, dramaturgos, arquitetos, urbanistas e até teólogos, que produziam suas
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obras sem a menor preocupação em indicar a que área pertenciam. Assim é que refletiram
sobre os grandes problemas que o homem viveu no passado e continua a viver em nossos dias,
relacionados a indagações sobre o que somos, porque estamos aqui, o que são os astros, a
Terra, a água, o fogo, as plantas, os animais, as doenças; enfim, como se organiza o ambiente e
quais são as nossas circunstâncias existenciais. Dessa forma, formularam-se as primeiras teorias
sobre fenômenos físicos, biológicos, geográficos e as suas manifestações no cotidiano da
humanidade, como a natureza das relações sociais e das estruturas de poder, e o lugar que cada
um ocupa na ordem social.
Tal processo fazia-se por meio de abordagens múltiplas, sem que houvesse a
preocupação, para os autores, de definir se estavam estudando Física, Matemática, Química,
Biologia, Astronomia, História ou Geografia. A pesquisa e a criatividade concentravam-se no
esforço em descobrir as formas mais eficientes de convivência e controle social, nas criações
artísticas e filosóficas, que refletiam visões do mundo e o lugar do homem na grande ordem
das coisas. Ao fazê-lo, nossos antepassados legaram-nos as regras básicas para o raciocínio
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lógico, ético e metafísico; os modelos de organização política que continuamos a reinterpretar
até hoje como aristocracia, monarquia, democracia, república e império; os princípios da
Matemática, da Álgebra, da Biologia, da Física e da Astronomia. Em suma, criaram métodos
que definiram os campos da reflexão filosófica, científica e literária, nas fronteiras possíveis que
delimitavam o conhecimento de época.
A unidade harmoniosa do pensamento grego pode ser atribuída à necessidade histórica
das comunidades, relativamente pequenas, que viviam nas cidades-estado e à relativa
homogeneidade étnica da população.
A tradição cultural e essas formas de organização do pensamento foram mantidas no
período helenístico, quando as conquistas de Alexandre ampliaram a área de influência do
mundo grego para o Oriente Próximo, o Egito e a Pérsia. Aliás, a ciência estudada e cultivada
com entusiasmo passou a ser a marca da sociedade civilizada frente aos chamados bárbaros. E
notório que essa visão era injustificada, diante das grandes realizações dos egípcios,
mesopotâmicos, persas e outros povos orientais, cujos conhecimentos foram depois
assimilados e incorporados ao helenismo. De fato, tratava-se de uma forma de justificar o
primeiro imperialismo ocidental. A conquista da Grécia e de outras áreas pelo Império
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Romano resultou na incorporação da cultura helenística, com as contribuições orientais e
egípcias reinterpretadas no contexto do legado latino e etrusco. Também as necessidades de
comunicação e de segurança, com a construção de estradas, edifícios públicos, armazéns para
alimentos, arsenais de guerra, com novos equipamentos e armas, privilegiou as descobertas e as
realizações práticas, exigidas pela administração do vasto império que se formava. Foi um
período rico em invenções tecnológicas, que exigiram avanços na Matemática, Física,
Astronomia, Medicina, Geografia, Urbanismo, Arquitetura e outros ramos do saber. Por outro
lado, a necessidade de legislar para uma sociedade expansionista, primeiro na Península Itálica,
depois no Mediterrâneo, na África e na Ásia, concentrou o pensamento romano na criação de
um Direito, que, no decorrer de séculos, criou princípios universais, que até hoje dirigem as
nossas vidas. Em outros campos, os romanos incorporaram a cultura helenística, à qual
acrescentaram o pragmatismo e o naturalismo. A partir do século I de nossa era, o
cristianismo, com valores contrastivos ao paganismo, penetrou no mundo romano,
acrescentando a ele propostas que continuam a fundamentar a nossa cultura.
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As grandes catástrofes demográficas, econômicas e sociais desencadeadas pelo declínio
e a queda do Império Romano, frente às investidas dos povos germânicos, resultou no abalo
das antigas estruturas e na criação de novas organizações, baseadas no direito consuetudinário
e na incorporação das culturas dos povos conquistadores ao substrato do Império Romano
vencido. Vencido, porém, não derrotado, pois sabemos que a civilização greco-latina se impôs
pela Língua, pelo Direito e pelo Cristianismo aos novos senhores da guerra.
Começavam, assim, os mil anos da Idade Média, que manteve a herança clássica do
mundo antigo, integrada a elementos da cultura bárbara, bizantina e árabe. Nesse período
histórico, a predominância das preocupações religiosas marcou a produção intelectual, que foi
direcionada para a Teologia, a Filosofia e a Literatura, manifestando pouco interesse por
problemas científicos. Tratava-se de uma sociedade ruralizada, em que os núcleos urbanos
foram reduzidos ou até desapareceram, sem criar condições para a existência de uma classe ou
grupo de indivíduos, voltados para a busca do conhecimento pelo conhecimento. A maioria da
população lutava pela sobrevivência, em atividades agrícolas, artesanais e comerciais, e estava
habilitada para lutar nas guerras infindáveis que marcaram a época, com o cortejo da fome e
peste que as acompanhavam.
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Os poucos que sabiam ler, na maioria religiosos, estavam voltados para servir aos
interesses e deveres sacramentais, exigidos pela Igreja, guia e guardiã das almas, no caminho da
salvação.
Para as necessidades históricas daquele período conturbado, a religião representava o
elemento unificador contra as tendências centrífugas que decorriam dos encontros, ora
violentos, ora pacíficos, de etnias, culturas e religiões, durante os quais questões básicas de
sobrevivência sobrepujavam qualquer interesse menos prático e imediato. Foi necessário o
impulso fornecido pelo ressurgimento das cidades, a partir do século XII, tornado possível
pela intensificação do comércio e pelo aumento de uma população urbana cada vez mais
exigente e informada, para que as explicações sobre o universo começassem a se autonomizar
dos referenciais religiosos costumeiros.
O celebrado retorno ao legado da Antiguidade, operado pela Renascença, significou,
na verdade, uma reinterpretação desse legado, à luz das novas exigências trazidas pela
Modernidade. O saber clássico foi redefinido, assim como a arte e a literatura greco-romanas, a
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ponto de os estudiosos se sentirem como arautos de um Renascimento do espírito humano,
considerado adormecido durante a longa noite dos mil anos.
O expansionismo geográfico europeu na África, Ásia e a descoberta da América, além
de trazerem riquezas de toda sorte, revelaram novas culturas, novas plantas, novos animais,
com a consequente expansão do conhecimento, de forma atordoante e mágica. Não era apenas
um Renascimento do Mundo Antigo, mas o nascimento de um novo universo do saber,
marcado pelo casamento indissolúvel entre os campos teórico e o experimental e a tendência à
permanente mutação e reconstrução das verdades estabelecidas ou dogmáticas.
A vasta gama de informações novas e surpreendentes sobre todos os campos da
experiência humana, descobertas e divulgadas do século XV ao XVII, exigiram uma
concentração maior em alguns objetos de estudo e a criação de novos campos de saber.
Apesar de ainda se dedicarem à busca do conhecimento em diversas áreas afins, por
vezes, até inesperadas (caso dos astrônomos/astrólogos/alquimistas), a necessidade de dar
conta da produção científica crescente forçou a escolha de campos menos amplos para
alcançar a meta do aprofundamento da análise, até o esgotamento de tudo o que se conhecia a
respeito do assunto pesquisado. Nessa época, ocorreu a primeira delimitação dos campos de
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diversas disciplinas, tais como a Astronomia, Matemática, Física, Química, acompanhadas, no
século XVII, pela redefinição da Botânica. O século XVIII abrigou novas áreas do saber, que
vieram atender a necessidades específicas da época, especialmente aquelas decorrentes da
primeira explosão demográfica da História. Assim, as descobertas foram mais uma vez filhas
da necessidade de abrigar, alimentar e controlar uma população que cresceu especialmente em
seus porões sociais, por causas que se não podiam detectar facilmente, nos limites da época.
Desse prisma, podemos entender o aparecimento da Estatística, da Demografia, da
Arquitetura, da Economia, como novas ciências destinadas a responder a questões cruciais,
ligadas especialmente, ao dado inquietante de se conseguir entender porque a população
cresceu e como controlar ou dirigir esse crescimento para a riqueza das nações e o poder dos
Estados Modernos.
As novas teorias que surgiram, no âmbito das velhas e das novas disciplinas, ainda não
demarcaram fronteiras nítidas entre umas e outras, Esse processo pertence ao século seguinte,
quando foram criadas novas disciplinas, como a Antropologia e a Sociologia, que se
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identificaram como responsáveis por campos diferentes daqueles tradicionalmente ocupados
pela História. Não por acaso, essa delimitação, em grande parte contrastiva, coincide com a
criação da universidade de tipo moderno, organizada em departamentos, e intimamente
relacionada ao poder do Estado. Essa mesma época responsabilizou-se pelo incremento dado
pelo Estado às sociedades e aos institutos científicos, organizações que serviam para consolidar
o projeto imperialista europeu, justificando as bandeiras da civilização e do progresso para a
conquista das riquezas da África e da Ásia, as novas zonas eleitas como objeto de disputa na
divisão do mundo entre as potências colonizadoras. É óbvio que as associações científicas
também funcionaram como lugar de encontro para os homens de ciência e exerceram o papel
de divulgar os resultados de pesquisas, papel também desempenhado pelos departamentos
universitários.
Desde o século anterior, quando a Ilustração idealizou e realizou o grande projeto de
reunir todo o saber conhecido em uma única publicação, as enciclopédias tornaram-se o maior
veículo de divulgação do saber científico. Embora os verbetes enciclopédicos criassem uma
espécie de síntese do conhecimento humano, eles acabaram por consagrar a especialização,
ditando regras cada vez mais rigorosas e inflexíveis para a produção científica. A tendência
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centralizadora do conhecimento em esferas definidas acabou por desencorajar o contacto e a
colaboração entre as disciplinas, cada vez mais ciosas na defesa de seu estatuto de ciência,
pressuposto como o mais verdadeiro. A batalha era bastante pragmática, pois os cientistas
viam-se envolvidos na luta por verbas, garantidas pelo prestígio de suas disciplinas e de seus
nomes. Tratava-se do nascimento de um processo de longa vida no mundo acadêmico: a
corrida em busca de recursos para projetos de pesquisa configurava, como beneficio agregado,
o reconhecimento dos pares e o poder decisório de converter a ciência num processo de
produção empresarial.
Com o forte estímulo provocado pela organização rígida da produção do
conhecimento e de suas aplicações práticas, a ciência dos séculos XIX e XX voltou-se, com
predileção, para a compreensão dos fenômenos físicos, ligados ao uso da energia, assim como
para os meios necessários ao desenvolvimento da comunicação, como navios, trens,
automóveis, aviões, telégrafo, rádio, telefone, cinema, televisão, redes eletrônicas, etc. Os
imensos avanços tecnológicos tornados possíveis por invenções que se sucederam, em
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velocidade criada pelo efeito cumulativo do conhecimento, foram sensíveis também no campo
da Química, com o aparecimento de produtos ersatz que substituíram os produtos naturais até
então utilizados para a produção de corantes, tecidos, remédios, e tantos outros. Esses avanços
todos modificaram profundamente a vida das nações e dos homens, tornando-se responsáveis
pelo aparecimento de novas formas de organização social, gerenciadas pelo controle exercido
por grupos e nações sobre a produção e o uso da tecnologia. As novas descobertas e invenções
popularizaram o prestígio da ciência. Ao mesmo tempo, a formação dos impérios coloniais,
marcada pela corrida capitalista em busca da hegemonia econômica na exploração dos recursos
de povos menos desenvolvidos, encorajou a competição na indústria bélica.
No ambiente altamente competitivo do último século, geraram-se crises constantes,
balizadas pelos dramas infinitos vividos pela humanidade, durante e após as duas guerras
mundiais, a crise econômica de 1929 e os numerosos conflitos regionais, que continuaram, sem
interrupção, a abater homens, animais, plantas e paisagens.
O balanço do homem e de suas realizações não parece positivo, quando confrontado
com as carnificinas dos campos de batalha e com os surtos de doenças e de fome, que se
apresentam intermitentemente em países da África, da Ásia e da América Latina, além de
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atingir a legião dos miseráveis que se encontram nos próprios países desenvolvidos.
Um dos saldos negativos desses horrores, operado logo após a celebração dos tratados
de paz da Grande Guerra, foi a perda do paradigma do homem e a descrença na capacidade da
ciência em resolver todos os problemas da humanidade, afastando dela os flagelos da fome, da
guerra, da doença, da desigualdade, do preconceito, da exploração dos mais fracos pelos mais
fortes. Enfim, flagelos que já se encontram tecnicamente resolvidos pela ciência, mas que
perduram em nossos dias, acrescentando novas perspectivas sombrias para o futuro. Com
efeito, previsões apocalípticas pesam sobre o homem. Não é mais possível responsabilizar os
deuses pelo fim do mundo. O uso predatório do meio ambiente, a concentração de capitais em
poucas nações e grupos sociais, a dominação do mundo por potências nucleares, a exploração
dos recursos materiais e humanos com o fim exclusivo do lucro, recaem sobre a humanidade
como um todo. Os sinos dobram para todos, mas é claro que anunciam, primeiro, a morte do
terço da humanidade que já não interessa ao capitalismo, uma vez que o homem perdeu o seu
valor intrínseco, como força de produção. Hoje, o próprio capital é capaz de criar a mais valia,
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investindo na tecnologia, na automação da produção e no consumismo compulsivo. Como
esses problemas todos podem ser formulados nos diferentes campos científicos e como esses
campos podem apresentar soluções viáveis para eles, no campo da unidisciplinaridade?
Não é mais possível que cada cientista permaneça em seu nicho confortável e
aparentemente seguro, pois a constatação mais ou menos universal é que os homens ocupam o
mesmo barco, e que um naufrágio se anuncia como certo, se o homem não conseguir novas
formas de convivência no mundo civil e no mundo da ciência. Parece que essas formas não
poderiam prescindir do diálogo democrático, metódico e sistemático entre as diversas classes
sociais, entre as diversas castas de cientistas.
Esse processo já conta com precedentes respeitáveis. Assim é que vemos, no declínio
do século XIX e início do século XX, Sigmund Freud e Carl Jung a desvendar os fundamentos
e processos da psique humana, enquanto Albert Einstein formulava a teoria da relatividade,
que procura explicar os fenômenos físicos em sua totalidade indissociável.
Mas a tendência à fragmentação cada vez mais exigente e apurada continuou durante
todo século XX e, de certo modo, até hoje. Os cientistas têm realizado avanços extraordinários
nos campos do estudo da matéria (orgânica e inorgânica), do psiquismo, da energia,
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geralmente, de forma isolada ou em grupos de pesquisa homogêneos.
Por outro lado, à medida que se buscavam explicações mais definitivas para novos e
antigos problemas, descobriram que a boa formulação de questões a resolver implicava
campos diversos de investigação. A relação entre as especulações teóricas e as demandas
sociais tornaram-se cada vez mais íntimas e opressivas para cientistas que teimavam em
permanecer em seus casulos acadêmicos. Perguntas e soluções aconselharam o diálogo como
base de produção para numerosos grupos de pesquisadores, dentro e fora das universidades.
A questão se coloca principalmente quando se trata de investigações dirigidas a macroproblemas, tais como: o uso da energia atômica, as pesquisas médicas, a solução para questões
sociais como a violência, as relações de gênero, a integração dos excluídos, o desenvolvimento
econômico com justiça social, as grandes epidemias, a destruição do ambiente, as mudanças
climáticas e, sobretudo, o milagre do aparecimento e da preservação da vida.
Quais seriam as soluções, para problemas cada vez mais complexos, postos aos estados
nacionais e aos organismos internacionais?
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Não há solução única, mas uma delas, certamente, aponta para a colaboração
sistemática entre cientistas de áreas variadas, mas que apresentem abertura para outros saberes,
aceitos como tão válidos e legítimos quanto aqueles produzidos na sua especialidade. Depois é
preciso que o problema seja equacionado de forma a definir os parâmetros da pesquisa, a fim
de que as diferentes contribuições constituam uma rede plana, sem hegemonias e sem
conflitos. A hierarquia conceitual será determinada pela natureza do problema a resolver e não
por importâncias presumidas que teriam as ciências exatas, biológicas, sociais ou humanas.
Seria preciso, enfim, atender ao apelo de Fernand Braudel para a formação de um mercado
comum das ciências do homem. E ao de Edgar Morin, para o pensar complexo, que una novos
parceiros a esse mercado, provindos indiferentemente das ciências exatas, das biológicas, das
tecnológicas. E, especialmente, que esse diálogo se debruce sobre os grandes problemas da
humanidade, transportando tais problemas para a investigação científica e propondo soluções
capazes de fazer avançar um conhecimento comprometido com o capital humano.
Os primeiros passos já foram dados. No decorrer da segunda metade do século XX,
ocorreram radicais transformações nas ciências em geral, que redefiniram sua identidade,
renovaram seus limites e deslocaram seus eixos epistemológicos. De modo amplo, essas
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mudanças foram provocadas pela intensificação do diálogo entre as disciplinas, que fez com
que os saberes unitários e fechados passassem a saberes plurais e abertos. Essa passagem
ocorreu por razões próprias ao desenvolvimento do saber, mas, sobretudo, por razões
histórico-sociais, determinadas pelo advento de uma sociedade cada vez mais dinâmica e mais
aberta, que reclama homens sensivelmente novos, capazes de fazer frente às inovações sociais,
culturais e técnicas do presente.
Neste novo quadro, os saberes unitários revelaram-se em crise, uma vez que se
tornaram cada vez mais tributários de saberes especializados assumidos como “ciências
auxiliares”, mas que, na realidade, reescreveram a identidade das ciências em presença,
fracionando-a e disseminando-a em vários setores. Os saberes vêm-se configurando como
saberes hipercomplexos, constituídos de muitos elementos, que são submetidos a
coordenações reflexivas, suficientes para controlar seus estatutos e finalidades. A
hipercomplexidade é definida pelo pluralismo dos setores abrangidos pelas diversas áreas
científicas, pelo dinamismo de suas relações, pelo controle sobre o discurso plural e
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polissêmico da interdisciplinaridade. A rigorização lógico-científica e filosófica do discurso (a
epistemologia) e a escolha de valores-guia para a elaboração do discurso (a axiologia) do
método interdisciplinar repousam no diálogo sistemático entre as diversas ciências, que leve
em conta as suas especialidades, as suas áreas primitivas e, fundamentalmente, que se disponha
a estender as fronteiras entre os diferentes saberes, construindo novos objetos e novas
abordagens.
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