1 Estudo de caso Janisson: Narrativas de uma trajetória. Néclea Dantas de Carvalho* Cássia de Fátima da Silva Souza** 1 GT2: Políticas Públicas RESUMO O presente artigo tem como objetivo levantar questões acerca da baixa visão a partir do caso Janissoni, discutindo a deficiência visual numa perspectiva inclusiva, a partir das Diretrizes da Política Nacional da Educação Especial numa Perspectiva Inclusiva (2008). Trataremos do conceito de baixa visão e da retinose pigmentar, a seguir abordaremos alguns mitos e crenças que contextualizam o entendimento do senso comum, no que se refere ao deficiente visual, além de abordar questões específicas da baixa visão a partir do “caso Janisson”, um jovem que aos cinco anos inicia a trajetória em busco do diagnóstico, onde alguns anos depois se concretiza como RETINOSE PIGMENTAR. Palavras – chave: Baixa Visão, Política Nacional da Educação Especial, Retinose Pigmentar. ABSTRACT This article aims to raise questions about low vision Janisson from the case, discussing the visually impaired in an inclusive perspective, from the National Policy Guidelines on Inclusive Special Education (2008). We will address the concept of low vision and retinitis pigmentosa, then discuss some myths and beliefs which contextualize the understanding of common sense with regard to the visually impaired, in addition to addressing specific issues of low vision from the "case Janisson" a young man who five years to start the journey in search of diagnosis, where a few years later materializes as retinitis pigmentosa Key - words: Low Vision, National Policy on Special Education, Retinitis Pigmentosa. *Pedagoga, Psicopedagoga, arteterapêuta, coordenadora da equipe de Educação Inclusiva do município de Nossa Senhora do Socorro-SE, cursando especialização em Atendimento Educacional especializado pelo Universidade Federal do Ceará- UFC - [email protected] **Pedagoga, Psicopedagoga, arteterapeuta - Professora da rede municipal de Aracaju, da FJAVMembro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação e Contemporaneidade (EDUCON/UFS) e do Grupo de Pesquisa Formação de Professor (GPGFOP/UNIT/CNPq) - cursando especialização em Atendimento Educacional especializado pelo Universidade Federal do Ceará- UFC [email protected] 2 1. Baixa visão e Retinose Pigmentar A Política Nacional da Educação Especial numa Perspectiva Inclusiva (2008) é um documento diretriz que norteia a prática inclusiva na educação e prevê ações que promovam o acesso, permanência e aprendizagem dos alunos no ensino regular e especializado. Percebe-se que tal documento tem causado impacto no meio educacional por se tratar de orientações que chamam os profissionais de educação a refletirem sobre a prática educacional e a permanência efetiva de toda sua clientela, sem distinção e reservas. O documento tem gerado conflito no meio educacional e promovido discussões entre setores da educação direcionando a problemática para a questão de infraestrutura e formação de professores. Diante deste cenário, alunos matriculados na rede regular têm o seu direito tolhido, configurando assim a garantia apenas do acesso a escola, deixando-se de lado a permanência e aprendizagem desse aluno. A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva tem como objetivo o acesso, a participação e a aprendizagem dos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas escolas regulares, orientando os sistemas de ensino para promover respostas às necessidades educacionais especiais, garantindo: Transversalidade da educação especial desde a educação infantil até a educação superior; Atendimento educacional especializado; Continuidade da escolarização nos níveis mais elevados do ensino; Formação de professores para o atendimento educacional especializado e demais profissionais da educação para a inclusão escolar; Participação da família e da comunidade; Acessibilidade urbanística, arquitetônica, nos mobiliários e equipamentos, nos transportes, na comunicação e informação; e Articulação intersetorial na implementação das políticas públicas. A cada ano tem aumentado o número de alunos com algum tipo de deficiência, fato que exige uma organização pedagógica, orientação aos profissionais, formação continuada, mudança no regimento e no PPP - Projeto Político Pedagógico, pois é fato que tais documentos não previam a chegada desse público. Havia nas escolas casos isolados, e muitos eram vistos como pessoas que estavam ali para se 3 socializar, pois apenas isso bastava. O cenário escolar mudou e com isso o funcionamento da instituição deve acompanhar tais mudanças. Dentre o público do ensino regular, o aluno com baixa visão compõe esse contexto e exige, assim como os demais alunos, acompanhamento constante e um atendimento especializado. A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera deficiente visual a pessoa que é privada, em parte (segundo critérios pré-estabelecidos) ou totalmente da capacidade de ver. Baixa visão (ou visão subnormal) é o comprometimento do funcionamento visual em ambos os olhos, mesmo após correção de erros de refração comuns com uso de óculos ou lentes de contato, mas que utiliza ou é potencialmente capaz de utilizar a visão para planejamento e execução de uma tarefa. Trata-se de uma definição técnica e quantitativa. Baixa visão é para quem tem uma acuidade visual menor que 20/60 (0,3), até a percepção de luz ou, um campo visual menor que 10 graus do ponto de fixação. Janisson, um jovem de 23 anos com baixa visão, é um estudante do supletivo vespertino de uma escola estadual. Terceiro filho de uma família de quatro irmãos, aos nove meses foi morar com a irmã de sua avó. Aos cinco anos inicia a trajetória em busca do diagnóstico, que alguns anos depois se concretizou como RETINOSE PIGMENTAR. Relata durante entrevista a estudantes do curso de especialização em Atendimento Educacional Especializado que antes da sua entrada no ambiente escolar, os adultos que com ele conviviam não percebiam seus eminentes problemas, e não se lembra de fatos que possam atestar tal dificuldade. Ao ingressar os estudos numa escola particular, com cinco anos a professora percebeu que Janisson tinha dificuldade de realizar as atividades de prontidão da alfabetização, como cobrir letras, escrever no espaço da linha do caderno e realizar leitura. Após orientação da professora, que solicitou à sua tia que o levasse ao oftalmologista, Janisson começou a usar óculos e a família, a partir de então enfrentou muita dificuldade em encontrar o diagnóstico correto: foi sugerido cirurgia, porém a tia não aceitou, por acreditar que haveria riscos; passou pela alegação de que os óculos não dava certo pelo fato dele não usá-lo com freqüência. Somente 4 aos sete anos, obteve o diagnóstico de RETINOSE PIGMENTAR. Atualmente a doença se encontra estabilizada, embora Janisson afirme que não é o mesmo de 10 anos atrás. Segundo o Dr. Elisabeto Ribeiro Gonçalvesii, Chefe dos Serviços de Retina e Vítreo e de Eletrofisiologia Ocular do Instituo de Olhos de Belo Horizonte, a retinose pigmentar é uma degeneração progressiva dos fotorreceptores retinianos, que são as células sensíveis à luz. O paciente irá perceber alterações do seu campo visual, dificuldade de adaptação ao escuro (cegueiranoturna) e diminuição da visão. Afirma ainda que as pessoas se preocupam muito com o tipo de atividade que exercem, com medo de que o esforço ocular possa agravar a doença, porém isso não ocorre, pois nenhuma atividade, seja física ou intelectual, vai fazer sua visão piorar e relata que a doença progride lentamente, entre 30 e 50 anos, sem nenhuma perda súbita de visão ou ataque repentino de cegueira. Assim, como é costume a retinose aparece entre os 10 e 20 anos, a maioria dos pacientes jamais ficará totalmente cego. Às vezes, a visão piora pela catarata, que ocorre em 50% dos pacientes, situação a qual é indicada a extração cirúrgica da catarata com implante de lente intraocular. 2. Entre relatos e confissões do caso Janisson Na narração fui percebendo o processo de formação que me levou a me sentir valorizada quando conseguisse provar para os outros que sou capaz de fazer algo. Vencer as barreiras que a própria sociedade colocava. Na verdade, minha vida de formação e experiência foi uma verdadeira corrida de obstáculos onde eu me sentia vitoriosa em vencê-los. ( SANTANA, Josivilma Souza iii) 5 Alguns mitos e crenças povoam o imaginário do ser no que se refere ao universo dos cegos. Muitos pensam que a escuridão toma conta do seu cotidiano e as trevas são uma realidade constante aos que possuem essa deficiência. Outros acreditam, ser o cego, um adivinhador nato, com poderes fora do normal, assim como reconhecer dinheiro apenas por um toque. Esses são alguns de muitos mitos que constitui o entendimento do senso comum acerca do que seja deficiência visual, fazendo com que o preconceito em relação a essa clientela aumente e se propague cada vez mais. As crenças e os mitos que povoam o imaginário social sobre a falta da visão transparecem em falas, gestos e posturas das pessoas, o que reflete o desconhecimento das peculiaridades da cegueira e de suas reais consequências. Além disso, estas ideias errôneas e concepções fictícias tornam-se barreiras que dificultam ou impedem a aproximação e o relacionamento. ( SÁ, SIMÃO, 2010, p.28 ) Atualmente, Janisson mora com a sua irmã mais velha e relata alguns episódios que o faz vítima de crenças existentes no dia-a-dia do deficiente visual. Dentre alguns fatos, relata com tristeza a postura equivocada de alguns professores que pesam que por se tratar de um deficiente visual, os assuntos podem ser abreviados e deixados de serem dados, em decorrência da grande limitação visual. Seu cognitivo também se limita a entender o básico, negando-o o direito a aprendizagem. Segundo Domingues,[et. al.] “ a baixa visão é uma deficiência que requer a utilização de estratégias e de recursos específicos, sendo muito importante compreender as implicações pedagógicas dessa condição visual e usar os recursos de acessibilidade adequados no sentido de oferecer uma melhor qualidade de ensino na escola. ( 2010, p. 8). O que acontece no cotidiano de Janisson é a busca incessante por essa acessibilidade, seja na escola, seja na comunidade ou na sociedade como um todo, mostrando muito conhecimento e propriedade acerca da problemática, reivindicando um laptop exclusivo para que possa desempenhar melhor suas atividades e sua autonomia, sem precisar depender do outro para tal, um direito de fato, que através do programa do governo federal que disponibiliza o aparelho para jovens que estão 6 na escola, poderia ser realizado. Janisson reconhece a importância da professora da Sala de Recurso Multifuncionaliv que elabora a ampliação do material didático e dos assuntos dados em sala de aula para que ele possa compreender melhor o que foi exposto visualmente no quadro como complemento da exposição do assunto. Figura 1: Acervo Pessoal da autora. Foto ampliada pela professora do Atendimento Educacional Especializado na Sala de Recurso Multi - funcional como material acessível para o entendimento de Janisson do que seja um átomo Figura 2: Acervo Pessoal da autora. Foto ampliada pela professora do Atendimento Educacional Especializado na SRM como material acessível para o entendimento de Janisson do Modelo Thomson. 7 Admite que essa ampliação poderia ser intensificada, mas entende que o processo requer consciência dos docentes e não apenas o trabalho da professora de AEEv. Janisson, ao lembrar a época em que recebeu o diagnóstico, relata que ficou muito angustiado e decepcionado. Foi alvo de preconceitos e, na época, passou por conflitos com os professores que insistiam que bastava o uso de óculos para resolver o problema. Parou os estudos na 5ª série, aos 13 anos, em virtude de um processo de se sentir rejeitado e incompreendido pela comunidade escolar. Embora estivesse fora da escola, foi buscar entender o que se passava com sua vida, se firmar como cidadão e provar aos outros sua capacidade. Através de amigos, chegou até uma associação que o orientou a tirar a carteirinha de passe livre e o encaminhou para o CAPvi. A partir das reflexões de Santana (2009) o movimento de provar para os outros a capacidade de realização do deficiente visual e algo que permeia o processo de desenvolvimento e conquistas do cotidiano. “(...) na realidade, eu queria afirmar que as pessoas com deficiência têm potencialidades, que elas teriam que serem vistas não só pela sua deficiência, mas também, pelas suas potencialidades. Que nós somos capazes de realizar qualquer atividade.” (p.01). Janisson passou por esse conflito e diz ter, exatamente nesse momento que se encontra enquanto cidadão, iniciado uma nova fase em sua vida. Durante o processo inicial no CAP começou a entender o universo dos cegos e viveu a dúvida, de prosseguir ou não os estudos de Braile. Decidiu então voltar à escola regular e dá seguimento aos estudos para ir à busca dos seus sonhos que é ingressar no universo do rádio. No CAP, iniciou um novo processo em sua vida: conheceu um amigo DV, e se refere a ele como peça fundamental para uma melhora significativa no seu desenvolvimento emocional, melhorando sua timidez, elevando sua autoestima. Foi nesse ambiente que conheceu uma professora, que segundo ele, representa confiança, apoio e novos horizontes. Aos 17 anos, foi estudar em uma escola estadual de 5º a 9º ano, onde concluiu a segunda etapa do Ensino Fundamental. Essa escola, segundo Janisson, foi o diferencial, “uma escola preparada, onde os professores entendiam o universo dos DV, facilitando nossa trajetória”. Iniciou o Ensino Médio na escola normal, 8 abandonando após um ano, sobre a alegação de atingir seu objetivo que é ser locutor de rádio. Janisson diz que em setembro irá iniciar um curso técnico de radialista. Pensa em ser porta voz dos deficientes no interior de Tobias Barreto. Apresenta pensamento crítico e mostra-se bem informado quanto aos direitos do deficiente. Faz críticas pertinentes ao sistema e à morosidade quanto à assistência prestada aos deficientes. Afirma que na atual escola foi acolhido e se relaciona bem com todos; conta com a ajuda direta de duas amigas. Apresenta reserva quanto à participação de festas e apresentação em público, embora a professora da SRM confirme que ele fez recentemente uma excelente apresentação sobre o tema da Depressão. Em sua palavras, venceu um grande desafio e com sucesso. Janisson mostra-se muito grato às pessoas que o acompanham, demonstra carinho e reconhecimento desde aqueles que participaram inicialmente de sua trajetória até a atualidade e enfatiza a importância da chegada da professora do AEE para a evolução dos seus estudos, onde elevou o nível de aprendizagem. Compreende melhor os assuntos e obtém ampliação do material que é ministrado nas aulas. A freqüência a SRM ocorre durante os horários vagos do turno regular, pois no contra-turno trabalha como estagiário no Ministério da Agricultura - sustento e manutenção diária de suas necessidades básicas. A professora do AEE o auxilia nas pesquisas escolares, aplicação de provas e na orientação das atividades do cotidiano da sala. 3. Considerações acerca do caso Janisson Janisson mostra entendimento dos seus direitos na sociedade, com responsabilidade e compromisso, posicionando-se e ocupando um lugar ativo onde atua, sem omissão, nem silêncio, diante do seu papel de cidadão. Questiona de forma consciente e madura a Política vigente e reconhece os desafios que enfrentou e traz a consciência de que as dificuldades continuarão fazendo parte da sua 9 caminhada pela vida. Diante do caso, fica evidente a importância da autonomia do sujeito na evolução de uma história permeada por possibilidades de realização e (re)significação de limitações, que para alguns são visto como fator determinante para o crescimento. Janisson é um cidadão que busca seu lugar na sociedade e serve de espelho para pessoas, seja com deficiência ou não, é um exemplo de determinação e vida para todos. Cabem aqui, algumas questões no que concerne a inclusão. Seria ela uma realidade? Uma possibilidade? O que fazer? Como agir? Como caminhar? Perguntas são muitas, povoando o imaginário de cada um, mas respostas julgamos ter poucas. Pensamos ser limitados, deficientes para entender e agir nessa causa. Será? Será que não sabemos a resposta? Será que o caminhar é impossível? Ou será que o caminhar é apenas compartilhado? Difícil ou não, essa é causa de todos, é uma causa de muitos. Não conseguiremos se pensarmos que isso não é comigo. Isso dever ser para mim, para você e para todos. i Caso elaborado para a disciplina Deficiência Visual do curso de especialização em Atendimento Educacional Especializado pela UFC. O referido curso é parte da proposta do MEC na formação de professores, prevista na Política Nacional da Educação Especial numa Perspectiva Inclusiva (2008). ii Retinose pigmentar: fantasia e realidade, http://www.fraterbrasil.org.br/retinose_pigmentar.htm considerações apresentadas no site iii Josivilma Souza Santana autora do artigo intitulado: A Afirmação das Potencialidades na Pessoa com Deficiência, publicado no anexo da tese de Iara Campelos ( a bibliografia consta nas referências) iv Sala de Recurso Multifuncional - SRM. Funciona dentro do espaço escolar como local exclusivo para o Atendimento Educacional Especializado. Pode ser de dois tipos SRM1 e SRM2. No caso de Janisson a escola em que ele estuda, possui a SRM2, pois a mesma é equipada com recursos de alta tecnologia, como impressora em Braile e lupa eletrônica. v Atendimento Educacional Especializado previsto nas diretrizes da Política Nacional da Educação Especial numa Perspectiva inclusiva, realizado em contra-turno, de caráter não obrigatório aos alunos com deficiência visual, auditiva, física, transtorno global do desenvolvimento, déficit Intelectual e altas habilidades. vi Centro de Apoio Pedagógico para Atendimento as Pessoas com Deficiência Visual. 10 Referências BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de Educação Especial numa Perspectiva Inclusiva . Brasília: MEC/SEESP, 2008. Domingues, Celma dos Anjos (ET.al.) A Educação Especial na Perspectiva da Inclusão Escolar : os alunos com deficiência visual :baixa visão e cegueira. Brasília : Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial ;[Fortaleza] : Universidade Federal do Ceará, 2010.v. 3. (Coleção A Educação Especial na Perspectiva da Inclusão Escolar) GONÇALVES, Elisabeto Ribeiro. Retinose Pigmentar. Disponível em: <http://www.fraterbrasil.org.br/retinose_pigmentar.htm> Acesso em : 22 ago. 2010. LIMA, Iara Maria Campelo.Tecendo saberes,dizeres, fazeres em formação continua de professores; uma pespectiva de educação inclusiva\ Iara Maria Campelo Lima2009. 277. Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de doutora em educação. Universidade Federal da Bahia.Salvador ( BA) 13 de abril de 2009. VIRTUAL E DIGITAL. Disponível em: <http://www.vejam.com.br/baixavisao/> Acesso em 22 ago. 2010. Wikipédia, a enciclopédia livre. Disponível <http://pt.wikipedia.org/wiki/Baixa_vis%C3%A3o> Acesso em 22 de ago. 2010. em: