ASPECTOS DE UMA TRAJETÓRIA HISTÓRICA INSTITUCIONAL E DISCURSO EDUCATIVO Márcia de Campos Biezeki – PUC/PR∗ Rosa Lydia Teixeira Corrêa – PUC/PR∗∗ O presente estudo integra um projeto de pesquisa de mestrado em desenvolvimento, cuja preocupação é uma escola de séries iniciais localizada no município de Palmas no estado do Paraná. Essa instituição foi criada no ano de 1985 e mantida pela família Mendes, como entidade filantrópica denominada Escola Agrícola Tia Dalva até 1990. Em 1991 foi tornada municipal. Neste trabalho os objetivos são: situar a instituição escolar desde sua criação por aquela família até a sua transferência para o poder público municipal no ano de 1991 e, analisar o discurso dessa família quando à sua intencionalidade formadora. O discurso está sendo apreendido na acepção de Foucault (1995), como enigma a ser decifrado. Resultados preliminares são possíveis inferir: a peculiaridade da trajetória histórica dessa escola se apresenta permeada pela característica do discurso educativo que pressupõe educação assistencialista e filantrópica que poderia redimir uma parcela social da condição de pobreza e melhoria de vida por meio do aprendizado de uma presumível profissão, a agrícola. Isso seria possível por existir um projeto de grupo para uma comunidade carente. Mesmo tendo a escola se tornado pública seu caráter assistencial permanece. Palavras-chave: Escola de tempo integral; formação integral, formação agrícola. ∗ Mestranda do Programa de Mestrado em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Pedagoga da Rede Municipal de Educação de Palmas - Paraná ∗∗ Professora do Programa de Mestrado em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. 2 ASPECTOS DE UMA TRAJETÓRIA HISTÓRICA INSTITUCIONAL E DISCURSO EDUCATIVO INTRODUÇÃO Este trabalho é parte de pesquisa de mestrado em andamento num programa de pósgraduação em educação da região sul do Brasil. Os dados aqui analisados ainda são preliminares em torno uma escola de séries inicias, objeto de estudo histórico, é a escola “Tia Dalva.” O interesse pelo estudo reside na origem e parte da trajetória dessa instituição que foi criada no ano de 1985 pela família Mendes, no municio de Palmas/Pr, no bairro do Rocio, com a finalidade beneficente de atender a um segmente social economicamente desfavorecido. Chama atenção nesse sentido, a finalidade educativa de benemerência advinda especialmente de uma família de certa tradição social e econômica no município de Palmas. Neste artigo temos dois objetivos quais sejam: primeiro, situar a instituição escolar desde sua criação por essa família até a transferência da mesma para o poder público municipal no ano de 1991. Segundo, analisar o discurso dessa família no que concerne à sua intencionalidade formadora e/ou educativa em relação à criação da escola. O discurso está sendo apreendido na acepção de Foucault (1995), como enigma que precisa ser decifrado para além do que está contido na escrita do mesmo. Os dados apresentados a seguir foram substancialmente obtidos de documentos garimpados nos arquivos da escola que ainda preserva parte de sua memória singelamente organizada. Neste sentido podemos reiterar o que nos dizem Moraes e Alves (2002) que, os documentos de arquivo são testemunhos inequívocos da vida de uma instituição. Informações sobre o estabelecimento, a competência, as atribuições, as funções, as operações, as atuações levadas a efeito por uma entidade pública ou privada, no decorrer de sua existência, são registradas nos arquivos. De outro lado, também demonstram como decorrem e decorrem – as relações administrativas, políticas e sociais por ela mantidas, tanto no âmbito interno, como no externo, sejam com outras entidades de seu mesmo nível, ou com as que lhe são, hierarquicamente superiores ou inferiores.(...). (MORAES E ALVES, 2002, p. 9). Esses documentos são: atas, projetos educativos da escola, ofícios, documento de registro de cerimonial de aniversário da escola, decretos e regimento escolar, entre outros. Assim, esta possibilidade de incursão metodológica é possível de ser feita ante as exigências de exercício interpretativo postas pelas fontes às quais vamos tendo acesso e, concomitantemente às interrogações que são feitas às mesmas. Principalmente quando se 3 trata, por exemplo, de exercício preliminar à questão discursiva, como veremos no item dois deste texto. A ESCOLA TIA DALVA Ao tentarmos caracterizar essa escola no bairro em que ela se insere no Município de Palmas/Pr é possível compreendê-la como parte da ação de agentes que se pretenderam transformadores da sociedade na qual ela foi erigida. Essa escola denominada nos idos anos de 1985 de Escola Agrícola Tia Dalva, teve sua criação assim resumida: A Escola Municipal Tia Dalva, criada em 1985 como Escola Agrícola Tia Dalva, foi fundada pelos descendentes do Sr. Pedro Mendes e sua esposa Sra. Maria da Conceição Ribas Mendes e tendo como principal idealizador Sr. Pedro Mendes Junior e como sua patronesse Dalva Ribas Mendes.[...]. O objetivo inicial era o ensino de 1º Grau aliado ao conhecimento de técnicas agrícolas que se baseava no adágio popular: ‘Não dê o peixe a Pedrinho, ensine-o a pescar’[...] sendo uma entidade particular com objetivos filantrópicos, a escola iniciou suas atividades em regime de semi-internato, oferecendo ás crianças cinco refeições diárias, além do vestuário, catequese, encaminhamento médico dentário e outros. (PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO, 2001, p.03 e 04) Assim, tendo como base o texto original do Projeto Político Pedagógico (PPP) e demais documentos que remontam à época em que ela foi fundada apresentamos acima de forma sucinta um trecho de um aspecto de sua criação. Mas, a ata nº 01/1985 de Aprovação da Fundação da Escola Agrícola Tia Dalva, contem dados sobre seus idealizadores, bem como a finalidade da instituição: Aos vinte e um dias do mês de setembro de mil novecentos e oitenta e cinco estiveram reunidos na sala de reuniões da Firma Indumel, Indústria de Madeira P. Mendes Ltda, sito a rua Dr. Bernardo RibeiroViana, 813 ef. 01, os sócios fundadores, a saber: Francisco Ribas Mendes, Maria Mendes Ribas, Aurora Mendes Santos, Jaci Mendes de Camargo, Pedro Mendes Junior e Nelson Mendes Ribas, que com a intenção de beneficiar as camadas mais carentes da comunidade de Palmas através de uma Escola aprovaram por unanimidade o Estatuto da Escola Agrícola Tia Dalva[...]. (ATA, n. 01, 1985, p. 5). Nota-se que os fundadores da escola eram pessoas pertencentes ao que podemos denominar de elite econômica local. O que pode dimensionar uma espécie de poder econômico local uma vez que se trata de uma família ligada à indústria madeireira. Além disso, em contexto mais amplo pode-se destacar o fato de que, o momento histórico no qual essa instituição foi criada é a década de 1980, período no qual, do ponto de vista econômico, o município de Palmas, no sudoeste do Paraná, ainda tem como principal 4 produto econômico o extrativismo e, ao mesmo tempo, tem um elevado número de analfabetos. Por outro lado, a oferta de trabalho é escassa e o pagamento por ele é barato. Destaque-se que, naquele momento a cidade de Palmas possuía 30.876 habitantes, segundo o senso de 1980 (IBGE, 2007). Além disso, era perceptível a existência de diferentes etnias convivendo com os mesmos problemas sociais, econômicos e culturais do restante do país. Consta também que esta região dos campos de Palmas contava com um movimento de escolarização em todos os níveis, visto que o Centro Pastoral e Assistencial Dom Carlos (CPEA), mantinha duas Faculdades, a Faculdade de Filosofia e Letras (FAFI) e a Faculdade de Ciências Contábeis (FACEPAL), que reuniam vários cursos em nível superior, os quais em muito ajudaram as escolas municipais e estaduais em parcerias, com seus docentes vindo às escolas para ministrar palestras sobre economia, saúde e relações sociais no município. A Escola Tia Dalva foi idealizada e construída, por um grupo de pessoas que tinha laços de família bem próximos, encabeçado pelo Sr. Pedro Mendes e seus irmãos, entre eles Dalva Ribas Mendes1, patronesse da mesma. De família tradicional do município de Palmas, desde muito tempo procurava meios de ajudar as pessoas da comunidade de São Sebastião do Rocio, bairro pobre do referido município. Dessa forma um grupo de pessoas, unidos por laços familiares vislumbram um futuro melhor para àqueles que seriam os menos favorecidos daquele bairro. Importa dizer que, naquela época, o bairro no qual foi erigido a Escola Tia Dalva, sequer dava sinais de mobilizar-se como comunidade que mais tarde viária ser pensada como remanescentes de quilombolas2. A referida escola nasceu do ideal de uma família que viu na educação a possibilidade um futuro melhor para a comunidade3 que, tudo indica queria bem. Tudo leva a crer, que a idéia da Educação por meio dessa escola formaria um dos principais e ativos mecanismos de promoção social na busca de transformação de uma sociedade e, particularmente da comunidade na qual a escola estava inserida. Certamente que a família Mendes como era de se esperar não fez tudo sozinha, apesar de fazer frente em muitas ações que culminaram com a efetivação desse sonho contou com a ajuda de outras entidades.4 A família Mendes manteve contato com entidades de modo informal e formal (ofícios), cartas, criando laços de solidariedade que movimentaram grande parte da sociedade local. Isso é possível constatar 1 Pretendemos averiguar as origens dessa família e as possibilidades de poder histórico e econômico exercido no período no município. 2 Comunidades em processo de reconhecimento como Comunidades Remanescentes de Quilombolas. 3 O termo comunidade está sendo entendido aqui como os habitantes do bairro do Roccio onde a escola foi construída. 4 Lions Clube, com O LEO Clube, com a Câmara de Vereadores, com a Prefeitura, o CPEA (mantenedora das Faculdades de Palmas). 5 por meio de documentos arquivados na escola. A família sempre se fez representar pelo Sr. Pedro Mendes Junior. Para exemplificar referimos o trecho de um ofício elaborado por esse Sr. em outubro de 1985, tendo como destinatária a Srª. Gilda Polli, então Secretária de Educação do Estado do Paraná que apresentava o plano de Implantação da “Escola Agrícola Tia Dalva” e, atrelado a esse encaminhamento seguia: [...] Esclarecemos que a escola acima referida destina-se ao atendimento de uma clientela advinda das classes desfavorecidas economicamente, cuja organização prevê oito horas diárias de permanência, onde as crianças receberão alimentação básica: café, almoço e lanches, bem como uniformes e outros equipamentos. [...] Dada a relevância social do nosso projeto, confiamos nos esforços de Vossa Excelência para que já no próximo ano de 1986 possamos coloca-lo em funcionamento, uma vez que o prédio está concluído e os equipamentos em fase de aquisição. (Oficio Sem/Nº, de 28/10/1985, grifos nossos). Desse trecho é possível indicar que se tratava de uma escola onde os alunos deveriam permanecer o dia todo. Por outro lado trava-se de uma instituição de caráter particular e é assim que ela funcionará até ter seu prédio e mobiliários doados para a prefeitura de Palmas no ano de 1991, como veremos a seguir. Até lá atendeu ao seu propósito de criação, ofertando o ensino de 1º grau, como se pode observar mais adiante nas condições de doação, bem como o caráter de tempo integral, e sua proposta agrícola que é parte do ideal contido no discurso dos criadores da mesma. O trecho a seguir é elucidativo e, ao mesmo tempo curioso em vários aspectos, vejamos: Autoridades Civis, Eclesiásticas e Militares, Distintos convidados e visitante que nos honram com suas presenças, queridos membros efetivos do Corpo docente desta escola, quero agradecer a presença de todos que aqui vieram dar brilho às comemorações do 2º Aniversário da Escola Agrícola Tia Dalva, e vos apresentar a Escola Tia Dalva – Ensino de 1º Grau. Contamos com estas instalações e suas dependências 38.000m² de terreno para os trabalhos horti-granjeiros, atualmente para 46 crianças de 7 a 14 anos, pobres, carentes e a maioria evadidos de escolas. Temos a colaboração direta do casal Aquiles e Rosa – que para aqui vieram junto com os primeiros tijolos. Ele guardião, monitor do setor agrícola. Ela zeladora e encarregada da limpeza da escola; Tio Alcione – zelador e monitor das crianças no setor agrícola; Tia Carmen - chefe de cozinha; Tia Conceição – copeira e auxiliar da cozinha; Tia Clara – professora formada em Técnicas Agrícolas e se formando em Administração Rural, faz trabalhos a 20 dias de orientadora no setor agrícola e assistência social em nossa escola; Professoras: Cleoni, Cleides e Dulcema: todas com curso de magistério e cursando Pedagogia, cuidam da educação formal, ou seja, orientações pedagógicas; Tia Rosalba – professora formada em magistério, cursando Educação Física. Ela é secretária e responsável ela Área Meio, ou seja, supervisão, almoxarifado, horários e etc.; Tia Neuza – professora formada em magistério e Pedagogia. Ela é vice-diretora e acumula as funções de tesoureira e professora de Trabalhos Manuais; Tia Sandra – professora formada em magistério Pedagogia e Orientação Educacional. Ela é a atual diretora, administrando todos os setores, responsável pela Área Fim e assistência social e orientações pedagógicas. [...] Temos aqui a Diretoria da Entidade Mantenedora: tio Zico, tia Cota, Tia Áurea, Tia Jaci e tio Hercílio e tio Nelson. Contamos também com um Conselho Fiscal: Prefeito, Juiz da Comarca, Presidente da Câmara, do Lions, do Rotary. (Cerimonial do 2º Aniversário da escola 21/09/1988). 6 O trecho traz dados sobre o exercício de diferentes funções no interior da instituição, número de alunos matriculados dois anos depois da criação da mesma, mas também destacando a problemática da evasão. Há o exercício de funções compartilhadas, digamos assim. Por outro lado, é notória a presença de diversos elementos que elucidam a forma como se pensava a escola haja vista o modo de tratamento com a utilização sistemática de tia/tio, não apenas como forma de tratamento parental. Isso nos permite indagar se não haveria relação com o fato de a Diretoria executiva da mantenedora ser formada pelos irmãos de Dalva Ribas Mendes? Logo o tratamento informal peculiar de família no caso da família Mendes ser seguido até pelos que não eram parentes? Quem trabalhava na escola de certa forma passava a fazer parte da grande “família Tia Dalva”? O mesmo ocorre no caso da Diretora da época, professora Sandra Mendes Marin, Tia Sandra que era sobrinha da “tia Dalva”, filha de Pedro Mendes. Embora o Projeto Educativo benemerente da Família Mendes fosse grandioso no sentido humanitário, ele o era sem dúvida também no financeiro. Por isso, a crise econômica dos fins dos anos oitenta que desembocou no Plano Collor a afetou também. Esse Plano, no inicio dos anos de 1990, segundo Sallum “congelou preços, confiscou provisoriamente e reduziu parte da riqueza financeira das classes médias e empresariais.” (2003, p.42). Diante desse contexto econômico, sem recursos para manter uma instituição escolar, a mantenedora tomou a decisão de fazer um acordo com a Prefeitura Municipal de Palmas, conforme registrado no Projeto Político Pedagógico da escola: [...] em 1991, devido a difícil situação financeira vivida pela mantenedora da escola, a família Mendes tomou a decisão de entregar a manutenção da escola para a Prefeitura Municipal de Palmas, e nesse ato, firmou-se entre a mantenedora e Prefeitura Municipal um acordo que se baseava na imposição por parte da mantenedora, entre outros a continuidade de todos os programas que a escola desenvolvia até então, principalmente o tempo integral, bem como não fazer nenhuma modificação brusca na nomenclatura da escola, nem na sua filosofia e demais características que poderia supor alguma forma de perda de identidade. (2008, pág. 04) Este acordo foi registrado na ata nº 09/91 documento que marca a trajetória da escola em termos de direcionamento e de ação, reiterando alguns aspectos contemplados no documento anteriormente referido: [...] foi realizada uma importante reunião com os membros da diretoria Executiva da Escola Agrícola Tia Dalva e Prefeito Municipal, Senhor Dimorvan Carraro. Sob a direção da senhora Maria Mendes Ribas atual presidente da entidade, a referida reunião teve a finalidade de repasse da Escola Agrícola Tia Dalva à Prefeitura Municipal de Palmas. Sendo que a mesma impôs alguns itens, abaixo transcritos: a) A escola deverá perpetuar-se com atendimento à 7 clientela carente numa continuidade de todo o atendimento que é ofertado aos educandos sem exclusão de nenhum item, b) os objetivos e a filosofia atual da mesma deverão ser mantidos, c) o patrimônio deverá ser conservado e ampliado; d) o nome ESCOLA TIA DALVA, Ensino de 1º Grau não sofrerá alterações severas; e) que o patrimônio existente, móvel e imóvel deverá permanecer com uso exclusivo da escola; f) a doação por parte da mantenedora será em forma de comodato, em sistema permanente por tempo indeterminado a idéia sendo excluída e proposta a por doação; g) a Prefeitura de Palmas se compromete a dar continuidade aos trabalhos iniciados, bem como dando prosseguimento as normas anteriores[...](ATA nº 09/91, grifos nossos. ) Desse modo inicia-se uma nova etapa a partir de 1991 quando a escola passa a ser Escola Municipal Tia Dalva. Com o passar do tempo algumas mudanças foram ocorrendo em relação à demanda de alunos na tentativa de equiparar-se às demais escolas municipais. Aos poucos ela foi mudando suas características, porém, sua identidade se manteve. Esse procedimento também aconteceu de forma documental através de exposição no Diário Oficial na data de 04/07/1991, quando enfim oficializa-se a criação da Escola Municipal Tia Dalva: O prefeito municipal de Palmas, Estado do Paraná, no uso de suas atribuições legais, CONSIDERANDO que, o Município de Palmas, Estado do Paraná, recebeu em doação o patrimônio da Escola Agrícola Tia Dalva, conforme Escritura Pública lavrada em 08 de março de 1991 e matriculada sob os nº R-3-4640, R-4-3640 e R-4-4017, do Cartório de Registros de Imóveis dessa Comarca; CONSIDERANDO que, a Escola Agrícola Tia Dalva era mantenedora da Escola Tia Dalva – Ensino de 1º Grau e, ser a escola de caráter assistencial, DECRETA: Art. 1º - Fica criada a ESCOLA MUNICIPAL TIA DALVA – Ensino de 1º Grau [...]Art. 2º - Este decreto entra em vigor na data de 21 de março de 1991, revogando as disposições em contrário. (DECRETO Nº 1.333-Criação da Escola M. Tia Dalva, 20/06/1991, grifos nossos.). Os dois documentos anteriormente citados, a ata de 09/91 de doação e o registro em cartório permitem fazermos a seguinte leitura sobre a identidade dessa instituição. Ela é uma instituição de ensino de 1º grau, mas de caráter assistencial, conforme o decreto supracitado. Nesse sentido a educação ofertada deixa de ser um direito para ser assistência ferindo preceitos constitucionais, por exemplo, de direito e não de assistência. DISCURSO EDUCATIVO DA ESCOLA MUNICIPAL TIA DALVA Vimos que a escola passa por dois momentos distintos do ponto de vista de sua instituição legal. Primeiramente entre os anos de 1986 até 1990 uma proposta pedagógica assumidamente filantrópica pelos seus fundadores, a família Mendes, ainda que ela possuísse um diretor pedagógico. O caráter assistencialista atravessa toda a proposta de educação formal contida no ideário educativo, dessa escola indicado pela família Mendes e disseminado em documentos 8 aos quais tivemos acesso. Estamos compreendendo esse ideário como discurso no entendimento de Foucault (1995), manifestado, por meio de linguagem, que não está posto em certos lugares de maneira arbitrária, porém com uma finalidade e um sentido. E que, por essa razão, deve ser decifrado. Às vezes as palavras (contidas nos discursos) revelam e escondem simultaneamente intenções que se revelam, mas também se escondem. Por isso, em se tratando de intencionalidades formadoras, de especificidades como que as estamos analisando, é preciso atentar para aspectos peculiares ao objeto de estudo. Mas, voltemos à apreciação de alguns dados que nos permitem avançar na apreciação do discurso assistencial que curiosamente se assenta, de um lado na proposta educativa de educação em tempo integral (oito horas diárias na escola), como indicado anteriormente e, de outro, no ensino agrícola e, concomitantemente na concorrência deste para a formação integral do alunado. Em relação a escola em tempo integral tratava-se da permanência de oito horas diárias, como destacamos anteriormente.5 Uma escola de tempo integral pode ser idealizada e funcionar com o mínimo oito horas diárias de atividades que iriam além do ensino e da aprendizagem em sala de aula. Nela o tempo também pode ser dedicado a alimentação, ao exercício físico e as atividades de caráter prático vinculadas à preparação para o trabalho, por exemplo. Além disso, os alunos teriam orientação artística, assistência médica, ou seja, uma escola que seria quase um lar, voltada para as crianças com dificuldades principalmente financeiras. De certo modo, o Documento do Cerimonial indica alguns aspectos nesse sentido. A propósito da escola de tempo integral, não seria demais recorremos ao trecho a seguir de Araujo & Wurzleyr: Em meados dos anos 20, Anísio Teixeira idealizou mudanças que marcaram a educação brasileira, foi pioneiro na implantação das escolas públicas, com o objetivo de oferecer educação gratuita para todos. Como teórico da educação, Anísio inspirava-se na filosofia de seu professor John Dewey (1852 – 1952) que considerava a educação uma reconstrução a partir da experiência. Neste âmbito, a proposta educacional de Anísio Teixeira teve um papel marcante para a escola pública, destacando o social e o cultural como um fator primordial para a educação de tempo integral nos dias de hoje. (ARAUJO & WURZLEYR, 2008, p. 2) Esse ideário se articula com de educação integral. Para a Família Mendes, não bastaria a criança ficar o dia todo na escola e ter formação agrícola, ela teria que ter uma formação integral. Nestes termos recorremos a uma passagem da apresentação do Plano Anual da escola Tia Dalva do ano de 1986, que contem a seguinte proposta: 5 Não se trata de um regime de internato, mas de um atendimento diferenciado no qual aos alunos são planejadas diferentes atividades em dois turnos consecutivos. 9 Diante do mundo atual, onde vemos em ruas da cidade, crianças em situações precárias de vida, pedindo esmolas, roubando, remexendo lixeiros..., sentimos a enorme necessidade de termos um lugar, uma escola que atenda senão todas, mas uma parte das necessidades para um bom desenvolvimento dessas crianças. O seguinte Plano Anual vem dar a visão geral do trabalho conjunto direcionado a essas crianças carentes em idade escolar de 1ª e 2ª Séries do 1º Grau. Sendo que a escola visa dar atendimento integral do educando que vai desde a alimentação, área ou instrução educacional e trabalho, procurando propiciar assim o bem-estar com atendimentos higiênicos, médico e dentário. Temos ainda a continuidade de um trabalho agrícola e serviços manuais que procurará integrar o educando a sociedade tendo em mente adapta-lo a realidade local. Visando ainda que a criança que deu evasão de outras escolas, venham ter aqui ambiente propício de desenvolvimento integral diante de uma continuidade. Com isso procurar envolver à família neste processo educativo. Portanto, procuraremos estruturar um ‘trabalho harmônico de desenvolvimento bio-psico-social’, para conseqüentemente integrá-los na sociedade. (PLANO ANUAL DA ESCOLA TIA DALVA, 1986, grifos nossos.). A educação em tempo integral, do ponto de vista desse discurso permitiria salvaguardar as crianças das condições de miséria e abandono nas quais se encontravam. Por outro lado, é importante levantar algumas breves questões acerca da utilização desses termos em relação à Educação, a idéia de escola de tempo integral e educação integral: Entre os diversos temas que a discussão da educação pública nos evoca, a formulação de concepções de uma educação integral, herdeira da corrente pedagógica escolanovista, conforme assinala Ana Maria Cavaliere (2002), tem ocupado importante espaço, nos últimos anos, na agenda dos debates sobre educação e está associada à formulação de uma escola de tempo integral, especificamente a partir dos anos 1980, nas discussões sobre a experiência de implantação dos CIEPs no Rio de Janeiro. (GONÇALVES, 2006,p. 1) Desse modo, a proposta educativa contida no discurso dos Mendes parece corroborar tanto com a idéia de educação assistencial integral como em tempo integral. A propósito do ensino agrícola trazemos um trecho do Cerimonial citado anteriormente que convém referir novamente um trecho: (....). Ele guardião, monitor do setor agrícola. Ela zeladora e encarregada da limpeza da escola; Tio Alcione – zelador e monitor das crianças no setor agrícola; Tia Carmen - chefe de cozinha; Tia Conceição – copeira e auxiliar da cozinha; Tia Clara – professora formada em Técnicas Agrícolas e se formando em Administração Rural, faz trabalhos a 20 dias de orientadora no setor agrícola e assistência social em nossa escola; Professoras: Cleoni, Cleides e Dulcema: todas com curso de magistério e cursando Pedagogia, cuidam da educação formal, ou seja, orientações pedagógicas; Tia Rosalba – professora formada em magistério, cursando Educação Física. . (Cerimonial do 2º Aniversário da escola 21/09/1988. Grifos nossos.). Esse trecho nos permite dizer que o idealizado pela família Mendes deixava de ser discurso, ou seja, apenas ideal, para tornar-se realidade, na medida em que tratou de levar às crianças em idade escolar de 7 a 14 anos, formação elementar agrícola, ainda que careçamos de dados que nos permitam detalhar sobre o que lhes era ensinado. Ao mesmo tempo, a 10 apresentação dos espaços contidos também no documento do Cerimonial e seus respectivos responsáveis sugere uma compreensão da importância que o setor agrícola impunha sobre os demais setores, inclusive o pedagógico, que aparece de forma discreta entre a área agrícola. Nesse sentido, os idealizadores dessa escola procuraram cumprir seu intento, uma vez que acreditavam ser importante que o alunado conhecesse técnicas agrícolas para que, com isso tivessem uma formação profissional. Assim, eles não estariam dando o peixe às crianças ou aos jovens, mas ensinando-os a pescar, correspondentemente a um adágio popular, como escrito no documento de justificativa de criação da escola pela família Mendes. Interessante observar ainda tomando aquele documento do cerimonial como referencial de apreciação e, concomitantemente ao ideal de filantropia, que essa escola não surge sob o ideal de ensinar a ler, escrever e contar, segundo a tradição da escola elementar moderna. O ensino aparece como uma categoria sublinhar ao aprendizado de um oficio agrícola e a oferta de comida. Naquele trecho do cerimonial, a preocupação com espaços tais como a cozinha, onde há um chefe de cozinha e não uma cozinheira e sua auxiliar, a copeira demonstram o quanto a alimentação era levada a sério. Do ponto de vista do discurso e da linguagem por ele ensejada, bem como da sua constituição, trata-se de pensarmos sobre todos esses componentes que constituem signos constitutivos de uma linguagem específica que aqui procuramos decifrar (FOUCAULT, 1995). Pensando no segmento social do qual provém essa proposta educativa minimamente aqui alinhavada podemos também ainda dizer com base nesse autor que aquela família por meio de sua intencionalidade formadora, ao manter essa proposta de formação por seis anos manteve o discurso e manteve a palavra (idem, p. 321). Com a municipalização da escola, evidentemente o ideário educativo e, por assim dizer, o discurso muda. Observa-se uma mudança que não chega a ser radical, muda em princípios de ordem pedagógica, mas não de direitos. A mudança é explicada a princípio pela necessidade de incorporar o pensamento do município na pessoa da representante do Departamento de Educação indicada para ser a diretora da escola a partir de 1992. Assim, seria preciso trazer as “novidades” do ciclo básico, do construtivismo, do pensamento de Jean Piaget, de Emília Ferreiro e a necessidade de trabalhar em rede. Desse modo, o ideário educativo muda, por isso, o discurso em alguns aspectos, muda também. Entram em cena outros signos como diria Foucault (1995). Também foi possível observar que o Estatuto da Criança e do Adolescente a Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990, influenciou muito na construção do Regimento Escolar e, consequentemente, no Projeto Político Pedagógico da Escola. 11 De forma bastante contundente os documentos elaborados a partir de 1992 que dizem respeito à Escola Municipal Tia Dalva refletem uma preocupação com a transparência de suas ações amparadas por legislações vigentes, tais como a Constituição Federal de 1988 que traz em seu Artigo 227, o dever da família, da sociedade e do Estado, em assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito a vida, a alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, a cultura, a dignidade familiar e comunitária, alem de colocá-la a salvo de toda forma de negligência, exploração, discriminação, violência, crueldade e opressão. Neste sentido o Regimento Escolar da Escola Municipal Tia Dalva aprovado pelo Parecer 1.040/93 salienta em meio a um amplo discurso de direito ambivalentemente que: [...] Entre os direitos fundamentais mencionados naquele instrumento merecem destaque: - o direito a vida e a saúde; direito a liberdade, ao respeito e a dignidade; direito á convivência familiar e comunitária; direito a Educação, à Cultura, aos Desportos e a Recreação; Direito a profissionalização e a proteção ao trabalho. [...]. É pois na solução de carências por que passam as crianças e adolescentes de nossa cidade que a escola Municipal “Tia Dalva” – Ensino de 1º Grau, oferece uma escola de (sic) período integral. Para que a escola possa atingir seus objetivos e compromissos básicos o Regulamento Interno deverá caracterizar-se por uma série de atributos que a distingue das outras escolas de ações normalmente desenvolvidas. Assume relevo nesse sentido a flexibilização, a modernização, a integração, a adequação a realidade e a continuidade a permanência dos trabalhos desenvolvidos pelo corpo docente, pessoal de apoio, Prefeitura Municipal e comunidade. (REGIMENTO INTERNO, 1993, grifos nossos). Assim mesmo no âmbito do Estado de Direito de conquistas democráticas e, nesse universo de educação como um direito de todos indistintamente, aqui ela parece, a educação escolar elementar como solução de carência. CONSIDERAÇÕES FINAIS Isso posto, vale lembrar que estando o presente trabalho em fase de desenvolvimento muito do que se pode esperar em termos de respostas ainda não é possível apontar, no entanto há possibilidade de expor são alguns aspectos bem preliminares, quais sejam: a peculiaridade na qual a trajetória histórica dessa escola se apresenta permeada pela característica do discurso educativo apontado através da análise documental que pressupõe sua dimensão educacional assistencialista e filantrópica e que poderia redimir uma parcela social da condição de pobreza ou melhoria de vida por meio do aprendizado de uma presumível profissão, a agrícola. Isso seria possível por existir um projeto de um grupo para uma comunidade presumivelmente carente. 12 Destaque deve ser dado para alguns componentes de formação escolar nas séries iniciais tais com: escola em tempo integral com perspectiva de formação integral e a permanente correlação de indicações de caráter agrícola e permanência de caráter assistencial mesmo depois de tornada pública. REFERÊNCIAS: ARAUJO, Maria Aparecida Silva Araújo & WURZLER, Maria de Fátima Silva Sutherland. A Implantação da Escola de Tempo Integral: Problema ou Solução? In: XII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica e VIII Encontro Latino Americano de Pós-Graduação – Universidade do Vale do Paraíba 2008 Disponível em: [email protected];[email protected] Acesso em jan./2009. ALVES, Alda Judith. O planejamento de pesquisas qualitativas em educação. In: Caderno de Pesquisa, São Paulo (77): 53-61, maio 1991. BRASIL, Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB. Brasília – DF. 1996 CALDART, Roseli S. 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