“FEMINIZAÇÃO DA POBREZA”: ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE O
EMPOBRECIMENTO DAS MULHERES
Suamy Rafaely Soares1
RESUMO:
A presente reflexão objetiva compreender a relação dialética entre a acumulação capitalista e a
desigualdade de gênero. Neste sentido, se propõe a analisar o processo de pauperização das mulheres,
a historicidade do conceito de ―feminização da pobreza‖, bem como, a sua funcionalidade para as
novas formas de intervenção na ―questão social‖, surgidas como resposta a crise do capital pós-1970.
Ainda, situa as contradições dos programas de transferência de renda e a relação do Programa Bolsa
família com a reprodução da desigualdade de gênero.
Palavras-Chave: Patriarcado, acumulação capitalista, pauperização
ABSTRACT
This reflection aims to understand the dialectical relationship between capitalist accumulation and
gender inequality. In this sense, we intend to analyze the process of impoverishment of women, the
historicity about the concept of "feminization of poverty", as well as its functionality to the new forms
of intervention in the "social issues" that arose in response to the crisis of capital post-1970. Also lies
the contradiction of income transfer programs and the relationship of the Bolsa Familia with
reproduction of gender inequality.
Keywords: Patriarchate, capitalist accumulation, impoverishment.
1 NOTAS INTRODUTÓRIAS
O aprofundamento da desigualdade social vem se apresentando como um dos
principais debates político e teórico da contemporaneidade e a sua redução foco dos governos
liberais, conservadores e socialdemocratas. No âmbito da construção do conhecimento tem-se
constituído diferentes abordagens para compreender e intervir no cenário atual. Desde a
construção de pseudocategorias analíticas articuladas à perspectivas teóricas funcionalistas,
estruturalistas e pós – modernas, à reafirmação das categorias da crítica da economia política
marxista.
1
Assistente social, mestrado em Serviço Social pela UFPE, docente da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras
de Cajazeiras – FAFIC. Email: [email protected].
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Vale ressaltar, que o feminismo tem, permanentemente, debatido acerca da
particularidade da chamada ―questão social‖2 na vida das mulheres, devido a histórica
situação de dominação/exploração a que são submetidas. Isso pode ser visibilizado nas esferas
pública e privada, por meio de inúmeras expressões, entre elas, a pauperização, a pouca
participação na política, na economia e na ciência, a divisão sexual do trabalho, o controle da
sexualidade e o uso da violência.
Especialmente nas últimas três décadas vê-se a emergência do conceito de
―feminização da pobreza‖, utilizado indiscriminadamente pelos sujeitos coletivos mais
diversos e até contraditórios – órgãos governamentais, Banco Mundial, Fundo Monétário
Internacional, ONG‘s, fundações, filantrópicas e empresas, agências de cooperação
internacional, lutas sociais e universidades – transformando-se numa linha de acesso a
recursos e no foco das políticas de combate à pobreza.
Em resumidas contas, o presente trabalho se propõe, em primeiro lugar, a compreender
a relação dialética entre a acumulação capitalista e a desigualdade de gênero. Em outra parte,
analisar a historicidade do conceito de ―feminização da pobreza‖, bem como, a sua
funcionalidade para as novas formas de intervenção na ―questão social‖, surgidas como
resposta a crise do sistema do capital pós -1970.
2
PATRIARCADO
E
SISTEMA
CAPITALISTA:
A
IMPORTÂNCIA
DA
SUBORDINAÇÃO DAS MULHERES PARA A ACUMULAÇÃO DO CAPITAL
A desigualdade entre mulheres e homens constitui-se como um fenômeno histórico,
social, cultural e econômico materializado pelo patriarcado3. De acordo com Saffioti (1999) o
2
A questão social é aqui entendida como o conjunto das expressões das desigualdades econômicas, sociais,
políticas e culturais que são produzidas e/ou reproduzidas na sociedade capitalista desenvolvida. As bases
explicativas para a emergência e reprodução destas desigualdades se assentam, em caráter último, porém não
único, (as desigualdades de gênero, raça, etnia e geração se entrecruzam com a classe, mas não podem ser
explicadas exclusivamente pelo viés da exploração/dominação de classe), na lógica que embasa esta forma de
sociedade: a lógica da mercadoria e o processo de exploração e dominação que a sustenta. Sobre a questão social
como objeto e fundamento sócio-histórico de legitimação do serviço social como profissão, cf. IAMAMOTO,
Marilda V. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação profissional. São Paulo: Cortez, 2003.
3
Segundo Saffioti (2004) a palavra patriarcado é de origem grega em que pater quer dizer pai e archie significa
comando. A autora (2004, p.101) ainda aponta uma importante reflexão: ―Tão-somente recorrendo ao bom
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patriarcado é um sistema de relações sociais que garante a subordinação da mulher ao homem
e, pode ser pensado ―[...] como um dos esquemas de dominação/exploração componentes de
uma simbiose da qual participam também o modo de produção e o racismo‖ (SAFFIOTI,
1999, p.193). Trata-se, pois, de relações de dominação que foram apropriadas, reconfiguradas
e ampliadas pelo modo de produção capitalista.
O surgimento e a consolidação da sociedade de classe, que tem sua base de
sustentação na propriedade privada e na família patriarcal monogâmica, reconfigura o lugar
da mulher na sociedade. Nesse sentido, os (as) filhos (as) e as terras passaram a ser
propriedades privadas do homem, ficando bem definido os papéis sociais e sexuais entre eles.
Ao homem era dado o poder de vida e morte sobre a mulher, filhos, escravos e animais, ou
seja, sobre todos que estavam sob seu domínio, no famulus4.
Uma referência importante aqui, é o fato de que a consolidação da família patriarcal
monogâmica objetivou uma repartição entre as esferas pública e privada, a primeira locus
privilegiado dos homens, do poder, da economia, da participação política e científica, e a
segunda espaço obrigatório das mulheres, da subjetividade e da reprodução dos filhos e filhas.
De acordo com Reed (2008, p.42),
Na nova sociedade os homens se converteram em principais produtores, enquanto
as mulheres eram trancadas em casa e ficaram limitadas à servidão familiar.
Desalojadas de seu antigo lugar na sociedade, não somente se viram privadas de
sua independência econômica, como, inclusive, de sua antiga liberdade sexual. A
nova instituição do matrimônio monogâmico surgiu para servir as necessidades da
propriedade, que a partir de então era possuída pelo homem.
Mediante o exposto, nas sociedades de classe pré-capitalistas, e, posteriormente, na
fase de emergência e consolidação do capitalismo as mulheres foram confinadas ao espaço
senso, presume-se que nenhum (a) estudioso (a) sério (a) consideraria igual o patriarcado reinante na Atenas
Clássica ou na Roma Antiga ao que vige nas sociedades urbano-industriais do ocidente. Mesmo tomando só o
momento atual, o poder de fogo do patriarcado vigente entre os povos africanos e/ou mulçumanos é
extremamente grande no que tange à subordinação das mulheres aos homens [...]‖.
4
De acordo com Saffioti (2004, p. 89): ―famulus significa escravo doméstico, e família é o número total de
escravos pertencentes a um homem‖.
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doméstico e socializadas para o mundo da reprodução social. Isso não significa que as
mulheres, enquanto categoria social, ficaram excluídas da produção, pois executavam
atividades como tecer e confeccionar vestimentas, produzir e conservar alimentos e remédios,
entre outras, que com a industrialização passaram a ser realizadas nas fábricas.
Assim, a afirmação de que do período escravagista à manufatura as mulheres se
mantiveram na reprodução, e, apenas com o advento da grande indústria se inserem na
produção social, é própria da ciência androcêntrica, que invisibiliza a história das mulheres
enquanto trabalhadoras. Segundo Vinteuil (1989, p. 06),
Além de anacrônica, esta tese é inaceitável, porque nenhuma formação social
conhecida na história pôde prescindir da utilização massiva da força de trabalho das
mulheres para a produção.[...] sustentar que todas as mulheres ficaram excluídas da
produção é produto da ideologia patriarcal que apresenta o trabalho das mulheres
como um não trabalho.
Com o desenvolvimento das forças produtivas, por incremento da maquinaria, cria-se
a necessidade de aumentar o número de trabalhadores, e, por conseguinte, inserir as mulheres
e crianças no ciclo produtivo da fábrica, que até então era espaço exclusivo dos homens. De
acordo com Marx (2008, p. 451):
Tornando surpéflua a força muscular, a maquinaria permite o emprego de
trabalhadores sem força muscular ou com desenvolvimento físico incompleto, mas
com membros mais flexíveis. Por isso, a primeira preocupação do capitalista, ao
empregar a maquinaria, foi a de utilizar o trabalho das mulheres e crianças. Assim,
de poderoso meio de substituir o trabalho e trabalhadores, a maquinaria
transformou-se imediatamente em meio de aumentar o número de assalariados,
colocando todos os membros da família do trabalhador, sem distinção de sexo e
idade, sob o domínio direto do capital.
Aqui fica claro, a relação entre o modo de produção capitalista e o patriarcado, pois, a
mulher, referenciada socialmente como frágil e sem força muscular, passa a ser considerada
como força de trabalho inferior, e, sendo assim, só será utilizada quando a força muscular for
considerada surpéflua. Como já mencionei anteriormente várias teóricas feministas
(SAFFIOTI,1987;REED,2008;TOLEDO,2008;) afirmam que as mulheres sempre realizaram
atividades pesadas, tais como, preparar a terra para agricultura, cuidar dos animais, transportar
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utensílios pesados, entre outras, que apontam a apropriação da subordinação da mulher para
desqualificar o seu trabalho. Ainda é importante ressaltar que no patriarcado o trabalho das
mulheres é compreendido como complementar ao masculino, pois o homem deve assumir o
papel de provedor e protetor da família.
A retirada da mulher do exército industrial de reserva5, tem grande importância no
processo acumulativo e expansivo do capital. Em primeiro lugar, porque, considerar a força
de trabalho feminina como inferior e complementar, faz com que a composição do seu salário
seja reduzida, e, consequentemente, provoca a redução dos salários da classe trabalhadora.
Segundo Toledo (2008, p.38-39):
A incorporação da mulher à fábrica, e também da criança, desvalorizou o trabalho
masculino e aumentou o grau de exploração, agora não mais do operário individual,
mas de toda a família operária. Marx explica como o valor da força de trabalho
passou a ser determinado pelo tempo de trabaho indispensável para a manuntenção
de toda a família operária, e não mais apenas do operário adulto individual. Ao
lançar no mercado de trabalho todos os indivíduos da família, a máquina distribuiu
entre toda a sua família o valor da força de trabalho de seu chefe, desvalorizando-a.
Em segundo lugar, a entrada das mulheres na fábrica cria a necessidade de ampliar a
produção e a circulação de mercadorias, bem como a demanda de serviços. Como já esboçado
anteriormente, as atividades que até então eram realizadas pelas mulheres, passaram a ser
executadas pela fábrica. Isso transformou a família operária, até então produtora, em
consumidora dos bens e serviços ofertados pelo sistema capitalista.
Salienta-se que, o trabalho doméstico realizado pelas mulheres não é contabilizado
pelo capitalista. Em outras palavras, os custos da reprodução da força de trabalho são
contados a partir da satisfação das necessidades básicas à manuntenção e reprodução da classe
trabalhadora, tais como, alimentação, vestuário, habitação, lazer, educação, entre outras.
5
É próprio da lógica do capital criar uma superpopulação de trabalhadores supérfluos para o trabalho e a
riqueza, mas economicamente necessários a dinâmica do capital, no sentido de acirrar a concorrência entre os
trabalhadores e regular o valor dos salários. Assim, os capitalistas têm um grande contingente de trabalhadores a
disposição do processo produtivo, podendo ser inseridos ou repelidos de acordo com as necessidades de
expansão do capital. Para aprofundar essa questão, cf. IAMAMOTO, Marilda V. Serviço Social em Tempo de
Capital fetiche. São Paulo: Cortez, 2008
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Entretanto, está excluído desta conta, todo o trabalho investido na gestão e execução dessas
tarefas domésticas, assim como, o fato de que essas atividades são atribuições das mulheres.
Por tudo isso, seria impossível a manuntenção do trabalho assalariado na produção sem a
sustentação do trabalho reprodutivo e não remunerado na esfera doméstica (Carrasco,2001).
Não é demais afirmar que o modo de produção capitalista insere de forma massiva
crianças e mulheres na produção fabril, se apropriando de sua histórica subordinação para
acumular mais riquezas. Por tudo isso, faz um movimento duplo, de um lado, cristaliza as
atividades procriativas e reprodutivas como responsabilidades das mulheres, como forma de
desonerar o capital com a reprodução social da força de trabalho. Em outra direção,
transforma essas mulheres, junto com seus (as) filhos (as) em trabalhadores (as) mais baratos,
e, em certa medida, submissos (as). Como afirma Toledo (2008, p.39): ―[...] apesar de haver
sido confiscada pelo capital para ir à fábrica, a mulher não foi liberada da escravidão do
trabalho doméstico‖.
A autora ainda aponta que (2008, p.54),
O trabalho doméstico agrava o processo de alienação vivenciado pela mulher no
mercado de trabalho e no conjunto das relações sociais. Além de embrutecê-la,
porque toma-lhe o tempo ao aprimoramento intelectual e artístico, à participação
política e social, a separa da produção material do conjunto da sociedade ou
reserva-lhe um lugar subalterno. Sendo assim, a questão da alienação da mulher em
casa e no trabalho é um aspecto fundamental de sua opressão.
Ademais, essa entrada das mulheres na esfera da produção capitalista, em vez de
proclamar a libertação feminina, como preconizava inúmeros autores (as), aprofundou as
expressões do patriarcado no âmbito público e privado, bem como perpetuou diversos
preconceitos e discriminações contra este segmento.
É importante dizer que as mulheres, nos séculos XIX e XX, ocuparam cada vez mais,
postos de trabalho, todavia, o fato do sistema capitalista se apropriar da subordinação das
mulheres
para
obter
mais
lucro,
transformou-as
majoritariamente nos trabalhos informais e parciais,
em
trabalhadoras
precarizadas,
com baixas remunerações e sem
garantias trabalhistas, além da acumulação de uma dupla jornada de trabalho.
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Além disso, é preciso reconhecer que a força de trabalho feminina, tradicionalmente,
compunha o exército industrial de reserva, e que o capital insere ou repele essa força de
trabalho quendo necessita ampliar sua produção. Um exemplo disso foi as duas guerras
mundiais, em que as mulheres ocuparam os lugares dos homens e em pouco tempo voltaram
ao desemprego (REED,2008).
Sabe-se bem que as constantes transformações no modo de produção capitalista
agudiza a dupla condição de exploração da mulher, como reprodutora do capital e da força de
trabalho. Com destaque, para o processo de reestruturação produtiva do capital e emergência
do neoliberalismo, no final da década de 19706.
Uma referência importante aqui é que as intensas transformações no modo de
produção capitalista articuladas aos processos organizativos das lutas sociais feministas
objetivaram mudanças no sistema patriarcal, expressas em conquistas no âmbito dos direitos
sociais e políticos, no mercado de trabalho, na esfera privada, entre outros. No entanto, a base
material do patriarcado não foi destruída, pois o ingresso das mulheres no mundo do trabalho
e em outros espaços da vida social se dá de forma precarizada e subordinada aos homens.
Tal fenômeno se concretiza para as mulheres através da pouca inserção nos espaços de
decisão política, econômica e científica, da ocupação do mercado de trabalho de forma
subalternizada, da divisão sexual do trabalho, do controle da sexualidade e da capacidade
reprodutiva e do uso da violência. Nesse ponto da discussão cabe trazer alguns elementos da
subordinação das mulheres nas últimas três décadas.
Em primeiro lugar, é importante apontar algumas reflexões acerca da pouca
participação das mulheres no poder político. Segundo Godinho (2004), nas últimas três
décadas ampliou-se a presença da mulher nos espaços de caráter político, todavia, esse
6
O capitalismo é um sistema baseado na expansão e acumulação, que articula em sua dinâmica contraditória,
períodos de grande produção de riquezas e outros de grande estagnação. Ademais, toda forma de restrição a
dinâmica expansiva do capital aparece como sinal de crise, que de acordo com Netto e Braz (2007) é elemento
constitutivo do modo de produção capitalista e favorece o processo de reestruturação do sistema, pressupondo o
desenvolvimento de novas tecnologias e formas de exploração do trabalho, bem como, a adoção de medidas
paliativas. Dessa forma, a ação capitalista convive com uma instabilidade permanente, cumulativa e crônica do
sistema. Mais informações acerca das crises do capital ver, c.f. NETTO, J.P; BRAZ, M. Economia Política. Uma
introdução crítica.São Paulo: Cortez, 2007.
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processo deu-se, fundamentalmente, na base dos partidos políticos e sindicatos, com fortes
contradições, já que, em certa medida é uma inserção sustentada por políticas de cotas, e, em
um momento histórico marcado pela ―perda de fibra‖ dos movimentos sociais e partidos de
esquerda7.
Outro traço marcante da desigualdade entre homens e mulheres diz respeito a esfera
econômica. Sabe-se bem, que as mulheres são historicamente o segmento social mais
pauperizado e, mesmo a entrada das mulheres no processo produtivo não foi capaz de
modificar esse quadro. Como já aludi, a inserção de mulheres na produção capitalista amplia
as contradições do sistema patriarcal, já que impõe à mulher a obrigação com o trabalho
doméstico, a socialização e educação dos filhos e filhas, bem como, o papel de cuidadora da
família. Esses elementos potencializam a reprodução das relações desiguais de gênero.
Destaca-se, também, o processo de reestruturação produtiva, a partir da década de
1970, que aprofunda a particularidade na forma de exploração das mulheres. Segundo Hirata
(2003) ocorreu uma ampliação do trabalho remunerado das mulheres, em nível mundial, tanto
no setor informal quanto no formal, e, estagnação dos postos de trabalho masculino. É
importante salientar que o aumento do emprego remunerado das mulheres foi acompanhado
da degradação e precarização desses empregos, por meio da flexibilização e terceirização do
trabalho, da ―desregulamentação‖ das leis trabalhistas e sindicais, da ampliação do mercado
de trabalho informal, bem como, do crescente desemprego e o aumento da desigualdade.
A autora ainda aponta a desigualdade de salários, das condições de trabalho e de saúde
não foram alteradas em sua estrutura, bem como a relação das mulheres com o trabalho
doméstico não mudou, apesar do aumento de responsabilidades no mundo público. Ampliouse as tecnologias e serviços para o uso doméstico, mas as atribuições do mesmo continuam
sendo das mulheres. Esses elementos reforçam a tendência das mulheres se situarem, cada
vez mais, em atividades e empregos precários, e, por conseguinte, aprofundam a condição
histórica de pauperização das mulheres.
7
Sem dúvida, o processo organizativo das mulheres, principalmente, nas décadas de 1980 e 1990, nos grupos de
mulheres, foi importante para consolidação do movimento feminista e das mulheres, enquanto sujeito político
coletivo.
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Ainda em relação ao trabalho remunerado das mulheres, estudos recentes do Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) mostram que em média, no Brasil, as
mulheres recebem pouco mais da metade do salário dos homens, apesar de terem maior grau
de escolaridade e dedicam mais horas para o trabalho doméstico.
Ademais, as informações do relatório do PNUD sobre as desigualdades entre mulheres
e homens indicam que os países africanos estão entre os menos desiguais, inclusive aqueles
que possuem os piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), disputam os primeiros
lugares da lista com menor diferença de rendimento entre mulheres e homens8. Essa igualdade
na pobreza nega o argumento de que a desigualdade entre homens e mulheres é fruto do
subdesenvolvimento e/ou resquícios do atraso. Assim, entendo que o modelo de
desenvolvimento da sociedade capitalista de produção está fortemente baseado nas
desigualdades de gênero, por tudo isso, não surpreende os dados da PNUD que mostram que
os países desenvolvidos e de alto IDH, apresentam grandes diferenças nos rendimentos
feminino e masculino.
Além da pouca participação política e econômica, outra expressão da subordinação da
mulher que foi aprofundada pelo capitalismo, diz respeito ao controle do corpo e da
sexualidade, manifestados de diversas formas, entre elas, a imposição da heterossexualidade e
da maternidade como normas, a dificuldade de acesso as políticas de saúde reprodutiva, a
criminalização do aborto, o tráfico de mulheres e a prostituição, e, na mercantilização do
corpo das mulheres. Convém enfatizar, o uso da violência como expressão máxima do
patriarcado. De acordo com pesquisas feitas pela Fundação Perseu Abramo cerca de uma em
cada cinco brasileiras declara espontaneamente ter sofrido algum tipo de violência
(SAFFIOTI, 2004).
Podemos afirmar por meio dessas considerações, que é próprio da lógica do sistema do
capital se apropriar dos segmentos historicamente vulnerabilizados como forma de ampliar a
8
Segundo o mesmo relatório do PNUD, o Quênia, 144° no ranking do IDH, está em segundo lugar em
desigualdades de rendimentos entre homens e mulheres, nesse país as mulheres recebem 82% dos salários dos
homens. Em Moçambique, 175° no IDH, é o terceiro de menor desigualdade de renda, as mulheres ganham 81%
do salário dos homens. Ainda na lista dos dez primeiros colocados estão outros dois países africanos, Burundi e
Malawi, ambos com baixo IDH.
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acumulação. Homens e mulheres são explorados nesse sistema, mas há particularidades na
forma de exploração feminina, que requer, além da luta anticapitalista, uma ação coletiva das
mulheres capaz de construir uma sociedade verdadeiramente emancipada, autodeterminada e
livre.
Nesse sentido, a opressão patriarcal e a exploração efetivada pelo sistema capitalista
estão perfeitamente articuladas e ao falar da subordinação das mulheres na atual sociedade,
não temos como deixar de mencioná-las. Sendo assim, não podemos estudar as desigualdades
de gênero de uma forma desarticulada da perspectiva da totalidade, ou seja, da materialidade
concreta de nossa sociedade patriarcal/capitalista/racista.
3 FEMINIZAÇÃO DA POBREZA: UM CONCEITO A SER REPENSADO?
Cabe dizer, que nas últimas três décadas multiplicaram-se os estudos de gênero, em
um contexto de ofensiva neoliberal e contrarreformas no Estado, bem como, de consolidação
do terceiro setor e refluxo dos movimentos sociais.
Com isso, a categoria gênero passa a ser utilizada pelas agências de cooperação
internacional, Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial como foco para redução da
pobreza, e, sendo assim, transforma-se em uma linha de acesso à recursos que,
fundamentalmente, implicam na construção de estratégias ditas de ―empoderamento‖ e
―autonomia individual‖, ao ―protagonismo‖, a ―cooperação e integração social‖. É importante
mencionar que houve uma gradativa incorporação da categoria gênero como base ou tema
transversal das ações e/ou políticas sociais dos governos.
Esse processo é compreendido por muitas teóricas como uma manifestação de força do
movimento feminista e de mulheres, todavia, deve ser analisado a apropriação do discurso
feminista pelo Estado, que altera as demandas do movimento e re-significa suas
reivindicações. Penso, que a centralidade da questão não reside no fato das reivindicações do
movimento serem incorporadas ou não pelo Estado, mas da necessidade de um
questionamento constante da forma como são elaboradas as políticas governamentais com
perspectiva de gênero.
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Concomitantemente a esse processo se tem construído um debate multifacetado acerca
da relação entre a ―pobreza‖ e a ―questão de gênero‖. Nesse sentido, afirma-se que está em
curso um novo fenômeno denominado de ―feminização da pobreza‖, tal conceito, passa a ser
utilizado para justificar a formulação e implementação de políticas públicas focadas
especificamente para as mulheres pobres.
Como já aludi, o conceito ―feminização da pobreza‖ já nos ronda a três décadas,
segundo Novellino (2004) ele surge em 1978, nos E.U.A., em um artigo de Diane Pearce que
relacionava o empobrecimento feminino ao aumento de famílias chefiadas por mulheres,
assim, este fenômeno estava intrínsecamente associado ao fato da ausência do provedor
masculino na família.
Esse ângulo analítico tem sido base de inúmeros estudos sobre o assunto que afirmam
a ―feminização da pobreza‖ como um reflexo de uma ―nova pobreza‖ e a relaciona
diretamente com a chefia feminina e a inserção das mulheres no mercado de trabalho. Outra
perspectiva para compreender esse fenômeno se articula com os efeitos específicos das
políticas econômicas de corte neoliberal sobre a vida e o trabalho das mulheres. Ainda há os
estudos, mais recentes, e, na ordem do dia, que identificam grupos de mulheres mais
vulneráveis ao empobrecimento, tais como as mulheres negras, as mulheres indígenas, as
mulheres lésbicas, as mães solteiras, entre outros.
Todas essas abordagens tem como pressuposto comprovar ou refutar a ―feminização
da pobreza‖ para formular políticas sociais, ou focalizadas nas mulheres pobres, ou universais
para homens e mulheres pobres. Para tanto, empreende-se esforços para estabelecer linhas de
pobreza, tipologias e indicadores acerca do empobrecimento feminino, a exemplo do Índice
de Desenvolvimento Humano Feminino - IDHF.
Algumas indagações emergem como fundamentais: afinal, o que é a ―feminização da
pobreza‖? Como e por que os mais diversos sujeitos sociais vem se apropriando desse
conceito? Qual a funcionalidade desse conceito tão amplo e palátavel para as novas formas de
enfrentamento a ―questão social‖, surgidas no pós-1970? E como o movimento feminista têm
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se posicionado frente a esse debate? Ousar refletir essas questões postas na atualidade ―pós‖ é
uma necessidade para constituirmos um debate realmente aprofundado e crítico.
As autoras das mais diversas vertentes do feminismo, desde as mais radicais até as
conservadoras, relacionam a ―feminização da pobreza‖ com dois elementos: o aumento da
chefia feminina como indicador de pobreza e a inserção das mulheres no mercado de trabalho
de forma subalternizada.
É preciso levar em consideração que embora a ausência masculina obrigue a mulher a
prover o sustento da família, e, sobretudo, amplie suas responsabilidades na reprodução e
socialização dos filhos e filhas, não é a partir da ausência do homem enquanto figura
provedora e protetora que se desenvolve o processo de ―feminização da pobreza‖, como
afirmam algumas autoras, a exemplo de Pearce (1978). Até porque, de acordo com dados do
PNUD, ONU e OIT, os chefes de domicílio, sejam homens ou mulheres, sofrem de forma
similar os baixos níveis de renda (CASTRO, 2004).
O que pode ser acrescentado aqui, é a o fato das mulheres se posicionarem em postos
de trabalho mais precarizados e com menores rendimentos. Segundo Lavinas (1996) nos
últimos dez anos, aumentou a taxa de mulheres no mercado de trabalho, embora em
ocupações com nível de rendimento baixo, e com pouca qualificação e capacidade gerencial.
Além disso, constatou-se uma tendência à redução no diferencial dos rendimentos por sexo e
uma ampliação do desnível de renda entre as mulheres.
Para Lavinas (1996, p.473), ―Numericamente, [...] a pobreza feminina não tem maior
expressão que a pobreza masculina‖. E, nesse sentido, a autora conclui, que existem
desigualdades próprias de gênero e outras que se desenvolvem entre pobres e não-pobres.
Na presente reflexão, a pobreza feminina não pode ser compreendida, apenas, de
forma demográfica e/ou numérica, a não ser que se analise pobreza como insuficiência de
renda ou consumo. Dessa maneira, a pauperização das mulheres, tem inúmeros elementos,
tais como, o fato de possuirem pouco poder político, econômico, científico, o uso da violência
e a dificuldade de acesso a políticas sociais.
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Já para o PNUD (2010) a ―feminização da pobreza‖ é um conceito controverso por
agrupar a pobreza e a desigualdade de gênero, duas grandes problemáticas da
contemporaneidade. Por essa razão, há uma necessidade de se esclarecer o conceito e atribuir
indicadores para alocar recursos de forma eficiente.
Dessa maneira, o conceito deve significar uma mudança nos níveis de pobreza com
uma tendência desfavorável às mulheres ou aos domicílios chefiados por mulheres. Vale
ressaltar, que o termo pobreza é compreendido como insuficiência de renda ou consumo,
capacidade ou liberdade, e esta relacionado a três indicadores ou fatores determinantes, a
localização, a escolaridade e o número de pessoas por domicílio.
Apreendido na perspectiva de mudança, a ―feminização da pobreza‖ deve implicar em
um processo, que faça com que as carências implícitas no conceito de pobreza se tornem mais
comuns ou intensas entre as mulheres ou nos lares por elas chefiados.
De acordo com Lavinas (1996) a ―feminização da pobreza‖ tem aparecido nos
discursos governamentais e de agências de cooperação internacional, assim como nas análises
teóricas de diversas vertentes do feminismo como um fenômeno contemporâneo, e, que tem
como característica reunir duas fragilidades: ser mulher e ser pobre. Por essa razão, esta
categoria sexuada se refere à mulher pobre. Segundo a autora supracitada (1996, 02-03):
Ao enfatizar a feminização da pobreza, estamos falando das mulheres pobres, que
certamente não irão buscar sua cidadania própria a partir da pobreza.[...] Não é
possível reivindicar o direito de ser pobre. Por isso mesmo, a mulher pobre é uma
forma de categorização social forçosamente gestada pelas instituições, pelas elites
pensantes, pela classe política. Não é um processo identitário com vistas à
constituição de um campo legítimo de interesses e a mecanismo de representação. E,
por essas razões, é uma categoria ah doc ao feminismo.
Para Castro (2001) a ―feminização da pobreza‖ deve ser compreendida a partir das
transformações no mercado de trabalho e nas políticas sociais de emprego e renda,
direcionadas à elevação da quantidade de postos de trabalho, ou compensatórias, tais como,
capacitações e transferências de renda, bens e serviços. A autora aponta a apropriação do
conceito de ―feminização da pobreza‖ para justificar políticas compensatórias e fragmentar os
direitos sociais consquistados pela classe trabalhadora. Nessa lógica, se escolhe um grupo de
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beneficiários (as), deixando de fora uma grande parcela da população em condição
semelhante.
Considero que o conceito de ―feminização da pobreza‖, como esta sendo analisado nas
últimas décadas, tem uma interpretação ambígua e fetichizada, e, vem sendo utilizado por
forças sociais contraditórias. Um conceito que agrada gregos e troianos. Além disso, tem uma
forte funcionalidade para a lógica do modo de produção capitalista, assim como, não analisa a
dominação e exploração das mulheres de forma aprofundada. Em primeiro lugar, porque parte
do pressuposto de que a pauperização das mulheres é um processo recente. Sabe-se bem que
as mulheres, historicamente, não dispunham em seu poder os meios de produção, não
participavam das grandes decisões coletivas, nem tão pouco tinham acesso a construção do
conhecimento. Por essa razão não é pertinente dizer que houve uma ―feminização da pobreza‖
como uma questão processual e situada nos últimos 30 anos, pois as mulheres historicamente
são a parcela populacional mais empobrecida.
Em segundo lugar, o processo de aprofundamento da pobreza feminina, deve ser
pensado como parte do processo de empobrecimento da classe trabalhadora no pós 1970. Isso
porque, as medidas para retomar o ciclo expansivo e acumulativo do capital nos anos 1980,
baseadas no receituário neoliberal, não foram capazes de superar a crise capitalista, entretanto
afetaram a condição de vida da classe trabalhadora. De forma que houve uma agudização da
desigualdade social, acompanhada da fragilização dos direitos sociais, e, nesse contexto, uma
apropriação dos segmentos historicamente explorados/dominados para expandir a
acumulação.
Mediante o exposto, esses segmentos historicamente explorados, a exemplo das
mulheres, negros, homossexuais, entre outros, têm sua força de trabalho cada vez mais
precarizada, e passam a ser beneficiários de políticas sociais focalizadas, fragmentadas e, em
certa medida, paternalistas, que cristalizam sua condição de segmento explorado.
4 “FEMINIZAÇÃO DA POBREZA” E AS POLÍTICAS SOCIAIS FOCALIZADAS
NAS MULHERES
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Quero sustentar em minha análise, que a partir da década de 1970, com o processo de
reestruturação do sistema do capital, se dimensiona uma forte preocupação, téorica e política,
com o aprofundamento da chamada ―questão social‖, e, por conseguinte, com a expansão da
pobreza como elemento capaz de ameaçar a retomada do ciclo expansivo/acumulativo
capitalista.
No campo téorico, elaborou-se categorias analíticas para compreender essa ―nova‖
realidade, tais como, desfiliação, ―nova pobreza‖, ―apartação social‖, ―exclusão‖, ―nova
questão social‖, entre outras, articuladas a perspectivas teóricas funcionalistas, estruturalistas
e pós – modernas9.
Nesse sentido, a pobreza ganha status de centralidade no discurso das agências
internacionais de cooperação, isso pode ser observado nos relatórios anuais do Banco Mundial
e nas indicações sobre políticas de desenvolvimento, que dimensionam a pobreza como foco
central de intervenção e limite para o crescimento econômico. Por tudo isso, Banco Mundial,
Organização Mundial do Comércio e Fundo Monetário Internacional, vêm somando esforços
para reduzir a pobreza, através de investimentos na esfera social, nos países em
desenvolvimento, principalmente com políticas focalizadas e de transferência de renda, com
centralidade na família.
Inclusive, com base na noção de feminização da pobreza, essas organizações
internacionais recomendam, por meio do documento Toward gender equality de 1997, a
focalização das políticas de combate à pobreza nas mulheres.
Uma referência importante nesse debate, é que o movimento feminista muito
pressionou pela adesão de uma perspectiva de gênero na elaboração das políticas sociais e por
políticas públicas específicas para as mulheres.
E, nessa correlação de forças, aconteceu uma absorção por parte das instituições
governamentais e de cooperação internacional de elementos do discurso feminista acerca da
9
Nas últimas décadas tem-se construído diferentes abordagens para compreender e analisar a realidade, dentre
elas, o debate francês elaborado por Castel e Rosavalon, com inspiração em Durkheim, o primeiro, trata a
chamada ―questão social‖ como uma fratura na coesão social. O segundo, aponta o surgimento de uma ―nova
questão social‖. Ambos referem-se a reconstituição do contrato social como forma de reconstruir os vínculos
sociais, seja via proteção social, ou da solidariedade.
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histórica pauperização das mulheres, principalmente, a partir da Conferência de Pequim
(1995).
Essa conjuntura impulsionou inúmeros estudos acerca da condição da mulher, que
demonstraram um intenso empobrecimento feminino, mesmo com o aumento de sua
participação no mercado de trabalho e de sua base educacional. Dessa forma, passou-se a
reproduzir nos campos teórico e político que a pobreza femina deveria ser o foco da ação para
redução da pobreza, pela via de sua inserção em postos de trabalho, transferências de renda e
pela efetivação de políticas sociais focalizadas nas mulheres pobres.
Nesse sentido, houve uma ressignificação ideológica do debate feminista acerca da
pauperização das mulheres, com ampliação dos estudos sobre ―feminização da pobreza‖. O
que, em certa medida, legitimou ainda mais o processo de focalização das políticas sociais,
que pressupõem a comprovação de renda, contrapartida dos (as) beneficiários (as) e
responsabilização das mulheres pela eficiência das políticas.
É preciso analisar que enfoque de gênero e centralidade na mulher são perspectivas
totalmente diferentes, a primeira significa que as desigualdades entre homens e mulheres
devem ser enfrentadas no contexto do conjunto das desigualdades sociais. Já a segunda,
compreende a mulher como objeto de sua ação, e não as relações entre os gêneros e seus
antagonismos.
Penso, por tudo isso, que o que temos são políticas com centralidade na família,
especialmente nas mulheres, em que transfere-se a responsabilidade do Estado com o
enfrentamento da ―questão social‖ para a sociedade civil, e a unidade familiar. Nesse
horizonte, a mulher passa a ter responsabilidade pela eficiência das políticas sociais, assim
como, a ser compreendida como um instrumento de desenvolvimento social.
Além desses elementos, as políticas focalizadas nas mulheres, em geral,
instrumentalizam os papéis sociais atribuidos às mulheres, principalmente, os relacionados à
esfera reprodutiva. Assim, a transferência de bens ou atividades de capacitação, desenvolvidas
por essas políticas, reforçam as habilidades consideradas adequadas as mães/donas-de
casa/não-trabalhadoras.
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Segundo Carloto (2006) as políticas com centralidade na mulher desconsideram as
desigualdades entre homens e mulheres, e em certa medida, as amplia e reafirma. Já que nelas
a ―mulher-mãe‖ é interpelada a participar das ações, responsabilizada pela educação dos (as)
filhos (as) e pelo cumprimento dos critérios de permanência nos programas. E, sendo assim,
sobrecarregam as mulheres com atividades que implicam na forma de execução dos
programas.
O debate sobre a relação entre ―feminização da pobreza‖ e as políticas sociais
focalizadas na mulher tem sido crescente nos últimos anos, e, inclusive alguns segmentos do
movimento feminista criticam a focalização de ―mulheres em geral‖, defendendo o
reconhecimento das diferenças entre as próprias mulheres. Assim, propõe uma ―focalização
dentro da focalização‖, capaz de dá conta dos segmentos de mulheres mais vulnerabilizados,
tais como, as mulheres negras, mulheres mães solteiras, mulheres lésbicas, entre outras, que
nessa perspectiva, somam explorações.
Contrariando essas perspectivas, Lavinas (1996) e Castro (2001) apontam a
necessidade de se defender políticas públicas mais universais, que visem reduzir a
pauperização da classe trabalhadora e não de grupos específicos de pobres, mesmo que sejam
de mulheres. Todavia, apontam a necessidade de compreender que há desigualdades entre
homens e mulheres que devem ser analisadas e consideradas na elaboração e implementação
de programas governamentais.
Considero, que a fragmentação das políticas articulada a mobilização de setores do
movimento feminista por políticas cada vez mais direcionadas a ―grupos específicos‖,
aprofundam o processo de pauperização crescente da classe trabalhadora, e, das particulares
formas de pauperização das mulheres, assim como obstaculariza a compreensão do fenômeno
de forma profunda e crítica.
Nesse sentido, é imprescindível analisar a processo específico de exploração das
mulheres, articulada a questão de classe/raça/orientação sexual e geração, e também, da
defesa dos direitos sociais e de políticas universais de redistribuição de riqueza.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A ―feminização da pobreza‖ é um conceito polissêmico e palatável, que precisa ser
mais profundamente teorizado. Vem sendo utilizado em níveis de compreensão diversos,
desde o pensamento comum mais elementar, até o teórico, mais sofisticado. Além disso, tem
adesão dos sujeitos sociais diversos e antagônicos, fazendo parte do discurso da ―direita‖ e
―esquerda‖, e nesse sentido, adquire uma interpretação fetichizada.
Ademais, é um conceito que explica o fenômeno de empobrecimento feminino,
situado nas últimas três décadas, capaz de justificar a necessidade de políticas fragmentadas,
desarticuladas e focalizadas nas mulheres.
E por essas razões, não consegue dá conta de compreender/analisar a relação dialética
entre o aprofundamento da pobreza feminina e a crise do modo de produção capitalista no
pós-1970.
Por tudo isso, é necessário (re) atualizar o debate sobre ―feminização da pobreza‖ e a
relação do movimento feminista com Estado, numa perspectiva de totalidade. Até para não se
aderir ao pensamento pós-moderno, conservador e (neo)liberal, próprios de um movimento
feminista de direita.
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A ECONOMIA SOLIDÁRIA COMO ESTRATÉGIA DE INCLUSÃO: O PROJETO
REVIVER DO CARIRI (CEARENSE) E A (RE)INTEGRAÇÃO SOCIAL DE
DEPENDENTES QUÍMICOS.
ÁREA TEMÁTICA: JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS E INCLUSÃO SOCIAL
Camila Pereira Brígido Rodrigues10
Maria Aline Pereira de Brito11
Izak Batista de Araújo12
Francisca Laudeci Martins Souza13
Resumo: A Economia Solidária propõe uma forma diferenciada de qualidade de vida e de consumo, a
partir da integração e da solidariedade entre os cidadãos de todo o mundo. Seus valores centrais são o
trabalho, o conhecimento e o atendimento das necessidades sociais da população, a partir de uma
gestão responsável dos recursos públicos. Ademais, a Economia Solidária é tida como um instrumento
de combate à exclusão social, apresentando assim, alternativas viáveis para a geração de trabalho e
renda, os quais promovam a satisfação direta das necessidades humanas, e dessa forma, eliminar as
desigualdades materiais, bem como difundir os valores da ética e da solidariedade. Em termos
discursivos, no que tange a reabilitação social, diz-se então, que o trabalho que segue, tratar-se-á de
uma abordagem analítica, através de um estudo de caso do Projeto Reviver Cariri em Juazeiro do
Norte (CE), haja vista que o objetivo central do Projeto é recuperar e (re)integrar os dependentes
químicos, utilizando a economia solidária como estratégia de inclusão.
Palavras-Chaves: Projeto Reviver Cariri, Reabilitação Social, Economia Solidária.
10
Graduanda em Ciências Econômicas pela Universidade Regional do Cariri – URCA. Bolsista de Iniciação
Científica CNPQ. E-mail: [email protected]
11
Graduanda em Ciências Econômicas pela Universidade Regional do Cariri – URCA. Bolsista PIBIC-CNPq. Email: [email protected]
12
Graduando em Ciências Econômicas pela Universidade Regional do Cariri – URCA. Email: [email protected]
13. Doutora em Educação, professora do Departamento de Economia da Universidade Regional do Cariri –
URCA e Coordenadora do Grupo ECOS de estudos em Economia Solidária e Sustentabilidade.
[email protected]
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1. INTRODUÇÃO
As modificações estruturais, de ordem econômica e social, ocorridas no mundo nas
últimas décadas, fragilizaram o modelo tradicional da relação capital - trabalho, de modo que
é crescente o aumento da informalidade e precarização das relações formais. Nesse contexto,
a economia solidária procura resgatar as lutas históricas dos trabalhadores que tiveram origem
no início do século XIX, sob a forma de cooperativismo, como uma das formas de resistência
contra o avanço avassalador do capitalismo industrial. No Brasil, a mesma ressurge no final
do Século XX como resposta dos trabalhadores às novas formas de exclusão e exploração no
mundo do trabalho.
Novos modos de existência econômica, que se pautem em princípios diferentes
daqueles propagados pela economia tradicional, ganham corpo e se fortalecem no século XXI.
Isto por que, os tempos que correm são marcados por crises que se justificam menos na
conjuntura do que na estrutura da economia clássica. Ou seja, é crescente o movimento que
cada vez mais questiona os objetivos de maximização da produção, minimização dos custos e
maximização dos lucros como alternativa única de produção e consumo. Neste cenário,
partilha, comunhão e consumo consciente são apenas alguns dos conceitos que emergem a
partir dos princípios da solidariedade e sustentabilidade.
Muito embora a economia solidária emirja no século XIX com o surgimento e avanço
de outras formas de organização do trabalho, conseqüência, em grande parte, da necessidade
dos trabalhadores encontrarem alternativas de geração de renda, no século XXI a
intensificação da destrutividade ambiental, por exemplo, tem colocado a humanidade em face
de um conjunto de problemáticas que impactam direta ou indiretamente as condições de
reprodução da vida planetária.
O aumento exponencial do lixo, a contaminação e redução das fontes de água
potável, o aquecimento global, o desmatamento, a descartabilidade e a redução da
biodiversidade são alguns dos fenômenos cada vez mais evidentes, afetando as
possibilidades de reprodução do sistema do capital, além de impactarem as múltiplas
formas de vida orgânica, sobretudo, a dos segmentos mais pauperizados das classes
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trabalhadoras. As alternativas, hegemonicamente presentes no debate ambiental,
apontam para um conjunto de iniciativas de ordem técnica e comportamental,
caucionadas na defesa do aprimoramento e da ecologização do capital: trata-se de
um discurso que propala a capacidade do sistema de compatibilizar
―desenvolvimento econômico e preservação ambiental‖, desde que os indivíduos
adotem posturas mais respeitosas para com a natureza. Sob o manto da
responsabilidade socioambiental, os meios de comunicação enfatizam,
cotidianamente, experiências bem sucedidas, iniciativas empresariais ―sustentáveis‖,
revelando uma ofensiva ideológica sem par, cujo fim é convencer a todos de que é
possível superar a degradação ambiental sob o signo do capital. (SANTOS, et al,
2012, p. 96)
Ou seja, as crises em curso no século XXI são transversais e interdisciplinares na
medida em que suas causas e consequências não se assentam somente no mundo da economia
uma vez que perpassam o mundo da cultura, do ambiente, da educação e da justiça social,
entre outros. Assim o são por que menos do que advindas das relações históricas estabelecidas
entre trabalho e capital, são questionamentos à própria estrutura do capital e suas
externalidades crescentemente negativas.
O aprofundamento dessa crise abriu/abre espaço para o surgimento e avanço de outras
formas de organização do trabalho, consequência, em grande parte, da necessidade dos
trabalhadores encontrarem alternativas de geração de renda. Experiências coletivas de
trabalho e produção vêm se disseminando nos espaços rurais e urbanos, através das
cooperativas de produção e consumo; as associações de produtores; redes de produção,
consumo e comercialização; instituições financeiras voltadas para empreendimentos
populares solidários; empresas de autogestão; entre outras formas de organização.
No Brasil, a economia solidária se expandiu a partir de instituições e entidades que
apoiavam iniciativas associativas comunitárias e pela constituição e articulação de
cooperativas populares, redes de produção e comercialização, feiras de
cooperativismo e economia solidária, etc. Atualmente, a economia solidária tem se
articulado em vários fóruns locais e regionais, resultando na criação do Fórum
Brasileiro de Economia Solidária. Hoje, além do Fórum Brasileiro, existem 27
fóruns estaduais com milhares de participantes (empreendimentos, entidades de
apoio e rede de gestores públicos de economia solidária) em todo o território
brasileiro. Foram fortalecidas ligas e uniões de empreendimentos econômicos
solidários e foram criadas novas organizações de abrangência nacional. (MTE,
2013)
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A temática da economia solidária, aos poucos, se torna uma realidade no cenário
econômico brasileiro. Seus conceitos de solidariedade e participação se espalham gerando
novas iniciativas e afetando as antigas, buscando assim, um mercado mais humanizado e
menos utilitarista. Mesmo estando diante de um sistema competitivo e individualista, essas
iniciativas solidárias vêm ganhando seu espaço de forma significativa (ADDOR, 2006).
Em 1994, Laville caracterizava a economia solidária como um conjunto de atividades
econômicas, no qual sua lógica é diferente tanto da lógica do mercado capitalista quanto da
lógica do Estado. Ao contrário da economia capitalista, que visa o capital a ser acumulado,
funcionando a partir das relações competitivas com objetivos de sempre buscar os interesses
individuais, a economia solidária é estabelecida a partir de fatores humanos, o que favorece a
valorização do laço social através da reciprocidade, adotando formas comunitárias de
propriedade. Ela se difere também da economia estatal que exibe uma autoridade central e
formas de propriedade institucional (LAVILLE, 1994 apud LECHAT, 2002).
O Fórum Brasileiro de Economia Solidária define a Economia Solidária como sendo
―fruto da organização de trabalhadores e trabalhadoras na construção de novas práticas
econômicas e sociais fundadas em relações de colaboração solidária‖. Neste contexto,
destaca-se a importância dos valores culturais, que apresentam o ser humano como sujeito e
também finalidade da atividade econômica.
Nascimento (2006) afirma que as ciências econômicas através da economia solidária
devem buscar o bem estar da população:
Independentemente do sistema produtivo e das relações políticas da sociedade, as
ciências econômicas devem buscar o bem estar da população. Não fariasentido que
todo esforço empreendido pelo Estado visasse apenas reduzir arelação dívida/PIB ou
mesmo aumentar o superávit primário das contas públicas.Aparentemente, esses
parâmetros buscam em sua essência criar expectativaspositivas para a economia,
buscando pavimentar o caminho para os investimentos produtivos (NASCIMENTO,
2006, p. 04).
A Economia Solidária pode apresentar várias características, se tratando de ideologia,
a Economia Solidária apresenta uma forma diferente de qualidade de vida e de consumo,
partindo da integração e da solidariedade de toda a população mundial. O trabalho, o
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conhecimento e o atendimento das necessidades sociais da população são apontados como os
calores centrais da Economia Solidária, iniciando com uma gestão com responsabilidade
perante os recursos públicos (NASCIMENTO, 2006).
A Economia Solidária pode representar uma importante ferramenta de combate à
exclusão social conforme se apresentam alternativas viáveis para a geração de trabalho e
renda para satisfazer às necessidades humanas, colocando fim as desigualdades materiais e
propagando os valores da ética e da solidariedade. A Economia Solidária mostra-se também
como um grande projeto de desenvolvimento integral visando a sustentabilidade, a
democracia participativa, a justiça econômica e social, além da preservação do meio ambiente
através do uso racional dos recursos naturais, estabelecendo o compromisso dos poderes
públicos em democratizar o poder, a riqueza e o saber, instigando uma formação estratégica
de alianças entre organizações populares para que vigore ativamente os direitos e deveres da
cidadania (NASCIMENTO, 2006).
Segundo Nascimento (2006, p.09), ―A Economia Solidária propõe uma atividade
econômica enraizada no seu contexto mais imediato, e tem a territorialidade e o
desenvolvimento local como marcos de referência. Consumidores de diversos países definem
conscientemente seus níveis de consumo com base em princípios éticos, solidários e
sustentáveis.‖
É muito provável, que o significado mais preciso acerca de Economia Solidária é
apresentado quando ela é formada por um conjunto de organizações econômicas, que se
caracterizam pela propriedade coletiva dos meios de produção, pela própria gestão do trabalho
através de mecanismos para a tomada de decisões coletivas e pela formação comunitária. A
partir desta definição, a unidade mais simplificada de Economia Solidária é o
Empreendedorismo Econômico Solidário, que pode apresentar-se como uma cooperativa, uma
associação ou até mesmo um grupo informal. Com isso, não se confunde com as práticas de
solidariedade assistencial, de caridade ou até de responsabilidade social e ambiental, mas,
antes de tudo está interligada a uma concepção de solidariedade social fundamentalmente
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associada às condições de organização e ima (auto) gestão do trabalho relacionando-se
também com a repartição de benefícios (BERTUCCI, 2010).
A partir desta concepção, podemos tomar quatro variações, que dizem respeito à
forma com que se analisa o potencial desses empreendedorismos. Para os mais
otimistas, o crescimento desse tipo de empreendimento econômico mostraria um
caminho evidente que, através de uma prática socialista, levaria à superação do
capitalismo. Isso quer dizer que, neste ponto de vista, a organização da produção
através de empreendimentos autogestionários se tornaria hegemônica (BERTUCCI,
2010, p. 52).
Para Nascimento (2006), ―A Economia Solidária busca fundamentalmente a unidade
entre produção e reprodução, evitando a contradição fundamental do sistema capitalista, que
desenvolve a produtividade, mas exclui crescentes setores de trabalhadores do acesso aos seus
benefícios, gerando crises recessivas, hoje de alcance global.‖
A economia solidária compreende quaisquer práticas econômicas populares que se
posicionam aquém do assalariamento formal, e que englobam ações individuais ou de grupos,
resultado a solidariedade como fator da produção econômica. Essa ideia remete ao termo
economia popular, que antecede ao da economia solidária. Mesmo que se entenda a
solidariedade como um elemento essencial, compreende-se o movimento da economia
solidária para além da produção popular (BARBOSA, 2007 apud GONÇALVES, 2010).
A Economia Solidária é também um projeto de desenvolvimento integral que visa a
sustentabilidade, a justiça econômica e social e a democracia participativa, além da
preservação ambiental e a utilização racional dos recursos naturais. Ademais, a Economia
Solidária exige o compromisso dos poderes públicos com a democratização do poder, da
riqueza e do saber, e estimula a formação de alianças estratégicas entre organizações
populares para o exercício pleno e ativo dos direitos e responsabilidades da cidadania.
Ainda nesse âmbito, IRION (1997, p. 39), contribui para o presente trabalho
salientando que a compreensão do termo Economia Solidaria está em entendermos por
economia solidária:
[...] aquela que se fundamenta na organização dos trabalhadores em empresas que
tenham por base a pessoa e não o capital, a democracia, a autogestão, o livre acesso
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e a solidariedade entre os atuais participantes e a solidariedade para os que virão no
futuro depois dos primeiros associados. Empreendimentos deste tipo se caracterizam
por individualizar o capital de cada sócio e por gerarem fundos indivisíveis entre os
sócios, como solidariedade futura (IRION, 1997, p. 39).
Para melhor compreensão e entendimento dos termos conceituais supracitados, diz-se
que a economia solidária é a resposta organizada à exclusão pelo mercado, por parte dos que
não querem uma sociedade movida pela competição, da qual surgem incessantemente
vitoriosos e derrotados. É antes de qualquer coisa uma opção ética, política e ideológica, que
se torna prática quando os optantes encontram os de fato excluídos e juntos constroem
empreendimentos produtivos, redes de trocas, instituições financeiras, escolas, entidades
representativas, etc., que apontam para uma sociedade marcada pela solidariedade, da qual
ninguém é excluído contra vontade.
De acordo com GAIGER (2003), os empreendimentos de economia solidária (EES)
constituem a célula básica da economia solidária. Uma de suas características é a
preexistência de alguma relação social entre seus trabalhadores, ou pelo menos entre uma boa
parte deles, seja por já dividirem outros ambientes de trabalho seja por serem camponeses de
uma mesma localidade, ou vizinhos, familiares, ou até mesmo por pertencerem a grupos
étnicos afins. No caso brasileiro, os EES se organizam das mais variadas formas, como
empresas recuperadas e administradas pelos próprios trabalhadores, cooperativas, associações
ou grupos informais de produção, de caráter suprafamiliar e comunitário, caracterizando um
verdadeiro ―polimorfismo‖ que não necessariamente está relegado à parcela mais pobre da
população.
Concomitante ao exposto, devemos salientar que além dos EES, existem no país
diversas organizações que atuam no plano do fomento e fortalecimento das formas de
expressão da economia solidária, tais como: Organizações Não Governamentais (ONG‘s),
movimentos sociais, fóruns nacionais e estaduais, entre outros, tanto no meio urbano como no
meio rural (SILVA, 2010).
Nesta pesquisa constituímos como exemplo dessas organizações solidárias, o Projeto
Reviver em Juazeiro do Norte (CE). O Projeto surgiu através da verificação da forte
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incidência de dependência química entre jovens e adultos trabalhadores na Região Integrada
do Cariri Araripe14, bem como na constatação da inexistência de unidades que promovam o
tratamento e reestruturação dos dependentes químicos da região.
O objetivo central do Projeto Reviver é recuperar dependentes químicos, pessoas
―esquecidas‖ pela sociedade e pela própria família, haja vista que em muitos casos, tais
dependentes estão na marginalidade para sustentar o vício e assim provocando grandes
impactos familiares e sociais. Desta feita, o trabalho de cunho associativo com foco de
solidariedade requer uma série de capacidades que não estão necessariamente inseridas na
dinâmica capitalista de produção. Portanto, esse tipo de organização do trabalho é tido como
experiência coletiva de organização econômica, na qual os indivíduos se associam para
produzir e reproduzir meios de vida, através de relações de reciprocidade e igualdade,
partindo assim do princípio conceitual da economia solidária.
A partir disso, a grande questão desta pesquisa é indagar de que maneira o princípio da
solidariedade que deve perpassar as iniciativas de Economia Solidária constitui estratégia de
superação da marginalidade vivenciada pelos dependentes químicos. Ou seja, a instituição de
um modo de existência que contemple a inclusão social como objetivo principal de uma
Economia Solidária, ou seja, mais preocupada com o ser humano do que com as empresas,
com a relação entre os povos do que com os meios de produção.
Para dar conta da questão central e tomando o Projeto Reviver como campo da
pesquisa, objetivamos identificar na Economia Solidária estratégias de superação da
marginalidade produzida pela dependência química. Especificamente, objetivamos conceituar
Economia Solidária; discorrer a cerca da utilização da Economia Solidária como combate à
14
A RICA é constituída pelos municípios de Abaiara, Altaneira, Antonina do Norte, Araripe, Assaré, Aurora,
Baixio, Barbalha, Barro, Brejo Santo, Campos Sales, Caririaçu, Cedro, Crato, Farias Brito, Granjeiro,
Ipaumirim, Jardim, Jati, Juazeiro do Norte, Lavras da Mangabeira, Mauriti, Milagres, Missão Velha, Nova
Olinda, Penaforte, Porteiras, Potengi, Salitre, Santana do Cariri, Tarrafas, Umari, Várzea Alegre, no Ceará;
Araripina, Bodocó, Cedro, Exu, Granito, Ipubi, Moreilândia, Ouricuri, Santa Cruz, Santa Filomena, Serrita,
Trindade, em Pernambuco; Acauã, Alegrete, Belém do Piauí, Betânia do Piauí, Caldeirão Grande, Campo
Grande, Caridade do Piauí, Curral Novo, Francisco Macedo, Fronteiras, Marcolândia, Padre Marcos, Paulistana,
Pio IX, São Julião, Simões, Vila Nova, no Estado do Piauí; Bom Jesus, Bonito de Santa Fé, Cachoeira dos
Índios, Cajazeiras, Conceição, Guarabira, Monte Horebe, Santa Inês, São José de Piranhas, na Paraíba.
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923
marginalidade, e compreender o processo de superação da marginalidade através do Projeto
Reviver, a fim de construir um quadro característico dos beneficiados pelo projeto.
2. A INSTITUIÇÃO DE UM CAMINHO METODOLÓGICO
2.1 Sobre o projeto
O Projeto Reviver do Cariri, criado em 2006, é uma instituição privada que cuida da
recuperação para dependentes químicos cujo princípio fundamental é a solidariedade a partir
da fé. Conforme o Pastor Fernandito, coordenador da instituição:
A base é a palavra de Deus (...). Temos as terapias operacionais e a parte médica,
que é a parte da saúde, como enfermeiro, psicólogo e psiquiatra. Assistente social,
nós temos essa parte que completa o tratamento e a desintoxicação. Nós temos
cursos, oficinas, cursos que são ministrados como relações humanas e outros cursos
que são ministrados aqui, mas, o que, o que forma, o que muda o caráter, é o que ele
vai aprender dentro da palavra de Deus.
Presentemente o Projeto atende homens e mulheres – jovens e idosos - distribuídos em
três unidades em conformidade com processo de desintoxicação química. O processo tem uma
duração que varia de nove a doze meses de internamento onde se trabalha com terapias
ocupacionais, esportes, palestras, estudos bíblicos, artes, musica, acompanhamentos medico e
espiritual.
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Figura 01: Faixada do Projeto Reviver Cariri
Fonte: dados da pesquisa (2013)
O projeto se destina a todos àqueles que por livre vontade ou por ordem judicial
buscam o Projeto Reviver do Cariri, não importando variáveis como: condições financeiras,
gênero, raça, partido politico entre outras.
Segundo o próprio site da instituição15 alguns dos objetivos do projeto são amparar os
adolescentes, adultos e idosos em situação de risco, estendendo a assistência social à suas
famílias; desenvolver programas beneficentes de inclusão, proteção, prevenção; articular e
integrar ações públicas e privadas em rede comprometer-se com a promoção da comunidade
local, incentivando o trabalho comunitário e participativo e a integração na sociedade;
oferecer o espaço para o lazer sadio, oficinas criativas em socialização e desenvolvimento
humano, cultural e social. favorecer aos alunos uma formação profissional para integrá-los no
15
projetoreviverdocariri.com.br
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mundo do trabalho e na família; oferecer e desenvolver a educação básica familiar; difundir a
importância da cultura através da expressão artística e desportiva; promover, oferecer e
desenvolver a educação para o exercício da cidadania por meio da educação moral, cívica e
religiosa.
Aos dependentes que aderem ao projeto, é oferecido um tratamento adequado
viabilizando o acompanhamento dos internos no primeiro mês, estes permanecem inclusos até
o nono ou duodécimo mês, completando a desintoxicação e retornando a sociedade.
2.2 Sobre os dados e os procedimentos
Para atender os objetivos deste trabalho utilizou-se uma base primária de dados
constituídos a partir de entrevistadas.
A pesquisa de campo utilizou como método a pesquisa-participante que segundo
Soares e Ferreira (2006, p. 92), ―[...] implica necessariamente a participação, tanto do
pesquisador no contexto, grupo ou cultura que está a estudar, quanto dos sujeitos que estão
envolvidos no processo da pesquisa‖.
Segundo Garjado (1986) apud Carvalho (2013) os aspectos da pesquisa participante
são:
a) o objetivo é o de trabalhar com os grupos excluídos, em situações comuns de
trabalho e estudo e trocar informações para colaborar na mudança das condições de
dominação.
b) o ponto de partida, o objeto e a meta da pesquisa participante são o processo de
aprendizagem dos que fazem parte da pesquisa.
c) ao invés de se manter distância entre o pesquisador e o grupo que vai ser
examinado, tal como se exige nas ciências sociais tradicionais, propõe-se a interação.
Trabalhar, talvez viver, no grupo escolhido, a fim de elaborar perspectivas e experimentar
ações que perdurem, inclusive depois de terminado o projeto.
d) no desenrolar do estudo, aspira-se a uma comunicação o mais possível horizontal
entre todos os participantes.
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e) utiliza o dialogo como meio de comunicação mais importante no processo conjunto
de estudo e coleta de informação.
3. A ECONOMIA SOLIDÁRIA COMO ESTRATÉGIA DE SUPERAÇÃO DA
EXCLUSÃO SOCIAL PRODUZIDA PELA DEPENDÊNCIA QUÍMICA: O CASO DO
PROJETO REVIVER CARIRI
3.1 Dependência química: Uma Abordagem Conceitual
Em pleno século XXI, a dependência química é vista como resultado de uso e abuso
de substâncias psicoativas, quer dizer, drogas lícitas e ilícitas vêm a ter um crescimento
progressivo, o que traz graves consequências a saúde física, psíquica e social do ser humano
refletindo na família e na sociedade (SANTOS, 2008).
Conforme a Organização Mundial da Saúde, citado por Santos (2008) as substâncias
psicoativas consistem em:
Substâncias que ao entrarem em contato com o organismo, sob diversas vias de
administração, atuam no sistema nervoso central produzindo alterações de
comportamento, humor e cognição, possuindo grande propriedade reforçadora
sendo, portanto, passíveis de auto-administração.
A dependência química pode ser considerada como sinônimo de escravidão, pois a
pessoa chega a perder o amor próprio, o respeito por si mesmo e também se distanciar de tudo
que faz ou poderia lhe fazer bem, é considerada uma doença grave e até mesmo incurável,
porém pode ser controlada. Visualizando-se como doença, trata-se de um transtorno, em que a
pessoa que porta esse distúrbio perde total controle do uso da substância, acabando assim com
sua vida emocional, psíquica, espiritual e física. Ela é considerada doença química, visto que
o que provoca a dependência é uma reação química no metabolismo do corpo; a circunstância
básica e única dessa ―doença interna‖ é o uso do produto, existindo aspectos internos
relacionados ao organismo que atuam ao mesmo tempo direta e indiretamente que colaboram
para a alocação da doença, causando uma predisposição física e emocional para a
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dependência; é considerada como uma doença progressiva; trata-se de uma doença crônica
que se apresenta como incurável, que atinge de certa forma toda a família (SANTOS, 2008).
Conforme Silveira (2003), citado por Santos (2008, p. 17), a dependência química é:
O impulso que leva a pessoa a usar droga de forma contínua (sempre) ou
periodicamente (frequentemente) para obter prazer. Alguns indivíduos podem
também trazer o uso constante de uma droga para aliviar tensões, ansiedades, medos,
sensações físicas desagradáveis, etc. O dependente caracteriza-se por não conseguir
controlar o consumo de drogas, agindo de forma impulsiva e repetitiva.
Quando o indivíduo sente um impulso indomável, é a dependência psicológica
impondo a ele a necessidade de fazer o uso das drogas a fim de evitar o mal-estar. A
dependência psicológica mostra várias mudanças psíquicas favorecendo a obtenção do hábito.
O hábito por sua vez, é um dos aspectos mais importantes que se considera na toxicomania,
pois a tolerância juntamente com a dependência psíquica significa que se faz necessária o
aumento das doses para adquirir os efeitos desejados. E essa tolerância é o fenômeno
responsável pela necessidade constante do indivíduo aumentar o uso da droga. E em estado de
dependência psíquica, o desejo repetitivo de tomar várias doses é transformado em
necessidade, que se não satisfeita, o indivíduo fica em um estado de profunda angústia,
(estado depressivo). Esse estado de angústia por falta da droga é bastante comum em
praticamente todos os dependentes e viciados (SANTOS, 2008).
Entender e ver como uma doença vem amenizar para o dependente o fato na esfera
moral e social, embora para muitos seja desconhecido ainda este fator doença.
Reconhecer, como doença, aceitar principalmente a família, seria estar iniciando o
processo de resolver a temática da dependência dentro do próprio lar (SANTOS,
2008, p. 18).
Diante de todo esse contexto, pode-se afirmar que a Dependência Química é a
dependência de qualquer substância psicoativa, ou seja, qualquer droga que modifique o
comportamento e que provoque dependência (álcool, maconha, cocaína, crack, calmantes
indutores de dependência ou faixa preta, entre outros vários.). A dependência passa a se
caracterizar a partir do momento em que o indivíduo sente que a droga é necessária para a
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vida, indispensável igual a alimento, água, repouso, etc. Em suma, a dependência química é
uma síndrome que se caracteriza pela falta de controle no uso de determinada substância
psicoativa (SANTOS, 2008).
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), 2001 apud Santos (2008, p.
37):
Cerca de 10% das populações dos centros urbanos de todo o mundo consomem
abusivamente substâncias psicoativas independentemente de idade, sexo, nível de
instrução e poder aquisitivo. Como se tem conhecimento é grande as complicações
sociais, resultantes deste abuso, visto que abala o funcionamento familiar, sendo que
gera a violência doméstica e o abuso físico e sexual. Causam problemas no trabalho,
acometendo desde a presidência até o chão da fábrica. Problemas com a habitação
como, por exemplo, má manutenção da casa; problemas com vizinhos; falta de
pagamento com aluguéis, luz e mudanças freqüentes, etc. Dificuldades financeiras;
crimes; dirigir, pois o maior número de acidentes de trânsito ocorre por pessoas
alcoolizadas e/ou drogadas, bem como a vitimização, pois, a pessoa drogada tornase alvo fácil de ladrões e criminosos violentos.
A recuperação é uma meta, o sonho de todos os dependentes químicos, os que querem
se libertar desta doença, e das famílias, que sofrem com o comportamento inadequado das
pessoas queridas, que muitas vezes os desrespeitam, gritam e até agridem fisicamente,
alterações provocadas pelo uso das drogas. Essa recuperação é um trabalho que pode resultar
em anos e objetiva a transformação de uma vida, que até então estava tomando um rumo
terrível, marcada por brigas, egocentrismo, perdas, etc.; isso tudo ocorrendo em uma vida que
poderia ser produtiva (SANTOS, 2008).
3.2 Os Internos do Projeto Reviver Cariri e o Processo de Recuperação
O principal motivo pelo qual os dependentes químicos procuram o Projeto Reviver é a
desintoxicação química. O tratamento tem duração de 09 (nove) a 12 (doze) meses de
internamento, onde se trabalha com terapias ocupacionais, esportes, palestras, estudos
bíblicos, artes, música, acompanhamentos médico e espiritual. Os entrevistados ressaltam que
a intoxicação foi adquirida principalmente pelo o uso de drogas ilícitas: maconha, cocaína,
crack e drogas lícitas tais como as bebidas alcoólicas.
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O Projeto Reviver visa recuperar dependentes químicos, ou seja, pessoas ―esquecidas‖
pela sociedade e pela própria família. Diante disso, ao analisar as entrevistas, observamos que
o Projeto obtém êxito no que pretende, pois cerca de 90% dos dependentes que deixam a
Unidade, saem total ou parcialmente recuperados. Os dependentes utilizam o seu tempo
ocioso dentro do Projeto realizando atividades que auxiliem na disciplina e aprendizado dos
mesmos. Um exemplo disso são as oficinas de artesanato e leitura as quais são realizadas na
biblioteca da própria instituição. Além destas estratégias, um ponto forte do processo são os
estudos bíblicos, os quais são apresentados pelos idealizadores e beneficiários como a parte
mais eficiente pela dimensão da espiritualidade e seus efeitos sobre o fortalecimento das
novas escolhas dos dependentes.
Sobre isso um dos entrevistados ressalta que:
―[...] aos olhos da humanidade aí, o dependente químico ele não tem cura, mas, pra
Deus, nada é impossível. Eu me considero curado, por que eu me considero curado?
Porque hoje eu tenho a fé em Cristo né, e enquanto eu tiver pegado na mão de Deus,
em Jesus Cristo, enquanto eu tiver pegado na mão de Deus, eu me considero curado,
e quando eu soltar as mãos de Deus, é, novamente pode ser que eu caia, porque eu já
me curei‖.
Na participação no projeto para fins de realização desta pesquisa vimos que a maioria
dos beneficiários afirmam que antes de tomar a iniciativa de procurar ajuda no Projeto era
permeada por medos, fobias e principalmente falta de vontade de retomar a vida. De acordo
com os mesmos, no inicio do uso as drogas provocam sensações de êxtase, bem-estar e
poderio sobre tudo e todos. Por esse motivo, os usuários não conseguem parar, querem cada
vez mais sentir essas sensações. Nesse contexto, um dos entrevistados afirma que:
―[...] aí, as suas amizades, já não eram mais aquelas saudáveis, já é daquele ramo aí
da droga; Aí então, fui conhecer a maconha, foi a minha primeira, primeira droga,
assim que usei, foi maconha. Aí depois da maconha eu comecei a fumar cigarro,
depois eu comecei a conhecer o álcool, cerveja e o álcool mesmo; e depois eu
conheci a cocaína, aí depois eu fiz uma misturada, de tudo, e fiz, eu não sabia o que
eu queria mais, queria beber cerveja, queria fumar cigarro, eu queria fumar
maconha, eu queria cheirar cocaína, o que eu queria era endoidar, eu queria
endoidar, só endoidar‖.
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No entanto, quando o vicio começa a se manifestar, a droga começa a dominar a vida
do dependente e de seus familiares, como também acaba por desvincular o usuário da
sociedade, o impedindo de exercer o seu papel de cidadão.
De acordo com as entrevistas realizadas, constata-se que a maioria dos internos já
estão concluindo o tratamento, haja vista que o tempo mínimo de permanência dos usuários
no plano de recuperação, consiste em 9 (nove) meses. No entanto, verifica-se também uma
grande quantidade (40%) de dependentes, os quais foram internados há pouco tempo. Vale
ressaltar que dentre as entrevistas realizadas, pode-se concluir ainda que alguns dependentes
já fugiram da Unidade aqui citada, por não suportar o período de abstinência das drogas,
como também a solidão (saudade dos familiares). Ademais, é pertinente ressaltar que os
internos possuem tempo com grande ociosidade dentro do Projeto, fator este que pode
impulsionar a vontade de fugir e novamente procurar a ―liberdade‖ que estes dizem encontrar
nas drogas.
Ao analisar as entrevistas, observamos que os dependentes possuem uma vontade
indubitável de recuperar a sua vida. Percebemos que a maioria destes, possuem o mesmo
desejo de recuperar sua família, a qual foi ―trocada‖ pelas drogas, como também reconstruir a
sua integridade com a sociedade. Ressaltam ainda que desejam cursar uma faculdade,
melhorar sua qualidade de vida, através de um emprego com uma linhagem mais
desenvolvida.
3.3 O Projeto Reviver do Cariri e suas especificidades
O Projeto Reviver do Cariri surgiu a partir da iniciativa do pastor Fernandito, o qual
declara que após anos de dependência química fora re-incluído socialmente por meio de uma
casa de dependência química na cidade do Rio de Janeiro. Segundo seu próprio testemunho
―[...] recebemos o chamado de Deus como missão, e há 22 anos que a gente trabalha na
recuperação de dependentes químicos.‖
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Contudo, embora o coordenador tenha 22 anos dedicados ao tratamento de
dependentes químicos, o Projeto Reviver do Cariri tem oito anos de existência, haja vista que
fora fundado em dez de maio de 2005.
O projeto tem a capacidade de receber/abrigar 90 a 100 pessoas, estando hoje com sua
capacidade total na primeira unidade e restando poucas vagas nas demais unidades. Todas as
sedes funcionam na cidade de Juazeiro do Norte, ao todo três, sendo que há projeto de
ampliação para cinco unidades nos próximos anos.
Os internos que lá estão têm diversificadas origens. Segundo o entrevistado ―nós
atendemos o Brasil todo, nós temos alunos de São Paulo à Rondônia, na verdade nós
atendemos mais pessoas de fora, do que daqui do próprio município, então as pessoas
residem, bem distantes daqui‖.
A sustentação financeira do projeto vem a partir de doações de terceiros e de
pagamento realizado pelas famílias dos dependentes, esse dinheiro é destinado à manutenção
do local assim como higiene e alimentação dos internos.
Levando-se em consideração que solidariedade, supõe ser exercida sem discriminação
de sexo, raça, nacionalidade, religião ou afiliação política, pode-se dizer que a verdadeira
solidariedade consiste em ajudar alguém sem receber nada em troca e sem que ninguém saiba.
Ser solidário é, na sua essência, ser desinteressado, haja vista que a solidariedade só se move
pela convicção de justiça e igualdade.
Nesse contexto, os pressupostos da economia solidária relaciona-se ao Projeto
Reviver, através da inclusão de uma política de bem-estar e reintegração social, entre os
dependentes. Com isso, torna-se notório o principio de solidariedade, no sentido de atender e
orientar, de forma continuada e gratuita, pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade
social, estimulando assim, o sentido de cidadania entre os ―beneficiados‖ pelo projeto. No
entanto, vale ressaltar que a vulnerabilidade referida trata das condições sociais de interação
nos grupos familiares, grupos de trabalho, entre outros, pois no que se refere à renda vimos no
Projeto pessoas de todas as classes sociais serem atingidas pela dependência química.
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4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Novos modos de existência econômica, que se pautem em princípios diferentes
daqueles propagados pela economia tradicional, ganham corpo e se fortalecem no século XXI.
Isto por que, os tempos que correm são marcados por crises que se justificam menos na
conjuntura do que na estrutura da economia clássica. Ou seja, é crescente o movimento que
cada vez mais questiona os objetivos de maximização da produção, minimização dos custos e
maximização dos lucros como alternativa única de produção e consumo. Neste cenário,
partilha, comunhão e consumo consciente são apenas alguns dos conceitos que emergem a
partir dos princípios da solidariedade e sustentabilidade.
Sendo assim, a pesquisa junto os Projeto Reviver do Cariri nos permite inferir que o
trabalho com os dependentes químicos, ativa princípios da economia solidária na medida em
que é custeado por doações e contribuições para manutenção dos internos e sustentabilidade
das ações no longo prazo. Prova disto é que já são oito anos de contribuição com a sociedade
sem fins lucrativos.
A vivência com os internos e as lideranças do Projeto mostrou que a grande
argamassa que sustenta a possibilidade de recuperação dos internos é a fé na medida em que
por diversas vezes nos encontros e entrevistas, os integrantes fazem referência a Deus como
única alternativa para a superação do vício.
A dimensão da solidariedade se apresenta, ainda, no fato de que muitos dos
dependentes que se consideram curados permanecem no Projeto como suporte ao trabalho e
aos novos membros.
REFERÊNCIAS
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existente. In. IV ENCONTRO INTERNACIONAL DE ECONOMIA SOLIDÁRIA:
EDUCAÇÃO, POLÍTICA E INTEGRAÇÃO DA AMÉRICA LATINA NESOL, 4., v. 1,
2006, São Paulo.
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BERTUCCI, Jonas de Oliveira. A produção de sentido e a construção social da Economia
Solidária. Brasília, 2010.
GONÇALVES, S. M. S. Economia solidária, associativismo & autogestão: uma análise de
associações de artesanato de Juazeiro do Norte- CE. Juazeiro do Norte/CE, 2010.
LECHAT, N. M. P. As raízes históricas da Economia Solidária e seu aparecimento no Brasil:
Palestra proferida na UNICAMP por ocasião do II Seminário de incubadoras tecnológicas de
cooperativas populares dia 20/03/2002.
NASCIMENTO, Edson Ronaldo. Princípios da Economia Solidária. Brasília, 2006. In:
ROCHA, J. M. Economia Solidária: discutindo uma nova ética nas relações de trocas. Estudo
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SANTOS, Cecilia Serapião dos. Principio da dignidade da pessoa humana, os portadores de
dependência química e suas famílias. Monografia apresentada na Universidade do Vale do
Itajaí. Itajaí-SC, 2008.
SILVA, Maria das Graças e; ARAUJO, Nailsa Maria Souza e SANTOS, Josiane Soares.
Consumo consciente: o ecocapitalismo como ideologia. Rev. katálysis [online]. 2012, vol.15,
n.1, pp. 95-111. ISSN 1414-4980.
SOARES, L. Q.; FERREIRA, M. C. Pesquisa Participante como Opção metodológica para a
Investigação de Práticas de Assédio Moral no Trabalho. Psicologia (Florianópolis), v. 6, p.
85-110, 2006.
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934
A INCLUSÃO SOCIAL NA PERCEPÇÃO DE UMA AMOSTRA DE ESTUDANTES SURDOS
Joelma Soares da Silva16
Francisco Roberto Pinto17
Conceição de Maria Pinheiro Barros18
Tereza Raquel Muniz Gomes19
Resumo
O debate em torno da inclusão social tem ganhado força em diversas camadas da sociedade pois
representa um novo olhar sobre o cidadão em condições diferentes. O objetivo deste trabalho é
identificar como estudante surdo percebe sua inclusão no cotidiano social, no sistema educacional
formal e no mercado de trabalho. Para tanto, foi realizada, uma pesquisa de natureza qualitativa,
composta inicialmente de revisão bibliográfica seguida de uma pesquisa de campo. Como estratégia
de coleta de dados, na pesquisa de campo, realizou-se um grupo focal com 5 estudantes surdos que
estão regulamente matriculadas em uma instituição pública de ensino médio voltada para educação de
jovens e adultos surdos localizada na cidade de Fortaleza, no Estado do Ceará. Por meio dos resultados
obtidos foi possível inferir que o estudante surdo ainda encara a inclusão social como um desafio
principalmente pela falta de informação das pessoas ouvintes e pela ausência de estrutura adequada
nas organizações que facilitem seu processo de inclusão.
Palavras-chaves: Inclusão Social. Estudante surdo. Percepção.
Introdução
O perfil da população brasileira tem mudado ao longo das últimas décadas. Nesse
deslocamento de perfil, os chamados grupos diversos se consolidam na sociedade e os desdobramentos
acerca da inclusão social de tais pessoas são pautas consolidadas em pesquisas de diversas áreas do
conhecimento além de constituírem objeto de intervenção oficial.
Como parte integrante desse conjunto maior, a deficiência desponta no Brasil como
tópico contemporâneo, tema importante de pesquisas inovadoras e objeto suscetível a diversas
inferências. A evolução em torno do tema emerge da necessidade de compreender como ela é encarada
16
Universidade Federal do Ceará, (85) 8723-3959, [email protected]
Universidade Estadual do Ceará, [email protected]
18
Universidade Federal do Ceará, (85) 8865-4694, [email protected]
19
Universidade Federal do Ceará, [email protected], (85) 3226-7149
17
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935
por diferentes sujeitos. Sendo assim, é oportuno que se identifique como os próprios deficientes
percebem aspectos de sua inclusão em diferentes âmbitos de suas vidas. Portanto, o objetivo deste
trabalho é identificar como estudante surdo percebe sua inclusão no cotidiano social, no sistema
educacional formal e no mercado de trabalho.
No Brasil, a legislação, que durante décadas refletiu a visão paternalista exposta
por Manhães (2010) e a classificação orgânica afirmada por Braddoc e Parish (2001), acena tentativas
de oficializar a inclusão social. Mesmo sob críticas de seu caráter social (e.g HEINSKI; BIGNETTI,
2002), são perceptíveis as normatizações da inclusão na educação (BRASIL, 1989, 1999, 2000a,
2000b, 2005), na saúde (BRASIL, 1989,1999), no mercado de trabalho (BRASIL, 1989, 1999) e na
sociedade de uma forma geral através de benefícios sociais concedidos pelo Estado (BRASIL,
1989,1991, 1993a, 1993b,1999, 2000a, 2000b, 2003, 2004, 2007, 2008, 2011).
Instituir o diálogo com diferentes camadas da sociedade poderá servir como ação
antecessora aos programas de inclusão, pois ―a forma de interpretação compartilhada pelas pessoas
sobre a deficiência é um fator explicativo importante para a gestão dessa dimensão da diversidade‖
(CARVALHO-FREITAS, 2007, p. 34).
Para Barnes (2011) a visão de deficiência não é estática nem absoluta, pois se submete a
diversas contigências, dentre elas a cultura e o tempo. Não há evidências antropológicas e sociológicas
substanciais que forneçam respostas sociais exatas para a percepção acerca do grupo em questão
(BARNES, 2011).
Este trabalho está dividido em 06 seções incluindo esta introdução. As seções 02 e 03
abordam a revisão da literarura acerca do tema em questão. As seções 04 e 05 tratam da metodologia e
análise dos dados respectivamente. Por fim, são apresentadas as considerações finais e as referências
que serviram de base para este estudo.
2 Visão orgânica da deficiência
A evolução dos debates e das pesquisas em torno do tema deficiência emerge da
necessidade de compreender como ela é encarada por diferentes esferas da sociedade nos mais
diversificados contextos sociais.
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Visando delimitar a amplitude da deficiência, autoridades buscam classificações
orgânicas. Nesse sentido, a OMS (2004) elenca as tipologias quanto à duração: temporárias ou
permanentes; quanto à evolução: progressivas, regressivas ou estáveis; quanto à frequência das
manifestações: intermitentes ou contínuas; quanto à gravidade: leve ou grave.
Evidentemente, as classificações de uma deficiência podem variar ao longo do tempo. A
legislação brasileira oficializou, inicialmente, as deficiências com base em três abordagens
segmentadas: deficiência; deficiência permanente e incapacidade. O Art. 4º do Decreto nº 3.298/1999
estabelece uma segunda classificação, considerando pessoa com deficiência aquela que se enquadre
em uma nas seguintes categorias: deficiência física; deficiência auditiva; deficiência visual: deficiência
mental: deficiência múltipla.
A deficiência auditiva pode ser compreendia como perda parcial ou total das
possibilidades auditivas sonoras, variando de graus e níveis na forma de surdez leve, surdez moderada,
surdez acentuada, surdez severa, surdez profunda e anacusia (BRASIL, 1999). Alguns anos depois, a
classificação oficial ampliou-se e atualizou os grupos abrangidos. Atualmente a segmentação ainda é
regida pelo Decreto nº 5.296/2004 que em síntese acrescentou as seguintes alíneas ao já exposto acerca
da deficiência auditiva: perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais,
aferida por audiograma nas frequências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz.
Por vezes, as pessoas confundem surdez com deficiência auditiva. Porém, estas duas
noções não devem ser encaradas como sinônimos. A surdez, sendo de origem congênita, é quando se
nasce surdo, isto é, não se tem a capacidade de ouvir nenhum som. Por consequência, surge uma série
de dificuldades na aquisição da linguagem, bem como no desenvolvimento da comunicação. A
deficiência auditiva é um déficit adquirido, ou seja, é quando se nasce com uma audição perfeita e que,
devido a lesões ou doenças, ela é perdida. Nestas situações, na maior parte dos casos, a pessoa já
aprendeu a se comunicar oralmente. Porém, ao com a deficiência, vai necessitará aprender a
comunicar de outra forma (SOUZA, 2004).
3 Visão social da deficiência
Embora o cenário atual acene um deslocamento na percepção da deficiência, ainda
prevalece a visão orgânica do assunto, perceptível principalmente nas definições e classificações
constantes na legislação e na literatura nacionais, a partir da caracterização biológica do indivíduo.
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Omote (1996) afirma que conceituar deficiência é necessário para que se estabeleçam
critérios pelos quais as pessoas são consideradas deficientes. Acrescenta que conhecer as definições e
as classificações expostas anteriormente constitui passo preliminar, porém insuficiente, para
compreender a dimensão do sujeito deficiente na sociedade. Na concepção de Carpentern (2011) é
preciso ir além da classificação de desvios individuais e da categorização redutora e opressiva
implantada pelo modelo médico da deficiência.
Barnes (2011) explicita a mesma tendência conceitual acerca do tema. Para o
autor ―o conceito foi estendido para comportar as desvantagens socio-econômicas e, portanto,
representa um modelo sócio- médico da deficiência‖ (BARNES, 2011, p. 58). Ainda sob este
enfoque, o autor avança e afirma que as limitações do deficiente são decorrentes não da
condição deficiente do indivíduo, mas de condições estruturais e culturais inadequadas que
impedem sua plena participação social (BARNES, 2011).
Barnes (2011) afirma que nas culturas ocidentais tem havido uma tendência constante de
rejeição às pessoas com deficiência.
Bahia e Schommer (2009) exemplificam esta realidade
afirmando que, embora o paradigma da inclusão social tenha emergido a partir da década de 1990,
ainda hoje pessoas talentosas e produtivas estão afastadas do trabalho, por razões que incluem a
desinformação e a inadequação de condições de arquitetura, transporte e comunicação. Consoante com
isso, muitos empregadores assumem que consideram os trabalhadores deficientes incapazes para o
trabalho (ILO, 2003).
A percepção deturpada sobre as capacidades das pessoas com deficiência (PCD) pode
resultar em intolerância ou em discriminação individual que, na visão de Fernandes (2009), remete a
atos simples, diários e às vezes imperceptíveis de intolerância nas relações interpessoais conduzindo,
entre outras, a ações como: aceitar ou não alguém num grupo, empregar ou não alguém, aprovar ou
não uma pessoa. Nesse sentido, Berthou, (2009, p. 35) assevera sobre a situação da inclusão do
deficiente no Brasil:
Vivemos em um país Democrático onde se espera que todos tenham tratamento
igualitário estimulado por atitudes que eliminem toda forma de exclusão e
injustiça social, contudo, quando se aborda a deficiência transmudando o
adjetivo em substantivo, o olhar passa a ter conotação estigmatizante sobre a
realidade e provoca sentimento de rejeição ou proteção. Na prática, é
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importante estabelecer a relação entre igualdade de direito e diferença de fato
reconhecendo o real espaço ocupado pelo indivíduo na sociedade.
É preciso refletir que quando se contrata uma pessoa com deficiência apenas para
cumprir a Lei, sem remover as barreiras que facilitem o acesso dessa pessoa, contribui
para aumentar o preconceito de que ela não possui competência laboral (TANAKA,
MANZINI, 2005).
4 Metodologia da pesquisa
O presente estudo é de caráter descritivo e natureza qualitativa, constituído de duas
etapas: revisão da literatura e pesquisa de campo. Como estratégia de pesquisa de campo foi adotado
o método do Grupo Focal, conhecido por permitir ao pesquisador não só examinar as diferentes
análises das pessoas em relação a um tema, como também explorar como os fatos são articulados por
meio da interação grupal. Possui custo baixo em relação a seu emprego e possibilidade de obtenção de
dados válidos e precisos em curto tempo (GASKEL, 2002; MORGAN, 1997; KITZINGER, 2000). O
grupo focal promove a interação entre os participantes no intuito de obter os dados necessários à
pesquisa (RESSEL, 2002; MACHADO, 2004).
Para este estudo foi realizado 01 grupo focal composto por 05 estudantes surdos
regularmente matriculados no Instituto Cearense de Educação de Surdos do Ceará (ICES). O
grupo teve duração de 1 hora e contou com a presença de um moderador principal que
conduziu as entrevistas e um moderador auxiliar como apoio, além da presença de uma
pedagoga e de um tradutor de LIBRAS.
Os grupos aconteceram em 30 de Maio de 2012 no Instituto Cearense de Educação de
Surdos do Ceará (ICES) localizado na cidade de Fortaleza, estado do Ceará. O primeiro grupo teve
início às 15 horas e encerrou-se às 16 horas e o segundo grupo iniciou-se às 19 horas e foi encerrado
às 20 horas. O intuito de ter-se realizado dois grupos distintos foi de captar maior diversidade de
respostas e assim, ampliar as inferências sobre o tema.
O ICES é uma instituição pública estadual destinada exclusivamente à educação da
pessoa surda. A época existia há 52 anos e atendia à época 520 discentes matriculados em cursos
voltados para educação regular de jovens e adultos e cursos profissionalizantes.
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O instrumento de coleta de dados foi composto de dois blocos de perguntas
abertas que trataram da inclusão social no cotidiano e da inclusão social no mercado de
trabalho. A caracterização do respondente também foi feita mediante tradução da LIBRAS
por se tratar da língua principal do público alvo e por terem dificuldade de compreender o
português escrito. A tradução de LIBRAS para o português foi gravada em áudio, transcrita a
analisada pelos pesquisadores, conforme orientações de Oliveira e Freitas (2010).
5 Apresentação e análise dos dados
Os cinco alunos surdos entrevistados do primeiro grupo são denominados neste capítulo
de entrevistados A, B, C, D e E na intenção de manter o anonimato. Todos têm idades de dezessete a
vinte e quatro anos, quatro são mulheres e apenas um homem, o estado civil de todos solteiros e
apenas um separado. Todos moram com os pais, e estão fazendo curso profissionalizante de
informática, oficina de português, e hardware. Em relação ao mercado de trabalho, 02 nunca
trabalharam, 02 trabalham no próprio ICES e 01 já trabalhou em lugares externos à instituição, mas
atualmente só estuda.
Inclusão social no cotidiano
O primeiro bloco de perguntas versou sobre a inclusão social no cotidiano. Inicialmente,
foi questionado como eles preferiam ser denominados e todos foram unânimes em afirmar que não
gostam de ser chamados de deficientes, pois consideram um termo negativo e que abrange diversas
categorias de deficiência. Como se consideram uma comunidade, não se classificam como deficientes
e preferem ser chamados apenas de surdos.
1. As pessoas ouvintes fora da escola tem dificuldade de se comunicar com você? Quais
dificuldades você enfrenta?
Depende, algumas pessoas usam bastante mímica, mas varia muito de cada pessoa,
mas há sim bastante comunicação, até porque depende também do desenvolvimento
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do surdo, geralmente preciso de intérprete para uma consulta ao médico pois não
entendo muito bem a letra do Dr. na Receita Médica, mas na minha casa percebo
quando há algum problema pois sinto as pessoas estranhas, e ninguém fala pra mim
daí fica um clima chato (ENTREVISTADO C).
Comigo sempre tive facilidade principalmente dentro de casa, pois minha mãe fez
curso de Libras aqui no ICES, e quando vou ao médico faço leitura labial e como
sempre vou com minha mãe não sinto dificuldade, já nas ruas faço questão de ser
simpático e digo logo que sou surdo, vou quebrando o gelo, e deixando as pessoas
ouvintes mais a vontade e acostumadas comigo (ENTREVISTADO A).
Geralmente quando uso serviço público de saúde, ou transporte sinto muita
dificuldade de entender os ouvintes pois eles não tem muita paciência para explicar e
falar com calma pois faço leitura labial (ENTREVISTADO B).
2. Como você encara os serviços ofertados públicos como saúde, segurança, lazer e
esporte? Atendem às necessidades da comunidade surda? Você tem dificuldade de
acesso a eles por ser surdo?
O serviço de saúde, é o pior, porque os médicos escrevem a receita médica com uma
letra ilegível, muito difícil de entender a escrita (ENTREVISTADO C).
Também concordo pois o serviço de saúde nos faz entender que necessitamos sempre
de um intérprete para nos auxiliar numa consulta e mais, temos que achar uma pessoa
que tenha ética (ENTREVISTADO A).
Quando eu vou ao médico levo minha mãe ou algum amigo que sabe Libras de minha
confiança para que eu possa ser consultada (ENTREVISTADO B).
3. Você sente dificuldade em se comunicar no uso de serviços cotidianos, como ônibus,
comercio, repartições publicas, por exemplo? Precisa de intérprete de Libras?
Sim, muitas vezes preciso de intérprete quando vou ao médico, ou então preciso ir
tirar algum documento numa repartição pública (ENTREVISTADO C).
Como tenho pessoas na família que também sabem Libras, tenho algum parente que
sempre me acompanha (ENTREVISTADO D).
Falta intérpretes para isso, pois a maioria vão trabalhar em universidades, e há uma
certa carência para a comunidade surda em relação a alguns serviços principalmente o
serviço médico (ENTREVISTADO A).
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4. Você usa fila preferencial?
As vezes uso quando vejo uma plaquinha informando, mas, se não tiver eu não uso
porque tenho vergonha (ENTREVISTADO A).
Eu sempre usei (ENTREVISTADO C).
Uso as vezes porque nas placas só tem o termo deficiente e não especifica qual
deficiência, aí tenho medo de usar e as pessoas acharem que não sou surdo, uma vez
estava com meu irmão na fila que é ouvinte, e passei na frente das pessoas, aí uma
senhora perguntou a mim se eu não tinha vergonha de fazer aquilo passar na frente das
pessoas, ai meu irmão falou que eu sou surdo e traduziu quando eu disse a ele que se
ela não parasse de falar eu iria procurar os meus direitos e iria processá-la
(ENTREVISTADO E).
5. Você já sofreu algum preconceito? De que forma? Como se sentiu?
Sim, quando fui tentar o Enem no ano passado, chamei o intérprete ele falou que não
podia traduzir a prova toda pois eram ordens da direção ele só poderia traduzir
algumas palavras, me senti magoada, pois me preparei, estudei para a prova, e senti
que me tiraram um sonho (ENTREVISTADO B).
Eu também fui fazer o Enem e me senti da mesma forma, pois se é um programa do
governo e não é particular, questionei porque eles dificultam para algumas pessoas
(ENTREVISTADO D).
As pessoas me olham diferente na fila de um banco, ou num local público quando
estou me comunicando, mas logo dou um sorriso e recebo simpatia também
(ENTREVISTADO A).
6. Busca informações a respeito do seu direito?
Sim sempre pesquiso e levo dentro da bolsa meus direitos (ENTREVISTADO A).
Pesquiso meus direitos mas acho que está muito falho pois para tirar a Carteira
Nacional de Habilitação, deveríamos ter um intérprete, como também quando vamos
ao médico da mesma forma, dentro dos Hospitais é muito difícil encontrar intérpretes
(ENTREVISTADO D).
Com certeza, até porque quando alguém me questionar na rua, ou em qualquer outro
lugar terei como me defender (ENTREVISTADO E).
A maioria dos alunos entrevistados procura saber quais suas possibilidades de
crescimento e evolução no mundo, mas ainda acham que as Leis asseguram poucas atividades para a
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comunidade surda, eles ainda se sentem impossibilitados em realizar certos exames como tirar a
carteira de habilitação, pela falta de intérpretes.
Inclusão social na educação
Nessa parte da entrevista, o primeiro grupo focal, foi entrevistado com perguntas
direcionadas especificamente sobre a educação de surdos, e o que acham sobre a inclusão do aluno
surdo em escolas regulares, se já estudaram em escolas regulares e sofreram algum tipo de preconceito
e o que acham do Instituto de surdos.
7. Você já estudou em escola regular? Se sim, por que saiu?
Sim, havia apenas eu de surda na sala de aula, e na escola havia cinco surdos no total,
mas sai no oitavo ano pois estava tendo muitas despesas, aí fui para um colégio do
Estado, e depois para o ICES. No momento que estive na escola regular, me senti
muito mal, presa, pois na sala eu era a única surda, e o professor não sabia Libras, mas
como fiz leitura labial por muito tempo, ele primeiro explicava para a turma depois
ficava perto de mim fazia leitura labial e desenhava na lousa mas como isso demorava
muito as vezes não dava tempo e eu ficava sem entender a matéria (ENTREVISTADO
A).
Eu também sai do colégio regular pelas despesas e também porque os Professores não
sabiam Libras e minhas notas variavam muito, aí minha mãe me colocou nas aulas de
reforço, mas os professores acabavam me passando de ano sem me avaliar então
acabei fazendo fonoaudiologia, hoje sou bimodal, ou seja falo um pouco a língua oral
e também a minha língua materna a Libras (ENTREVISTADO C).
Sempre estudei no ICES (ENTREVISTADO B).
8. Você é a favor de uma escola separada para alunos surdos?
Sim, acho que o ICES é melhor para mim pois a Inclusão gera muita confusão, porque
quando estive numa turma regular com alunos ouvintes todos falavam muito e faziam
chacota, me chamando de burro, e aqui me sinto bem melhor, praticamente me sinto
em casa (ENTREVISTADO A).
Acho que o ICES tem uma pedagogia visual preparada para os surdos, coisa que
nunca um colégio regular teria (ENTREVISTADO E).
Nas escolas regulares os professores tem pena da gente e acabam passando a gente
para a série seguinte, e também essas escolas não possui intérpretes em Libras
(ENTREVISTADO B).
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9. Faz algum outro curso além da escola? Onde? É uma instituição regular ou especial?
Sim, eu fiz curso de computação e hardware numa instituição regular e aqui também
(ENTREVISTADO A).
Faço apenas oficina de Português e E-Jovem um projeto sobre novas tecnologias do
ICES (ENTREVISTADO B).
Faço curso de artes no ICES (ENTREVISTADO C).
10. A escola fornece curso de Libras para a família do aluno?
Sim, minha mãe faz oficina de Libras aqui no ICES, ela no começo achava muito
difícil e se comunicava comigo por mímica, e usava a escrita, hoje ela já domina a
Libras (ENTREVISTADO A).
Sim oferece, meus pais fizeram o curso de Libras (ENTREVISTADO C).
Fornece sim, mas minha família não tem tempo e acha muito difícil, ai quando estou
em casa uso um aparelho auditivo e escuto apenas ruídos, aí sei quando minha mãe
esta querendo se comunicar comigo, mas ela escreve num papel (ENTREVISTADO
B).
11. Você tem vontade de entrar numa faculdade, trabalhar?
Sim, claro que quero entrar numa faculdade e trabalhar, mas para isso, vou insistir no
Enem e provar para todos que vou conseguir passar (ENTREVISTADO A).
Eu quero estudar moda e trabalhar com corte de cabelo (ENTREVISTADO C).
Eu quero passar num concurso, ter um trabalho efetivo que eu tenha estabilidade, pois
serviço terceirizado não compensa (ENTREVISTADO B).
12. A escola fornece orientação para os alunos que desejam ingressar na universidade ou
no mercado de trabalho?
Sim o ICES possui um programa para auxiliar a entrada do aluno no vestibular, assim
como estudar para o Enem (ENTREVISTADO A).
O ICES possui cursos de auxiliar administrativo que prepara o aluno para o mercado
de trabalho, acho muito importante (ENTREVISTADO B).
Sim além dos cursos de capacitação para o trabalho, temos orientações para o
vestibular (ENTREVISTADO C).
13. Todos dominam o português escrito ou só a Libras?
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Eu domino, mas estudei muito para aprender (ENTREVISTADO C).
Eu tenho dificuldades quando por exemplo, uso o celular que é só para passar
mensagem, aí quando recebo mensagem de algum ouvinte não entendo pois ele usa
muita gíria, e me confundo acabo não entendendo (ENTREVISTADO B).
Não muito, me confundo às vezes, porque misturo o vocabulário (ENTREVISTADO
A).
Inclusão social no mercado de trabalho
14. Você encontra ou encontrou dificuldades para conseguir emprego? Quais?
Não sei como é o mundo lá fora pois sempre trabalhei no ICES, não tive dificuldade
em empenhar minhas funções (ENTREVISTADO C).
Sim, antes de trabalhar aqui no ICES eu procurei emprego em um escritório de
contabilidade, fui com minha irmã que é ouvinte e a empresa falou que não contratava
deficientes porque não tinham adaptações para surdos (ENTREVISTADO A).
Sim, acho que para todo mundo há dificuldades, não é só porque sou surdo, acredito
que as empresas tenham medo de não dar certo ter uma pessoa com determinada
peculiaridade dentro do seu trabalho (ENTREVISTADO B).
15. Você acha que está no cargo atual porque é surdo ou poderia exercer alguma outra
função?
Acho que cada pessoa tem uma habilidade diferente da outra, eu gosto de digitar, de
trabalhar com papeis, declarações, folhas de pagamento, mas claro que serviço de
secretaria, como atender telefones é impossível para um surdo porque trabalhar com o
público, o cliente externo, requer muita comunicação oral, para manter o elo entre a
empresa e o cliente (ENTREVISTADO C)
Eu gosto do que faço, acredito que estou nesse setor porque sou dedicado e gosto de
aprender, mas depende da empresa também porque as vezes é ela que determina em
que tipo de cargo e perfil a pessoa tem para a empresa (ENTREVISTADO B).
Estou nesse cargo porque aprendi o que iria fazer, e se eu for para outro setor irei me
dedicar mais ainda, não estou nele apenas porque sou surdo as pessoas me valorizam
bastante (ENTREVISTADO A).
16. Quais as principais dificuldades encontradas no dia-a-dia do seu trabalho?
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Trabalho com papeis, digitação, declarações de alunos, folhas de pagamento e
matrícula, então como fiz cursos de informática, não sinto dificuldades
(ENTREVISTADO A).
Também não sinto dificuldades (ENTREVISTADO C).
Sempre que tenho dificuldades, recorro a alguém que esteja disposto a me ajudar, e
daí aprendo cada vez mais, no começo tinha muitas dúvidas mas sempre me esforcei
para aprender hoje em dia me sinto mais capacitado (ENTREVISTADO B).
17. No seu trabalho há outros surdos ou outros deficientes?
Há apenas surdos (ENTREVISTADO C).
No antigo trabalho tinha cegos também, e pessoas com um atraso intelectual, mas
atualmente somente surdos (ENTREVISTADO A).
Somente surdos (ENTREVISTADO B).
18. Você enfrenta alguma dificuldade de relacionamento com as pessoas do trabalho?
Como sempre trabalhei no ICES as dificuldades que enfrentei foram superadas
facilmente pois a comunicação entre os funcionários ouvintes que sabem Libras torna
o trabalho mais flexível e prazeroso (ENTREVISTADO A).
Não, sempre foi tudo tranquilo, as pessoas que trabalham comigo sabem que sou surdo
e tem paciência comigo (ENTREVISTADO B).
Não, até agora não enfrentei dificuldades com as pessoas no trabalho
(ENTREVISTADO C).
19. Há algum tipo de seleção de emprego para surdos?
Não sei se há seleções por aí, mas aqui no ICES, me senti muito adaptada com minha
função, pois já conhecia as pessoas ouvintes que trabalham aqui, aí foram muito
pacientes comigo e logo me adaptei (ENTREVISTADO A).
Quando trabalhei numa rede de mercantis na parte de auxiliar do caixa, fizeram uma
prova para ver se eu era boa no português escrito, se eu era simpática, e depois
fizeram um treinamento de adaptação de 2 meses, e consegui (ENTREVISTADO B)
No ICES é oferecido cursos de capacitação e geralmente procuramos aquilo que já
temos tendência ou gostamos, mas antes de entrar no meu trabalho fizeram apenas um
treinamento comigo (ENTREVISTADO C).
Analisando a entrevista do grupo focal percebe-se que a inclusão social para os
participantes tem aspectos diferentes, em termos de cotidiano, educação e mercado de trabalho. A
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Inclusão Social no cotidiano na visão dos discentes entrevistados, ainda está repleta de falhas,
principalmente no quesito saúde, pois há escassez de profissionais intérpretes em hospitais, o que
ocasiona insatisfação na comunidade surda, pois no caso de uma consulta médica, o próprio médico
que não entende LIBRAS, ao passar a receita ao paciente surdo, escreve com letra ilegível, e para um
surdo que sabe o português escrito já é complicado então para um surdo que não entende o português
escrito fica mais complicado ainda.
No que diz respeito à educação regular, sabe-se que a inclusão do aluno surdo no ensino
regular é, portanto, determinante para o seu desenvolvimento enquanto participante de um contexto
sociocultural, pois valida o comprometimento do real propósito escolar. Porém, de acordo com os
resultados obtidos na entrevista, a maioria dos alunos surdos entrevistados, não teve bons rendimentos
em escolas regulares, e também não aceitam a ideia de inclusão de surdos na educação convencional.
Tal constatação causa surpresa, pois acredita-se que a inclusão não se limita a transpor
barreiras arquitetônicas ou cognitivas, mas de relações sociais viabilizando, assim, a redução de
preconceitos ou estigmas. No entanto, para os abordados, isso gera atraso no aprendizado e as escolas
regulares não tem adaptações para fornecer resultados positivos no aprendizado deles, enfatizando
também a falta de intérpretes nessas escolas.
Identificou-se também unanimidade no fato deles não aceitarem o termo deficiente. pois,
acreditam que deficiência, intitula várias categorias e classificações, então acabam se sentindo
incomodados quando são chamados de deficientes, pois alegam que apenas nasceram surdos e fazem
parte de uma cultura e comunidade diferenciadas.
Quanto às pessoas ouvintes fora da escola, um aluno respondeu que sua comunicação
com elas varia muito, pois algumas pessoas usam bastante mímica até porque depende também do
desenvolvimento do surdo e o modo como ele se expressa. Um dos entrevistados expressou que
sempre tentou ser simpático com as pessoas e já mostrando que é surdo para que as pessoas se
acostumem com ele e também sejam simpáticas, já outro aluno quando usa serviço público de saúde
sente muita dificuldade de entender os ouvintes pois eles não tem muita paciência para explicar e falar
com calma já que ele faz leitura labial, e acaba levando a mãe que fez curso de Libras, ou um
intérprete.
A respeito da fila preferencial, a maioria respondeu que não usa, pois, tem vergonha e
medo de alguém achar que estão se aproveitando já que muitos a maioria da sociedade espera sempre
alguém com deficiência física e não apenas surdos. Além disso, as placas só apresentam o termo
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deficiente e não especifica qual deficiência. Apenas um aluno faz questão de usar quando há placas
indicativas.
Na abordagem do preconceito, a maioria dos alunos respondeu que se sentiu muito
magoado por não ter recebido auxílio de um intérprete ao fazer a prova do ENEM, pois por ordens da
direção, o intérprete faria a tradução apenas de algumas palavras. Outros dois alunos respondeu que
quando estão na fila de um banco, ou de alguma repartição pública, as pessoas olham diferente para
eles ao se comunicarem por gestos, mas logo lançam um sorriso e ignoram.
Foi questionado também se eles buscam informações sobre seus direitos e foram
unânimes respondendo que além de procurarem seus direitos, imprimem e carregam dentro da bolsa
para caso ocorra alguma eventualidade já tem como se defender, um dos alunos respondeu que acha
muito falho os direitos dos surdos pois para tirar a Carteira Nacional de Habilitação, deveria ter um
intérprete, como também quando vão ao médico da mesma forma, dentro dos Hospitais é muito difícil
encontrar intérpretes.
Na parte da educação, foi questionado se já estudaram em escola regular, e porque
saíram, e apenas dois respondeu que sempre estudou no ICES, a maioria veio de escola regular e
responderam que saíram pelo alto custo de despesas e pelas notas que variavam bastante pelo fato dos
professores primeiro explicarem para a turma depois ficava perto deles fazendo leitura labial e
desenhava na lousa, mas como isso demorava muito as vezes não dava tempo e ficavam sem entender
a matéria, como os professores não sabiam Libras, acabava os passando de ano sem avaliar, e isso
prejudicava.
Verifica-se que ao questionar se são a favor de uma escola separada para surdos, todos
foram unânimes ao afirmar pois alegaram que o ICES é melhor para eles pois a Inclusão gera muita
confusão, porque quando estiveram numa turma regular com alunos ouvintes todos falavam muito e
faziam chacota, chamando de burro, e no ICES se sentem bem melhor. Outro aluno respondeu que no
ICES há uma pedagogia visual preparada para os surdos, coisa que nunca um colégio regular teria e
que nas escolas regulares os professores tem pena dos surdos e acabam os passando para a série
seguinte sem avaliar, e também as escolas regulares não possui intérprete.
Foi levantada a questão dos cursos fora do ICES, se já cursaram ou não, todos foram
unânimes, respondendo que sim, cursaram tanto fora do ICES como lá mesmo, cursos de computação,
hardware, oficina de português, e curso de artes. Abordou-se o fato de a escola fornecer orientação
para os alunos que desejam ingressar na universidade ou no mercado de trabalho, e todos os alunos
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reconhecem a importância que o ICES possui em ter programas para auxiliar a entrada do aluno no
vestibular, assim como estudar para o Enem, e possui cursos de auxiliar administrativo que prepara o
aluno para o mercado de trabalho.
Quando abordou-se o fato da escola possuir curso de Libras para a família do aluno
surdo, a maioria respondeu que a família se esforça para aprender, mas acha muito difícil, ou não tem
tempo. Quanto ao português escrito, a maioria respondeu que se esforça para aprender, um dos alunos
falou que quando usa o celular que é só para passar mensagem e recebe mensagem de algum ouvinte,
não entende, pois o ouvinte usa muita gíria, acaba se confundindo e misturando o vocabulário.
Na questão dos objetivos, todos foram unânimes respondendo positivamente que desejam
muito entrar numa faculdade e trabalhar, passar num concurso pois disseram que trabalho terceirizado
não tem estabilidade e não compensa, outro aluno respondeu que quer estudar moda e trabalhar com
corte de cabelo.
No quesito mercado de trabalho, foi questionado se encontram ou encontraram
dificuldades para conseguir emprego, e quais, apenas um aluno respondeu que como sempre trabalhou
no ICES, não teve dificuldade em empenhar suas funções, outro entrevistado respondeu que antes de
trabalhar no ICES procurou emprego em um escritório de contabilidade, foi com a irmã que é ouvinte
e a empresa falou que não contratava deficientes porque não tinham adaptações para surdos, um dos
alunos acha que para todo mundo há dificuldades, não é só porque é surdo, acredita que as empresas
tem medo de não dar certo ter uma pessoa com determinada peculiaridade dentro do seu trabalho.
Questionou-se se havia seleção de emprego para surdos, um aluno respondeu que não
sabe se há seleções por aí, mas que no ICES, se sentiu muito adaptado com a função, pois já conhecia
as pessoas ouvintes que trabalham lá, aí foram muito pacientes e logo se adaptou, outro entrevistado
respondeu que quando trabalhou numa rede de mercantis na parte de auxiliar do caixa, fizeram uma
prova para ver se ele era bom no português escrito, se tinha simpatia, e depois fizeram um treinamento
de adaptação de dois meses, já outro aluno disse que no ICES é oferecido cursos de capacitação e
geralmente procuram aquilo que já tem tendência ou gosta, mas antes de entrar no trabalho fizeram
apenas um treinamento com ele.
Quanto ao fato de estarem no cargo porque é surdo ou se podia exercer outra função, um
aluno respondeu que cada pessoa tem uma habilidade diferente da outra, e que gosta de digitar, de
trabalhar com papeis, declarações, folhas de pagamento, mas afirma que serviço de secretaria, como
atender telefones é impossível para um surdo porque trabalhar com o público, o cliente externo, requer
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muita comunicação oral, para manter o elo entre a empresa e o cliente. Já os demais responderam que
gostava do que fazia e acredita que está nesse setor porque é dedicado e gosta de aprender, mas
salientam que depende da empresa também porque às vezes é ela que determina em que tipo de cargo
e perfil a pessoa tem para a empresa, um dos alunos respondeu que está nesse cargo porque aprendeu o
que iria fazer, e se for para outro setor irá se dedicar mais ainda e que não está nele apenas porque é
surdo as pessoas o valorizam bastante.
Analisa-se que ao questionar as principais dificuldades encontradas no dia-a-dia do
trabalho, todos foram unânimes respondendo que não sentem dificuldades. Um dos alunos respondeu
que como trabalha com papeis, digitação, declarações de alunos, folhas de pagamento e matrícula, fez
cursos de informática e não sentiu dificuldades, outro entrevistado respondeu que sempre recorro a
alguém que esteja disposto a ajudar, e daí aprende cada vez mais, no começo tinha muitas dúvidas mas
sempre se esforçou para aprender hoje em dia se sinto mais capacitado.
Verificou-se que não há outros deficientes trabalhando com os entrevistados, apenas um
respondeu que no antigo trabalho, tinha um cego também. Quanto ao fato de enfrentarem alguma
dificuldade de relacionamento com as pessoas do trabalho um dos alunos respondeu que como sempre
trabalhou no ICES as dificuldades que enfrentou foram superadas facilmente pois a comunicação entre
os funcionários ouvintes que sabem Libras tornou o trabalho mais flexível e prazeroso, outros dois
entrevistados respondeu que não, sempre foi tudo tranquilo, as pessoas que trabalham com eles sabem
que são surdos e tem paciência.
Verifica-se que os entrevistados se sentem bem ao falar do ICES, e que são dedicados,
possuem sonhos de entrar numa faculdade, trabalhar, formar uma base para ter um futuro melhor.
Portanto, nota-se que a inclusão social tem diferentes dimensões para os surdos
entrevistados, cada esfera possui uma vantagem e desvantagem, mas no quesito educação, todos são
bem positivos ao alegar que não se pode incluir uma parcela mínima de alunos surdos dentro de uma
classe onde a maioria de ouvintes impera, pois isso causa o preconceito, o atraso de aprendizagem até
porque para haver a inclusão na educação precisa haver também adaptações para isso, inclusive
aumentar os concursos para os cargos de intérpretes nas escolas regulares.
6 Considerações finais
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Os dados coletados por meio do grupo focal deixou evidente que os alunos surdos
ainda sofrem com dificuldades de inclusão em serviços básicos do cotidiano, como no caso de
atendimento à saúde e em escolas regulares, por exemplo. Tal realidade obriga que o surdo
ande sempre acompanhado de um parente ou pessoa que domine LIBRAS. Tal realidade é no
mínimo preocupante já que estas pessoas poderiam exercer outras atividades produtivas. O
surdo não necessita ser dependente de alguém que o guie. O fato é que a sociedade impõem
limitações estruturais que torna a surdez um problema, quando na realidade é apenas uma
diferença.
Embora oficialmente órgãos públicos devam favorecer o acesso e a permanência
do deficiente, ainda é difícil encontrar espaços públicos que sejam coerentes com tal
exigência. Usar de mímicas, desenhos ou similares são saídas arcaicas que apenas apontam o
constrangimento que o surdo está submetido diariamente.
O resultado é que para amostra abordada é mais interessante estar recluso a um
ambiente próprio, pois não se sentem absurdos para a sociedade. Não demonstrar interesse em
pertencer a ambientes mistos e preferir a escola própria para surdos além de trabalhar na
própria escola por mais que cause surpresa é justificável considerando a realidade apresentada
pelos participantes. Em contrapartida, há de se questionar até ponto manter-se recluso a um
espaço limitado a estudantes surdos é de todo salutar, já que esta fase de suas vidas é
temporária. Em breve, por exemplo, sentirão vontade e necessidade de cursar o ensino
superior e não mais poderão esquivar-se do convívio que hoje preferem evitar por ser difícil.
Saber como os discentes surdos encaram a própria inclusão no cotidiano social, na
educação forma e no mercado de trabalho é relevante, já que políticas de inclusão são projetas
em função deste público. A inclusão social ainda é muito conceitual no Brasil e precisa ser
repensada a partir da compreensão de como diversos atores sociais a encaram.
Os limites deste trabalho centram-se em ter sido abordado um único tipo de
deficiência além dos participantes serem jovens, ou seja, possivelmente não apresentem
dificuldades próprias de pessoas surdas em outras fases da vida, como na terceira idade, por
exemplo. Acredita-se que outras pesquisas possam apresentar dados que se somados aos aqui
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951
apresentados poderão suprir lacunas do conhecimento acerca da inclusão social de pessoas
surdas.
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ACESSIBILIDADE DE ESTUDANTES SURDOS À UNIVERSIDADE FEDERAL DO
CEARÁ – UM ESTUDO DE CASO
Joelma Soares da Silva20
Francisco Roberto Pinto21
Conceição de Maria Pinheiro Barros22
Jane Miqueline Magalhães Vieira23
Resumo
O objetivo deste estudo é identificar as práticas desenvolvidas pela Universidade Federal do Ceará
para a promoção do acesso e da permanência de estudantes surdos ao ensino superior. Para tanto, foi
realizada uma pesquisa qualitativa e descritiva por meio de revisão teórica sobre o tema seguida de um
estudo de caso na Universidade Federal do Ceará. Como técnica de coleta de dados foi realizada uma
entrevista estruturada com um representante da Secretaria de Acessibilidade da referida universidade
realizada em junho de 2013. Os resultados obtidos revelam que a universidade não atende ainda em
sua totalidade às expectativas das políticas de acessibilidade no que diz respeito à promoção do acesso.
A análise dos dados permitiu inferir também que no que diz respeito à promoção da permanência
ainda há deficiências a serem supridas, embora já existam ações em andamento que consideram tal
situação.
Palavras-chaves: Acessibilidade, Deficiência Auditiva, Estudantes Surdos.
Introdução
A tendência mundial de inclusão de grupos de diversidade tem ganhado notoriedade
por promover o atendimento das necessidades sociais dos considerados excluídos. Tal
realidade concede ao tema acessibilidade o status de objeto de estudo, debates e inferências
que subsidiam políticas públicas diversas. No intuito de promover real segurança em qualquer
tipo de ambiente possível, incluir é, antes de tudo, igualar a prestação de serviço de forma
ampla permitindo, assim, que as pessoas que necessitam de atendimento diferenciado tenham
possibilidades reais de satisfazer suas necessidades. A acessibilidade é a possibilidade de
20
Universidade Federal do Ceará, (85) 8723-3959, [email protected]
Universidade Estadual do Ceará, [email protected]
22
Universidade Federal do Ceará, (85) 8865-4694, [email protected]
23
Universidade Federal do Ceará, [email protected] (85) 3226-7149
21
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955
qualquer pessoa, independentemente das suas capacidades físicas, culturais ou sociais, ter
acesso ao benefício de usufruir de uma vida em sociedade, incluindo serviços e informações,
com um mínimo de restrições possíveis (NICHOLL, 2001).
No vasto universo da diversidade, estão inseridos indivíduos com aspectos específicos
variados como gênero, etnia, orientação sexual, idade, origem geográfica, crença religiosa,
diferenças ou limitações físicas e mentais. Na concepção de Saraiva e Irigaray (2009) os
grupos que diferem dos padrões tidos como normais merecem especial atenção, pois, não
raramente, são encarados como diferentes e consequentemente, estigmatizados.
A percepção contemporânea das diferenças individuais e suas implicações sociais
iniciou-se ainda na década de 1960 nos Estados Unidos, quando, através da legislação, o
governo coibiu práticas discriminatórias por parte das empresas (ECCEL; FLORESPEREIRA, 2008). Desde então, o debate em torno do tema tem avançado como elemento
consolidado na pauta empresarial e acadêmica e numa visão mais contemporânea tem-se a
inclusão instaurada como caminho definitivo para sanar diferenças individuais e sociais.
Como aspecto fundamental da inclusão, a educação é sem dúvida, o marco dinamizador de
oportunidades para diversos grupos incluindo as pessoas deficientes.
Diante do exposto, elegeu-se como objetivo geral deste estudo, identificar as práticas
desenvolvidas pela Universidade Federal do Ceará (UFC) para a promoção do acesso e da
permanência de estudantes surdos ao ensino superior. Trata-se de uma pesquisa qualitativa e
descritiva pautada em referências sobre deficiência e inclusão seguida de um estudo de caso
na UFC. São apresentadas as considerações acerca dos achados e os autores que serviram de
base para este estudo.
2 Aspectos fundamentais da deficiência auditiva
Nos mais diversos períodos da história da humanidade, a deficiência sempre foi um
assunto que despertou a atenção do homem por tonar visível o diferente. Nesse contexto não é
incomum encontrar na literatura, tentativas de conceituar e classificar a deficiência em função
daquilo que ela subtrai do homem.
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De acordo com Giordano (2000), a análise histórica do conceito de deficiência remete
a uma estreita relação entre a concepção do fenômeno e a ação social perante o seu portador.
Para o referido autor existem muitas concepções de deficiência e elas nada mais são do que
pensamentos adquiridos ao longo da história. Na afirmativa de Carvalho-Freitas e Marques
(2006) a visão de deficiência é emergente de um processo histórico de classificação de
características que distingue pessoas ou grupos, tendo por parâmetro a interpretação
construída historicamente e calcada em convicções individuais e sociais.
Nesse sentido, ressalte-se que as definições e classificações oficiais nacionais são em
sua grande maioria pautadas na condição orgânica e não social. Como exemplo mais
abrangente destaca-se a definição da Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF),
proposta pela Organização Mundial de Saúde (OMS) onde a deficiência é conceituada como
uma mudança na estrutura ou função do corpo da pessoa, não estabelecendo uma relação de
causa para a sua funcionalidade ou incapacidade. Em termos de definições legais nacionais, o
Decreto nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004 em seu artigo 3º segmenta a deficiência em três
partes a saber: deficiência, deficiência permanente e incapacidade diferenciadas entre si,
basicamente em função da redução motora que promove no indivíduo. Conforme o decreto nº
5296, de 2 de dezembro de 2004, a pessoa é considerada com deficiência pode se enquadrar
em uma das seguintes categorias: auditiva, física, visual, mental ou múltipla (BRASIL, 2004).
A deficiência auditiva é dividida em graus e classifica-se segundo a perda da audição.
Segundo o Decreto nº 5.296 de 2004, deficiência auditiva é a perda bilateral, parcial ou total,
de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500HZ,
1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz. A deficiência auditiva é dividida em graus e classifica-se
segundo a perda da audição (BRASIL, 1999).
Deficiente auditivo é como se autodenominam os sujeitos que escutam parcialmente,
ou seja, aqueles que apresentam uma perda moderada ou leve do grau da audição. De acordo
com o grau de comprometimento da perda auditiva da pessoa, esta pode ser aferida por meio
de testes que delimitem os limiares tonais chamados de Audiômetros. Esses limiares
correspondem à menor intensidade de som que o indivíduo consegue ouvir. Sendo assim, os
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indivíduos com níveis de perda auditiva leve, moderada e severa são chamados de deficientes
auditivos, enquanto aqueles com níveis de perda auditiva profunda são chamados de surdos
(MARTINEZ, 2000).
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 28 milhões de brasileiros
possuem algum tipo de problema auditivo. Dados do último censo realizado pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2010, no Brasil cerca de 10 milhões de
pessoas possuem alguma deficiência auditiva. Desse total, cerca de 2 milhões de pessoas
apresentam deficiência auditiva severa, 1,7 milhões de pessoas tem muita dificuldade de ouvir
sons, e aproximadamente 345 mil são surdas. Tem-se ainda que, por volta de 7,5 milhões de
pessoas possui alguma dificuldade auditiva que possivelmente não se enquadram em nenhuma
das descritas acima.
Em conformidade com os padrões estabelecidos pela American National Standards
Institute (ANSI) a deficiência auditiva é a diferença existente entre o desempenho do
indivíduo e a habilidade normal para a detecção sonora. Considera-se, em geral a nível
padrão, que a audição normal corresponde à habilidade para detecção de sons até 20 dB N.A
(decibéis, nível de audição). Onde o Zero audiométrico - 0 dB N.A - refere-se aos valores de
níveis de audição que correspondem à média de detecção de sons em várias frequências, por
exemplo: 500 Hz, 1000 Hz, 2000 Hz e assim por diante. Martinez (2000) explicita que os
limiares de audição ocorrem da seguinte maneira:
De maneira geral, em termos médicos, no que se refere ao grau da perda de
audição, compreende-se que esta é dividida em quatro modalidades: leve, moderada, severa e
profunda caracterizadas respectivamente por: impedimento da percepção da palavra, uso de
aparelho ou prótese auditiva, uso de metodologia para o entendimento da palavra e não
aprendizado da fala. Ressalte-se ainda que os conceitos e as classificações apresentadas são
unicamente orgânicas não pautadas em questões sociais.
3 Acessibilidade para os deficientes
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No contexto da deficiência, o termo acessibilidade, numa visão ampla, significa a
possibilidade de pessoas deficientes exercem sua cidadania com segurança, autonomia e
independência (SILVA, 2010). É possível afirmar ainda que a acessibilidade é o meio que
facilita o acesso de diferentes grupos sociais a produtos, serviços e espaços físicos,
representando o fim de uma barreira efetiva, e dando a ideia de um mundo sem obstáculos
para quem precisa se deslocar ou se comunicar com o meio externo. O tema acessibilidade
surgiu como a partir de uma necessidade social que possibilita a todos desfrutarem das
mesmas oportunidades, tais como educação, trabalho, moradia, lazer, cultura e tecnologias de
informação e comunicação (AMENGUAL, 1994).
Compreende-se ainda a acessibilidade como a possibilidade e condições de alcance
para utilização, com segurança e autonomia, dos espaços mobiliários e equipamentos urbanos,
das edificações, dos transportes e dos sistemas e meios de comunicação por pessoas com
deficiência ou com mobilidade reduzida (BRASIL, 1994; 1998). No entanto, muitos destes
direitos se chocam em barreiras arquitetônicas e sociais (MANZINI, 2003). Segundo Sassaki
(1999) para que uma sociedade seja denominada acessível a todos é necessário que sejam
feitas adequações sob 6 aspectos principais: arquitetônica, comunicacional, metodológica,
instrumental, pragmática e atitudinal. Esta última engloba a eliminação dente outras coisas do
preconceito e estereótipos discriminatórios.
A acessibilidade torna-se, portanto, alternativa às organizações públicas e privadas de
desenvolverem mecanismos que permitam mudar o quadro histórico do tratamento
dispensado a grupos de diversidade e nestes encontram-se os deficientes auditivos.
As organizações encontram hoje aparato legal para desenvolverem políticas de
inclusão (e.g. BRASIL, 1989; 1999; 2002; 2004; 2010). Assim para atender às necessidades
de acessibilidade na comunicação dos surdos é imprescindível que políticas de inclusão sejam
ampliadas e se faça presente no dia-a-dia dessa comunidade para que estes possam viver com
mais independência e autonomia dentro da sociedade. Nesse contexto destaca-se a Língua
Brasileira de Sinais (LIBRAS) respaldada na Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002 como
língua materna das pessoas com deficiência auditiva e surdas. Acrescendo a isto destaca-se o
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Decreto nº 5626, de 22 de dezembro de 2005, no qual insere a LIBRAS como disciplina
curricular obrigatória na educação de alunos surdos, como também nos cursos de formação de
professores.
É certo que a legislação nacional busca hoje regulamentar o convívio social harmônico
e a categorização da oferta de produtos e serviços para este público alvo. Para Fernandes e
Orrico (2012) o objetivo maior está em superar dicotomias sociais calcadas em conceitos
defasados sobre o assunto.
Segundo Kunsch (1992) a universidade tem papel preponderante de transformação
social. Em um movimento anacrônico, a educação superior em si é moldada por mudanças já
que contingências sociais
4 Metodologia da pesquisa
O presente trabalho é de natureza qualitativa, por não requerer o uso de métodos e
técnicas estatísticas, e cujas informações não são quantificáveis. A pesquisa qualitativa
responde a questões muito particulares, pois se preocupa com uma realidade que não pode ser
quantificada (MINAYO, 1993). Assim, ela procura a raiz do problema que se propõe a
estudar, e se aprofunda em causas e efeitos sobre os sujeitos que vivenciam a situação
pesquisada (LIMA; COSTA, 2005).
Quanto aos objetivos a presente pesquisa pode ser classificada como descritiva, onde,
pois foi realizado o estudo, a análise e a interpretação dos fatos e o registro, tudo isso sem ter
a interferência do pesquisador, ou seja, a finalidade é analisar os fatos sem entrar na parte do
conteúdo.
A estratégia de pesquisa adotada foi o estudo de caso como método que abrange
planejamento, técnicas de coleta de dados e análise dos mesmos (YIN, 2005). A coleta de
dados se deu por meio de uma entrevista com um representante da Secretaria de
Acessibilidade da UFC Inclui, no dia 15 de julho de 2013, às 10 horas da manhã. A entrevista
teve duração de 25 minutos e foi composta 12 perguntas abertas, que são aquelas que
detalham o assunto, facilitando no levantamento de um determinado fato ou contexto.
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A análise dos dados se deu por meio de análise do conteúdo, considerando que ―A
denominação análise de conteúdo é, portanto, sinônimo da perspectiva
informacional-
qualitativa de análise discurso‖ (GODOI, 2010, p.379). A entrevista foi gravada em áudio,
transcrita a analisada pelos pesquisadores, conforme orientações de Oliveira e Freitas (2010).
5 Apresentação e análise dos dados
Nesta seção apresentados e analisados os dados da pesquisa de campo. A
Secretaria de Acessibilidade da UFC Inclui está vinculada ao gabinete do Reitor e instalada
no andar térreo da Biblioteca do Centro de Humanidades, no Campus do Benfica, onde o
atendimento ao público é feito de segunda a sexta-feira, de 8h às 12h e das 14h às 18h. Seus
objetivos centram-se em definir políticas de inclusão para a UFC.
Nessa entrevista abordaram-se vários pontos importantes relacionados à
acessibilidade à UFC sobre as ações e políticas voltadas à promoção e permanência das
pessoas com deficiência auditiva ou surdas na universidade. A seguir são apresentados os
dados coletados por meio da entrevista seguidos de suas análises.
1.
A Universidade Federal do Ceará (UFC) possui uma política própria oficializada de
inclusão de grupos sociais, deficientes e surdos (alunos)?
Tem, desde 2010 quando foi criada a Secretaria de Acessibilidade da UFC Inclui, já
foi com a proposta de definir políticas de inclusão na UFC. E a política de inclusão
abrange três segmentos, a de professores, servidores, técnico-administrativos, alunos
e também pensando nas pessoas que vem de fora e que usufrui dos serviços em que
a UFC trabalha. Então, a UFC tem uma política de acessibilidade, e temos uma
cartilha no site, no portal da UFC. A política é voltada para todos os segmentos e
também trabalhamos para atender as várias dimensões de acessibilidade, desde a
relativa à atitudes, questões arquitetônicas, acessibilidade física, pedagógica e
tecnológica, de acesso ao conhecimento e que abrange todas as dimensões (UFC
INLUI, 2013).
2.
Quais ações são desenvolvidas atualmente para a inclusão de alunos surdos na UFC?
Na verdade, nós temos poucos alunos surdos até agora. Temos o registro de 3 alunos
com deficiência auditiva e que nunca procuraram a secretaria de acessibilidade.
Acredito que seja porque eles não têm surdez propriamente dita, devem usar
aparelhos ou leitura labial. Mas a partir de agosto do próximo semestre, teremos 10
alunos surdos que vão entrar no curso de Licenciatura Letras/Libras. Então, para
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esses alunos o que vamos oferecer é garantir que o curso seja bilíngue, com curso
em LIBRAS, com professores concursados que sabem a língua de sinais. Como a
turma é de ouvintes e de surdos, teremos uma formação bilíngue e sempre um
intérprete mediando às interações. Quando o professor for ouvinte, vai falar em
português e o intérprete irá transmitir para os alunos em Libras e vice-versa. Então,
para esses alunos surdos as ações vão ser adotadas a partir do dia 22 de agosto, que
será quando eles estarão entrando na universidade (UFC INLUI, 2013).
3.
Em quais áreas/setores/níveis a UFC possui intérpretes de LIBRAS? Possui
professores e/ou servidores técnico-administrativos tradutores de LIBRAS?
Nós temos 3 professores surdos e eles estão lotados na Faculdade de Educação. Eles
ministram a disciplina de LIBRAS para Licenciatura. E temos um servidor surdo
que está lotado na Pró-Reitoria de Planejamento. Então, a Secretaria de
Acessibilidade oferece e dá suporte com intérpretes para esses professores e
servidores quando eles precisam. Quando tem seminários, reuniões, eles
demandam/pedem um intérprete. E para os professores, os intérpretes estão sempre
muito presentes, porque tem momentos que na disciplina de LIBRAS,
principalmente no começo da disciplina que eles precisam dos intérpretes para dar
orientações, fazer traduções de uma palestra, um tema específico que eles não
possam entender em LIBRAS. E nesse caso quando os professores são surdos são os
alunos que precisam de um intérprete (UFC INLUI, 2013).
4.
Existe alguma campanha motivacional interna/externa voltada para a aceitabilidade do
surdo por parte da comunidade acadêmica?
Não só do surdo. Nós estamos planejando agora junto com a Coordenadoria de
Comunicação e Marketing da UFC, e está quase fechada uma campanha interna
desse tipo na universidade. Será uma campanha de divulgação, informação, de
convite, para que as pessoas se envolvam nessas questões da inclusão de pessoas
com deficiência e não só dos surdos, no aspecto geral. E isso vai ser desencadeado
agora a partir de agosto (UFC INLUI, 2013).
5.
Quais os principais desafios enfrentados pela UFC na promoção da inclusão?
Se tomarmos as várias dimensões, podemos começar pelas questões ligadas aos
aspectos de atitude, o modo como as pessoas lidam com as pessoas com deficiência
e como respeitam ou não aquilo que é definido dentro da política de acessibilidade.
Por exemplo, o uso dos espaços, reserva do estacionamento, hoje ainda tem gente
que não respeita e para o carro na vaga de deficientes e sem precisar, então, isso é
coisa relativa à atitude. E também convivemos com muitos desafios e dificuldades
quanto as pessoas, professores e servidores, que não sabem lidar com as pessoas
com deficiência, não sabem como agir, referir ou ajudar. Essas pessoas não tem
conhecimento de lidar com as pessoas com deficiência porque não tem experiência,
informação ou mesmo muitas vezes porque não tem interesse. Mas eu acredito,
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aposto mais naquela ideia de não ter muita habilidade para lidar com deficiência
porque não conhece, não sabe como oferecer ajuda, enfim, deve ser por causa de
falta de informações a respeito do assunto. Por isso essa campanha é importante para
dar essas informações. Então a UFC tem desafios relativos à atitude, e grandes
desafios relativos à acessibilidade arquitetôtinica, pois a universidade tem prédios
muito antigos, que na época que foram construídos há mais de 50 anos atrás, não se
pensava nessas questões de acessibilidade. A acessibilidade é um debate muito
recente, de uma década. Então, a UFC tem muitas demandas de adaptações físicas
ainda para serem cumpridas. Mas no ano passado, em 2012, foi elaborado um plano
grande de acessibilidade nos prédios da UFC, aqui na capital, e esse plano já começa
a ser executado a partir do Campus do Pici, que é onde se tem mais dificuldades
porque os prédios são muito afastados uns dos outros e não tem rotas de
acessibilidade de um prédio pro outro. O aluno está no prédio de aula e quer ir à
coordenação e não tem como, então todas essas questões ligadas à acessibilidade
arquitetônica está sendo trabalhada e já vai começar a partir do Pici. Já está em
licitação, o dinheiro, o recurso já chegou, e este é um recurso do Ministério da
Educação (MEC). Então temos grandes desafios nessa área e também nos processos
pedagógicos de ensinos de aprendizagem. Por exemplo, um aluno cego tem
determinadas dificuldades em algumas disciplinas e o professor não sabe como lidar
com ele, então fica difícil o acesso do aluno naquela disciplina. A UFC não tem um
modelo, tudo é feito a partir de caso, então daí é feito um levantamento.
Basicamente nessas 3 dimensões, atitudinal, arquitetônica e pedagógica é que são
mais gritantes (UFC INLUI, 2013).
6.
A UFC promove alguma capacitação para os professores, para que possam atender um
aluno surdo?
Não, ainda não, estamos fazendo a partir das demandas. Eu digo um não, mas não é
totalmente verdade, pois todos os seminários e eventos de gestão que é oferecido
pela Pró-Reitoria de Graduação ou pela Reitoria de Administração Superior da UFC,
a Secretaria de Acessibilidade está presente em todos e participa informando,
promovendo rodas de conversa, divulgando, tirando dúvidas, dando diretrizes, e
estabelecendo contatos para ir informando. Agora não tem ação para fazer um
seminário para professores e nem queremos fazer isso, pois numa campanha dessa
todos que se mobilizem e a partir das demandas apareçam por conta própria. E as
coisas acontecem muito a partir do aluno ou do servidor. O aluno quando precisa
atender a uma determinada situação dele, ele vem na secretaria e diz que está com
dificuldade e que vai trancar a matrícula, daí tentamos resolver a situação dele (UFC
INLUI, 2013).
7.
A UFC promove alguma capacitação para os servidores para que possam atender um
aluno surdo?
Sim, já oferecemos cursos de LIBRAS para os servidores. No ano passado foi
oferecido a eles um curso de 180 horas de LIBRAS, que já dar um bom
conhecimento da língua, não se torna proficiente mas já dá para se comunicar. Nós
tivemos nesse curso: bibliotecários, servidores, técnico-administrativos e pessoas
interessadas. E esse ano a partir do dia 22 de agosto vai começar um outro curso de
LIBRAS também para servidores, dado também como capacitação. E estamos em
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fase de organização, pois em agosto irá começar um curso que não é um curso,
vamos pensar como seminários, módulos de atendimento de capacitação por
segmentos. E vamos fazer um módulo preparando para acessibilidade, vigias,
porteiros e pessoal do serviço. Também faremos módulos voltados para outros
segmentos e isso está sendo organizado entre nós da Secretaria de Acessibilidade e a
Pró-Reitoria da Gestão de Pessoas. Então tanto esse curso de LIBRAS quanto esse
de capacitação da acessibilidade está sendo planejado e articulado. Não sabemos
como vamos fazer isso envolvendo os professores, mas certamente iremos encontrar
um modo de ir chegando, porque com o professor é mais difícil e não dá para
agregar determinado horário, pois não sabemos como fazer e vamos pelas periferias
das coisas, pela demanda do aluno. Pro servidor não, se vai ter um curso de LIBRAS
e este acontecer nas terças e quintas à tarde, por exemplo, o gestor libera para o
servidor fazer o curso, mas com o professor é mais difícil (UFC INLUI, 2013).
8.
A UFC promove alguma capacitação para os alunos que possuem deficiência?
Promove sim. Aqui na Secretaria já promovemos várias oficinas de capacitação. Por
exemplo, para que os cegos aprendam a utilizar às tecnologias assistivas, a UFC
oferece recursos de softwares. Alguns alunos cegos chegaram na UFC sem saber
utilizar um ledor de telas, que é um software inteligente que dá essa possibilidade. O
texto é digitalizado e o software ler para a pessoa. E assim vamos oferecendo outras
oficinas, de como utilizar a biblioteca, como entrar no site e ter acesso aos
periódicos, como fazer uma pesquisa bibliográfica de produções textuais dentro de
determinadas áreas, e isso estamos fazendo sistematicamente. Abrimos para outros
alunos também, principalmente para os bolsistas que trabalham conosco e que
alguns deles não tem nenhuma deficiência, e eles passam a ser também promotores
de outros eventos, e é uma coisa que vai se multiplicando (UFC INLUI, 2013).
9.
O surdo tem alguma forma de ingresso especial na UFC ou é via Sistema de Seleção
Unificada (SISU)?
Via SISU. Todos eles com deficiência, cegos, surdos e outros. Agora para esse curso
de Letras/LIBRAS, existe um decreto nº 5626 de 2005, que aponta pra essa
indicação que o curso seja prioritariamente para surdos. Então nessa entrada agora
de alunos surdos, a Pró-Reitoria de Graduação promoveu/garantiu 10 vagas para os
alunos surdos que fizeram o SISU, foram classificados, mas não atingiram a média,
então abriram-se 10 vagas, eram 30 vagas no total e o curso ficou com 40 vagas para
garantir esse decreto e o que diz nele (UFC INLUI, 2013).
10.
Existe alguma campanha para atrair esse público para a UFC? Qual?
Não tem nenhuma campanha assim intencional. Uma coisa que participamos é da
Feira das Profissões. Nessa feira estamos lá com stands da Secretaria de
Acessibilidade e lá oferecemos mini oficinas de LIBRAS e de braile e a cartilha de
acessibilidade. Os alunos chegam, visitam a feira e isso é um grande chamamento
para a universidade. E nessa feira os bolsistas participam também, temos bolsistas
com deficiência também. Sendo 2 deles cegos, 1 cadeirante e outro com deficiência
física bem grave. Então eles vão para a feira e estão presentes lá e isso faz com que
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os alunos vejam que eles podem e se interessam pela universidade. Os bolsistas
fazem cartazes e ficam passeando pela feira divulgando o que a UFC oferece, quais
os serviços nessa questão da acessibilidade (UFC INLUI, 2013).
11.
Existe alguma ação de estímulo para combater a evasão do aluno surdo na UFC?
Do aluno surdo não temos ainda não, vamos ter agora a partir de agosto, mas para os
demais nós temos sim. Oferecemos serviços de digitalização para cegos e bolsistas
para acompanhá-los, por exemplo. Damos um suporte para os alunos que chegam
aqui na secretaria, dando assistência. E isso é um mecanismo de minimizar, de evitar
essa evasão (UFC INLUI, 2013).
12.
Como é feito o acompanhamento geral do discente deficiente hoje na UFC?
Não temos uma ação maior no sentido de acompanhar todos, porque temos uma
dificuldade muito grande que até pra cadastrar não é fácil. Nós fizemos um sistema
de cadastramento no ato da matrícula, e lá abre uma janelinha perguntando se o
aluno tem alguma condição de deficiência e pede para clicar e ele dar as
informações, só que alguns deles não se cadastram, ou por não quererem se
identificar ou por acharem que não precisam, não sabemos as razões deles. Então os
que chegam na secretaria descobrem que podem ser ajudados e que tem suporte aqui
para eles e começam a falar uns com os outros e se ajudam. Assim, nosso
acompanhamento é mais para àqueles que estão vindo à Secretaria de Acessibilidade
da UFC Inclui (UFC INLUI, 2013).
As respostas à entrevista evidenciam primeiramente a preocupação da UFC com
politicas de inclusão, pois a criação de uma secretaria própria para tratar do tema, por si só já
constitui o passo preliminar para a institucionalização de um universo acadêmico norteado por
ações inclusivas que superam diferenças. É certo, porém, que, como toda constituição
colegiada, a secretaria perpassa pela necessidade de amadurecimento no que diz respeito
principalmente nas políticas desenvolvidas.
Os dados deixam evidente que não há uma política institucionalizada para
acompanhamento de discentes surdos, pois na fala do representante, a secretaria apenas tem
conhecimento que há 03 alunos nessa condição e que os mesmos nunca procuraram a
secretaria. Há uma expectativa que o discente tome tal iniciativa. O que se observa neste
aspecto são ações não sistematizadas e, nestas condições, podem não surtir o efeito duradouro
e desejado. Ressalte-se também que não há um controle da evasão dos discentes surdos
embora haja para os demais deficientes.
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As afirmativas sobre esta situação expõe uma fragilidade no processo não só de
acompanhamento, mas ao que antecede: a promoção ao ingresso de cidadãos surdos à UFC. A
UFC não possui política externa de estímulo dos cidadãos surdos ou deficientes auditivos a
buscarem o ensino superior, considerando-se principalmente o pensamento de Kunsch (1992)
acerca do papel da universidade na edificação de uma sociedade mais justa.
Percebe-se que, mesmo existindo um curso próprio para o público em questão, as
vagas não são preenchidas. É imperativo que uma instituição preponderante para o
desenvolvimento local investigue as causas dessa realidade e contribua para transformações
positivas. Há de se indagar os motivos pelos quais não há busca para os cursos específicos e a
conclusões da realidade subsidiar ações de captação e manutenção destes cidadãos no meio
acadêmico.
O fato de existir docentes e discentes restritos a cursos de formação específica
demonstra a limitação predominante na universidade. Pode-se afirmar que há o acesso ao
ensino superior, porém a promoção do convívio social ainda é diminuta, há já vista, que, além
do discente surdo não se integrar a outros considerados convencionais, a UFC não prepara os
docentes de uma forma geral para recebê-los. É preciso considerar que a promoção da
acessibilidade envolve não só o usufruto pleno e igualitário dos espaços físicos, mas também
do convívio social. Este é, na realidade, o passo preliminar para o enfrentamento de
preconceitos e desmistificações de concepções infundas conforme defende Carvalho-Freitas
(2007).
Nesse sentido, destaque-se que o curso de LIBRAS ofertado aos servidores técnicos
administrativos. A iniciativa condiz com assertiva de Sassaki (1999) acerca da necessidade de
ultrapassar a barreira comunicacional para se construir uma sociedade verdadeiramente
acessível. Fomentar o convívio social harmônico entre os diferentes atores sociais requer
clareza na compreensão do que realmente significa ser diferente em uma sociedade pautada
pelo belo. Nestas condições é possível que, dominar a comunicação em LIBRAS, seja
insuficiente já que não presume o respeito ao surdo. Essa realidade é confirmada na fala do
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entrevistado já que os maiores desafios citados centram-se nas atitudinais. Para Sassaki
(1999) esta é outra barreira ser transposta.
Embora a instituição não oferte treinamento para os docentes e discentes, a inclusão
obrigatória da disciplina de LIBRAS nas licenciaturas e como disciplina eletiva nos cursos de
bacharelado constitui uma oportunidade para o alunato ter algum tipo de contato com este
universo muitas vezes desconhecido. Ademais, formar graduandos com conhecimento prévio
poderá facilitar no processo de inclusão do deficiente auditivo ou surdo à educação formal
possivelmente ainda no ensino fundamental.
Por fim, acredita-se que os desafios vivenciados hoje pela UFC para promover a
inclusão do deficiente surdo são oriundos das percepções sociais sobre este grupo de
diversidade. A universidade como instituição social está subjugada, mais do que qualquer
outras organizações, às contingências culturais, sociais, pois por natureza sistematiza a
universalidade do saber e da cultura sem diferenciação dos atores sociais envolvidos.
6 Considerações finais
A inclusão social, apesar de ser um tema recorrente, ainda permanece muito no campo
investigativo. A dificuldade de se transpor o campo teórico para o prático se deve, dentre
outros fatores, à falta de informação, descaso, resistência, preconceito, entre outros. Diante
dessa realidade, implantar políticas ou simplesmente executar ações que remetam à inclusão
de qualquer que seja o grupo, torna-se uma tarefa, no mínimo difícil.
O caso aqui investigado explicita claramente que a universidade tem consciência sobre
o assunto e que este interesse perpassa o campo da obrigatoriedade oficial. Apesar de ações
limitadas a Secretaria UFC Inclui é o setor interno responsável por desenvolver políticas de
promoção da acessibilidade.
Percebeu-se que apesar do esforço, ainda há carência de diversos aspectos, como falta
de treinamento para os professores externos ao curso de LIBRAS e ausência campanhas
educativas e motivacionais para atração da sociedade de uma forma geral. Como aspecto
positivo pode-se ressaltar o curso de LIBRAS ofertado aos servidores técnico-administrativos
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e o apoio a deficientes por meio de bolsas e serviços auxiliares, muito embora estes serviços
não estejam disponíveis ao estudante surdo.
É importante ressaltar que não há uma política sistematizada no intuito de promover e
garantir a permanência do discente surdo ou deficiente auditivo. O que se tem de concreto são
ações isoladas que suprem necessidades imediatas de um público específico.
A inclusão social do deficiente auditivo ou do surdo só é possível mediante
conscientização prévia do público interno externo da instituição. Conhecer como as pessoas
encaram a deficiência poderá constituir passo preliminar para o desenvolvimento de políticas
pontuais. Mudanças arquitetônicas ou adaptações físicas e tecnológicas representam parte do
todo. Repousa sobre a temática a necessidade de se desmistificar que o diferente é inferior e
que a subtração física em nada interfere em relações pessoais amigáveis.
As limitações desse estudo centram-se na ausência de uma investigação holística que
envolvesse também os discentes surdos ou não bem como professores, técnicoadministrativos, famílias, enfim, toda a toda a comunidade acadêmica.
Os dados ora
apresentados, explicitam aspectos importantes, mas, não conclusivos parciais da realidade
inclusiva na UFC. Portanto, acredita-se que pesquisas posteriores poderão suprir esta lacuna
investigativa.
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ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI E A RESSOCIALIZAÇÃO: entre o
legal e o real
Lidianne Maria Dantas24
Joana D‘arc Lacerda Alves Felipe25
Kelry Dantas de Freitas26
RESUMO
A problemática dos adolescentes em conflito com a lei não deve ser concebida de forma fragmentada,
ou seja, apenas como sujeitos que praticaram ato infracional, é necessário compreendê-la numa
totalidade de exclusão, desigualdade e negação de direitos, constituindo-se numa severa refração da
questão social, seu enfrentamento expressa um conjunto de medidas complexas e ainda pouco
eficazes. Analisar essa expressão da questão social partindo do pressuposto da negação e efetivação
dos direitos, entendendo o não acesso desses sujeitos às políticas públicas efetivas ofertadas pelo
Estado, como um dos fortes entraves ao processo de ressocialização dos mesmos é o objetivo do nosso
texto. A construção da nossa discussão é motivada pelo estágio curricular desenvolvido no Centro
Educacional-CEDUC na cidade de Mossoró/RN, instituição que tem por objetivo a ressocialização dos
adolescentes infratores e na pesquisa bibliográfica de autores como: Oliveira e Silva (2011); VOLPI
(1998; 2006; 2011), dentre outros, bem como a legislação pertinente a temática. Pela experiência do
estágio e conforme a pesquisa bibliográfica, podemos constatar que, a compreensão dessa expressão
da questão social, ganha visibilidade por meio da criminalização e culpabilização desses sujeitos e das
suas famílias, impossibilitando a materialização do ECA e das políticas direcionadas ao seu
enfrentamento. Dessa forma, podemos inferir que a concepção criminalizadora e culpabilizante tem
como consequência a negação de direitos, uma visão fragmentada da problemática e, portanto uma
grande ineficácia da política de ressocialização.
Palavras-chaves: Direitos humanos, ressocialização, adolescentes em conflito com a lei.
1.
INTRODUÇÃO
A problemática em que os adolescentes em conflito com a lei estão inseridos é
apresentada pela mídia em geral, com forte viés de culpabilização, em que o ato infracional é
24
Estudante de Serviço Social/UERN; Celular: (84)9926-2046. Email: [email protected]
Prof. Esp. Adjunta do departamento de Serviço Social- UERN
Email: [email protected]
26
Estudante de Serviço Social/UERN; Celular: (84) 9180-8412
25
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divulgado e discutido à revelia da totalidade que permeia a questão da criança e do
adolescente, ou seja, não analisando os seus aspectos histórico-social, econômicos e políticocultural, apenas o seu aspecto de punição.
O processo de reconhecimento das crianças e adolescentes como sujeitos de direitos
pode ser compreendido como uma construção social, perpassando ―situação irregular‖ para
―prioridade absoluta‖ e ―proteção integral‖, tais conquistas não se deu de forma passiva, pois
emergiu na década de 1980, por meio dos movimentos sociais e entre estes, o Movimento
Nacional de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR), estes reivindicaram e lutaram, até
conseguirem levar para agenda governamental essa problemática.
Essas conquistas são preconizadas na Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da
Criança e do Adolescente de 1990. Estes desdobramentos permitiu reconhecê-los como
sujeitos de direitos por meio dos marcos legais que subsidiam a garantia de seus direitos.
Todas as legislações especificas brasileiras que são subsequentes a Constituição Federal 1988
deve ser subsidiada pelas prerrogativas inscritas nesta carta magna, ou seja, o ECA veio para
especificar e ampliar os direitos das crianças e adolescentes, mas acima de tudo é apresentado
em conformidade com o exposto pela CF 1988.
Nesse sentido, o ECA traz em seus artigos prerrogativas que garantem a proteção
integral e os direitos inerentes a toda e qualquer criança e adolescente, ademais, é mais do que
isto, ele direciona as medidas especificas e legitimas que devem ser adotadas em caso de
apreensão de adolescente autor de ato infracional.
O trato com essa expressão da questão social, que está ancorado na ―criminalização‖
dos adolescentes em conflito com a lei é de relevância social, política e profissional, uma vez
que esses mesmos adolescentes são um dos segmentos da sociedade brasileira mais afetados
pelas novas configurações da questão social. Porém, o seu enfrentamento ganha visibilidade
por meio da criminalização e culpabilização desses sujeitos e das famílias impossibilitando a
materialização do ECA e das políticas direcionadas a essa problemática.
Para subsidiar essa problemática temos a materialização dos direitos como elemento
fundamental no processo de proteção integral e ressocialização do adolescente que está em
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situação peculiar de desenvolvimento, e necessita de um aparato estatal com acesso a políticas
públicas direcionadas a juventude brasileira, esta é sem dúvida, uma alternativa para superar
ou minimizar a expressão da questão social evidenciada na vida dos adolescentes que
praticaram um ato infracional.
2.
O RECONHECIMENTO DOS DIREITOS INERENTES A SER HUMANO:
lutas e conquistas da classe trabalhadora
A luta em busca da defesa dos direitos humanos começa com o redimensionamento da
concepção dos valores éticos em relação à materialização dos direitos básicos inerentes ao ser
humano. Para ter essa concepção em defesa desses direitos, a humanidade passou por
períodos de ―desumanização‖, mundialmente evidenciada principalmente a partir da 1ª e 2
Guerra Mundial, tais fatos assolaram o mundo inteiro por meio de inúmeros casos de: mortes,
fome, intrigas, degradação humana, preconceito, etnocentrismo, destruição de território entre
outros horrores, ou seja, um dos períodos mais obscuro da humanidade.
Como forma de minimizar esses horrores propiciados pela I e II Guerra Mundial, foi
criar mecanismos para normatizar e universalizar a concepção de direitos humanos, nesse
sentido tem-se a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), como forma de controlar
as nações por meio de normas e acordos. O primeiro passo da ONU foi a criação de uma
declaração entre as nações, devido a necessidade das mesmas em reconhecerem e
materializarem os direitos básicos ao ser humano, dessa forma institui uma Declaração
Universal dos Direitos Humanos em 1948, em relação ao surgimento desta declaração
encontramos descrito no Plano Nacional de Direitos Humanos 3 (PNDH3), o seguinte
histórico:
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, lançada em 10 de dezembro de
1948, fundou os alicerces de uma nova convivência humana, tentando sepultar o
ódio e os horrores do nazismo, do holocausto, do gigantesco morticínio que custou
50 milhões de vidas humanas em seis anos de guerra. Os diversos pactos, tratados e
convenções internacionais que a ela sucederam construíram, passo a passo, um
arcabouço mundial para proteção dos Direitos Humanos. (PNDH,2010 p.15)
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Os direitos básicos preconizados nesta declaração, buscou–se uma padronização entre
as nações, no reconhecimento e na luta pela dignidade humana, por meio da materialização
dos direitos de forma igualitária e sem preconceito, assim como a liberdade, a justiça, e a paz
mundial. Mas para a efetivação desses direitos fez necessário atribuir responsabilidade ao
Estado na proteção, promoção e efetivação destes direitos. Este adquiriu uma
responsabilidade maior em relação aos seres humanos, principalmente aqueles que estão em
situação de vulnerabilidade social ou com o direito violado.
Entre os artigos da declaração que traz a universalidade e igualdade podemos elencar
Art. II: Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades
estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor,
sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou
social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.
Art. VII: Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a
igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer
discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal
discriminação (Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948)
No entretanto, o Brasil no decorrer desse processo mundial de ―reconhecimento‖ dos
direitos humanos, viu-se emergir a ditadura militar que veio de encontro ao exposto na
Declaração Universal dos Direitos Humanos, em que a liberdade foi sucumbida por um
Estado ditador, que se apoderou de maus-tratos, opressão e tortura, como forma de manter-se
no poder, e seguindo a lógica inexorável do capital. Esse fato levou inúmeros brasileiros ao
exílio e a morte, pois participavam de movimentos sociais que lutavam contra esse regime na
busca incessante pela redemocratização do país: a liberdade e justiça social.
Como marco dessas lutas e conquistas, encontra-se a Constituição Federal de 1988,
que veio assegurar o respeito aos princípios fundamentais defendidos pela Declaração
universal dos Direitos Humanos (1948), e principalmente para melhorar a ―aparência‖
brasileira perante os outros países. (...) os direitos humanos colocam-se como instrumentos de
consolidação das diversas lutas históricas pela democracia, numa sociedade marcada pelas
desigualdades em detrimento da lógica capitalista de acumulação (SCHMIT, 2011, p 27). O
que estabelece como fundamental na Constituição Federal de 1988:
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A Carta Constitucional inclui entre os fundamentos do Estado brasileiro a cidadania
e a dignidade da pessoa humana, estabelecendo como objetivo primordial a
construção de uma sociedade livre, justa e solidária, além de comprometer-se com o
desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza, redução das desigualdades
sociais e regionais e a promoção do bem-estar de todos, sem preconceitos ou
discriminação de qualquer tipo. E obriga o país a reger suas relações internacionais
pela prevalência dos Direitos Humanos (PNDH3, 2010, p. 16)
Esse cenário configurou para o reconhecimento em defesa dos direitos humanos e
social pelo Estado, com uma constituição que prima pelo o ―bem estar‖ da sua população e
traz em sua normatização os princípios da promoção da dignidade humana e justiça social.
3.
ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI: a construção social de negação
de direitos e a busca pela efetivação do Estatuto da Criança e do Adolescente
Uma breve retrospectiva da intervenção estatal no Brasil em relação ao enfretamento
das expressões da questão social evidenciadas na vida das crianças e especialmente dos
adolescentes. Notamos que esse enfretamento deu-se por meio da violação de direitos,
criminalização da pobreza, em que esses segmentos eram considerados objetos e não sujeitos
de direitos.
Esse quadro permaneceu no país até o reconhecimento das crianças e adolescentes
como sujeitos de direitos, caracterizando-os como prioridade absoluta e de proteção integral,
essa conquista deu-se com a luta da classe trabalhadora na busca da garantia dos direitos dessa
categoria, ao pressionar o Estado a cumprir o seu dever de garantidor desses direitos. As
principais normativas que traz essas conquistas são: Constituição Federal de 1988 e o ECA
1990. Vamos retroceder um pouco na história para podermos compreender a importância
dessas conquistas no que tange a temática dos adolescentes em conflito com a lei.
Somente a partir do século XX no Brasil é que se tem uma legislação especifica para
―tratar‖ as crianças/adolescentes que cometesse um ato infracional27, até então não existiam
27
[...] aquela conduta prevista em lei como contravenção ou crime. A responsabilidade pela conduta descrita
começa aos 12 anos (VOLPI, 2011, p.15)
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leis, normativas ou penas especificas que atendessem diferentemente as crianças/adolescentes
dos adultos. Todos eram postos nos mesmos moldes e com as mesmas penalizações
(OLIVEIRA E SILVA, 2011, p.72).
A construção desse documento veio abordar a problemática de forma superficial e
com várias negações de direitos, mas trouxe um elemento importante que é essa diferenciação
penal direcionadas as crianças/adolescentes em relação aos adultos, trata-se do Código de
Menores28 de 1927- ou mais conhecido como Código Melo Mattos29.
Esse Código era de caráter higienista e repressor, serviu para retirar das ―vistas‖ da
sociedade essas crianças e adolescentes que tivessem cometido ou não um ato infracional: ―o
código de menores, norteava-se mais pela assistência social do que pela responsabilização
penal, tanto que não foram dadas a crianças e adolescentes as garantias constitucionais
atribuídas a adultos nos procedimentos penais‖ (OLIVEIRA E SILVA, 2011, p.81).
Apesar disso, o instrumento legal apresentava algumas inovações como: o tratamento
diferenciado, proibindo o internamento desses adolescentes em prisão comum, bem como a
divisão por faixa etária nas unidades.
Nesse mesmo contexto, destacamos a interferência do Governo de Vargas nos
―problemas‖ advindos da infância e adolescência brasileira, considerou-se que tal intervenção
seguiu as mesmas bases de sua política, autoritária, paternalista, assistencialista e clientelista,
com uma diferenciação, o uso da repressão e punição para os ―menores‖ que não estavam
adequados às normas da sociedade. Segundo OLIVEIRA E SILVA
[...] a política e a prática de atendimento, no governo de Vargas, a infância e a
juventude foi construída, com todas as características do autoritarismo,
assistencialismo, paternalismo e clientelismo que caracterizam as ações do Estado
Novo. Mas foi com a instalação do Serviço de Assistência ao Menor (SAM) que o
governo Vargas implantou uma política claramente definida com bases repressivas
para o atendimento do ―menor problema‖ (OLIVEIRA E SILVA, 2011, p.83).
28
O termo ―menor‖ passa a ser utilizado pelos juristas para designar as crianças e adolescentes em situação de
abandono e praticantes de ato infracional (MOURA. 2005 p.36)
29
Jurista José Candido de Albuquerque de Mello Mattos seria não apenas o seu idealizador, mas também o 1°
juiz de Menores do Brasil, nomeado em 1924.
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976
É no Estado Novo que se explicita uma política de enfrentamento ao ―menor
problema‖ de forte viés repressivo. Para operacionalizar a política foi instituído o Serviço de
Assistência ao Menor (SAM) com o objetivo de prestar assistência às crianças e adolescentes
desvalidos e que tinham ou não cometido um ato infracional, ou seja, os ―desajustados
socialmente‖. Sua intervenção dava-se por meio do internamento em uma instituição que
tinha com a finalidade de ―reeducação‖ e ―profissionalização‖.
Essa concepção de enfretamento se expressa nos modelos arraigados que
relacionavam os problemas sociais a pobreza e ao indivíduo. A intervenção objetivava o
reajuste das crianças e adolescentes, por meio do trabalho30, as normas da sociedade
capitalista.
Com o esgotamento do SAM, na década de 1964 tem-se a criação da Fundação do
Bem-estar do Menor (FUNABEM) que entre as suas prerrogativas estava a implementação a
Política Nacional do Bem-estar do Menor (PNBEM), que se propunha a buscar alternativas
para solucionar os problemas advindos das crianças e dos adolescentes. (OLIVEIRA E
SILVA, 2011, p.83-84)
Entre as ações dessa Política do Bem-estar do Menor, pode-se citar a criação da
Fundação do Bem Estar do Menor (FEBEM), como alternativa para reeducar esses
―delinquentes‖, segundo LAZZANI APUD MOURA
A FEBEM/SP, criada para atendimento dessas crianças e adolescentes, segui uma
linha assistencialista, associado a internação com recuperação da delinquência da
pobreza. A partir dos trabalhos de técnicos especializados, a instituição reforçou
aquilo que se denomina de ―higiene pública‖ (2005, p.50)
Nesse mesmo período, houve o enfraquecimento do Código de Menores de 1927 que
foi substituído pelo Código de Menores de 1979, implantado no final do regime militar, mas
arraigado ainda nos ideais militar de punição e repressão.
30
(..) estabelecendo uma cultura de que os filhos de pessoas pobres deveriam trabalhar, ―naturalizando‖
ideologicamente o trabalho infantil e dos adolescentes/jovens de classes pobres (OLIVEIRA E SILVA, 2011,
pág.56).
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O novo Código de Menores direciona a percepção dos adolescentes em conflito com a
lei a serem tratados como um problema de segurança nacional, caracterizados como grupo de
―menores em situação irregular‖. ―(...) a filosofia menorista antigarantista e o caráter
assistencial, preventivo e curativo, de modo a introduzir claramente o paradigma da ―situação
irregular‖31 (OLIVEIRA E SILVA, 2011 p.85). Este código teve curta vigência no país,
devido ao processo de redemocratização e efervescência política na década de 1980.
No Brasil, o interesse pela infância e adolescência não nasce com o objetivo de
proteção, de direitos ou de diminuir as desigualdades sociais, mas com a concepção de mudar
a situação que se apresentava naquele momento, pois essa etapa da vida do ser humano é
considerada passível de mudança e as autoridades entendiam que podiam moldar esses
indivíduos para viverem bem em sociedade. Essas ações na verdade almejavam obter
―controle social sobre a família pobre e buscar criar uma nação com povo dócil‖ (MELIM,
2005, p.3).
As crianças recebiam medidas de caráter assistencialista de iniciativa privada e
caritativa, estes ficavam a mercê dos cuidados da igreja. Muitos morriam devido às péssimas
condições de vida as quais eram submetidas, legitimando dessa forma, a grave questão social
que permeava a situação da criança e do adolescente, passando a exigir à intervenção do
Estado, que apenas se preocupava em proteger a integridade da sociedade, não considerando a
criança como sujeito de direitos.
Essa concepção só começa a ser questionada na efervescência do Movimento Nacional
de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR), que se sustentava na fervorosa crítica as leis e
políticas implementadas para o enfrentamento da problemática da criança e do adolescente.
De acordo com SALES (2007) esse Movimento nasceu em 1986, como uma
Organização não governamental, e uniu-se a outros movimentos, essa articulação
desencadeou o Fórum Nacional Direito da Criança e do Adolescente, em que pautou as
31
[...] a privação de liberdade surge como instrumento importante para a segregação de uma parcela de crianças e
adolescentes declarada, previamente, incapaz em algum sentido – a base da doutrina da situação irregular (IPEA,
2006, p.8).
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reivindicações de diversos setores e movimentos no processo da Constituinte, na busca para
garantir os direitos das crianças e adolescentes.
Com essas reivindicações e discussões acerca da dimensão da garantia do direito que
assisti crianças e adolescentes, temos a conquista por meio da Constituição Federal de 1988,
especificamente nos artigos 227 e 228, que preconiza o dever da Família, da Sociedade e do
Estado em tratar com prioridade absoluta as crianças e adolescentes, além de outras
prerrogativas importantes, como a inimputabilidade para menores de 18 anos e sujeitos as
normas específicas.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) nasce conforme as diretrizes da
Constituição Federal 1988, mas, sobretudo para reforçar a materialização da Doutrina de
Proteção Integral32 e da prioridade absoluta dos direitos da criança e adolescentes, sendo este
o resultado também do anseio do conjunto das instituições internacionais33 que sempre
estiveram nos movimentos na defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes.
[...] nasce como fruto de correlações de forças sociais que disputam, no contexto,
neoliberal, a produção e a reprodução da vida social, a sociedade e, nesse sentido,
nasce também como resposta ao esgotamento histórico, jurídico e social do Código
de Menores (OLIVEIRA E SILVA, 2011, p. 101).
Esse Estatuto traz nos seus artigos descontinuidades dos outros Códigos de Menores
como: nova concepção de infância e adolescência34; como proceder em caso de ato infracional
de adolescentes; a adoção e aplicação das medidas socioeducativas visando à preservação dos
direitos e do próprio adolescente, levando em consideração o seu processo peculiar de
desenvolvimento; e principalmente, o reconhecimento dos mesmos como sujeitos de direitos.
Esses são alguns dos inúmeros avanços trazidos por esse estatuto.
32
Adoção da Doutrina a Proteção Integral em detrimento os vetustos primados da arcaica Doutrina da Situação
Irregular. Colocando na agenda do Estado a garantia do direito da criança e do adolescente (VOLPI, SARAIVA,
1998, p. 11)
33
Regras de Beijing, as Regras de Tóquio, as Diretrizes de RIAD, e as Regras de Havana, que regulamentam o
sistema de responsabilização penal dos adolescentes que infringiu a lei (OLIVEIRA E SILVA, 2011, p. 89)
34
[...] é responsabilidade do Estado, da sociedade e da família garantir o desenvolvimento integral da criança e do
adolescente (VOLPI, 2011, p.14)
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3.1
ESTATUTO DA CRIANÇA E DOS ADOLESCENTES: entre o legal e o real
De forma geral, o ECA foi uma das mais importantes conquistas relacionadas ao
reconhecimento das crianças e dos adolescentes como prioridade absoluta e necessidade de ter
uma proteção integral. Traz também a responsabilização do Estado, da família e da sociedade
no que tange a prevenção, a proteção e promoção desses sujeitos de direitos, para que eles
possam se desenvolver. O Art. 4º do ECA:
É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público
assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, a
saúde, a alimentação, a educação, ao esporte, ao lazer, a profissionalização, a
cultura, a dignidade, ao respeito, a liberdade e a convivência familiar e comunitária.
(BRASIL, 1990)
Além disso, o Estatuto normatiza e diferencia as crianças e adolescentes em situação
de vulnerabilidade social e os que praticam ato infracional, essa foi uma ruptura com os
outros códigos que homogeneizavam tais situações, colocando as mesmas penalizações para
casos distintos. Neste sentido a autora afirma: ―[...] com sua ―nova‖ ordem jurídica, o ECA
prescreve intervenções diferenciada para criança e adolescentes desprotegidos socialmente e
os adolescentes autores de atos infracional.‖ (OLIVEIRA E SILVA, 2011, p.95).
É visível que o índice de violência, principalmente em casos que envolvam jovens em
atos infracionais, gera na sociedade um grande impacto e revolta, provocando inúmeros
questionamentos no que se refere ao papel da família e do Estado na intervenção destes, no
processo de desenvolvimento do adolescente que praticou esse ato infracional, e na maioria
das vezes, se tem como uma solução errônea para esse problema a discussão que permeia o
aumento de punição nos adolescentes, com base na redução da maioridade penal para 16 anos.
A expressão ato infracional foi o termo criado pelos legisladores na elaboração do
ECA: ―Art. 103: considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção
penal‖. O ECA considera autores de infração apenas os adolescentes - 12 a 18 anos - e os
jovens de 18 a 21 anos, nos casos expressos em lei (art. 2° do ECA).
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Pode-se questionar o senso comum, quando afirma que o ECA, é uma normativa
somente de garantia de direito. Os direitos são preconizados como prioridade absoluta, mas
existem também deveres e ―penalizações‖ nos artigos que descrevem as medidas
socioeducativas, que conforme VOLPI: ―As medidas socioeducativas constituem-se em
condição especial de acesso a todos os direitos sociais, políticos e civis.‖ (VOLPI, 2011, p.
14)
Essas penalizações são judicialmente aplicadas pelos Juízes das Varas da Infância e
Juventude, levando em consideração adoção das medidas socioeducativas previstas no Art.
120 do ECA:
I-
Advertência;
II-
Obrigação de reparar o dano;
III-
Prestação de serviços à comunidade
IV-
Liberdade assistida
V-
Inserção em regime de semiliberdade
VI-
Internação em estabelecimento educacional;
VII-
Qualquer uma das previstas no art. 101, I A VI 35
As medidas socioeducativas são direcionadas aos adolescentes que tenham cometido
um ato infracional, e a aplicação da mesma leva em consideração a natureza desse ato. Por
isso, são apresentadas algumas medidas, com o intuito de ―ressocializá-los‖. Portanto
residindo ai seu caráter educativo, mesmo que seja por meio de uma medida de caráter
punitivo como forma de propiciar o adolescente a repensar seu ato infracional a não mais
praticá-lo.
35
Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar,
dentre outras, as seguintes medidas:
I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;
II - orientação, apoio e acompanhamento temporários;
III - matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental;
IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio a família, a criança e ao adolescente.
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[...] a finalidade das medidas socioeducativas não é a punição, e sim a educação,
uma vez que argumenta que o cumprimento não é meramente de contenção, de
punição, e sim pedagógico, ao reconhecer que sua finalidade é educativa [...]
(OLIVEIRA E SILVA, 2011, p.169)
As medidas socioeducativas de uma forma geral vem para desconstruir a imagem
equivocada em que a maioria da sociedade brasileira faz em relação ao ECA, quando afirmam
que ele é condizente com os atos infracionais cometidos por adolescentes. Dessa forma temse a ―necessidade de um sistema penal juvenil que venha mostrar que o adolescente é
inimputável, mas possui responsabilidade penal‖ (FALEIROS, 2005, p.89).
Faz-nos refletir sobre como o sistema capitalista, desempenha sua hegemonia por
meio das ações do Estado para ―controlar‖ esses adolescentes. Usa-se para esse controle o
ideário de reeducação e profissionalização, como ferramentas, imprescindível para
―recuperação‖ dos adolescentes infratores.
Na realidade, O Estado capitalista globalizado se modernizou para responder
socialmente ás demandas dos direitos infanto-juvenis, sua resposta foi reciclada
mundial, e continua sendo pautada no âmbito do autoritarismo, do conservadorismo,
da prevenção, da repressão e do controle social (OLIVEIRA E SILVA, 2011, p.
108).
Compreende-se o adolescente em conflito com a lei com uma das mais severas
expressões da questão social, segundo OLIVEIRA E SILVA.
É neles que se expressam as mais contundentes das novas configurações da questão
social, no inicio deste milênio: fazem parte do elevado índice dos desempregados,
―desvalidos‖ do desemprego estrutural, e suas condições de ultrapassagem desses
limites são reduzidas, uma vez que não tem experiência profissional. Desse modo,
estão fora do mundo do trabalho, em seu submundo ou no mercado ilegal de
trabalho (OLIVEIRA E SILVA, 2011, p. 22-23).
Mesmo quando esses adolescentes estiverem privados de sua liberdade e internados
em uma instituição educacional. Devemos entender que esse momento peculiar não deve ser
encarado como negação de direito [...] ―restrição a liberdade deve significar apenas limitação
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o exercício pleno do direito de ir e vir e não de outros direitos constitucionais, condição para
sua inclusão na perspectiva cidadã‖ (VOLPI, 2011, p.28)
Precisam-se garantir os direitos dos adolescentes, tais como: preservar os direitos
humanos como respeito, dignidade entre outros; direitos relacionados ao conhecimento e
informação do seu processo judicial; condições adequadas para conseguir desenvolver-se por
meio da escolarização e profissionalização; receber visitas dos familiares e correspondesse
com eles; permanecer internado na mesma localidade próxima ao seu domicílio, estes são
alguns dos vários direitos que devem ser assegurados a esses adolescentes (VOLPI, 2006,
p.24-25).
Nessa perspectiva, o Estado do Rio Grande do Norte criou em 1994 a Fundação
Estadual a Criança e o Adolescente (FUNDAC), substituindo a Fundação do Bem-estar da
Criança e do adolescente (FEBEM/RN), sendo vinculada a Secretaria do Trabalho, habitação
e Assistência Social (SETHAS), tem-se como objetivo formular e executar políticas de
proteção á criança e adolescente em situação de vulnerabilidade social. (FUNDAC, 2009)
No caso de fomentar e propiciar o cumprimento de medidas socioeducativas de
privação de liberdade, o plano de trabalho da unidade de privação de liberdade deve está
vinculados as prerrogativas defendidas pelo ECA, ou seja, tem-se o objetivo de favorecer ao
adolescente um momento de reflexão sobre sua própria história, dentro de um contexto
sociopedagógicos estruturante que ofereça oportunidades e reconstrução dessa trajetória e de
preparo e acompanhamento para a liberdade. (FUNDAC, 2009, p.4)
A rede estadual de cumprimento de medidas socioeducativas de privação e restrição
de liberdade possuem algumas unidades de atendimento, tais como: Centro Integrado de
Atendimento ao Adolescente- CIAD; Centro Educacional de Nazaré; Centro Educacional de
Santa Catarina; Centro Educacional de Esperança; Centro Educacional de Santa Delmira;
Centro Educacional de Pe João Maria; Centro Educacional de Pitimbu; Centro Educacional de
Caicó; Centro Educacional de Mossoró.
As unidades pertencentes á rede de atendimento ao cumprimento de medida
socioeducativa de privação de liberdade devem ser de responsabilidade estadual e atender as
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necessidades dos adolescentes que estejam em conflito com lei. Isto é, ―São de execução
direta e exclusiva dos órgãos estaduais, preferencialmente de forma regionalizada, quando a
demanda assim indicar, as medidas socioeducativas de privativas de liberdade‖ [...] (VOLPI,
2006, p.14).
Os objetivos da aplicação da medida socioeducativa de privação de liberdade, a
reinserção social e a possibilidade de reflexão sobre a infração cometida, somente
serão atingidos se os adolescentes estiverem em um ambiente de novas referências
para sua conduta. Em especial, os operadores das instituições responsáveis pela
aplicação de medidas socioeducativas precisam ter consciência e preparo para
entender que os jovens só valorizarão o respeito à sociedade, à legalidade e aos
direitos de outrem mediante o respeito de seus próprios direitos (IPEA, 2006, p. 10).
Como previsto no ECA e no SINASE os objetivos pretendidos pela adoção da medida
socioeducativa de privação de liberdade deve ser a de possibilitar uma reeducação aos
adolescentes e conflito com a lei, ou seja, oportunizando uma reinserção na sociedade. E aí,
que se configura a verdadeira e mais difícil tarefa, que é propiciar aos adolescentes, apesar da
privação de sua liberdade, um momento de reflexão, dando-lhes oportunidades de sair dessa
situação de vulnerabilidade social e possibilitando uma não inserção no mundo da violência,
como autores de infrações, mas sim conseguir desenvolver sua cidadania plena de direitos e
deveres.
3.2
A PRIVAÇÃO DE LIBERDADE: negação ou ressocialização dos adolescentes?
Faremos uma analise sobre a importância do ECA na interface de sua efetivação de
direitos e muitas vezes de sua negação quando o assunto são adolescentes em conflito com a
lei. Pois, como já foi discutido anteriormente, os adolescentes eram tratados como um
problema social que deveria ser retirados da ―vista‖ da sociedade, como sendo um objeto
―fácil‖ de ser removido. Segundo SCHMIT
(...) constata que antes da aprovação do ECA, um jovem privado de sua liberdade
para ―sair das ruas‖ e parar de ―oportunar a ordem‖; hoje os jovens são privados de
liberdade para se ―reeducá-los, ―protegê-los‖, ―ajudá-los‖, enfim para que as
instituições executem que a família não fez (2011, p.26).
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A violação de direito em que os adolescentes privados de liberdade vivenciam
perpassam as agressões físicas, psicológicas e de negligência. No mês de agosto o Programa
Televisionado Fantástico36 divulgou uma reportagem em que dois funcionários agridem 06
adolescentes da Fundação Casa - São Paulo, enquanto outros funcionários apenas ―assistiam‖
tal violação de direitos humanos. Nesse sentido, SCHMIT retrata que essa é (...) a realidade
vivenciada por centenas de adolescentes privados de liberdade em instituições que, criadas
para ―ensinar‖ o cumprimento da lei, são as primeiras a descumpri-la por meio de constantes e
graves violações de direitos (2011, p. 26)
Nessa mesma percepção o resultado do Levantamento Nacional do Atendimento
Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a Lei ―apontou irregularidades relacionadas
a graves violações de direitos, como ameaça à integridade física de adolescentes, violência
psicológica, maus tratos e tortura, passando por situações de insalubridade, negligência (...)‖
(2009, p.9)
Para coibir essas violações tem-se os objetivos pretendidos pelo PNDH 3, em relação
aos adolescentes em conflito com a lei tem – algumas ações que podemos destacar são:
Elaborar e implementar plano nacional socioeducativo e sistema de avaliação da
execução das medidas daquele sistema, com divulgação anual de seus resultados e
estabelecimento de metas, de acordo com o estabelecido no ECA.
Desenvolver estratégias conjuntas com o sistema de justiça, com vistas ao
estabelecimento de regras específicas para a aplicação da medida de privação de
liberdade em caráter excepcional e de pouca duração.
Promover a transparência das unidades de internação de adolescentes em conflito
com a lei, garantindo maior contato com a família e a criação de comissões mistas
de inspeção e supervisão.
Desenvolver campanhas de informação sobre o adolescente em conflito com a lei,
defendendo a não redução da maioridade penal.
Estabelecer parâmetros nacionais para a apuração administrativa de possíveis
violações dos direitos e casos de tortura em adolescentes privados de liberdade, por
meio de sistema independente e de tramitação ágil.
36
Em uma unidade da Fundação Casa, a antiga FEBEM, na capital paulista, dois funcionários espancam seis
adolescentes com muita violência. Programa exibido pela rede globo dia 18 de agosto de 2013: Rede Globo
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As Unidades de internamento tem que ser subsidiado por esses objetivos, no que tange
a aplicação de uma medida socioeducativa que perpasse a garantia dos direitos humanos e
repeito a condição peculiar de adolescente em processo de desenvolvimento, neste caso a
incumbência de proteção integral e de ressocialização dos adolescentes que praticaram ato
infracional são fundamentais para sua avaliação da rede de proteção (...) respeito à condição
peculiar de desenvolvimento, da garantia universal de acesso a direitos, de tratamento
respaldado pelo princípio do respeito à dignidade humana, que se deve compreender a
aplicação e execução das medidas socioeducativas. (HAMOY, 2007, p.37).
Na realidade o que se percebe na aplicação dessa medida socioeducativa e as falhas no
que concerne, o respeito aos direitos inerente ao ser humano, bem como o sucateamento das
unidades de cumprimento de medidas socioeducativas limitando sua efetivação em contribuir
para a ressocialização. Segundo Hamoy:
Realizar a aplicação e execução dessas medidas é sempre ter a certeza do respeito
aos direitos humanos. Infelizmente, muitos são os equívocos que permeiam a
aplicação e a execução das medidas socioeducativas, muitas são as violações
cometidas, que perpassam desde aplicações inadequadas, muitas vezes privilegiando
a internação em detrimento de outras medidas e até mesmo medidas sendo
cumpridas em locais desumanos e que ferem as condições mínimas de respeito à
pessoa humana (2007, p. 39-40).
O maior obstáculos na luta pela efetivação de direitos aos adolescentes em conflito
com a lei, está na busca em reconhecê-los com sujeitos de direitos e portadores de todas as
ações do Estado, quando o assunto for proteção integral e prioridade absoluta. As unidades
devem ter como objetivo maior ―a finalidade maior do processo educacional, inclusive
daqueles privados de liberdade, deve ser a formação para cidadania‖ (VOLPI,2011 p.30).
Garantir os direitos humanos e sociais bem como oportunizar um processo de
ressocialização adequado e articulado ás políticas públicas voltadas a esses adolescentes, é a
forma mais eficaz na luta contra uma sociedade ―desumana‖ que perceber esses adolescentes,
como sujeitos que devem ser descartados ou punidos mais severamente por seus atos.
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4.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A compreensão dos adolescentes em conflito com a lei deve ir além dos seus atos
infracionais, devem ser inseridos numa totalidade social que será expresso por meio da
violação de direitos que tais sujeitos convivem cotidianamente.
Com a desresponsabilização do Estado em implementar políticas publicas efetivas de
educação, lazer, cultura, profissionalização entre outros voltadas a criança e adolescentes, isso
é sem dúvida uma forma de evidenciar os rebatimentos das expressões da questão social na
vida desses sujeitos.
Quando se trata de defender os direitos dos adolescentes em conflito com a lei, parece
ser mais árdua a luta, pois no seio social há uma descrença nesse sujeitos, por ele ser agentes
de um ato de violência. Nesse sentido, a defesa dos direitos humanos e especificamente dos
adolescentes enquanto sujeitos em desenvolvimento, que por isso necessitam de uma atenção
maior por parte do Estado e da própria sociedade é fundamental para efetivação do ECA.
Não obstante, a busca na materialização dos direitos aos adolescentes em conflito com
a lei deve perpassar da garantia dos direitos inerentes aos ser humano, a situação peculiar de
desenvolvimento, indo até sua efetivação na vida desses sujeitos com o processo de
ressocialização, em que propiciará a inserção desses na sociedade.
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Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a Lei. Brasília, 2009
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ATUAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NA BUSCA DA AMPLIAÇÃO E
CONSOLIDAÇÃO DA CIDADANIA
Área temática: Justiça, direitos humanos e inclusão social
Maria José Augusto Correia Leite37
Alidiane Pereira da Silva Ribeiro38
Maria do Socorro Filgueira Lisboa39
Solange Oliveira Ferreira40
RESUMO: Este artigo tem como objetivo expor o debate acerca da ampliação e consolidação da
cidadania, um dos Princípios Fundamentais do Código de Ética do Serviço Social, bem como da
atuação do assistente social comprometido com seu projeto profissional na busca da efetivação dos
direitos sociais, civis e políticos. Esse debate é perpassado pelo conceito de necessidades sociais na
sociedade capitalista, tendo em vista que a noção de direitos sociais passa primeiramente pela noção
de necessidadessociais. Abordamos ainda a relação do Serviço Social com a Seguridade Social posta
pela Constituição Federal de 1988 e a Seguridade Social defendida pela categoria dos assistentes
sociais.
Palavras-chaves: Necessidades sociais; Projeto Ético Político do Serviço Social; Seguridade Social.
1. INTRODUÇÃO
Entendemos que é de suma importância o debate sobre a atuação do Serviço Social
na busca em ―alargar‖ as políticas sociais existentes, proporcionando à classe subalterna
igualdade de condições, e não apenas de oportunidades, e na reflexão sobre necessidades
sociais dentro do cenário contraditório em que somos inseridos, onde os assistentes sociais –
pelo menos uma parte desses profissionais – irão buscar a consolidação do seu Projeto Ético
37
([email protected]), (88)96137427, Faculdade Leão Sampaio
([email protected]), (88)96384981, Faculdade Leão Sampaio
39
([email protected]), (88)97330600, Faculdade Leão Sampaio
40
([email protected]), Faculdade Leão Sampaio
38
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990
Político da ABEPSS, tendo por base a Lei de Regulamentação da Profissão (8.662 de 07 de
junho 1993), as Diretrizes Curriculares que norteiam a formação profissional e o Código de
Ética (1993), esse embasado em princípios fundamentais, como à busca de liberdade; a defesa
dos direitos humanos, da cidadania, da democracia, da justiça social; a eliminação de todas as
formas de preconceito, entre outros.
Para que isso ocorra, percebemos que é inegável o posicionamento dos assistentes
sociais frente ao projeto neoliberal no que diz respeito às políticas públicas, consideradas fator
primordial para efetivação da cidadania, uma vez que o Serviço Social busca a construção de
um Estado de direito – apesar das dificuldades para a consolidação de tais direitos, sendo
estas dificuldades determinantes de desigualdades econômicas e sociais. Tais questões
implicam em inúmeras polêmicas em relação ao funcionamento das políticas públicas no
cenário contraditório da sociedade capitalista, onde a riqueza existente é construída
coletivamente pela maioria dos trabalhadores, que só possuem sua força de trabalho para
vender, e apropriada privadamente por uma minoria que visa tão somente à obtenção de
lucros cada vez mais elevados.
Diante dessa realidade, o assiste social é desafiado a objetivar seu Projeto Ético
Político comprometido com a efetivação de direitos que reduzam as desigualdades sociais e
econômicas, proporcionando aos indivíduos a satisfação das necessidades sociais.
2.
CONSOLIDAÇÃO
DO
PROJETO
ÉTICO
POLÍTICO
NUM
CENÁRIO
CONTRADITÓRIO, OBJETIVANDO A CIDADANIA E A DEMOCRACIA DIANTE
DAS “NECESSIDADES” HUMANAS
Segundo Teixeira (2003), o projeto profissional da categoria dos profissionais de
Serviço Social emerge em meio aos diferentes interesses de classes que determinam a nossa
profissão, no entanto, se porta a favor da classe trabalhadora, defendendo a emancipação
humana com o apoio da coletividade, entretanto, nós não concretizamos essa emancipação
humana, pois todas as formas de discriminação ainda não foram eliminadas.
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Ainda segundo Teixeira (idem), o projeto societário dessa categoria tem como
característica um caráter revolucionário e transformador – sendo que em toda sociedade que
existe divisão de classe há projetos societários diferentes – esse propondo romper com o
conservadorismo e tomando uma consciência política, tendo em seus princípios fundamentais,
estes fincados no Código de Ética de 1993, a busca pela ampliação e consolidação da
cidadania, como também salvaguardar o aprofundamento da democracia dentro de uma
sociedade contraditória.Dessa forma, essa busca visa à garantia dos direitos civis, sociais e
políticos da classe trabalhadora e a socialização no engajamento da política e da riqueza
socialmente produzida.
Segundo Netto (apud Azevedo e Sarmento, 2007), os projetos profissionais vêm
dando respostas às alterações no sistema de necessidades sociais, essas sendo entendidas num
contexto no qual o trabalho aparece como um meio de satisfação de necessidades, onde o
trabalhador vende sua força de trabalho em troca de um mínimo para sua sobrevivência. O
trabalho alienado, no entanto, dará condições apenas de satisfação de necessidades primárias
como: comer, beber, procriar, vestir, morar em condições mínimas de higiene e bem-estar etc.
Entretanto, concernente às necessidades alienadas próprias da sociedade capitalista,
Heller(idem)irá diferenciar esse conjunto de necessidades. Numa visão mais crítica, ela passa
a utilizar os termos ―necessidades existenciais‖, que diz respeito às necessidades primárias, e
―necessidades propriamente humanas‖, essas próprias de desejos e intenções de obtenção de
objetos ou prática de uma ação. Dentro desse contexto, Heller afirma que as necessidades são
fundamentais à vida dos indivíduos e que além de serem direcionadas à satisfação de
necessidades, elas surgem historicamente, ou seja, tais necessidades diversificam-se de acordo
com as objetivações humanas, onde a matéria natural pela ação material do sujeito é
transformada.
As necessidades identificadas por Heller portam valores, são pessoais e sociais, e na
sociedade capitalista a força do dinheiro é que vai determinar a quantificação das
necessidades. No entanto, podemos perceber que a riqueza socialmente produzida pela classe
trabalhadora não se encontra nas mãos do trabalhador, e sim nas mãos da classe dominante,
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onde dar-se a lei geral da acumulação capitalista41. Dentro deste contexto, podemos perceber
que é de suma importância a consolidação dos direitos civis, sociais e políticos para a classe
trabalhadora, sendo esses viabilizados pela categoria de profissionais de Serviço Social,
juntamente com uma equipe multiprofissional das demais áreas de atuação. Porém, dentro da
sociedade capitalista, as necessidades geram situações de desigualdades sociais e limitam o
acesso dos indivíduos a determinadas necessidades básicas.
Marcuse (idem) em sua visão sobre necessidades, não discordando de Hellermas
apresentando diferenças em relação às suas abordagens políticas e metodológicas, vai tratar de
necessidades como além de satisfações biológicas, vai destacar necessidades como précondicionadas, diferenciando-as assim como: ―necessidades falsas‖, sendo aquelas
superimpostas ao individuo por interesses particulares, e ―necessidades verdadeiras‖, como
aquelas que obedecem e acompanham o interesse social predominante. Segundo essa
concepção, as pessoas se tornam um recipiente pré-condicionado pela imposição dos meios
midiáticos. Marcuse vai preocupar-se na sua visão de necessidades como elas irão se
manifestar no contexto da sociedade capitalista.
Entrementes, essa discussão sobre ―necessidades‖ vai buscar dentro do cenário
contraditório da sociedade capitalista a formulação e a viabilização de políticas sociais de
distribuição de renda e a criação de programas de garantia de renda mínima, não se alargando
para um entendimento de necessidades sociais, mas se restringindo ao provimento dos
mínimos sociais.
Os mínimos sociais, na visão de Sposati (idem), envolvem dois debates principais: o
primeiro se relaciona a uma concepção reducionista, considerando os mínimos sociais como
políticas com o objetivo de apenas cobrir carências; e o segundo está relacionado a uma visão
mais ampliada, com os mínimos sociais tidos como um ―padrão societário de civilidade‖, com
pelo menos cinco tipos de direitos assegurados: ―sobrevivência biológica, condição de poder
41
Entendemos por lei geral da acumulação capitalista que quanto mais à riqueza socialmente é produzida pelo
trabalhador enriquecido os donos dos meios de produção/capitalistas, dar-se na mesma proporção o crescimento
da miséria da população.
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trabalhar, qualidade de vida, desenvolvimento humano e necessidades humanas‖ (idem, p.
95).
Segundo Potyara (2006), para alguns autores, o termo ―necessidades‖ soa de forma
negativa, uma vez que é identificada como carência, define as políticas pelo ângulo das
destituições dos sujeitos. Isso implica dizer que a utilização da categoria de necessidades no
discurso teórico e político, dá a impressão de reforçar situações socialmente injustas e de
definir políticas públicas a partir de um parâmetro empobrecedor. Na visão de Potyara, a
ideologia individualista professada pela sociedade capitalista embasada no pensamento
neoliberal, não admite a existência de necessidades como situação de fato, que exige políticas
públicas para seu enfretamento. E ratificam que o reconhecimento da existência de
necessidades sociais não passa de ―mistificação de quem quer impor o domínio do Estado
sobre as liberdades individuais‖. O que isso nos faz entender é que não existem necessidades,
mas desejos, expectativas e preferências particulares cuja satisfação não pode ser provida e
garantida pelos poderes públicos porque estes massificam suas respostas políticas, passando
por cima das escolhas pessoais. Com base nesse entendimento posto por Potyara, concluímos
que só há uma instituição passível de atender com eficiência e eficácia as aspirações dos
indivíduos: o mercado. Por essas perspectivas o conceito de necessidades humanas não teria
correspondência com a cidadania e nem muito menos com as políticas públicas, cuja principal
função é concretizar direitos sociais.
Dentro desse contexto abordado anteriormente, o Projeto Ético Político do Serviço
Social é configurado como um conjunto de valores e princípios construídos, legitimados e
assumidos por parte da categoria profissional que se compromete com a efetivação dos
direitos civis, políticos e sociais, bem como da satisfação das necessidades sociais. Esse
projeto profissional, que rege a formação e a atuação dos assistentes sociais, é embasado
no atual Código de Ética Profissional dos assistentes sociais (1993), na Lei de
Regulamentação da Profissão (1993), nas diretrizes curriculares articuladoras da
formação profissional e nos avanços e acúmulos da produção científica, do exercício
profissional e da organização política da categoria dos assistentes sociais (...)
(Azevedo, Sarmento; 2007; p.86).
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É certo que o Projeto Ético Político do Serviço Social depreende uma determinada
escolha por parte dos profissionais, escolha essa que terá como resultado a ampliação e a
consolidação da cidadania. Entretanto, é importante salientar que a efetivação do projeto
profissional não depende apenas da escolha da categoria a favor da sua efetivação, é
necessário que haja as condições propícias para isso, tendo em vista as limitações impostas
pela sociedade de classes excludente e contraditória na qual estamos inseridos.
Segundo Barroco (2001), a efetivação do projeto profissional se dá junto à
coletividade, entretanto, enfrentará dificuldades em meio ao cenário contraditório, mas isso
não impedirá que o profissional busque a emancipação humana, propondo estratégias visando
uma transformação societária.
O Projeto Ético Político do Serviço Social defende que as políticas sociais têm a
―capacidade efetiva de reduzir desigualdades econômicas e sociais, de constituir formas
(ainda que limitadas) de socialização e redistribuição da riqueza, e de construir um sistema de
direitos capaz de alargar e materializar a cidadania plena e democrática‖ (Boschetti, 2004, p.
111). Entretanto, para que isso se efetive, essas políticas devem ser assumidas como meios de
garantia de direitos, e não apenas como meios de combater a pobreza extrema – como forma
de políticas pontuais voltadas para os pobres, e não para toda a sociedade.
Ainda segundo Boschetti (idem), sabe-se que o problema da pobreza e das
desigualdades sociais não é apenas uma questão de má distribuição de bens e serviços, mas é
uma questão estrutural, inerente à lógica capitalista, relativa à apropriação privada tanto dos
meios de produção quanto da riqueza socialmente produzida.
Por isso o Projeto Ético Político do Serviço Social defende a seguridade social42
como um meio de transição a uma sociedade mais justa e igualitária, sem dominação ou
exploração de classe, etnia ou gênero, conforme defende o Código de Ética da categoria em
42
A seguridade social é o conjunto de ações e instrumentos por meio do qual se pretende alcançar uma sociedade
livre, justa e solidária, erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e promover o bem
de todos.
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seus Princípios Fundamentais. Esse processo de transição se inicia a partir do reconhecimento
e efetivação de direitos na atual sociedade.
O Serviço Social acredita que a seguridade social é capaz de caminhar na busca da
instauração da ―cidadania social com direitos amplos, universais e equânimes‖ (idem, p. 121),
assegurando ―todos os direitos sociais previstos na Constituição Federal (educação, saúde,
trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência e assistência social)‖ (idem), já que no
modelo de seguridade social posto na Constituição Cidadã somente a Saúde é considerada
universal (para todos sem distinção), e assistência fica para quem dela necessitar (os pobres
em estado de vulnerabilidade social), e a Previdência se restringe aos que contribuírem, sendo
excluídos os que estão fora do mercado formal de trabalho.
Entretanto, mesmo em meio e essas limitações, para que se efetivem os direitos
assegurados na Constituição, a seguridade social deve se orientar por alguns requisitos
essenciais que o Projeto Ético Político do Serviço Social esquematiza, são eles:
universalização com superação da lógica contratualista do seguro social;
qualificação legal e legitimação das políticas sociais como direitos, pois só por este
ângulo é possível comprometer o Estado como garantidor da seguridade social;
orçamento redistributivo, com ênfase na contribuição de empregadores e no
orçamento fiscal, de modo a desonerar aos trabalhadores; e estruturação
radicalmente democrática, descentralizada e participativa (idem)
É a partir do comprometimento da categoria com o seu Projeto Ético Político
profissional, bem como da sua atuação junto à luta geral dos trabalhadores, que irá ocorrer o
processo de ampliação e consolidação da cidadania, por meio do reconhecimento e efetivação
dos direitos civis, sociais e políticos.
É necessário considerar também que o Projeto Ético Político do Serviço Social
requer uma qualificação profissional embasada em concepções teórico-metodológicas críticas,
capazes de favorecer ao assistente social uma análise das relações sociais numa perspectiva de
totalidade. O projeto profissional também irá exigir do assistente social comprometimento em
um processo de constante (auto) formação, assim como na participação em movimentos
sociais e em movimentos de outras categorias profissionais que partilhem dos mesmos
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princípios do seu Código de Ética a favor da luta geral dos trabalhadores, como consta nos
Princípios Fundamentais do referido código.
3. RESULTADO DA PESQUISA
A nossa pesquisa de campo foi realizada no mês de março do corrente ano (2013),
entrevistamos duas assistentes sociais que trabalham no âmbito público com o intuito de
sabermos como se dá a efetivação ou não do Projeto Ético Político da categoria frente às
limitações institucionais existentes. Houve divergências entre elas relativas à consolidação do
projeto. Uma das assistentes sociais disse que não era fácil concretizar na prática o referido
projeto profissional, porém buscava sempre propor estratégias que atendessem as demandas
postas no cotidiano do seu trabalho. Buscava sempre se atualizar através de leituras e que
embora não estivesse engajada em nenhum movimento social, apoiava aqueles que a
procurava, orientando-os através de palestras. Com isso, percebemos no seu discurso um
caráter crítico e transformador, e que embora não fosse fácil para ela a consolidação do
projeto político,se empenhava para que isso ocorresse.
A outra profissional entrevistada nos mostrou em seu discurso um caráter
conservador, uma vez que os limites institucionais ainda impediam a realização do seu fazer
profissional. A mesma não busca atualizar-sepor meio de leituras e nem de cursos, segundo as
suas palavras ―não tem condições‖ para participar de eventos da categoria. Ela nos disse
também que não está engajada em nenhum movimento social. Com isso percebemos que a
mesma,pelas limitações impostas pelo seu ambiente de trabalho, não se esforça na busca por
um melhor atendimento às demandas que chegam à instituição, e muitas vezes torna-se uma
profissional descompromissada com o projeto profissional da sua categoria.Sabemos que os
problemas trazidos pelos usuários dos serviços assistenciais não podem ser resolvidos de
forma imediata, mas de acordo com as possibilidades do profissional em seu ambiente de
trabalho, mas é importante que isso não seja motivo de acomodação por parte do mesmo e
esse se desresponsabilize pela resolução de tal problema. Para tanto, é necessário a existência
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de
profissionais
críticos,
propositivos,
transformadores,
qualificados,
criativos
e
comprometidos com a efetivação do seu projeto profissional.
4. CONCLUSÃO
Em suma, os debates aqui traçados buscaram evidenciar a importância da atuação do
assistente social comprometido com o seu projeto profissional, comprometimento esse que
contribui em demasia para a ampliação e consolidação da cidadania e para a construção de
uma nova ordem societária, mais justa e igualitária, sem exploração e dominação de uma
classe sobre a outra. Para isso, deve-se considerar que o Projeto Ético Político do Serviço
Social não se limita a ser um conjunto de valores e princípios que norteiam a formação e a
prática profissional, mas um conjunto de mediações construídas diariamente pela categoria
profissional a partir da realidade social em que se encontra.
Sabe-se que existem muitas dificuldades para a efetivação do Projeto Ético Político
do Serviço Social, principalmente a partir de 1990 com o enxugamento do Estado na área
social em detrimento de investimentos na economia. Esse processo acarreta mudanças no
âmbito da prática profissional, pois proporciona o surgimento de novas demandas e novos
espaços de trabalho para o assistente social, que é instigado ainda mais a criar estratégias
capazes de garantir os direitos à classe subalterna, na busca da consolidação da seguridade
social pública e universal.
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999
DIVERSIDADE E MERCADO DE TRABALHO: A VISÃO ACERCA DO
TRABALHADOR OBESO
Área temática: Jstiça, direitos humanos e inclusão social
Joelma Soares da Silva43
Francisco Roberto Pinto44
Conceição de Maria Pinheiro Barros45
Maria do Carmo Cavalcante Pinto46
RESUMO: A obesidade é reconhecidamente uma epidemia que atinge homens, mulheres e
até crianças em todo o mundo. Sua amplitude não diferencia raça, sexo, idade ou nível social,
repercutindo de várias formas na vida dos sujeitos obesos. O presente estudo tem como
objetivo identificar a visão de uma amostra de profissionais acerca do trabalhador obeso. Para
o alcance do objetivo foi feita, inicialmente, uma revisão de literatura com foco na
diversidade e na empregabilidade das pessoas obesas. Em seguida foi realizada uma de
entrevista estruturada com 4 alunos de pós-graduação lato senso da Universidade Federal do
Ceará todos atuantes na área de assessoria executiva. Trata-se de uma pesquisa descritiva com
abordagem qualitativa. A análise dos dados revelou os respondentes encaram de forma
positiva o trabalho exercido por pessoas obesas embora reconheçam as dificuldades impostas
pelo mercado de trabalho e pela sociedade de forma geral.
Palavras chaves: diversidade, obesidade, mercado de trabalho.
1 Introdução
Um dos maiores desafios enfrentando atualmente pelas empresas está relacionado à
gestão estratégica de pessoas, onde os colaboradores são um importante diferencial
competitivo. As pessoas, com seus talentos e competências, são as maiores responsáveis pelo
43
Universidade Federal do Ceará. (85) 8723-3959/[email protected]
Universidade Estadual do Ceará. [email protected]
45
Universidade Federal do Ceará. (85) 8865-4694/[email protected]
46
Universidade Federal do Ceará. (85) 3226-7149 /[email protected]
44
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1000
sucesso ou o fracasso de qualquer instituição. Quando uma empresa capta um colaborador, ela
não está contratando apenas um recurso qualificado para ocupar um cargo disponível. A
contratação é de um ser humano integral, com uma história de vida, pensamentos, emoções,
sentimentos, medos, anseios e consciência.
A realidade do mercado de trabalho atual exige, das organizações, a capacidade de
lidar com uma maior diversificação da sua força de trabalho, em relação à raça, sexo, idade,
nível social e deficiências.
A adoção de políticas de inclusão nas organizações está muitas vezes relacionada a
questões de gênero, deficiência ou condição social. A aplicação das normas e leis que visam a
proteção dos postos de trabalhos das pessoas comumente classificadas como minorias não são
suficientes para garantir oportunidades no mercado de trabalho. É importante ressaltar que
cabe ao próprio indivíduo a responsabilidade de garantir a sua empregabilidade no mercado
de trabalho, com o autogerenciamento de suas carreiras, desenvolvimento de suas
competências adicionais e investimento no seu próprio desenvolvimento profissional e
pessoal.
Nesse contexto, este trabalho orienta-se pelo seguinte questionamento: qual a visão
acerca do trabalhador obeso nas organizações? Tal questionamento se justifica pela existência
de estudos que apresentam diferenciação no tratamento dispensado à pessoas obesas nas
relações de trabalho (e.g. FELIPPE; SANTOS, 2004). A partir dos resultados obtidos
pretende-se contribuir para uma reflexão e discussão mais profunda acerca do assunto.
Acrescendo ao exposto, acredita-se que as pessoas obesas são economicamente ativas
e que dependendo do nível de exigência física do cargo, muitas profissões podem ser
exercidas por obesos sem que haja qualquer tipo de diferença na qualidade dos serviços caso
fossem executadas por pessoas consideradas normais. É fato que, muitos postos de trabalho
permanecem abertos e que poderiam ser preenchidos pelo referido público.
Com o intuito de responder ao questionamento desta pesquisa, o presente estudo tem o
objetivo geral O presente estudo tem como objetivo identificar a visão de uma amostra de
profissionais acerca do trabalhador obeso.
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1001
O presente estudo está divido em 06 seções incluindo esta introdução. A segunda e a
terceira seções versam, respectivamente, sobre a diversidade e obesidade. A quarta seção trata
da metodologia empregada na pesquisa de campo. Na quarta e quinta seções são apresentados
os resultados da pesquisa de campo e as considerações finais. Por fim, seguem as referências
que fundamentaram este trabalho.
2 Diversidade nas organizações
A miscigenação da população brasileira é evidente no cotidiano. Além da diversidade
racial, é possível apontar que, atualmente, diversas formas de diversidade se formatam no
cotidiano social.
Dados do último censo brasileiro do Instituto Brasileiro Geográfico e
Estatístico (IBGE, 2010), que apontam que a população brasileira é formada por 49,2% de
homens e 50,8% de mulheres. A raça majoritária é formada por aqueles que se declararam
brancos (47,7%), vindo a seguir os pardos (43,1%) e dos pretos (7,6%). Ainda conforme
dados desse censo (IBGE, 2010), cerca de 46 milhões de pessoas (24% da população total)
possuem algum tipo de deficiência.
Segundo Fleury (2000, p.20), diversidade é definida como ―um mix de pessoas com
identidades diferentes interagindo no mesmo sistema social‖. Vale ressaltar que identidades
são categorias pessoais como sexo, raça, nacionalidade, religião e idade, entre outras. Ainda
de acordo com a citada autora, nesses sistemas sociais coexistem grupos de maioria e de
minoria. A esse respeito, Faleiros (2001 apud FELIPPE; SANTOS, 2004) definem como
minorias um conjunto social que se encontra, se sente e se representa como discriminados e
oprimidos na sociedade, nas relações sociais estruturantes de classe, de gênero, orientação
sexual, raça e cultura.
Pereira e Hanashiro (2010) ressaltam que um grupo social é identificado como
minoria, não por sua representação numérica, mas por se tratar de um grupo formado por
indivíduos não dominantes, com menos poder e recursos dentro das organizações. Saraiva e
Irigaray (2009) apresentam afirma que os grupos considerados minoritários e alvos de
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1002
discriminação são normalmente pessoas negras, com deformação facial, deficientes físicos,
pessoas obesas, homossexuais, pessoas com problemas mentais e cegos.
Cox (2001 apud PEREIRA; HANASHIRO, 2010) explica diversidade como a
variação de identidades social e cultural entre pessoas que convivem no mesmo sistema, seja
de trabalho ou outro qualquer. Para Spitzer (1956 apud PEREIRA, 2011) a diversidade
expressa relações abstratas existentes entre os indivíduos, em relação à quantidade e ao grau
de propriedades que os fazem diferentes entre si, tomando-se por referência o grau, a posição,
o lugar, a situação, a ordem ou classe social que os indivíduos ocupam. Ainda segundo
Hanashiro e Queiroz (2010, p. 2) ―O conceito de diversidade encontra-se em constante
evolução‖. Hoje percebe-se que sua dimensão envolve questões sociais muito amplas de
difíceis delimitações (HANASHIRO; QUEIROZ, 2010). De acordo com Fleury (2000, p. 21),
a gestão da diversidade defendida com base na
[...] criação de vantagem competitiva, o que, em tese, elevaria o desempenho da
organização no mercado, tendo em vista a influência positiva de um ambiente
interno multicultural, com membros de distintas experiências e habilidades.
Alves e Galeão-Silva (2004) defendem ainda que a gestão da diversidade deve ser
baseada no princípio da meritocracia, evitando, assim, que a admissão ou promoção de
indivíduos dos grupos minoritários sejam percebidas como não merecidas. Pereira (2011)
ressalta que ações que propiciam tratamento especial para determinado grupo social podem
alimentar o preconceito e a discriminação social nas pessoas pertencentes a outros grupos não
favorecidos pelas mesmas.
Dessa forma, Pereira e Hanashiro (2010) afirmam que as organizações ao adotarem a
gestão da diversidade não devem apenas introduzir ações que enalteçam a diversidade, mas
conseguir que todos seus colaboradores se envolvam com elas, assegurando a aceitação e
entendimento de que nem todos tem a mesma oportunidade nas organizações e que, portanto,
ações de inclusão devem ser criadas e estimuladas. O desenvolvimento dessas ações
pressupõe o reconhecimento por parte de todos dentro da organização de que há certos grupos
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sociais de indivíduos que são mais vulneráveis a serem excluídos que outros (PEREIRA;
HANASHIRO, 2010).
FLEURY (2000) enfatiza que a gestão da diversidade não visa a resolução de questões
como discriminação e preconceitos, mas a adoção de um enfoque organizacional holístico
criando um ambiente organizacional que possibilite a todos o pleno desenvolvimento de seu
potencial na busca do alcance dos objetivos da empresa.
Em suma, gerenciar a diversidade implica o desenvolvimento das competências
necessárias ao crescimento e ao sucesso do negócio. A globalização econômica e de mercados
também ampliou as possibilidades de se trabalhar com equipes heterogêneas, quanto à
nacionalidade, raça, hábitos e valores diferentes. Incorpora-se tudo isso, ao fato de as pessoas,
hoje, estarem mais conscientes de suas diferenças e desejarem vê-las respeitadas e
valorizadas.
3 Obesidade
Reconhecida como uma epidemia que atinge homens, mulheres e até crianças em todo
o mundo, a obesidade não diferencia raça, sexo, idade ou nível social. Segundo a Organização
Mundial de Saúde (OMS) a obesidade pode ser definida como o excessivo acúmulo de
gordura no organismo que apresenta um risco para a saúde (OMS, 2013). O principal padrão
para calcular a obesidade em adultos é o Índice de Massa Corporal (IMC), que é definido
como o peso da pessoa em quilogramas dividido pelo quadrado da sua altura em metros
(kg/m2). A OMS define como obeso o indivíduo adulto que possui IMC maior que ou igual a
30 (OMS, 2013).
A obesidade é considerada pela OMS uma doença não transmissível e que pode ser
fonte de uma série de outras comorbidades, que são doenças que tem seu surgimento ou
agravamento devido ao acúmulo de gordura no organismo, tais como: doenças cardíacas,
AVC, infarto, diabetes, lesões de ossos e articulações, câncer, hipertensão, varizes e úlceras
(OMS, 2013).
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Ainda segundo a OMS (2013) no ano de 2008 mais de 1,4 bilhões da população
mundial adulta, com idade acima de 20 anos, estava acima do peso. Destes, mais de 200
milhões de homens e quase 300 milhões de mulheres eram obesos. Ou seja, mais de 35% da
população mundial adulta estava acima do peso e 11% eram obesos (OMS, 2013).
Até então, a obesidade era considerada um problema apenas dos países de alta renda,
mas em 2011 a OMS publicou que 40 milhões de crianças menores de cinco anos estavam
acima do peso, dessas 30 milhões de crianças viviam em países em desenvolvimento e 10
milhões em países desenvolvidos. Estudos apontam que a criança obesa tem maior chance de
se tornar um obeso adulto, além de riscos de dificuldade de respiração, hipertensão, doenças
cardiovasculares e problemas psicológicos (OMS, 2013).
Segundo o Ministério da Saúde o número de brasileiros com excesso de peso
(IMC>25kg/m²) passou de 43% em 2006 para 48,5% em 2011. No mesmo período o número
de obesos (IMC>30/kg/m²) passou de 11% para 15,8% (BRASIL, 2012).
Quanto aos números da obesidade no estado do Ceará, a pesquisa apresenta dados
referentes à cidade de Fortaleza. Segundo dados divulgados, 54% dos fortalezenses
pesquisados estão acima do peso. Fortaleza é a segunda capital brasileira com maior número
de adultos com excesso de peso, perdendo apenas para Porto Alegre, que lidera o ranking com
55% (BRASIL, 2012).
A pesquisa ainda revelou que 18% dos fortalezenses pesquisados são obesos, mesmo
percentual encontrado em Manaus, Maceió, Campo Grande e Natal. Macapá é a capital
brasileira com o maior número de obesos, 21% dos pesquisados (BRASIL, 2012).
Os dados apresentados demonstram que o número de pessoas obesas em muito se
distancia da noção de minoria numérica. Segundo Vergara e Irigaray (2007) os obesos fazem
parte dos grupos sociais estigmatizados, juntamente com os negros, as mulheres, pessoas com
deformação facial, deficientes físicos, retardados mentais, homossexuais e cegos. Ainda
segundo as autoras, o individuo estigmatizado é alvo de discriminação e estresse, podendo
desenvolver até sintomas de psicopatias. Felippe e Dos Santos (2004) reforçam esse
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pensamento ao explanarem que os sujeitos obesos sofrem discriminação e preconceito que
potencialmente prejudicam sua a inserção na disputa ou concorrência no mercado de trabalho.
O preconceito contra os obesos ainda está muito arraigado no inconsciente social. Para
muitos a obesidade é sinônimo de preguiça, de má aparência, de relaxamento, de desleixo, de
fraqueza e de gula. Ferreira e Magalhães (2011) afirmam que a obesidade está associada no
imaginário coletivo com a ideia de falta de saúde, desleixo, preguiça, falta de controle,
falência moral e pobreza e as pessoas magras conotam felicidade, prestígio, sucesso
pessoal, status, autocontrole e autodisciplina. As autoras ainda dizem que socialmente as
pessoas obesas estão vinculadas ao desempenho de funções mais modestas, revelando que os
estereótipos estão presentes, demarcando muitas vezes a condição social do indivíduo.
É lícito afirmar que existe uma relação negativa entre a obesidade, a ocupação e
participação dos obesos na força de trabalho no mercado. Conforme diz Morris (2007 apud
TEIXEIRA; DIAZ, 2011) a obesidade diminui a probabilidade de emprego dos sujeitos
obesos causando relevante impacto nas condições de salário e emprego. Para Ferreira (2010)
as relações de trabalho, a garantia da manutenção de um lugar no mercado de trabalho e a
empregabilidade dos sujeitos obesos são influenciadas pela perspectiva da aparência física e
estética. Porém a empregabilidade está diretamente relacionada com o autodesenvolvimento
das competências individuais, a fim de que os profissionais possam estar em condições de
manterem-se aptos e atrativos para o mercado de trabalho.
Saviani (1997) elenca as competências imprescindíveis para que um profissional tenha
uma alta empregabilidade: criatividade, empatia, flexibilidade, extroversão, bom senso,
liderança, visão geral do mundo, iniciativa, garra, domínio de outros idiomas, cultura global e
o cultuar da inteligência emocional. As competências profissionais apresentadas pelo autor
independem de força física, idade ou aparência.
4 Metodologia
O presente estudo é natureza qualitativa e de caráter descritivo, pois os dados são
coletados, analisados e interpretados sem que haja qualquer tipo de interferência ou
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manipulação dos mesmos pelos pesquisadores e sem o emprego de dados estatísticos
(OLIVERIA, 2001; ANDRADE, 2009).
A amostra do presente estudo foi composta por quatro alunos de um curoo de pósgraduação lato senso da Universidade Federal do Ceará que atuam como assessores ou
executivos, sendo dois atuantes na iniciativa privada e dois no serviço público.
A coleta de dados se deu por meio de entrevista estruturada. De acordo com Marconi
e Lakatos (1990) a entrevista é uma conversação efetuada face a face, proporcionando ao
entrevistador a informação necessária.
O roteiro contou com oito perguntas abertas acerca do tema proposta nesse trabalho.
As entrevistas foram gravadas em áudio, as perguntas foram feitas uma de cada vez, sem
interrupção, sugestão ou indução, conforme passos previstos por Andrade (2009). Logo após,
os dados foram transcritos e analisados conforme apresentados na secção seguinte. Tais
passos são fundamentais no que concerne ao rigor do método.
Nenhum dos abordados é obeso, exceto uma das entrevistadas que se auto denominou
ex-obesa. Ressalte-se que as condições declaradas não foram consideradas à luz de nenhum
parâmetro oficial, apenas com base na autodefinição dos entrevistados. As entrevistas foram
realizadas no mês junho de 2013 em dias e horários diferentes.
4 Apresentação e análise dos resultados
Esta seção apresenta os resultados alcançados e a análise dos dados à luz da teoria
sobre o tema proposto. Inicialmente foi abordado o perfil dos entrevistados e em seguida
focalizou-se nas perguntas relacionadas diretamente ao tema.
Foram entrevistados quatro alunos de pós-graduação lato senso da Universidade
Federal do Ceará, sendo dois atuantes na iniciativa privada e dois no serviço público. Em
relação à idade, uma entrevistada tem menos de 30 anos, dois estão na faixa etária de 20 a 30
anos e um possui idade acima de 40 anos. Quanto a formação acadêmica, uma entrevista é
graduada em Administração de Empresas e três são graduados em Secretariado Executivo.
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Os entrevistados atuam como assessores executivos nos seguintes tipos de
organizações: universidade pública localizada em Fortaleza; universidade pública localizada
no interior do Ceará; organização privada multinacional; organização privada local. A seguir
são transcritas as perguntas relacionadas ao tema e as respostas analisadas com base na teoria
utilizada.
A entidade na qual você atua propicia um ambiente favorável a prática da diversidade
na sua força de trabalho (raça, sexo, aparência física, deficiência e orientação sexual)?
A minha percepção quanto a prática da diversidade na entidade onde eu trabalho, até
pelo objetivo da Universidade, que é integrar os povos de língua portuguesa, é uma
coisa muito natural, que é muito difundida entre os servidores e os alunos, até
porque essa convivência é muito forte. Pessoas de várias culturas, posições
diferentes até por conta de serem países diferentes, então a Universidade já é muito
bem adaptada e é preparada para lidar com isso (ENTREVISTADA 2).
A empresa onde eu trabalho é super favorável a prática da diversidade. Na verdade,
nós contratamos pessoas de todas as culturas, de todo lugar do mundo. É uma
multinacional, existem dez filiais só na Europa. Então, não temos problemas com
sexo, com cor, raça, principalmente a opção sexual. Isso não existe. Mostrando
competência no trabalho é isso o que importa (ENTREVISTADA 3).
Pude perceber que homens e mulheres conviviam de maneira harmônica, não
percebi nenhum tipo de machismo, pelo contrário, vi que no setor em que eu atuava
haviam subsetores em que as pessoas escolhidas para serem chefes eram mulheres.
Quanto a aparência física existia um funcionário obeso que era super querido por
todos. Quanto a deficientes, havia dois que sempre foram respeitados e não constatei
nenhuma forma de preconceito com relação a eles. Portanto, no meu ambiente de
trabalho pude perceber que todos eram muito amigáveis e o clima organizacional era
muito agradável, todos eram tratados com respeito e consideração
(ENTREVISTADA 4).
De acordo com as respostas apresentadas, é possível verificar que, nas organizações
onde as entrevistadas atuam, os grupos diversos possuem um convívio harmônico e há um
tratamento de respeito da organização para com seus colaboradores e clientes. Essa prática
propicia um clima organizacional favorável e consequente maximização dos resultados
organizacionais. Os grupos diversos relatados estão de acordo com o que Fleury (2000 p. 20)
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define como diversidade, ou seja, ―um mix de pessoas com identidades diferentes interagindo
no mesmo sistema social‖.
As entrevistadas que atuam em órgãos públicos destacaram que o fato do ingresso ser
por concurso público não há como fazer um planejamento da diversidade nas entidades, salvo
as cotas para os deficientes que são garantidas nos certames da lei.
Por tratar-se de instituição pública a forma de ingresso na Universidade ocorre
através de edital, de concurso. Então não há essa descriminação, se assim a gente
pode dizer. Existe um percentual que é garantido por lei que um determinado
percentual de vagas é para pessoas com deficiências (ENTREVISTADA 1).
A entidade onde a Entrevistada 1 atua, preocupa-se com a situação das pessoas com
deficiência de forma que as mesmas sintam-se incluída ao ambiente organizacional.
Recentemente a Universidade implantou a Secretaria de Acessibilidade. Essa
Secretaria tem simplesmente como meta, como objetivo facilitar a acessibilidade e a
integração dessas pessoas com deficiência. Não só os alunos da graduação, mas
trabalhar também com os professores, que são deficientes visuais, que são
deficientes auditivos ou que são pessoas cadeirantes. É facilitar o acesso dessas
pessoas à Universidade e fazer com que essa Universidade disponibilize um clima
favorável e de respeito às limitações dessas pessoas com deficiência
(ENTREVISTADA 1).
Percebe-se que as ações de inclusão adotadas pela entidade pública acima referenciada
pela entrevistada 1 estão coerentes com as ideias de Thomas (1996 apud FLEURY, 2000) ao
enfatizar que a gestão da diversidade favorece nas organizações um ambiente organizacional
que possibilite a todos o pleno desenvolvimento de seu potencial na busca do alcance dos
objetivos da empresa. Ser favorável à prática da aceitação da diversidade é uma forma de
garantir o exercício da cidadania, respeitando e aceitando o ser humano de forma integral,
com toda a sua heterogeneidade, multiplicidade e pluralidade.
Na entidade na qual você atua há pessoas consideradas obesas? Em caso afirmativo,
qual a sua frequência de convívio com essas pessoas consideradas obesas?
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Apenas duas entrevistadas afirmaram trabalhar e ter contato muito frequente com
pessoas obesas, as outras duas entrevistadas não trabalham com pessoas obesas, embora
convivam socialmente tal gripo de diversidade. A fala abaixo é relativa ao convívio
profissional de uma entrevistada com obesos:
Na empresa tinham pessoas obesas e eu convivia muito frequentemente com eles.
Havia no setor que eu trabalhava uma pessoa considerada de fato obesa no que diz
respeito a aparência física em si. Eu convivia frequentemente com ele, até porque
como estagiária de secretariado tinha que me relacionar constantemente com todos,
em detrimento das características e perfil da minha função. Mas a convivência com
ele era maravilhosa, pois ele é uma pessoa fantástica, muito bem humorada, educada
e não só eu, mas todos tínhamos uma convivência super saudável com ele. Falo por
mim, não via nenhum problema no fato dele ser obeso, apenas me preocupava com a
saúde dele, pois percebia que ele tinha um pouco de dificuldade para caminhar e
possuía uma respiração bastante ofegante (ENTREVISTADA 4).
Você acha que as pessoas obesas tem dificuldade em se relacionar com chefes, pares
ou subordinados?
As entrevistadas foram unânimes ao responderem que não acreditam que haja
dificuldades de relacionamento por conta da obesidade, como pode ser destacado nas falas
que seguem:
Em geral não, mas depende do caso. Eu acho que o peso não é um motivo para não
haver um bom relacionamento tanto com chefe como com colega de trabalho
(ENTREVISTADA 3).
Eu não acho que as pessoas obesas tenham essa dificuldade. Não considero que o
desenvolvimento de relacionamentos interpessoais esteja atrelada a condição de
obesidade que uma pessoa possa possuir, creio que as dificuldades em se relacionar
esteja ligada às diferenças de personalidade, valores e princípios (ENTREVISTADA
4).
As opiniões que foram obtidas nos dois questionamentos acima, demonstram que os
obesos inseridos nessas organizações são pessoas habilidosas no relacionamento interpessoal,
estando de acordo com Saviani (1997), que defende em sua obra que haja a desvinculação de
empatia, extroversão, flexibilidade, da força física, idade ou aparência do profissional. As
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respostas sugerem que os obesos são possuidores de competências que favorecem a existência
de uma relação positiva entre os colaboradores e a própria organização.
Você acha que as pessoas obesas sofrem preconceito e discriminação?
Houve unanimidade ao afirmarem que não percebem discriminação dentro das
entidades onde atuam, mas percebem que os obesos passam por diversas situações de
preconceito e discriminação de uma forma generalizada:
Acredito que sim, porque passam por muitas situações onde os ambientes e as
pessoas não estão preparadas para receber e para lidar com pessoas com diferenças
físicas, com diferenças culturais, com vários tipos de dificuldades. E os obesos não
estão distantes disso. Fora das instituições, num lazer, você encontra dificuldade de
acessibilidade ou da estrutura não estar preparada para receber esse tipo de pessoa
(ENTREVISTADA 2).
Sim, eu acho que as pessoas obesas sofrem preconceito e discriminação. Apesar de
eu não ter percebido no setor onde eu trabalhava preconceitos contra obesos, vejo
em outros ambientes em que frequento manifestação de desaprovação dos outros
com relação a pessoas obesas. Já escutei comentários do tipo: ―como ela se deixou
chegar a esse ponto?‖, ― é uma pena, é tão bonita‖, ―será que ele consegue ter uma
vida normal como a gente?‖. As pessoas preconceituosas costumam relacionar
alguém que seja obesa a imagem de uma pessoa descuidada em tudo, tanto na vida
pessoal como na profissional (ENTREVISTADA 4).
Já a entrevistada 3 ressalta outra forma de preconceito, que é o preconceito que o
próprio obeso pode vir a ter consigo mesmo.
Na empresa em que eu trabalho não vejo nenhum fato de discriminação ou
preconceito contra obesos, contra pessoas de raça diferente, culturas diferentes,
opção sexual diferente. Isso não existe na minha empresa, Graças a Deus! Mas,
assim, na sociedade claro que existe, com certeza. A gente vê, às vezes, as pessoas
falando na rua, apontando. Eu acho que sempre vai existir na sociedade, esse fato. E,
assim, tem um ponto também que eu acho mais crítico ainda que é com relação a
própria pessoa sentir preconceito dentro dela mesma. Às vezes o obeso deixa de se
divertir, deixa de se relacionar por medo. É como se fosse um medo antecipado da
discriminação que ele vai sentir que ele vai passar se fizer certo tipo de coisa
(ENTREVISTADA 3).
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Sob esse aspecto, vale salientar a percepção de Vergara e Irigaray (2007) que incluem
os obesos como parte dos grupos sociais estigmatizados, tornando-se é alvo de discriminação
e estresse. Os obesos são estigmatizados pela sociedade e findam como vítimas de várias
formas de preconceito e discriminação, conforme pode ser observado nas falas acima.
A sociedade não é a única culpada pelo preconceito vivenciado pelos obesos, mas é
legítimo afirmar que a sociedade favorece o consumismo imediato e a necessidade de prazer
rápido, o que, consequentemente, favorece a obesidade. Essa mesma sociedade que favorece a
obesidade simplesmente não tolera pessoas obesas, que findam sendo vítimas de
discriminação e preconceitos.
A teoria de Ferreira e Magalhães (2011) afirma que a obesidade ainda é vista como
sinônimo de preguiça, desleixo, falta de controle, relaxamento, falência moral, má aparência,
fraqueza e gula, podendo ser confirmada nas falas das entrevistadas. Isso pode levar a uma
não aceitação de sua condição por parte do próprio obeso, desencadeado situações de
isolamento social, baixa autoestima, insegurança e problemas psicológicos e sociais. Ser
vítima do preconceito e discriminação fragiliza, leva a um isolamento social que pode ser
entendido como uma forma de proteção, um escudo, uma defesa antecipada contra
sofrimentos psíquicos e morais.
Você acha que as pessoas obesas tem dificuldade em entrar ou se manter no mercado
de trabalho?
As entrevistadas foram unânimes em afirmar que existe dificuldade na inserção de
pessoas obesas no mercado de trabalho, principalmente ao que se refere a perfis préestabelecidos de aparência física, especificamente nas empresas privadas, uma vez que nas
empresas públicas o ingresso se dar por concurso público.
Sim, eu acho que as pessoas obesas tem dificuldade de entrar e se manterem no
mercado de trabalho. Creio que elas encontram dificuldades de entrar no mercado de
trabalho justamente pela imagem que elas possam passar, de alguém descuidada
profissionalmente (ENTREVISTADA 4).
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A entrevistada 1 aponta a profissão de Secretariado Executivo como uma profissão
onde os obesos estão propensos a serem discriminados por sua aparência física e por isso tem
dificuldade de serem inseridos no mercado de trabalho, conforme pode ser confirmado na sua
fala a seguir:
Percebo que a Universidade precisa intensificar, especificamente quando se diz
respeito ao curso de Secretariado Executivo, a forma como a sociedade, como o
mercado cobra o Secretário. Eles tem a ideia de que o Secretário Executivo tem que
ser aquela pessoa esbelta, bem magrinha, e muitas vezem deixam de ver realmente o
cunho profissional. Deixam de observar no curriculum dessa pessoa as qualidades
que ela tem para oferecer para a instituição, para o mercado em si, para a empresa
em si. Voltam o olhar pra ver se é uma pessoa de aparência boa, que se veste de
forma adequada, se tem uma forma de cabelo como o mercado exige, na moda.
Acho que a Universidade precisa trabalhar pra superar essa descriminação com
relação ao perfil do Secretário Executivo (ENTREVISTADA 1).
Também se faz de muita valia relatar a experiência vivenciada pela entrevistada 3,
referente a sua inserção no mercado de trabalho como Secretária Executiva, ressaltando sua
condição de ex-obesa:
Bom, eu acho que o obeso tem sim dificuldade para entrar no mercado. Eu já passei
por isso. Eu trabalhei em uma empresa no ramo de hotelaria por dez anos e quando
sai fiquei meio perdida, mas fui procurar emprego em outras áreas. Eu fui numa
empresa concorrente da empresa que eu trabalho e lá eu percebi que as pessoas
enfatizavam muito esse fato de beleza, de aparência física e pouca idade também. Eu
senti isso, pelo menos as funcionárias eram todas novinhas, magrinhas, estilo
―Barbie‖. E eu tinha o curriculum perfeito para o que eles estavam querendo: falava
inglês fluente. Então tinha o curriculum perfeito. De algum modo, não sei o que
aconteceu, nem resposta eu tive, nenhuma resposta eles me deram pra dizer se eu fui
contratada ou não. Essa foi a sensação que eu tive. Por outro lado, depois dessa
entrevista, eu consegui entrar nessa empresa que eu trabalho agora e foi
completamente diferente. Inclusive na época eu pesava quinze quilos a mais do que
eu estou agora, eu já era grau de obesidade II, que é o severo, e isso não teve
dificuldade nenhuma. Pela minha competência, pelo meu curriculum, eu fui
contratada logo depois da primeira entrevista. Significa que a empresa favorece a
diversidade e é a favor também da inclusão. Esse fato de eu ser ainda mais gorda não
dificultou em nenhum momento que eu fizesse parte da equipe (ENTREVISTADA
3).
Elementos ligados à imagem corporal, como roupas, cabelos, idade, moda, foram
apontados como fatores relacionados com o mercado de trabalho. Essas informações estão
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consoantes com teoria defendida por Ferreira (2010) que aborda a influencia da aparência
física e estética como variáveis determinantes para garantia da inserção e garantia de
manutenção no mercado de trabalho.
Nenhuma das entrevistadas apontou a limitação física do obeso como fator que possa
influenciar sua contratação ou manutenção no emprego. A única característica apontada foi,
de fato, a aparência física, confirmando a teoria de Felippe e Dos Santos (2004) ao afirmarem
que a obesidade prejudica os sujeitos na disputa por uma vaga no mercado de trabalho.
Em relação ao ambiente físico das organizações foi feito o seguinte questionamento:
Você acha que o obeso precisa de um ambiente adaptado? Apenas uma entrevistada acha que
não há necessidade de um ambiente adaptado, as demais concordam que os ambientes devem
ser adequados à condição física dos obesos.
A Universidade adequou sua estrutura, em relação a um birô, a uma cadeira mais
confortável, de forma que essa pessoa não se sinta constrangida. No caso dos
Secretários, as cadeiras de secretária que tem apoio (para os braços, ressalva nossa).
Aquilo limita para uma pessoa obesa. Então, a Universidade hoje dispõe de dois
tipos de cadeiras, de forma que essa pessoa não se sinta constrangida. Você percebe
às vezes que está num local e chega uma pessoa obesa e ela observa se aquele local é
confortável, se ela consegue adequar-se aquele espaço (ENTREVISTADA 1).
O obeso precisa realmente de um ambiente adaptado para ele, isso não tem nem o
que contestar. É uma questão de conforto. Se as empresas adaptam seu mobiliário,
sua estrutura para o conforto dos funcionários, o obeso também é um funcionário,
então ele precisa que o ambiente seja adaptado para ele também (ENTREVISTADA
2).
Sim, eu acho que o obeso precisa de um ambiente adaptado com relação a cadeiras e
mesas adaptadas para a condição que apresenta. Ambientes e salas um pouco mais
amplos para facilitar a locomoção dos mesmos (ENTREVISTADA 4).
Conforme pode ser observado nas falas acima, os obesos precisam de um ambiente
estruturado e adequado às suas condições físicas, para que tenham um ambiente confortável e
adequado para o desenvolvimento de suas atividades.
Como você encara a produtividade das pessoas obesas?
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Quando a produtividade, desempenho e comprometimento de pessoas obesas , eu
acho que é igual a de qualquer outro profissional, pois essa é uma questão muito
interna, muito psicológica da pessoa (ENTREVISTADA 2).
Bom, eu acho que as pessoas obesas são tão capazes quanto as pessoas não obesas.
Só que em alguns casos, como eu falei anteriormente, com relação ao preconceito, e
que algumas delas tem preconceito com elas mesmas, em alguns casos elas tentam
compensar essa falta da aparência física ―perfeita‖, fazendo algumas coisas
diferentes. Elas tentam se sobressair, tentando fazer um algo a mais na empresa,
tentando agradar mais os colegas, para poder ganhar amizade, justamente para poder
compensar essa falta da aparência física que ela mesma sente discriminação
(ENTREVISTADA 3).
Você acha que contratar pessoas obesas influencia, de alguma forma, no clima e na
imagem das organizações?
As entrevistadas acham que a imagem das organizações é influenciada positivamente
com a contratação de pessoas obesas, conforme segue:
A empresa que contrata uma pessoa obesa você percebe que é uma empresa que não
é preconceituosa, que é uma empresa que percebe, consegue ver, naquela pessoa,
naquele profissional as qualidades dele nos sentido do que ele pode contribuir com a
instituição. Uma empresa que coloca no seu quadro uma pessoa obesa, ela só vai
ganhar com isso. Até porque ela precisa antes de visualizar sua aparência física,
tentar ver, conhecer as habilidades profissionais da pessoa. Isso é que vai trazer um
retorno para sua empresa. Isso sem falar que essa empresa vai ser vista de uma
forma diferente, por ser percebida como uma empresa que não trabalha com
preconceito (ENTREVISTADA 1).
Eu acho que influencia de forma positiva. Aí você vai ter certeza de que a empresa
contrata pessoas pela capacidades e não pelo tipo físico pré estabelecido
(ENTREVISTADA 2).
Eu acho que as empresas que são a favor da diversidade, que contratam obesos, que
contratam raças, culturas diferentes, opções sexuais diversas, são bem mais vistas na
sociedade. O público que vai procurar trabalhar dentro dessa empresa vai saber que
vai ser bem tratado, não vai sofrer preconceito e descriminação lá dentro, vai poder
mostrar o seu talento, vai poder ser verdadeiro. Não vai ter peso nenhum que impeça
a pessoa de receber uma promoção, que chegue a um cargo de diretoria, Por outro
lado a empresa leva vantagem, porque não ver a aparência física como impedimento
prá conseguir reter os talentos, os melhores talentos do mercado. Tanto a sociedade
sai ganhando, como a empresa sai ganhando (ENTREVISTADA 3).
Influencia de maneira positiva, demonstrando que a empresa é desprovida de
preconceitos ultrapassados e apoia a diversidade de um modo geral. O clima
organizacional só será influenciado positiva ou negativamente dependendo do
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comportamento apresentado pela pessoa obesa e não por sua condição física em si
(ENTREVISTADA 4).
De acordo com os relatos apresentados, a contratação de pessoas obesas ajuda a
organização a construir uma imagem positiva junto a sociedade, conforme preconizado por
Fleury (2000). Além de torná-las mais inclusivas, com um ambiente de trabalho receptivo a
pessoas tradicionalmente discriminadas e estigmatizadas, a imagem da organização repercute
nas suas relações com clientes, fornecedores e com a comunidade.
Com a globalização, o mercado de trabalho passou a oferecer uma mão de obra mais
diversificada em relação a raça, sexo, idade, nível social, deficiências, nacionalidades,
religiosidade, opção sexual entre outras característica inerentes aos seres humanos. É urgente
e necessário que as organizações desenvolvam a capacidade de lidar com essa diversidade,
entendendo que se tratam de pessoas com talentos e competências que podem ser verdadeiros
agregadores de valores e um importante diferencial competitivo. As pessoas, com seus
talentos e competências são os maiores responsáveis pelo sucesso ou pelo fracasso de
instituição. Um ambiente baseado na diversidade tende a ser mais estimulante e produtivo,
favorecendo a elaboração de novos projetos e soluções.
As organizações que favorecem a prática da diversidade tornam-se conhecidas como
um bom lugar para trabalhar, com um ambiente aberto e inclusivo, e consequentemente serão
procuradas pelos melhores talentos disponíveis no mercado.
5 Considerações finais
A realização desta pesquisa possibilitou o delineamento de algumas reflexões sobre a
inserção de pessoas obesas no mercado de trabalho, bem como sobre a imagem das
organizações em relação a diversidade de sua força de trabalho. As teorias apresentadas foram
de fundamental importância para o entendimento teórico da gestão da diversidade nas
organizações, bem como possibilitaram uma melhor visualização da obesidade como fator de
impacto na vida dos sujeitos obesos. Com a pesquisa de campo foi possível averiguar a
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opinião de secretárias executivas atuantes em empresas públicas e privadas a respeito do tema
proposto.
Os resultados denotam que as organizações onde as Entrevistadas trabalham propiciam
um ambiente favorável a inclusão de pessoas obesas, demonstrando respeito ao ser humano
integral com todas as suas limitações, heterogeneidade, multiplicidade e pluralidade.
A
pesquisa demonstrou que a obesidade, por si só, não afeta o convício profissional dos obesos
com outras pessoas dentro das organizações, sejam superiores, pares ou subordinados.
Foi identificado ainda que o preconceito e a discriminação em relação a aparência
física do obeso são fatores que podem ter impacto na sua colocação no mercado de trabalho,
mais especificamente ao que se refere as organização privadas, uma vez que nas entidades
públicas a contratação se dá por meio de concurso público. A profissão de secretariado
executivo foi apontada como exemplo de profissão onde é exigido um padrão físico préestabelecido e estereotipado, sempre relacionado com a juventude, beleza, aparência e
magreza.
Foi percebido ainda que os obesos conseguem desenvolver suas atividades com a
mesma produtividade e desempenho das pessoas não obesas, desde que, obviamente, as
tarefas não exijam uma condição física específica. Também foi detectado que o obeso
necessita de um ambiente adaptado a sua condição física, visando maior conforto e
desenvolvimento de suas atividades.
Assim, com base no exposto é possível inferir que a pergunta norteadora dessa
pesquisa foram respondidas bem como o objetivo proposto foi atingido, uma vez que foi a
possível captar a percepção dos entrevistados acerca da prática da diversidade dentro das
organizações onde atuam, bem como suas percepções sobre a contratação de pessoas obesas.
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EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS, SERVIÇO SOCIAL E INCLUSÃO
SOCIAL
Área temática: Justiça, Direitos Humanos e Inclusão Social
Elvira Simões Barreto47
Katharinne Maria Cezario de Lima48
Mayra ferreira palmeira49
RESUMO: Pretende-se promover uma reflexão em torno dos Direitos Humanos, em
particular a Educação em Direitos humanos – EDH-- no âmbito do serviço social. Concebe-se
que a EDH é um eixo temático caro à prática profissional do/a assistente social, entretanto,
este tema é periférico na formação profissional do/a assistente social. Tudo indica que é
importante uma reflexão em torno do que se considera uma lacuna na formação profissional
do/a assistente social, na medida em que o Serviço Social possui um Projeto Ético-Político
que explicita um compromisso com a justiça social e com o enfrentamento de todas as formas
de opressão existentes na sociedade, além de ser uma profissão que lida com a exclusão social
em uma perspectiva crítica, que vislumbra a inclusão social e não a integração social, como
maneira de favorecer a autonomia e minimizar as contradições existentes na sociedade
capitalista, de forma que, todos/as tenham o mesmo nível de acesso aos direitos sociais e aos
bens e serviços produzidos pela sociedade. Nesse contexto se situa a Educação em Direitos
Humanos como suporte teórico e ético-político como mecanismo que subsidia a inclusão
social dos desapropriados de bens materiais e imateriais, tendo uma importância a ser
reconhecida na formação profissional.
Palavras Chaves: Educação, Direitos Humanos e Inclusão Social.
47
Profª. Drª. da Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Alagoas. [email protected]/
Contato: (82) 9930-9090
48
Bacharel em Serviço Social pela Universidade Federal de Alagoas no ano de 2013. [email protected] /
Contato: (82) 9678-8318
49
Bacharel em Serviço Social pela Universidade Federal de Alagoas no ano de 2013.
[email protected] /Contato: (82) 8819-2605
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Em questão: Direitos Humanos na formação e na prática profissional do/a assistente
social
A inquietação em torno do escasso debate da educação em direitos humanos na
formação profissional do/a assistente social provoca várias buscas ao nos colocar frente às
demandas postas no cotidiano da prática profissional nos mais distintos espaços socio
ocupacionais. A questão é simples: o Serviço Social é uma profissão que lida com as
expressões da questão social
50
nas quais estão intrínsecas as mais distintas exclusões ao
acesso a bens – materiais e simbólicos – socialmente produzidos (exclusão social). Significa
dizer que, em linhas gerais, o/a assistente social lida com a materialização das mais distintas
manifestações de desrespeito aos princípios básicos dos Direitos Humanos.
Através dessa compreensão nos voltamos a um estudo que é orientado pela premissa
de que os Direitos Humanos, em particular a Educação em Direitos humanos, é um eixo
temático caro à prática profissional do/a assistente social, entretanto, este tema é periférico na
formação profissional do/a assistente social.
Tudo indica que é importante uma reflexão em torno do que consideramos uma
problemática, na medida em que o Serviço Social possui um Projeto Ético-Político que
explicita um compromisso com a justiça social e com o enfrentamento de todas as formas de
opressão existentes na sociedade. Ora, uma profissão que lida com a exclusão social em uma
perspectiva crítica, vislumbra a inclusão social e não a integração social51 como maneira de
50
De acordo com Iamamoto (2001, p. 11), questão social é "indissociável do processo de acumulação
(capitalista) e dos efeitos que produz sobre o conjunto das classes trabalhadoras (desemprego, fome, pobreza,
emigração, etc.), que se encontra na base da exigência de políticas sociais públicas[...] expressa tanto
disparidades econômicas, políticas e culturais das classes sociais, mediatizadas por relações de gênero,
características étnico-raciais e formações regionais, pondo em movimento as relações entre amplos segmentos da
sociedade civil e o poder estatal", como também "envolve simultaneamente uma luta franca e aberta pela
cidadania".
51
A inclusão social constitui-se como um processo em que a sociedade se adéqua e encontra maneiras de
envolver ―em seus sistemas gerais‖ os sujeitos que, simultaneamente, se preparam para assumir seus papéis na
sociedade. Assim, a ―inclusão social constitui, então, um processo bilateral no qual as pessoas, ainda excluídas e
a sociedade buscam, em parceria, equacionar problemas, decidir sobre soluções e efetivar a equiparação de
oportunidades para todos‖ (SASSAKI, 1997,p. 3 apud, SASSAKI, 1999, p.18). No que concerne a Integração
social, esta se refere a inserção dos sujeitos de maneira à adequar-se e preparará-los ao convívio em sociedade.
Além de ―pouco ou nada exigir da sociedade em termos de modificação de atitudes, de espaços físicos, de
objetos e de práticas sociais‖ (SASSAKI, 1997, p. 3 apud, SASSAKI, 1999, p.15).
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favorecer a autonomia e minimizar as contradições existentes na sociedade capitalista.
Pretende defender que todos/as tenham o mesmo nível de acesso aos direitos sociais e
aos bens e serviços produzidos pela sociedade. E entende que a inclusão social significa
adequar a sociedade aos diferentes e que a integração social é a adequação dos sujeitos a
sociedade é nesse contexto que se situa a educação em direitos humanos como suporte teórico
e ético-político, enquanto mecanismo que incentiva a inclusão social dos desapropriados de
bens materiais e imateriais, tendo uma importância a ser reconhecida na formação
profissional.
A Respeito da Educação em Direitos Humanos
É impossível começar a falar sobre Educação em Direitos Humanos (EDH) sem um
breve resgate sobre a origem dos Direitos Humanos (DH) e seu lugar na história da
humanidade com vistas à defesa da dignidade e a liberdade do ser humano. Nesse contexto
podemos destacar a Magna Carta Libertatum em 1215, na Inglaterra , que traz a limitação do
poder do soberano durante o feudalismo, quando institui-se as mesmas leis a reger todos/as os
indivíduos daquela ordem social, ou seja, tanto o soberano quanto os servos; o Habeas Corpus
Act – Inglaterra 1679-- medida judicial destinada a garantir e proteger a liberdade de quem
estivesse preso ou ameaçado de prisão; a Constituição Francesa que adveio após a revolução
1789 a defender a Igualdade, a Liberdade e a Fraternidade, resultando no fim da sociedade
feudal como diminuição dos privilégios religiosos (COMPARATO, 2005).
Podemos perceber que desde as primeiras leis que começaram a ser escritas, no mundo
ocidental, já se falavam na defesa do ser humano, assim, a noção de direitos humanos não é
algo novo. Contudo, estes direitos não impediram que durante o decorrer dos séculos os seres
humanos estivessem livres de sofrer injustiças e/ou opressões, vários acontecimentos de
barbárie e brutalidade violaram os direitos já constituídos para preservação da vida humana.
Um dos lamentáveis exemplos dessa barbárie foi a 2ª Guerra Mundial (1939-1945),
liderada pelo ditador nazista Adolf Hitler, que resultou na perseguição e morte de judeus,
homossexuais e todos aqueles/as que fugissem do padrão da raça ariana (raça branca). Este
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cenário tornou-se o estopim para que fosse reconhecida a necessidade de reconstrução do
valor dos DH52, como paradigma e referencial ético a orientar a ordem internacional
(PIOVESAN, 2003). Tal reconstrução tem como suporte institucional a Organizações das
Nações Unidas (ONU), criada em 26 de junho de 1945, quando assinada a carta de São
Francisco por representantes de 50 países, trazendo consigo os princípios fundamentais a
promoção dos DH e liberdades Fundamentais.
Posterior à criação da ONU, os países membros dessa organização sentiram a
necessidade de ampliar e consolidar os DH; assim, em 1946 organiza-se a Comissão de
Direitos Humanos para tratar dos direitos humanitários no âmbito jurídico, tendo em vista
fazer valer e fiscalizar as leis através da criação de projetos e planos a nível internacional para
promover e proteger a dignidade humana, sendo ela responsável por criar e globalizar a
Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) (CARVALHO, 1998).
Com a Declaração dos Direitos Humanos a dignidade do ser humano foi posta como
ponto central e fundamental para a garantia e preservação da sua liberdade e autonomia,
estando nesta - dignidade - o alicerce dos seus princípios, que segundo Piovesan (2003,
p.139): trata-se de um ―conjunto de direitos e faculdades sem as quais um ser humano não
pode desenvolver sua personalidade física, moral e intelectual‖, ou seja, os DH têm seus
princípios e direitos voltados para todas as necessidades do sujeito seja ela civil, política,
econômica, cultural ou social para que se viva em plena estabilidade sem ter sua dignidade
ameaçada.
Para os DH todo indivíduo é detentor de direitos pelo simples fato de se enquadrarem
na condição de seres humanos, independentemente da nação a qual pertençam, da etnia, da
religião ou do sexo, afirmando que todos são iguais no alcance de direitos por serem cidadãos
do mundo e não, seres descontextualizados; afirmação essa que pode ser observada no
52
De acordo com a perspectiva de Barroco(2008) a configuração moderna dos DH representa um grande avanço
no processo de desenvolvimento do gênero humano, pois ao retirar os DH do campo da transcendência, os
coloca no patamar da práxis, ou seja, das ações humanas conscientes dirigidas à emancipação. Ao adotar os
princípios e valores da racionalidade, da liberdade, da universalidade, da ética, da justiça e da política, incorpora
conquistas que não pertencem exclusivamente à burguesia: são parte da riqueza humana produzida pelo gênero
humano ao longo de seu desenvolvimento histórico, desde a antiguidade (BARROCO)
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preâmbulo da referente declaração, quando ―reconhece a dignidade inerente a todos os
membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis que constitui o
fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo‖(DECLARAÇÂO UNIVERSAL
DOS DIREITOS HUMANOS, 1948, p.1).
Cabe destaque a Conferência Mundial de DH em Viena, no ano de 1993, momento em
que os DH a internacionalização da sua disseminação e defesa, assumidas em documento
aprovado por unanimidade, na ocasião, pelos países membros da ONU ali representados. No
documento consta uma recomendação explícita para que os países membros da ONU, em suas
respectivas nações, ―ponderem a oportunidade da elaboração de um plano de ação nacional
que identifique os passos através dos quais esse Estado poderia melhorar a promoção e a
proteção dos Direitos Humanos‖ (CONFERÊNCIA MUNDIAL DE DIREITOS HUMANOS,
1993 p. 26).
No que concerne aos dispositivos de defesa dos DH, no Brasil, alguns planos foram
elaborados para tal fim, como o Plano Nacional de Direitos Humanos – PNDH I (1996), II
(2002), III (2009) e o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos I criado em 2003 e
reformulado em 2006 (PNEDH). Tanto os dispositivos internacionais quanto os nacionais
foram criados para suprir esta necessidade, de disseminação e defesa dos DH, e a forma mais
assertiva para alcance deste objetivo foi encontrada na educação.
Reconhece-se a educação como um direito fundamental e um caminho para
politização, transformação e elevação do nível de conhecimento e consciência do ser humano.
Podemos afirmar que, por a educação estar presente na DHUH e legitimada nas constituições
federais, a Educação em Direitos Humanos (EDH) é forte aliada no processo de estruturação
do sujeito social enquanto indivíduo crítico e propositivo.
No documento final da Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena consta
que a educação em direitos humanos deve incluir a paz, a democracia, o desenvolvimento e a
justiça social, tal como previsto nos instrumentos internacionais e regionais de direitos
humanos, para que seja possível conscientizar todas as pessoas em relação à necessidade de
fortalecer a aplicação universal dos direitos humanos. Portanto, a EDH não se restringe a
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mera transmissão de informações, mas propõe a transmissão de conhecimento de forma que
os sujeitos envolvidos no processo educativo sejam capazes de decifrar a realidade social na
qual está inserido, buscando sua autonomia através da luta por seus direitos e busca por sua
concretização.
A EDH, portanto, detém uma perspectiva de direitos que engloba fatores
socioeconômicos e culturais, devendo ser orientada para a desmistificação e desnaturalização
das diversas expressões de desigualdades sociais do capitalismo que rebatem, negativamente,
nas totalidades sociais nas quais os sujeitos estão inseridos.
A educação nessa perspectiva vislumbra conduzir e orientar o desenvolvimento e a
transformação do indivíduo para que este tenha plenas condições para mudar seu meio social,
favorecendo o desenvolvimento de suas potencialidades no âmbito do direito e da cidadania.
Portanto, ―a educação em Direitos Humanos comporta processos socializadores de uma
Cultura em Direitos Humanos, que a disseminem nas relações e práticas sociais, no sentido de
capacitar os sujeitos (individuais e coletivos) para a defesa e promoção desta cultura‖
(SILVEIRA, 2007 p. 246).
Podemos perceber que a EDH, enquanto estratégia de fortalecimento dos DH, é
melhor definida e consolidada no Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos em sua
versão final em 200653 consolidado como uma política pública, resultante da participação da
sociedade civil,
53
Inicia-se o processo de elaboração do PNEDH em 2003, através do Comitê Nacional de Educação em Direitos
Humanos – CNEDH—(Portaria n° 98/1993 da SEDH/PR), composto por especialistas, representantes da
sociedade civil, instituições públicas e privadas e organismos internacionais. A primeira versão do PNEDH foi
lançada pelo MEC e a SEDH no mesmo ano, para orientar a implementação de políticas, programas e ações
comprometidas com a cultura de respeito e promoção dos direitos humanos.
No ano seguinte –2004-- o PNEDH foi divulgado e debatido em encontros, seminários e fóruns em âmbito
internacional, nacional, regional e estadual. No ano de 2005, investe-se na divulgação e disseminação do
PNEDH, no sentido de obter contribuições de representantes da sociedade civil e do governo para aperfeiçoar e
ampliar o documento. Desdobra-se na criação de Comitês Estaduais de Educação em Direitos Humanos que
resulta na multiplicação de iniciativas e parcerias nesse âmbito. A versão final do PNEDH, em 2006, contou com
a colaboração de uma equipe de professores/as e alunos/as de graduação e pós-graduação, selecionada pelo
Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (CFCH/UFRJ), instituição
vencedora do processo licitatório simplificado lançado pela SEDH/PR, em parceria com a UNESCO. A equipe
era formada majoritariamente de professores/as da área de Serviço Social --Escola de Serviço Social da UFRJ--,
com as atribuições de ―sistematizar as contribuições recebidas dos encontros estaduais de educação em direitos
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1026
[...] fruto do compromisso do Estado com a concretização dos direitos humanos e de
uma construção histórica da sociedade civil organizada. Ao mesmo tempo em que
aprofunda questões do Programa Nacional de Direitos Humanos, o PNEDH
incorpora aspectos dos principais documentos internacionais de direitos humanos
dos quais o Brasil é signatário, agregando demandas antigas e contemporâneas de
nossa sociedade pela efetivação da democracia, do desenvolvimento, da justiça
social e pela construção de uma cultura de paz. (2007, p. 11)
O PNEDH apresenta uma proposta de ―projeto de sociedade baseada nos princípios da
democracia, cidadania e justiça social; e reforça por meio deste instrumento, a PNEDH, a
construção de uma cultura de direitos humanos‖. Norteada por eixos e princípios que
englobam a: Educação Básica; Educação Superior; Educação Não-Formal; Educação dos
Profissionais dos Sistemas de Justiça e Segurança Pública e Educação e Mídia. Intencionando
por meio desse processo o sentido de cidadania ativa54 (PNEDH, 2007, p. 12-3).
O plano em discussão apresenta, em sua estrutura, linhas gerais de ação que vão
conduzir e estabelecer as ações de Educação em Direitos Humanos (EDH): o
Desenvolvimento normativo e institucional; a Produção de informação e conhecimento; a
Realização de parcerias e intercâmbios internacionais; Produção e divulgação de materiais;
Formação e capacitação de profissionais; Gestão de programas e projetos; Avaliação e
monitoramento.
Faz-se importante exaltar a importância do sujeito social como promotor da EDH,
tendo em vista que, sem a sua sensibilização e engajamento o PNEDH, não seria possível a
democratização dos DH. Portanto, para que se alcancem os objetivos esperados, se faz
humanos; apresentar ao CNEDH as propostas consolidadas; coordenar os debates sobre as mesmas, em
seminário organizado no Rio de Janeiro, e formular uma versão preliminar do PNEDH, apresentada ao Comitê
Nacional de Educação em Direitos Humanos‖ (PNEDH, 2007, p. 12). Comitê Nacional se encarregou de
realizar a análise e a revisão da versão final do documento a ser submetido à consulta pública via internet e ao
final da consulta, uma revisão definitiva do CNEDH, para gerar o documento final em 2006.
54
A cidadania ativa requer a ―participação popular como possibilidade de criação, transformação e controle
sobre o poder ou os poderes‖. (BENEVIDES, 2007, p. 20). Por conseguinte, para a concretização da cidadania
nesta perspectiva é fundamental o conhecimento dos direitos, a formação de valores e atitudes para o respeito
aos direitos e a vivência dos mesmos. É neste cenário, tendo como foco a democracia e os direitos humanos,
onde a formação cidadã encontra espaço para ampliar sua atuação e o exercício da cidadania. Em outras
palavras, a cidadania ativa surge como ponto de apoio em um possível ciclo de avanços democráticos e de
respeito aos direitos humanos (SILVA; TAVARES, 2011, p. 34).
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necessário um trabalho conjunto por parte dos profissionais envolvidos nos eixos da PNEDH,
dos sujeitos aos quais se destinam, do poder público e das demais categorias profissionais que
possam contribuir tanto para que o plano possa ser concretizado, quanto para que os sujeitos
se enxerguem como principal motor de seus direitos.
Sobre a inserção da Educação em Direitos Humanos na Formação e atuação Profissional
do/a Assistente Social
Visando expandir e disseminar as possibilidades resultantes da ação da EDH, vários
profissionais, podem contribuir e executá-lo em seu fazer profissional cotidiano. Cabe aqui o
destaque para o/a assistente social, sobretudo por que, entre outros aspectos, sua estruturação
identitária está assim explicitada de acordo com a Lei 8662/93, que regulamenta a profissão
de Serviço Social, em seu artigo 4º, expressa que constituem competências do/a assistente
social:
I - elaborar, implementar, executar e avaliar políticas sociais junto a órgãos da
administração pública, direta ou indireta, empresas, entidades e organizações
populares;
II - elaborar, coordenar, executar e avaliar planos, programas e projetos que sejam
do âmbito de atuação do Serviço Social com participação da sociedade civil;
III - encaminhar providências, e prestar orientação social a indivíduos, grupos e à
população;
IV
-
(Vetado);
V - orientar indivíduos e grupos de diferentes segmentos sociais no sentido de
identificar recursos e de fazer uso dos mesmos no atendimento e na defesa de seus
direitos;
VI
-
planejar,
organizar
e
administrar
benefícios
e
Serviços
Sociais;
VII - planejar, executar e avaliar pesquisas que possam contribuir para a análise da
realidade
social
e
para
subsidiar
ações
profissionais;
VIII - prestar assessoria e consultoria a órgãos da administração pública direta e
indireta, empresas privadas e outras entidades, com relação às matérias relacionadas
no
inciso
II
deste
artigo;
IX - prestar assessoria e apoio aos movimentos sociais em matéria relacionada às
políticas sociais, no exercício e na defesa dos direitos civis, políticos e sociais da
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1028
coletividade;
X - planejamento, organização e administração de Serviços Sociais e de Unidade de
Serviço Social;
XI - realizar estudos sócio-econômicos com os usuários para fins de benefícios e
serviços sociais junto a órgãos da administração pública direta e indireta, empresas
privadas e outras entidades.
Explicita-se no exposto que o serviço social é uma profissão que pode contribuir para
expandir o PNEDH, através da EDH, nas suas áreas de atuação por meio das políticas sociais
- Saúde, Terceiro Setor, Sóciojuridico, Previdência, Assistência Social e Movimentos Sociais
e Setor Privado -, por ser um profissional que se propõe a uma prática político pedagógica
regida pelo compromisso com os direitos sociais dos indivíduos demandantes da sua ação
profissional. Cabe salientar que tal como é proposto pelo PNEDH, o Serviço Social - através
do Código de Ética Profissional - possui como um de seus princípios a defesa dos DH e a
politização do sujeito social visando a sua inclusão na sociedade.
Podemos a firmar que a EDH e o Serviço social têm princípios55 comuns e que ambos
são ao mesmo tempo meios e fins para a conquista de direitos dos sujeitos sociais,
fortalecimento de sua autonomia. Desta forma, ambos se constituem como meios necessários
de inclusão desses sujeitos na sociedade.
O perfil político pedagógico da profissão explicita a possível e necessária
reciprocidade da EDH com o serviço social por meio, também, do seu Projeto Ético-Político
Profissional, que tem como esteio os documentos legais que legitimam a profissão e que, a
partir da década de 1990, passaram a embasar o direcionamento crítico da profissional, sendo
eles: a Lei que Regulamenta a Profissão de 1993, o Código de Ética de 1993 e as Diretrizes
Curriculares de 1996. Esses deram materialidade e estruturaram um perfil profissional voltado
55
Os cinco primeiros princípios apresentados no Código De ética Profissional do/a Assistente Social : 1.
Reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas políticas a ela inerentes - autonomia,
emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais; 2. Defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do
arbítrio e do autoritarismo;3. Ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de toda
sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis sociais e políticos das classes trabalhadoras; 4. Defesa do
aprofundamento da democracia, enquanto socialização da participação política e da riqueza socialmente
produzida; 5. Posicionamento em favor da equidade e justiça social, que assegure universalidade de acesso aos
bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem como sua gestão democrática;
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à defesa dos direitos socialmente conquistados, o compromisso com as lutas da classe
trabalhadora e uma nova compreensão da realidade social sob a ótica da totalidade, que
propicia a apreensão das raízes das desigualdades sociais56.
O Código de Ética do Serviço Social de 1993, juntamente com a Lei que Regulamenta
a Profissão de 1993 são de grande importância para subsidiar a prática dos/das assistentes
sociais, uma vez que trazem os direitos e deveres, as atribuições e competências desse/a
profissional na relação para com sua categoria, usuários/as e profissionais de outras áreas, na
perspectiva de ―criar novos valores éticos, fundamentados na definição mais abrangente, de
compromisso com os usuários, com base na liberdade, democracia, cidadania, justiça e
igualdade social‖ (CFESS, 2012, p. 18), além da busca constante pela qualificação intelectual
e dos seus serviços.
As diretrizes curriculares de 1996 contribuíram dentro do ambiente acadêmico para a
consolidação da nova fase para o Serviço Social, foi importante para o fortalecimento da
formação crítica desse profissional buscando articular as demandas do mercado e dos usuários
a sua formação profissional.
A proposta das Diretrizes Curriculares para os cursos de Serviço Social apresenta
como eixo central a ―questão social‖ compreendendo que ―a perspectiva é, então,
aprofundar a compreensão da ‗questão social‘ como elemento que dá concretude à
profissão, ou seja, que é ‗sua base de fundação histórico-social na realidade‘, e que
nesta qualidade, portanto deve constituir o eixo ordenador do currículo.‖
(ABESS,1997,p.20-21), ou seja, a formação profissional tem como objetivo
capacitar e orientar os profissionais para intervir nas expressões da ―questão social‖.
Outra questão, que é materializada através das diretrizes é a consolidação da
hegemonia da vertente de intenção de ruptura, que representa a fundamentação da
orientação do projeto ético-político profissional (KONNO, 2005, p. 15) .
Esses documentos são alicerce para um ―exercício profissional investigativo e
formativo, possuidor de dimensões teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa‖
(BACKX, GUERRA e SANTOS, 2012, p. 18), sendo o conjunto dessas dimensões a base
56
A teoria crítica de Marx fundamenta essa compreensão crítica da realidade social, qual seja: as desigualdades
sociais são fruto da lógica de exploração e dominação de classe intrínseca ao modo de produção capitalista, em
que os proprietários dos meios de produção visam a obtenção da mais-valia – lucro-que só é possível através da
exploração da força de trabalho daqueles/as que não são proprietários dos referidos meios .
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1030
para que o perfil profissional do/a assistente social configure-se como de natureza política e
pedagógica. Política, pois está vinculado a classe trabalhadora e a um projeto societário que
vai de encontro à sociedade capitalista e que tem como prioridade a defesa e politização da
classe trabalhadora; pedagógico, pois refere-se a sua atuação direta com os/as usuários/as,
exercendo
[…] uma ação eminentemente ―educativa‖, ―organizativa‖ nas classes trabalhadoras.
Seu objetivo é transformar a maneira de ver, de agir, de se comportar e de sentir dos
indivíduos em sua inserção na sociedade. Essa ação incide, portanto, sobre o modo
de viver e de pensar dos trabalhadores, a partir de situações vivenciadas no seu
cotidiano (IAMAMOTO, 2008, p. 40).
O perfil político pedagógico do/a assistente social na atualidade assume um desvelar
das expressões da questão social, tendo como desafio mais evidente a não efetivação plena
dos direitos sociais, provocadas pelas constantes transformações capitalistas no contexto atual
da contrarreforma57. Diante da realidade contemporânea, e o/a assistente social profissional
vai encontrar na EDH uma estratégia de intervenção para sua ação educativo-política voltada
para os sujeitos demandantes da intervenção deste/a profissional. A EDH subsidia uma ação
que promova o desenvolvimento da autonomia do sujeito no processo de conquista de direitos
e porque não dizer da (re) afirmação da dignidade humana, com vistas à inclusão social.
A depender do direcionamento dado pelo profissional em sua atuação e intervenção na
realidade social, pode conduzir o/a usuário/a desmistificar a sociedade em que vive e a
adquirir autonomia em suas ações, deixando de lado o estigma da sociedade capitalista que
dissemina a cultura do indivíduo oprimido e subalternizado que não tem força e nem intelecto
para agir por sua própria vontade.
Pensando nessa situação, a ideia aqui proposta é ampliar o horizonte no que diz
respeito à garantia do acesso aos direitos políticos, econômicos e sociais – uma das
57
Denominadas contrarreformas pelo seu caráter regressivo do ponto de vista da classe trabalhadora. Na
realidade, são as contra-reformas do Estado exigidas pelos programas de ajustes macroeconômicos propugnados
pelos agentes financeiros internacionais. Behring (2003) utiliza este termo para tratar do processo de
"desestruturação do Estado e perda de direitos‖ no Brasil a partir da década de 90 (BEHRING, 2003 apud
CORREIA, 2013).
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atribuições dos/as assistentes sociais – e que estão garantidos nos DH e, assim, atingir algo
muito mais amplo que incorpore a noção de ser humano enquanto sujeito que necessita, além
das condições materiais, as condições subjetivas para que desperte e solidifique para algo que
ele/a já é de fato – um ser humano dotado de integridade.
Através de seu trabalho político educativo, tal profissional poderá proporcionar aos
sujeitos demandantes de sua intervenção profissional, não apenas a possibilidade de acesso
aos bens e serviços que de forma precária respondem a interesses imediatos, principalmente
os de natureza material mas, também - por se tratar de uma necessidade da pessoa humana e
que muitas vezes passa despercebida dos objetivos profissionais do/a assistente social atender as necessidades da alma, da subjetividade que levam ao desenvolvimento humano e a
emancipação (ABREU, 2008, p. 33).
Desta maneira, a função pedagógica do/a assistente social articulado a EDH é aqui
reforçada como um recurso para transmitir uma cultura política de direitos para os/as
usuários/as, de forma não fragmentada e não setorializada, mas de maneira que, independente
da política em que sejam inseridos, esses indivíduos possam tomar consciência sobre a
importância da sua participação na conquista de todos os seus direitos de forma íntegra e
mobilizadora.
É importante essa perspectiva na atuação pedagógica do/a assistente social, como já
dito, por ser uma profissão que tem clara a sua posição política de compromisso de classe.
Sendo uma profissão caracterizada pela não neutralidade, fica cada vez mais visível a
necessidade de uma estreita ligação com a EDH.
É notório que a proposta de EDH, no contexto atual, abrange além da educação não
formal a educação formal, o que representa uma ampliação do seu espectro. Vejamos que
Hoje a educação em Direitos Humanos admite muitas leituras e esta expressão foi se
―alargando‖ tanto que o seu sentido passou a englobar desde a educação para o
transito, os direitos do consumidor, questões de gênero, étnicas, do meio-ambiente,
etc.. Até temas relativos à ordem internacional à sobrevivência do planeta, de tal
modo que pode correr o risco de englobar tantas dimensões que perca especificidade
e uma visão mais articulada e confluente, terminando por se reduzir a um grande
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―chapéu‖ sob o qual podem ser colocadas coisas muito variadas, com os mais
diversos enfoques (CANDAU, 2007, p. 403-4).
Apesar da ampliação de sua perspectiva, seu alcance é ainda tímido no cotidiano da
população brasileira. Destarte é importante registrar que em meados deste ano de 2013 iniciase um inédito processo de mobilização da sociedade civil até então não vista no Brasil,
assumindo reivindicações por direitos sociais e políticos.
Nesse sentido, não é demais ratificar que a EDH, para além da defesa e direitos não
efetivados pelo Estado ou da defesa de mudança cultural no que se refere ao preconceito, deve
também estar voltada para a transformação do pensar, do agir e do sentir, no sentido de que os
seres humanos se reconheçam como semelhantes que devem ter oportunidades iguais para
ampliar-se, tanto no aspecto intelectual quanto no social, político, econômico e cultural.
Oportuno se faz destacar três pontos a serem considerados na materialização da
EDH, tais como: ―primeiro, ser uma educação permanente, continuada e global. Segundo,
estar voltada para a mudança cultural. Terceiro, ser uma educação de valores, para atingir
corações e mentes e não apenas instrução, ou seja, não se trata de mera transmissão de
conhecimentos‖ (BENEVIDES, 2007, p. 346).
Essas três formas de abordar o conhecimento em DH devem se expandir, como
frisamos anteriormente,
nos espaços da educação formal sendo feita no sistema de ensino, desde a escola
primária até a universidade e na educação informal sendo realizada através dos
movimentos sociais e populares, das diversas organizações não-governamentais –
ONGs – , dos sindicatos, dos partidos, das associações, das igrejas, dos meios
artísticos, e, muito especialmente, através dos meios de comunicação de massa,
sobretudo a televisão ( BENEVIDES, 2007, p. 347).
A orientação de tal autora reforça a ideia que aqui se pretende defender, a de que a
EDH precisa sair da periferia da formação profissional do/a assistente social e,
consequentemente sair da margem de atuação dos/as profissionais do Serviço Social, em seus
diversos campos, expandir-se para além da área educacional e procurar incluir a EDH em
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todos os campos institucionais e nas diferentes políticas sociais em que estejam inseridos, ao
ser os DH um dos fios que conduzem aos direitos constitucionalmente garantidos.
É necessário deixar claro que a extrema conexão do Serviço Social com os DH
acarreta na busca pela EDH como mais uma estratégia para sua atuação, já que é uma área
profissional que conta com diversos documentos que sedimentam a sua prática profissional,
como já citado, o Código de Ética Profissional, o PNEDH, a Constituição Federal (1998), e no
plano ideal da profissão, o Projeto Ético-Político, que se articulam aos DH.
São estes documentos que dão concretude para a promoção da EDH no espaço
ocupacional desse profissional. A Constituição Federal de 1988, pois garante a legalidade dos
DH e coloca o ser humano no centro de seus objetivos. O Código de Ética Profissional de
1993, pois seus princípios exaltam a cidadania e a liberdade dos indivíduos, além da defesa
intransigente dos Direitos Humanos. O Projeto Ético Político do Serviço Social, que ―postula
no plano ideal o dever ser profissional‖ (SILVA, 2004 p.199) que ―orienta à construção de
uma sociedade humana digna e justa‖ (MARTINELLI, 2006, p. 15). E o PNEDH, pois
fornece para os/as assistentes sociais e demais profissionais princípios e ações programáticas
que dão algumas orientações de como trabalhar com a EDH.
A soma desses documentos é imprescindível para os/as Assistentes Sociais, pois
somos profissionais cuja prática está direcionada para fazer enfrentamentos críticos
da realidade, portanto precisa-se de uma sólida base de conhecimentos aliada a uma
direção política consistente que possibilite desvendar, adequadamente, as tramas
conjunturais e as forças sociais em presença. Portanto, assim como precisa-se saber
ler conjunturas, precisa-se saber ler também o cotidiano, pois é aí que a história se
faz, aí é que nossa prática se realiza (MARTINELLI, 2006, p. 14).
Com base nas pontuações apresentadas até o momento, não é demais afirmar que é
importante ampliar, transversalizar e consolidar a promoção da EDH na formação
profissional, no debate acadêmico e na prática cotidiana dos/as assistentes sociais no seu
espaço ocupacional, por ser um recurso significativo para reforçar objetivamente o exercício
de direitos dos sujeitos sociais, em particular aqueles que são destituídos de acesso a bens
(materiais e simbólicos) e a serviços produzidos socialmente, próprio da lógica do capital.
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Com a reafirmação da assertiva acima, ratificamos que, com base na Lei 8662/9 que
regulamenta a profissão de serviço social , o Código de ética do/a Assistente Social, o Projeto
Político-Pedagógico, o Projeto Ético-Político da profissão, fica demonstrado que o serviço
social é um lócus privilegiado para a disseminação e consolidação da cultura dos direitos
humanos através da EDH. Para tal, é de suma importância a incorporação da educação em
direitos humanos na formação profissional dos/as assistentes sociais através da
transversalização dessa área temática no Projeto Pedagógico da Profissão.
A título de reflexão final
A EDH contribui de forma imediata para o auto-reconhecimento dos indivíduos
como sujeitos com condições de possibilidade à integridade em situação justa de
desenvolvimento enquanto sujeito social. Nesse sentido, indivíduos com direito de terem
atendidas suas necessidades como seres humanos, não apenas material, mas também, cultural,
intelectual e social e, quando esses virem, seus direitos sendo violados possam encontrar nos
DH meios de denunciar e fiscalizar tais violações, podendo, desta forma, se defender e cobrar
as devidas respostas.
Em sendo o serviço social uma profissão-- de acordo com imaginário identitário
profissional dos/as assistentes sociais-- como a de um profissional da justiça social e dos
direitos humanos e não apenas como um tecnocrata, na construção de uma sociedade mais
humana Faleiros (2012), pode-se deduzir a importância da EDH na formação profissional
dos/as assistentes sociais e, consequentemente, na prática cotidiana dessa categoria
profissional.
Em suma, concebemos que a EDH é uma ponte para os esclarecimentos sobre as
condições, as finalidades, os meios, os modos que permitirão a materialização do trabalho do/a
assistente social (IAMAMOTO,2007), na medida em que , no nosso ponto de vista, um desafio
superar :
[...] o mero discurso, por mais elaborado e bem articulado que seja, para
assegurar, conquistar ou ampliar direitos, assim como modos preconizado pelo
Código de Ética atual — um documento cuja representação é destacada face ao
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atual Projeto Profissional do Serviço Social brasileiro. Diante disso, é oportuno
lembrarmos que abstrações nesse campo podem servir para obscurecer a
desumanização tão presente, de várias formas, em nosso cotidiano. Essa
compreensão nos torna clara a necessidade de não nos permitirmos ser
conduzidos à ―armadilha‖ do discurso que proclama valores radicalmente
humanistas, mas não é capaz de elucidar as bases concretas de sua objetivação
histórica. (IAMAMOTO, 2007, p. 229)
Reforçamos a compreensão e a importância do reconhecimento da EDH na formação
profissional do/a assistente social, consequentemente na atuação dos/as profissionais do
Serviço Social, em seus diversos campos.
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ENTRE CAMINHOS EO DIREITO: PERSPECTIVAS EM DEBATE ACERCA DO
FENÔMENO POLÍTICO-JURÍDICO DOS DIREITOS HUMANOS
Maria Jovilene Pinheiro58
João Adolfo Ribeiro Bandeira59
RESUMO: Com intuito de debater questões pertinentes acerca da forma e estrutura da norma é que
se constrói o objetivo do presente trabalho. Utilizando-se do paradigma contemporâneo de justificação
e legitimação do Direito – os Direitos Humanos - questiona-se a maneira e repercussão da chamada
questões social. Uma análise crítica dos Direitos Humanos, apoiando-se na vertente marxista,
compreende que tal fenômeno de representação jurídica (dos Direitos Humanos) é oriundo da função
do próprio Direito em manifestar-se como instrumento de manutenção de uma ordem pré-estabelecida
e notadamente liberal. Para tanto, faz-se necessária à análise da gênese dos Direitos Humanos
enquanto recuo do Estado Nacional, com intuito de proporcionar o desenvolvimento das atividades
econômicas liberais, sob o codinome de liberdades individuais e assim, garantir a construção do
espectro de cidadania.
PALAVRAS-CHAVE: DIREITOS HUMANOS; POLÍTICA; CRÍTICA.
INTRODUÇÃO
Vive-se em uma cultura que almeja a justiça social baseada na igualdade e equidade de
seus respectivos membros, destacando-se o acesso aos direitos que lhes são assegurados e que
a seu turno, afirmam à condição de dignidade da pessoa humana por meio dos chamados
direitos fundamentais. Essa justiça pode ser entendida como exigência ética da sociedade para
que os indivíduos alcancem o bem estar por meio do trabalho e esforço realizados em
coletividade.
58
Discente do curso de Direito da Universidade Regional do Cariri – URCA. Telefone (88) 9689-4337 e-meio:
[email protected]
59
Docente do curso de Direito – Unidade Iguatu da Universidade Regional do Cariri – URCA. Telefone: (88)
9944-9943. e-meio: [email protected]
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Sabe-se que o modelo jurídico acerca da proteção à justiça social existente é de caráter
obrigacional por conta do sistema político e dos convencionais direitos positivos
concretizados pelo Estado. Neste sentido, o presente trabalho buscar desenvolver os seguintes
problemas: pode-se afirmar que tais direitos são efetivamente garantidos? Até onde o
capitalismo interfere na prestação dos referidos?
Neste panorama, não há como falar em justiça social sem abordar a questão dos
Direitos Humanos, que configuram atualmente a base para a aplicabilidade das normas
jurídicas do ordenamento jurídico, definidos por alguns como princípios que resumem a
condição de uma existência digna, livre e igual de todos os seres humanos. Tais direitos – os
Direitos Humanos – reafirmam-se como paradoxo a ser compreendido, alocados na
superestrutura de onde parte os interesses econômicos de uma minoria detentora de poder
financeiro e são utilizados por essa classe como uma forma de conter a massa populacional e
defender os interesses financeiros da minoria. Diante dessas afirmações, esses direitos são
uma garantia de justiça ou configuram um objeto de dominação a favor dos donos do capital?
No mesmo sentido segue a inclusão social, está diretamente ligada à justiça social e
aos direitos humanos na busca de uma melhor qualidade de vida dos cidadãos na atualidade.
Buscando a igualdade material entre as pessoas, mas evidentemente respeitando às diferenças.
Assim, o trabalho não tem como objetivo envolver-se com a problemática, mas
discutir e induzir reflexões acerca da distância entre teoria e a prática efetiva por meio das
políticas públicas na prestação dos direitos sociais, assim como analisar o verdadeiro objetivo
dos Direitos Humanos, voltando o olhar sobre sua importância para o alcance da inclusão
social.
Além desta breve introdução, o texto contém mais cinco seções. Na segunda,
apresenta-se uma breve observação das normas constitucionais que asseguram os direitos
sociais, assim, como os problemas na atual sociedade voltando o olhar para a interferência do
sistema capitalista nesse processo. Na terceira, mostram-se posicionamentos diferentes acerca
dos objetivos dos Direitos Humanos. Na quarta, vê-se a questão da inclusão social, seus
avanços, os problemas que persistem e dificultam o alcance de uma sociedade que
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verdadeiramente aceite e respeite as diferenças, buscando a oferta de oportunidades no
mercado de trabalho e realizações pessoais. E na última, apresentam-se as considerações
finais referentes ao assunto.
JUSTIÇA E O ABISMO ENTRE SUA TEORIA E PRÁTICA NA ATUAL
SOCIEDADE CAPITALISTA
Estão no centro da problemática trazida pela eficácia horizontal dos direitos
fundamentais, a necessidade de se conformar o princípio da autonomia privada e os demais
direitos fundamentais, quando estes são, ali, violados.
É certo que não é legítimo, por exemplo, um indivíduo assumir, em contrato privado, a
obrigação de doar a outrem todos os seus bens e toda a renda que venha a receber durante
toda a sua vida (artigo 548 do Código Civil). Por outro lado, a liberdade contratual e de
contratar protegeria o acordo em que essa mesma pessoa se obrigasse a doar apenas um de
seus imóveis. No primeiro caso, há supressão substancial do mínimo existencial do
contratante; no segundo, não.
Sucede que a leitura de nossa Carta Constitucional e da Lei Civil é insuficiente para se
extrair a abrangência exata do conteúdo do direito de propriedade, por exemplo. E esse não é
um problema pontual. Decorre da adoção majoritária da corrente maximalista dos direitos
fundamentais, que, por alargar seu conceito, pugna pela abertura do rol destes direitos. Mas
essa ―fluidez conceitual‖ deve ser admitida com cautela, tendo em vista o perigo de se poder
fundamentalizar todos os direitos. Por isso, ―não há que se confundir os direitos fundamentais
reais com os quiméricos, porquanto a tentativa de uma interpretação muito elástica da
fundamentalidade pode desaguar no rasgo dos mesmos direitos‖ (GONÇALVES, 2005, p.
344-345), levando, pois, a uma banalização dos direitos fundamentais.
Diante disso, como então se dará a aferição daquilo que é realmente fundamental, se
nem as normas constitucionais nem as infraconstitucionais delineiam os contornos mínimos
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dos direitos fundamentais, de maneira tal que se possa pré-estabelecer o que é uma supressão
intolerável ou não de um direito fundamental?
Para responder este questionamento, é necessário recorrer aos estudos da teoria dos
direitos fundamentais sobre o que ali se conhece por âmbito ou núcleo de proteção dos
direitos fundamentais. Trata-se de conceito capaz de dissolver os indeterminismos e
transformar standards abertos em seguros, especificando, com isso, os fins do direito e
incrementando a possibilidade de protegê-lo.
Sobre o conteúdo de âmbito de proteção, Gilmar Mendes (2007, p. 13):
O âmbito de proteção de um direito fundamental abrange os diferentes
pressupostos fáticos ( Tatbestanden) contemplados na norma jurídica( v. g.,
reunir-se sob determinadas condições ) e a consequência comum, a proteção
fundamental. [...] o âmbito de proteção é aquela parcela da realidade
(Lebenswirklichkeit) que o constituinte houve por bem definir como objeto
de proteção especial ou se quiser, aquela fração da vida protegida por uma
garantia fundamental. Alguns direitos individuais, como o direito de
propriedade e o direito a proteção judiciária, são dotados de âmbito de
proteção judiciária, são dotados de âmbito de proteção estritamente
normativo [...].
O âmbito de proteção de um direito fundamental individual é, portanto, aquilo que o
ordenamento jurídico reputa ser de importância nuclear para o bom desenvolvimento da vida
humana, tanto que é objeto de proteção e regulamentação pelos legisladores ordinários, que
conferem garantia e eficácia à norma constitucional.
No conceito de âmbito de proteção, identificam-se dois outros: o âmbito de proteção
de um direito (Schutzbereich) e o âmbito de garantia efetiva (Garantiebereich)
(CANOTILHO, 2006, p. 346).
O primeiro, o âmbito de proteção estritamente normativo, representa o recorte
jurídico-constitucional ou jurídico-civil de determinado direito. Para tanto, à norma
constitucional e à civil cabe definir a medida, a amplitude e a conformação dos direitos
individuais, desenhando o conteúdo tradicionalmente extraído daquele bem jurídico.
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Paralelamente à definição dos direitos, o legislador promover-lhes-á, necessariamente,
restrições, que evidenciarão o segundo contorno jurídico: o âmbito de garantia efetiva, que
corresponderá àquilo que merece proteção fundamental, àquele núcleo mínimo inviolável que
resta depois de todos os recortes licitamente promovidos pelo ordenamento jurídico.
É certo que o processo de delimitação do âmbito de proteção de cada direito
fundamental se submete a procedimento próprio, que se dará por um viés sistemático, tendo
em conta outros direitos que compõem o rol de valores fundamentais. Todavia, pode-se já
afirmar que tal delimitação passará por: a) a identificação dos bens jurídicos protegidos e a
amplitude dessa proteção (âmbito de proteção da norma); b) a verificação das possíveis
restrições contempladas, expressamente, na Constituição (expressa restrição constitucional) e
identificação das reservas legais de índole restritiva (MENDES, 2007, p. 14-15).
Observa-se do exposto, que essa delimitação de direitos, depois de sua paragem
constitucional, é atribuição precipuamente legislativa: à lei é dado promover concretamente
um bem previsto pela Constituição. Sucede que, como já foi afirmado, por vezes, depara-se
com casos em que a lei é inadequada para resolver determinado conflito de direitos, ou casos
em que ela simplesmente é silente no trato de determinado bem jurídico em jogo. Essa lacuna
é então preenchida com o mesmo exercício de delimitação de direitos dirigidos ao legislador,
o qual passa a ser útil também para a tutela judicial, quando o direito positivo for insuficiente.
Vale dizer, mesmo nestes casos de insuficiência da ordem jurídica infraconstitucional,
os mecanismos aqui expostos permanecem úteis.
Deles, extrai-se que: o âmbito de proteção estritamente normativo é aquele
constitucionalmente previsto, aliado à construção conceitual da teoria dos direitos
fundamentais; e o âmbito de garantia efetivo, por seu turno, é o que resulta da promoção
parcimoniosa de restrições a estes direitos.
De posse, então, das construções conceituais doutrinárias da teoria dos direitos
fundamentais e de limites lícitos dirigidos a tais direitos, o operador poderá solucionar os
conflitos que a problemática dos direitos fundamentais apresenta: a conformação da
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autonomia privada com outros bens jurídicos fundamentais sobre os quais os particulares
transigem.
Essa é, portanto, a primeira regra que se põe à determinação da medida em que os
direitos fundamentais vinculam os particulares: há que se aferir o âmbito de proteção do
direito fundamental da autonomia privada e o âmbito de proteção do outro direito
fundamental conflitante (igualdade, dignidade, propriedade, liberdade de expressão, etc).
Mas este primeiro critério não é bastante porque depende essencialmente de outro. Se
para se chegar ao núcleo mínimo do direito (âmbito de garantia efetivo), há que se subtrair do
âmbito de proteção estritamente normativo as restrições lícitas, mister saber que restrições são
estas e a que limites elas obedecem. Deve-se analisar, portanto, no segundo momento, as
restrições que podem ser promovidas no manejo de um direito fundamental, sem que interfira
no seu âmbito de garantia efetiva.
É, então, que se passa para o segundo parâmetro objetivo: o estudo dos ―limites dos
limites‖ dos direitos fundamentais.
Ao falar em justiça, logo se tem a ideia de recorrer ao judiciário para assegurar um
direito inerente à pessoa humana. Na condição de representante do Estado, o Juiz age no
sentido de aplicar a lei ao caso concreto, e velar pela dissolução do conflito de interesses entre
pessoas e bens. Contudo, o conceito de justiça ultrapassa os muros do judiciário e mesmo a
alternativa de Direito, essa é apenas parte do que se entende por justiça, é uma segurança para
garantir a proteção do mesmo quando for violado. Falar em justiça é também falar em
sociedade, em justiça social, ou seja, no compromisso do Estado de compensar as
desigualdades que surgem no seio social e assim ofertar condições de desenvolvimento e
melhorias na qualidade de vida das pessoas para que essas tenham ao menos suas
necessidades básicas supridas. Sobre isso afirma Marcelo Alexandrino (2007, p. 215):
Os direitos sociais constituem liberdades positivas de observância
obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por objetivo a melhoria
das condições de vida dos hipossuficientes, visando à concretização da
igualdade social.
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Diante da realidade em que se encontra a sociedade brasileira, com o advento do
neoliberalismo, um modelo capitalista onde a distribuição de renda ocorre de forma
extremamente desigual, percebe-se consequências desastrosas sob o ponto de vista
econômico, social, político e ecológico. Presenciam-se, com frequência, violações brutais aos
direitos fundamentais em defesa de interesses particulares. Relembrando o posicionamento
marxista, o qual se debruçou a estudar o capitalismo e suas consequências conclui que no
processo de produção capitalista o homem se aliena ao passo que transfere sua força de
trabalho ao capital, onde as relações passam a ser reificadas, ou seja, quantificadas por meio
de mercadorias e valor monetário.
Tendo como escopo a Constituição Federal de 1998, buscou-se como base para todo o
ordenamento jurídico o respeito à dignidade da pessoa humana e a busca pela redução das
desigualdades sociais por meio dos direito de segunda geração, principalmente, os direitos
genéricos dispostos no artigo 6º da Carta Constitucional, sendo estes: educação, saúde, o
trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção a maternidade e à
infância, ale, da assistência aos desamparados. Além desses, encontra-se como direitos sociais
o disposto nos artigos 7º, 8º, 9º, 10 e 11. No tocante ao direito à educação, a constituição é
clara ao falar em seu art. 205 que aquela é direito de todos e dever do Estado e da família. Já
no art. 206 afirma serem alguns de seus princípios a igualdade na condição de acesso e
permanência na escola, alem, da garantia no padrão de qualidade. Fazendo referência á
prestação da saúde, encontra-se esse direito assegurado constitucionalmente por meio dos arts.
6º e 197, sendo um direito de todos e uma obrigação estatal. Nesse sentido se posiciona Pedro
Lenza (2009, p. 758), ao afirmar que:
A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido por meio de políticas
sociais e econômicas que visem à redução de risco de doenças e outros
agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços de sua
promoção, proteção e recuperação.
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O direito ao trabalho encontra-se no art. 1º, III da Constituição Federal como
fundamento da República Federativa do Brasil, assim, com os valores sociais do trabalho e da
livre iniciativa, busca-se alcançar uma existência digna, considerando a possibilidade de
desenvolvimento por meio do próprio trabalho, além disso, no inciso VII do art. 170 da
constituição, vê-se que a ordem econômica tem como princípio reduzir as desigualdades
regionais e sociais; o inciso VIII apresenta o princípio que protege a busca do pleno emprego.
Quanto o direito a moradia, todos os entes federados tem competência para promover
programas de construção e melhoria das condições habitacionais, direito que foi incorporado
aos sociais com objetivo de garantir a dignidade da pessoa humana e uma habitação adequada.
O direito ao lazer é encontrado entre os direitos sociais tendo como fundamento a
prestação estatal que reflete nas condições de trabalho e qualidade de vida das pessoas. Sobre
esse assunto trata também o artigo 217 § 3º da Constituição Federal onde estabelece ser dever
do poder público incentivar o lazer como forma de promoção social. Entrega ao repouso e ao
divertimento em que ambos exigem espaços apropriados para atingirem seu objetivo, a
alegria. Outra prestação que deve ser realizada pelo Estado é a segurança pública, preservação
da ordem pública e defesa da pessoa e do patrimônio, mais um direito no rol dos ditos sociais.
Por fim, a proteção à infância e aos desamparados faz parte dos direitos sociais. Esta
deve ser prestada a quem necessitar independentemente se há ou não contribui com a
seguridade social por parte do cidadão, já que esse é direito de todos que deve ser respeitado e
efetivado.
Inegavelmente, a proteção aos desamparados e a busca pela efetiva justiça social,
encontram-se previstos na legislação brasileira. Contudo, vivemos em uma sociedade
capitalista, sistema que trouxe inúmeros avanços tecnológicos, mas a pobreza continua a
existir, e os esforços que os Estados dizem fazer não estão sendo suficiente. A educação se
torna universal ao passo que o analfabetismo e a evasão escolar caem vagarosamente. O
atendimento a saúde e a população carente continuam falhos e precários. O número de favelas
se multiplica e o desemprego só aumenta, ao passo deste a criminalidade também, pois se não
possuem trabalho, expectativa de melhores condições de vida, se a assistência estatal não é
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prestada, ou é, mas de forma insuficiente, procuram esse caminho encontrar uma maneira
suprir suas necessidades ou mesmo por revolta diante das condições absurdas em que se estão.
Percebe-se um grande abismo entre a garantia legal dos direitos sociais e sua
efetivação na sociedade, principalmente em uma sociedade capitalista onde o acumulo de
riqueza concentra-se nas mãos de pouquíssimas pessoas e que é repassado para o Estado à
função de prestar direitos básicos que os baixos salários dos trabalhadores não são capazes de
assegurar.
DIREITOS HUMANOS: GARANTIA DE JUSTIÇA OU PRIVILÉGIO DE UMA
CLASSE?
Há divergência de posicionamento entre os estudiosos acerca da finalidade, do
objetivo do surgimento dos Direitos Humanos. De um lado, encontram-se aqueles que
defendem o caráter protetor dos referidos direitos, afirmam que estes possuem o objetivo de
garantir a dignidade da pessoa humana e condições adequadas para sua existência. Contudo,
de forma absolutamente diversa, vê-se aqueles que defendem que os Direitos Humanos
surgiram para proteger os interesses capitalistas de uma minoria da população, aquela que
detém o poder financeiro, além de conter os integrantes da base, ou seja, aquela maioria que
não possui bens.
DIREITOS HUMANOS COMO GARANTIA DE JUSTIÇA
Os denominados direitos humanos às necessidades essenciais da pessoa humana,
definidos como aqueles que determinam que o Estado assegure ao cidadão políticas públicas
que afirmem a liberdade do indivíduo e torne mais forte a democracia. Nesse sentido, os
direitos humanos foram declarados com o intuito de proteger os indivíduos contra a
arbitrariedade do Estado, garantido a cidadania e o respeito na sociedade a qual pertencem.
Pode-se definir Direitos Humanos como princípios que resumem a concepção de uma vida
livre e igual para todas as pessoas. Com isso, muito se discute sobre a necessidade do respeito
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e efetivação dos referidos direitos para garantir uma vida digna para todos os povos. Sobre
isso Fleiner (2003, p.20) faz interessantes considerações:
O mais elementar direito é o direito que cada indivíduo tem de viver, de
desenvolver-se, residir, trabalhar, descansar, informa-se, conviver com
outras pessoas, casar-se e educar os filhos, com todos os outros no lugar em
que se encontra.
Nesse sentido, Direitos Humanos seriam válidos para todos os homens, independente
do contexto social estão inseridos. Estes tomam por base o homem e sua dignidade, são
direitos não necessariamente definidos por norma jurídica, seria assim, os direitos morais,
jurídicos e que se orientam por meio de experiências axiológicas, afirma Sampaio (2004, p.8)
que:
Assim, ―direitos humanos‖ seriam os direitos válidos para todos os povos ou
para o homem, independente do contexto social em que se ache imerso,
direitos, portanto, que não conhecem fronteiras nacionais, nem comunidades
éticas específicas, porque foram afirmados – declarados ou constituídos a
depender da visão dos autores – em diversas cartas e documentos
internacionais como preceitos de jus cogens a todas as nações obrigar, tendo
por começo exatamente a Declaração Universal de 1948(dimensão
internacionalista dos direitos humanos). Também ―humanos‖ ou ―do
homem‖ seriam aqueles direitos definidos não tanto por uma norma positiva
de um tal ordenamento jurídico, interno ou mesmo internacional, mas sim
pela concepção de ―homem‖ que se adote como fonte ou como valor, pelo
seu referencial axiológico que se impõe a toda e qualquer ordem jurídica,
imaginada pelos Modernos como ―direitos morais‖ e ―sedimentações da
consciência e da experiência históricas, axiológicas e jurídicas do homem‖
que não há de fundamentar os sistemas jurídicos concretos (dimensão
filosófica dos direitos humanos).
Direitos Humanos seriam conquistas alcançadas ao longo das lutas populares e
reconhecidas internacionalmente, sem necessidade de estarem ligados a uma ordem jurídica
específica. São todas as necessidades básicas para o ser humano viver em sociedade e assim
pressupõe uma indivisibilidade dos mesmos, ou seja, seria uma forma de pensar na
integralidade dos direitos humanos, visto que não se pode falar em direito a participação ativa
e de qualidade na política se o sujeito não teve acesso à educação, como falar em dignidade se
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o individuo não tem moradia, saúde, possibilidade de se inserir no mercado de trabalho, com
isso, não se pode alcançar uma vida verdadeiramente justa sem a integralidade desse direitos.
Nessa linha de entendimento os direitos humanos são entendidos como universais,
recorríveis por todas as pessoas, tratados igualmente e de modo justo de acordo com a
realidade social de cada pais ou região. Comparato (2006, p.67) aduz:
Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, independentes e
interrelacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos
humanos globalmente, de modo justo e equitativo, com o mesmo
fundamento e a mesma ênfase. Levando em conta a importância das
particularidades nacionais e regionais, bem como os diferentes elementos de
base históricos, culturais e religiosos, é dever dos Estados,
independentemente de seus sistemas políticos, econômicos e culturais,
promover e proteger todos os direitos humanos e as liberdades fundamentais.
DIREITOS HUMANOS COMO PRIVILÉGIO DE UMA CLASSE
Não há como estudar essa visão acerca dos Direitos Humanos sem avaliar o que dizia
o filósofo Karl Marx sobre o assunto. Segundo ele, os direitos acima mencionados colaboram
para assegurar o poder político e econômico nas mãos de uma minoria diante das liberdades
individuais perante o Estado. Assim, fazem parte de uma superestrutura surgindo para
controlar as classes desfavorecidas e defender os interesses dessa minoria. Essa seria a divisão
entre as classes, ou seja, uma detentora dos meios de produção e do poder financeiro e outra
que só possui a força do seu trabalho para vender, e ao passo que aliena seu trabalho, aliena-se
também.
A divisão entre as classes se dá por meio do capitalismo, sistema em que a burguesia,
classe dominante, utiliza os direitos humanos como instrumento de conquista da emancipação
política em que a liberdade de um indivíduo implica à limitação da liberdade de outros
indivíduos. Com isso, o que houve foi uma mudança de nome, o que antes era chamado de
privilégio passou a se chamar Direito. O Estado, nesse contexto, seria uma expressão dos
interesses particulares e as normas jurídicas, a regra de conduta que surge da ideologia
dominante e tem a função de controlar as ações da base, da infraestrutura, da grande massa
populacional que enfrentam as dificuldades e as diferenças sociais geradas pelo atual sistema.
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Segundo o autor, o Direito é instrumentalizado, servindo como parâmetro de
exigibilidade, se apossa da ideia de emancipação política sendo uma forma de maquiar sue
verdadeiro objetivo que é a busca de maior liberdade do direito a propriedade. Por meio dessa
forma de dominação as relações sociais passam a ser reificadas/coisificadas, ou seja, medidas
através das relações econômicas, do capital, da produção. Portanto, a referida emancipação
política não passa de interesses econômicos e os direitos humanos na verdade conduzem a
falsa dignidade, a uma ilusão da mesma, pois a liberdade individual é limitada em nome da
proteção a ordem social. Então, os direitos humanos não estariam diretamente ligados a ideias
humanísticas, mas são medidas do capitalismo que buscam ampliar as forças desse sistema e
maquiar as injustiças, assim fazem com que os cidadãos aceitem e respeitam os acima citados.
METODOLOGIA
Fez-se o cruzamento de duas linhas de pesquisa: a vertente jurídico-teórica ou
epistemológica e a jurídico-dogmática.
A abordagem se deu pelo método dedutivo, de tal modo que partiu de questões gerais
para analisar questões dotadas de maior grau de especificidade. Usou-se o método
interpretativo, para extrair o entendimento que a doutrina traz acerca do tema.
O método histórico também albergou o entendimento às mudanças políticas e sociais,
operadas desde o século XVIII, influenciaram na origem e na evolução do tema. A
investigação se deu via pesquisa bibliográfica, documental e de legislação, buscando em
materiais disponíveis para estudos, como manuais, obras teóricas e revistas especializadas,
sítios na internet, e em leis e jurisprudências informações necessárias para que se alcançasse o
fim deste trabalho.
Além de utilizar-se do método dialético para induzir a críticas, reflexões e debates
acerca do assunto em estudo. Já que se apresenta como um algo de relevante interesse e
importância dentro da atual sociedade repleta de conflitos e desigualdades que acarretam
problema e injustiça social.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sabe-se que esse assunto é capaz de gerar inúmeras discussões e requer
aprofundamento e estudo, contudo, conclui-se que o Brasil é um país de contrastes
econômicos e sociais. Enquanto algumas regiões ou mesmo cidadãos vivem em uma condição
de conforto e desenvolvimento econômico, a maioria da população enfrenta problemas
absurdos, convivem com a miséria e falta de assistência por parte das políticas públicas,
mesmo sendo sua obrigação às prestações positivas, não são efetivamente ofertadas a todas de
forma igualitária.
No referente aos Direitos Humanos, retomando ao questionamento feito na introdução,
não se pode admitir que sua função, seu objetivo seja de dominação, conter a grande massa
populacional e defender a ideologia da classe financeiramente dominante, mas vai além, surge
nas relações de base, na convivência interpessoal e é o meio pelo qual se alcança a libertação
humana, essa não é apenas uma liberdade de atuação perante o Estado, mas uma libertação da
sua dominação, da imposição de uma vontade unilateral por meio do poder soberano em
defesa dos interesses da classe detentora de poder econômico. Sendo assim, esses direitos
podem ser considerados como possibilidade de alcançar uma existência pautada na dignidade
da pessoa humana, e concretização de efetivo respeito às pessoas e assistência às suas
necessidades buscando melhorar a qualidade de vida e beneficiar a sociedade como um todo.
Não há dúvidas que o sistema possui uma distribuição de renda extremamente injusta e
desigual, além de não possuir uma forma adequada de assistência à população, contudo, não
se pode aceitar que o homem se faça vítima do sistema social e não aja em contradição ao
mesmo, Ele deve ser levado à ação efetiva na realidade social ao passo que é convocado por
meio dos movimentos revolucionários e reivindicatórios em busca da verdadeira justiça
social, porém, não esperando que outros façam, acreditando ser papel apenas do Estado, mas
agir diante da consciência dos erros, falhas e injustiças apresentados no atual contexto social.
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Disponível
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Acesso
em
set
2013.
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ETHOS MUNDIAL: PRINCÍPIO ÉTICO DA COLABORAÇÃO E
SOLIDARIEDADE NO PROCESSO EDUCATIVO SEGUNDO O
PENSAMENTO DE HANS KÜNG
Teogenes Pereira de Brito60
RESUMO
O interesse maior neste trabalho é apresentar a busca contínua e constante de sentido existencial pelo
homem, a partir de uma abordagem sobre a importância de relacionamentos tolerantes, de consciência
crítica diante da realidade social, onde predominam a mentalidade e a colonização do capitalismo, da
globalização, na qual percebemos a forma como estes fenômenos influenciam no desenvolvimento
social e psicológico da pessoa humana e, quais as consequências frente à religiosidade dos povos entre
as mais diversas religiões universais. As civilizações ou grupos humanos se organizam em torno de
um núcleo ético-mítico que se traduz em valores fundamentais do grupo. É exatamente essa realidade
periclitante que torna urgente e necessária uma conscientização de todos para um caminho de
comunhão e de comum-unidade entre as religiões. Por isso, receberemos muito do filósofo e teólogo
Hans Küng, fundador do ―Projeto para uma Ética Mundial‖, a qual perpassa todos os contextos
socioculturais e religiosos. A ideia é tecer uma autêntica reflexão no campo da Filosofia da Religião
visando o despertar de ações de respeito e tolerância na vivência da religiosidade entre os povos e
nações. Colocamos o real desafio da Educação em ser ponto de referência para o contínuo e constante
diálogo entre as religiões e culturas diversas e mundialmente aceitas. A ética reúne em si o
relacionamento social, o relacionamento cultural, o sócio-econômico e, também, e não menos
importante, o relacionamento religioso.
Palavras-Chave: Ética – Educação – Solidariedade – Religião – Filosofia.
INTRODUÇÃO
Respeito pelo homem! Respeito pelo homem! Eis o brado de alarme de Saint-Exupéry;
mensagem imorredoura, mesmo depois de ter desaparecido na morte o seu autor. É sobre o
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Graduação em Licenciatura em Filosofia pela Faculdade São Bento da Bahia. Professor da Escola Estadual de
Educação Profissional Otília Correia Saraiva. E-mail: [email protected]
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respeito pelo homem que se fundam todas as relações. Perdido este respeito pelo homem,
perde-se as possibilidades de estabelecer relações; perde-se a única felicidade real que
podemos gozar neste mundo; porque o ―verdadeiro prazer é o prazer de conviver‖. Sem o
respeito e a consciência ética a humanidade transforma-se em alcatéia de lobos.
Interessa-nos neste trabalho, colocar a importância de relacionamentos tolerantes, de
consciência crítica diante da realidade social, onde predomina a mentalidade e a colonização
do capitalismo; perceber de qual forma este influencia no desenvolvimento e quais as
consequências frente à religiosidade dos povos entre as mais diversas religiões universais. As
civilizações ou grupos humanos se organizam em torno de um núcleo ético-mítico que se
traduz em valores fundamentais do grupo. Exatamente, isso que torna urgente e necessário
uma conscientização de todos para um caminho de comunhão e de comum-unidade entre as
religiões. Por isso, receberemos muito do filósofo e teólogo Hans Küng fundador do ―Projeto
para uma Ética Mundial‖, a qual perpassa todos os contextos sócio-culturais-religiosos.
Na primeira parte, situaremos sobre o que já foi dito, composto e validado no que
tange a este projeto de uma ética que perpassa as religiões, possibilitando que estas conservem
mais o que as une e descartem o que as separa. Na segunda parte, colocamos o real desafio da
Educação em ser ponto de referência para o contínuo e constante diálogo entre as religiões. A
ética reúne em si o relacionamento social e também o relacionamento religioso.
Concretamente, importa a reflexão iniciada, pois vislumbra-se um caminho que se faz
acreditando, dado que o processo para uma Ética Mundial é lento, mas jamais impossível.
Esse respeito pela dignidade de cada ser humano encontra-se formulado, de maneira
clássica, na clássica frase da Filosofia Medieval: volo ut sis - Quero que existas. Em três
palavras, é resumida toda a nossa relação para com o próximo. Antes de falarmos em caridade
(palavra que tantas vezes soa não sincera e falsa), devemos adotar a atitude básica de justiça.
O direito primário de cada pessoa humana, direito que antecede todas as leis e que não é
comunicado pelo país, pelo estado, pela sociedade ou pela Igreja, mas pelo próprio Deus: É o
direito de existir.
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FONTES ECUMÊNICAS PARA O ETHOS MUNDIAL
As grandes e rápidas mudanças pelas quais está passando a nossa sociedade, sobretudo
nos últimos cinco anos, estão exigindo uma perspicácia filosófica, teológica e ética capaz de
respaldar com adequação o ser humano hoje, diante dos novos desafios emergentes. Este
processo tem larga e profunda repercussão no campo ético-moral, hoje debilitado quer por
uma diluição de referenciais, quer por um fenômeno de fragmentação consensual. Isto
compromete e fragiliza a existência de uma base comum de evidências coletivas para o
convívio social. Cria-se, assim, uma situação de crise de paradigmas.
Esta crise de paradigmas, analisadas em suas raízes ético-morais, revela-se capaz de
nos desestabilizar em nossa base mais profunda, o ethos, onde justamente se tece a base
comum de evidências primitivas em nosso modo próprio de viver. Desse fundo
―arqueológico-social‖ é que vai depender a base consensual para a percepção, avaliação e
ação, necessárias para o bem viver. Hoje, nós vimos de fato uma ruptura da unidade primitiva,
tanto no ser humano quanto na sociedade. Assim, os comportamentos assumidos não são mais
um consenso. Imperativos diferentes, até contraditórios, tornam-se manifestos. Facilmente
fazemos a experiência do arbitrário e duvidoso.
Observando a sociedade em pleno momento de globalização, aparece-nos (este
momento) como fruto de um sonho da modernidade de emancipação, o qual buscava uma
sociedade mais justa, mais fraterna e mais igualitária. Isso faz-nos lembrar do tema central da
Revolução Francesa (século XVII), o qual, paulatinamente, se espalhou por todo o mundo e
de forma direta ou indireta teve grande importância e influenciou o conjunto das concepções
ocidentais de sociedade e, por assim dizer, da convivência humana. Ao ―cantarolar‖ dos anos
e, mesmo, dos séculos, não nos foi possível ver a concretização efetiva do ideal moderno.
Pelo contrário, pudemos, sim, ver a proposta ser plenamente aniquilada nos anos 40, com a
eclosão da II Guerra Mundial, com os campos de concentração e extermínio, sem falar da
forma violenta e da brutalidade com que as pessoas – o(s) Outro(s) – eram eliminadas em
nome de uma ideologia (conseqüência da ontologia), de ―a raça pura‖. Desse modo, damos a
palavra a Marilena de Souza Chauí, no seu livro: Convite à Filosofia (2003), que nos indica,
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ainda que dentro de uma síntese, o momento especial do século XIX, deixando assim uma
inquietude para possível resolução no século seguinte.
O século XIX produziu uma tradição filosófica que vem desde a antiguidade e que
foi muito alimentada pelo pensamento cristão. Nessa tradição, o mais importante
sempre foi a idéia do infinito, Isto é, a natureza eterna (dos gregos), o Deus eterno
(dos cristãos), o desenvolvimento pleno e total da história ou do tempo como
totalização de todos os seus momentos ou suas etapas (como na filosofia de Hegel,
por exemplo). Prevalecia a idéia de todo ou de totalidade, da qual os humanos fazem
parte e participam. No entanto, a filosofia do século XX tendeu a dar maior
importância ao finito, isto é, ao que surge e desaparece, ao que tem fronteiras e
limites. Esse interesse pelo finito apareceu, por exemplo, numa corrente filosófica
(entre os anos 1930 e 1950) chamada existencialismo que definiu o humanismo ou
o homem como ―um ser para a morte‖, isto é, um ser que sabe que é temporal e que
termina, e que precisa encontrar em si mesmo o sentido de sua existência 61
O alarme sobre as dinâmicas mais perigosas e devassantes da nossa condição histórica
remonta ao final da segunda guerra mundial, especificamente na tomada de consciência do
potencial destrutivo mostrado não só nos acontecimentos bélicos convencionais, mas,
também, no Holocausto e, sob outro ângulo, no bombardeamento atômico de Hiroxima e
Nagasaki. Desde então impressionou, acima de tudo, a desproporção entre a forças destrutivas
tecnologicamente disponíveis e a precariedade da consciência moral dos indivíduos, dos
povos, dos governos, das religiões.
ÉTICA MUNDIAL E COMPAIXÃO
O debate sobre a existência e a validade de uma ética mundial vem se desenrolando há
alguns anos e foi desencadeada pela Declaração sobre ética global62. Tal declaração nasceu
do Segundo Parlamento das Religiões Universais, realizado em 1993 na cidade de Chicago
com o objetivo de celebrar o centenário do Primeiro Parlamento e propiciar um encontro entre
os representantes das religiões universais a fim de discutirem os problemas mundiais.
61
Marilena de Souza Chauí é professora de Filosofia na Universidade de São Paulo e uma das mais prestigiadas
intelectuais brasileiras, com presença atuante no debate político nacional e na construção da democracia
brasileira. São freqüentes os seus artigos na imprensa, bem como sua participação em congressos, conferências e
cursos, no país e no exterior.
62
Declaração do Parlamento das Religiões do Mundo. (www.comitepaz.org.br/religiões).
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A Declaração sobre ética global, também conhecida como a Carta magna de uma
ética universal da humanidade63, é o primeiro documento nesse gênero em toda a história das
religiões. A Declaração nasceu das ideias esboçadas do filósofo e teólogo ecumênico Hans
Küng e da consulta a mais de 20 peritos das várias religiões. É necessário dizer que as ideias
se ancoravam no Projeto Ethos Mundial de Hans Küng e nas muitas contribuições e críticas
que recebeu a partir de sua apresentação.
Hans Küng nasceu em 1928, em Sursee, Suíça. Estudou Filosofia e Teologia de 1948 a
1955 na Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma-Itália. Recebeu a ordenação sacerdotal
em 1954. Em 1955 estudou na Sorbone e no Institut Catholique, em Paris-França. Doutorouse em Filosofia e Teologia em 1957. De 1957 a 1959 trabalhou na pastoral na Hofkirche, em
Lucerna. Em 1960 tornou-se professor da Universidade de Tubinga, assumindo a cátedra de
Teologia Fundamental. O Papa João XXIII nomeou-o, em 1962, perito oficial do Concílio
Ecumênico Vaticano II. É autor de muitos livros, co-editor de diversas revistas e Doctor
Honoris Causa de vária universidades.
Os pontos convergentes da argumentação de Hans Küng foram a íntima ligação entre
ética global, direitos humanos e paz mundial. Ao associar os direitos humanos às religiões
universais, Hans Küng foi duramente criticado, pois o humano fora instituído como critério
ecumênico da verdade. O que na Declaração deixou transparecer tal fato foi a exigência
básica feita por Hans Küng: ―Todo ser humano tem de ser tratado humanamente‖64. A questão
dificultaria o diálogo entre as religiões porque, na visão de alguns representantes parecia que
tal conceito de ética seria construído numa visão cristã ou ocidental, o que gerou a célebre
frase de Hans Kung: ―Não há sobrevivência sem ética global. Não há paz global sem paz entre
as religiões. Não há paz entre as religiões sem diálogo entre as religiões‖65. Dessa forma, a
palavra diálogo passou a ser um conceito central da nova percepção das outras religiões. O
que ocupava o lugar central não eram mais as disputas teológicas, mas a comum superação
63
HASSELMAN, C., ―Declaração sobre ética global de Chicago 1993‖, in CONCILIUM N. 292.
DEZEMBRO DE 2001.
64
Declaração do Parlamento das Religiões do Mundo (cf. parágrafo 2).
65
HASSELMAN, C., ―Declaração sobre ética global de Chicago 1993‖, (pág. 31-32).
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dos problemas que unem as religiões.
Em 1° de setembro de 1997, com a publicação da proposta de uma Declaração
universal dos direitos humanos66 pelo Inter Action Council, a exigência de uma ética global
encontrou eco. Tanto a declaração do Parlamento das Religiões como também a do Inter
Action Council repousam sobre duas exigências básicas da condição humana, ou seja, toda
pessoa, seja qual for o seu sexo, sua origem étnica, sua língua, idade, nacionalidade ou
religião, tem o dever de tratar todas as pessoas humanamente; o que não quiseres que te
façam, não faças também aos outros.
O escopo da Declaração sobre ética global é o compromisso de todas as religiões de
obedecer a um fundamento comum, cujo núcleo é constituído pelos quatro grandes
mandamentos do gênero humano: 1. Não matar: uma cultura da não-violência e do respeito
perante a vida; 2. não furtar: uma cultura da solidariedade e uma justa ordem econômica; 3.
Não mentir: uma cultura da tolerância e uma vida na verdade; 4. Não fornicar: uma cultura da
igualdade de direitos e da parceria entre homem e mulher. Assim, viveremos em harmonia e
esperanças crescente de dias promissores para todo o gênero humano.
Hans Kung afirma: ―Quem quer que deseje o mercado global tem que querer também
uma lei da ordem política, uma ordem global do mercado. O fenômeno da globalização
econômica torna claro que deve haver uma globalização também no tocante à ética. Qualquer
um que deseje esta lei geral do mercado tem que querer também, ou mesmo que pressupor,
uma ética global‖67.
A questão da ética global não diz respeito só à economia, mas também a todas as
esferas da vida humana (da genética à física atômica), que constituem, em seu todo, um
desafio comum e urgente a todas as religiões universais. Essas religiões podem escolher
caminhar em duas direções: continuará a, contínua e constante, disputa pelo poder entre si ou
66
KÜNG, H. ―Empresas globalizadas e ética global‖, in CONCILIUM N. 292(4), dezembro de 2001. Também
conhecida como ―Declaração universal das responsabilidades humanas‖.
67
KÜNG, H. ―Empresas globalizadas e ética global‖, in CONCILIUM N. 292(4), dezembro de 2001. Também
conhecida como ―Declaração universal das responsabilidades humanas‖. (cf. p. 110-111).
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então usar de sua sabedoria ética, complementando-se e apoiando-se mutuamente, e
envolvendo também as pessoas sem religião.
CAMINHAR PARA A SOBREVIVÊNCIA HUMANA
Mais que o complemento de uma ética da dignidade humana, a compaixão deve ser o
princípio norteador do agir ético. Não se pode deixar de considerar que a palavra compaixão,
em nosso meio, está muito desgastada e tem forte conotação sentimental. Por esse motivo,
somos chamados a reconstruir o verdadeiro sentido desse conceito. Se os animadores
vocacionais fossem abrir mão de uma linha de trabalho só porque o conceito de vocação, ao
longo dos anos e ainda hoje, ficou restrito a apenas um aspecto profissional ou a duas
vocações específicas (presbítero e vida religiosa), todo desenrolar da atuação de tantos
animadores e animadoras vocacionais da Igreja Católica no Brasil, no despertar e animar as
várias vocações e ministérios, não estaria acontecendo. Esse paradigma, ora apresentado na
Igreja Católica, aplica-se a tantas outras grandes religiões mundiais.
O princípio da compaixão deve levar o ser humano, nesse tempo de globalização e de
profundos avanços tecnológicos, a tratar ―o humano humanamente‖, em toda a abrangência de
sua vulnerabilidade.
Tratar o humano humanamente é postura que exige profunda mudança de mentalidade
e das formas de relação que, hoje, são continuamente transformadas pela relação ser-objetoinstrumento. Os instrumentos exercem grande influência na cultura e esta acaba por ser
delineada por eles, ou seja, pela tecnologia. O ser humano é o único capaz de manipular os
objetos e instrumentos dando-lhes imensa gama de significados e interações, de modo que
corre grande risco de instrumentalizar a si mesmo e os seus semelhantes. Para que tal
necessidade seja colocada como foco principal de questões vindouras, O teólogo Hans Küng
coloca-nos um forte e abrangente questionamento:
Quem melhor do que as grandes religiões mundiais estaria hoje em condições de
mobilizar milhões de pessoas para uma ética mundial? Mobilizar formulando
objetivos éticos, apresentando idéias morais orientadoras e motivando racional e
emocionalmente os homens para que as normas éticas sejam também vividas na
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prática?68
Quando, no segundo Parlamento das Religiões Universais, buscou-se o consenso de
um ethos global, um grande passo foi dado, pois assim as religiões universais não se puseram
á margem das novas questões impostas pela tecnologia à teologia. A tecnologia criou novos
sentidos e significados, e a Teologia elabora seu trabalho com base nesses dois elementos.
Portanto, a teologia deve se debruçar na busca de nova interpretação de sua mensagem
central: a compaixão de Deus. Se o labor teológico não se ancora na razão anamnésica,
deixará de ser uma teologia com o rosto voltado para o mundo, como também correrá o risco
de deixar de lado sua base, a tradição bíblica, anamnésia por excelência.
É de fundamental importância que o debate aberto com a Declaração sobre ética
global não fique restrito aos meios acadêmicos ou a alguns líderes religiosos. O debate poderá
permear sempre mais o cotidiano e a vida do povo, proporcionando uma consciência crítica e
sensível a ponto de poder viver no dinamismo de uma razão anamnésica que gere compaixão
e vice-versa. A conseqüência natural será a transformação da realidade, como também o cosentir se radicará, ainda mais, como elemento constitutivo do discernimento vocacional, o
qual é, também, parte constituinte da educação contemporânea.
Se as religiões universais têm algo a dizer e a ―oferecer‖, fora de uma visão
mercantilista, poderiam fazê-lo num contínuo processo de metanóia e diálogo interno, entre si
e com a sociedade. Diálogo e união entre as religiões continuam a ser as palavras-chave e
necessárias, neste novo século, na busca da ética global, para que o ser humano seja de fato
humano e paute sua vida pela vivência dos mandamentos. Não como expressão
fundamentalista da fé, mas como a visibilidade da comunhão com o mistério de Deus.
A MISSÃO DA RELIGIÃO, DA TEOLOGIA E DA EDUCAÇÃO
Toda e qualquer religião tem clareza que, para cumprir a sua missão, deve esforçar-se
por conhecer as situações, em que se encontra o ser humano hoje; este conhecimento é,
68
KÜNG, H., Projeto de ética Mundial. Uma moral ecumênica em vista da sobrevivência humana. São Paulo,
Paulinas, 1993. (p. 85).
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portanto, uma exigência imprescindível para a obra de evangelização, ou seja, a educação
integral da pessoa humana. Não se trata do homem ‗abstrato‘, mas do homem real, ‗concreto‘,
‗histórico‘. Este homem é o primeiro caminho que a Igreja deve percorrer na realização de sua
missão. Porém, deparamo-nos, hoje, com uma sociedade pluralista e policêntrica que não vive
mais a unanimidade do passado, num quadro seguro e estável. A progressão e a mobilidade
impulsionam cada vez mais os tempos atuais. E o ser humano, enquanto pessoa e sociedade,
está aí imerso. Surge-nos uma grande questão: como acompanhá-lo com adequação?
A tradição religiosa dos povos, que recolhe a sabedoria, a qual fora se acumulando e
sedimentando através dos tempos, fornece certamente elementos de especial grandeza e
contínua riqueza. Cabe à Teologia fazer este resgate no beber das fontes, tendo em Jesus
Cristo a centralidade, dado este acrescido pela Revelação como um todo, apontando para os
valores aí existentes. Porém, mesmo naquilo que há e persiste como valores permanentes e
universais, faz-se sempre necessário procurar e encontrar a formulação mais adequada aos
contextos culturais. Eis outra tarefa da Teologia, em especial da Teologia Moral,
acompanhando o esforço do Magistério da Igreja.
Diante da grande variedade de ciências hoje existentes, deparamo-nos, por um lado,
com o fenômeno da fragmentação do saber e, por outro lado, com a riqueza que cada ciência
tem a oferecer ao ser humano e à sociedade. Isto faz com que a Igreja sinta-se impelida a
desenvolver constantemente não só a reflexão dogmática, mas também moral, num âmbito
interdisciplinar, tal como é necessário especialmente para os novos problemas.
Além disso, urge que a Educação saiba captar o emergente e, não raro, captar o que
transita pelo marginal, haja vista a realidade hoje fraturada e em constante rearticulação. Isto
implica em interlocutores novos no âmbito da própria Educação. O ser humano hoje
mergulhado nesta realidade cambiante e multifacetária necessita de um respaldo da própria
Teologia moral, que seja capaz de auxiliá-lo a realizar um discernimento nem sempre fácil.
Por isso, permanece sempre viva, na Religião, a consciência do seu dever de investigar, A
todo momento, os sinais dos tempos, e de interpretá-los à luz do Evangelho, ou seja, da Boa
Nova aos povos diversos. Uma Religião que, perita em humanidade, se põe a serviço de cada
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homem e do mundo inteiro.
Para decifrar e compreender essa ―nova confusão dos discursos‖ consideramos
necessário incluir no estudo o problema da religião, que certamente desempenhou um papel
na modernidade, embora com vistas à sua eliminação, em vez de excluí-lo como fizeram
muitos mentores do pensamento contemporâneo desde Heidegger até a Nova Esquerda
passando por Popper (por certo, de uma maneira muito ―moderna‖). Queremos deixar claro
que não falamos aqui da Religião como grandeza a-histórica e eterna e sim como expressão de
uma realidade trans-histórica e trans-social cuja realização histórico-social está submetida a
transformações.
PRINCÍPIO ÉTICO DA COLABORAÇÃO E SOLIDARIEDADE
Todos os seres são interdependentes porque vivem enredados numa teia de relações de
cooperação e solidariedade que garante a existência e a sustentabilidade. Essa é a lei cósmica
mais fundamental, sublinhada pelos físicos quânticos, pelos cosmólogos e pela etnobiologia.
A própria lei da seleção natural de Darwim deve ser entendida no interior dessa perspectiva
mais originária. Por ela, até os seres mais fracos sobrevivem e encontram seu lugar no
processo biogênico. Em nível humano não vale a seleção pela vitória do mais forte, mas vale
o cuidado que permite a todos, especialmente os mais fracos, ser inseridos e ter o seu lugar na
família humana. Como bem afirma o teólogo brasileiro Leonardo Boff:
Em momentos críticos como os que vivemos, revisitamos a sabedoria ancestral dos
povos e nos colocamos na escola de uns e outros. Todos nos fazemos aprendizes e
aprendentes. Importa construir um novo ethos que permita uma nova convivência
entre os humanos com os demais seres da comunidade biótica, planetária e cósmica;
que propicie um novo encantamento face à majestade do universo e à complexidade
das relações que sustentam todos e cada um dos seres. 69
69
BOFF, L. Saber Cuidar: Ética do humano – compaixão pela terra. Petrópolis/RJ: Vozes, 2000. (p. 27).
Boff é professor de teologia, filosofia, espiritualidade e de ecologia. Trabalhou mais de vinte anos como
franciscano em Petrópolis com um pé na academia e outro no meio pobre. Dessa combinação nasceu a Teologia
da Libertação, que, junto com outros, ajudou a formular. Assessora comunidades de base, dá cursos em
universidade brasileiras e estrangeiras e escreve com assiduidade.
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Os seres humanos são, por excelência, seres de cooperação. Foi à cooperação de todos
com todos que permitiu o salto da animalidade para a humanidade. Todos os primatas
superiores, nossos parentes mais próximos (somente dois genes nos separam dos chimpanzés),
vão à caça e comem individualmente sua presa. Nosso ancestrais homínidas saíam em busca
de alimento e o traziam ao grupo para reparti-lo entre eles. Dessa cooperação e cuidado uns
com os outros, surgiu a linguagem e a sociedade humana.
Hoje é imperativo pôr a cooperação como o centro do projeto planetário humano. Se
não houver cooperação na questão ecológica, não superaremos as disparidades, não poremos
limites à voracidade do capital privatizante e deixaremos bilhões de pessoas na escassez e,
eventualmente, no risco de graves conflitos e de morte. Ademais, é pela solidariedade de
passa de geração em geração, que preservamos os direitos das gerações futuras, pois elas tem
direito a herdar a beleza, riqueza e benefícios da natureza, suficientes e de qualidade para
todos.
ECUMÊNISMO E A BUSCA PELA CIDADANIA ÉTICA
Sonhamos com um mundo ainda por vir, onde não vamos mais precisar de aparelhos
eletrônicos com seres virtuais para superar nossa solidão e realizar nossa essência humana de
cuidado e de gentileza. Sonhamos com uma sociedade mundializada, na grande casa comum,
a Terra, onde os valores estruturantes se construirão ao redor do cuidado com as pessoas,
sobretudo com os diferentes culturalmente, com os penalizados pela natureza ou pela história,
cuidado com os espoliados e excluídos, as crianças, os velhos, os moribundos, cuidado com as
plantas, os animais, as paisagens queridas e especialmente cuidado com a nossa grande e
generosa Mãe, a Terra. O espaço onde se vive, onde se dá a relação da pessoa com a natureza,
onde se tem consciência do mundo que existe como circunstância da vida humana. Assim
afirma o filósofo e teólogo metodista Júlio de Santa Ana.
No futuro, a credibilidade de todas as religiões, também das pequenas, vai depender
em que medida acentuam mais aquilo que as une e menos aquilo que as divide. A
humanidade pode cada vez menos dar-se ao lucro de nesta terra ver as religiões
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incentivarem guerras ao invés de promoverem a paz, de praticarem fanatismo ao
invés da reconciliação, de comportarem-se com superioridade ao invés de incentivar
o diálogo.70
Complementando a afirmação com o belo e profundo pensamento do moralista
Maciano Vidal:
sem negar a crise moral do presente vou procurar ver a ética como um sinal de
esperança em nosso mundo. O Papa João Paulo II pronunciou duas catequeses sobre
os sinais de esperança que, em fins de milênio, aparecem tanto no mundo como na
Igreja. Dentro desses sinais positivos acredito que se pode situar a dimensão
ecumênica e ética da pessoa e da sociedade como um todo. Sobre a segurança da
existência da sensibilidade moral repousa, em grande parte, a esperança da
humanidade.71
A atitude é uma fonte, gera muitos atos que expressam a atitude de fundo. Quando
dizemos, por exemplo: ―nós cuidamos de nossa casa‖ subentendemos múltiplos atos como:
preocupamo-nos com as pessoas que nela habitam dando-lhes atenção, garantindo-lhes as
provisões e interessando-nos com o seu bem-estar. Cuidamos da aura boa que deve inundar
cada cômodo, o quarto, a sala e a cozinha. Zelamos pelas relações de amizade com os
vizinhos e de calor com os hóspedes. Desvelamo-nos para que a casa seja um lugar de
benquerença deixando saudades quando partimos e despertando alegria quando voltamos.
Alimentamos uma atitude geral de diligência pelo estado físico da casa, pelo terreno e pelo
jardim. Ocupamo-nos do gato e do cachorro, dos peixes e dos pássaros que povoam nossas
árvores. Tudo isso pertence à atitude do cuidado material, pessoal, social, ecológico e
espiritual. Precisamos garantir á pessoa humana um cuidado e uma responsabilização ainda
maior que acontece no campo da compaixão, da cidadania e, por isso, da ética.
70
SANTANA, Júlio H. Ecumenismo e libertação. Petrópolis: Vozes, 1991, pp 17, 20.
VIDAL, M. Dez palavras-chave em moral do futuro. (tradução de José Afonso Beraldin) São Paulo: Paulinas,
2003. (p. 50).
71
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Chegando ao final de uma reflexão à cerca do tema: ―Ethos Mundial: princípio ético
da colaboração e solidariedade no processo educativo segundo o pensamento de Hans Küng‖,
nos deparamos, por mais contraditório que possa parecer, com vários questionamentos que se
sobressaem e nos impulsiona a ir sempre mais adiante, buscando a fecundidade na busca do
conhecimento da verdade e na certeza de que precisamos de propostas inovadoras, ou dedicarse às já existentes, para o cuidado de todo ser humano e do ser humano todo. Assim sendo,
poderíamos dizer que esta parte do nosso trabalho trata-se mais de uma ―in-conclusão‖, pois é
aquilo que ainda não é, ou seja, uma reflexão ainda não finalizada, mas que indica mais
leituras, mais diálogos, mais pesquisas e mais responsabilidade com a conduta que oferece
cada religião e o conjunto destas.
É possível que das religiões possa vir uma contribuição para a construção da paz e a
maturação de uma ética intercultural? É possível uma contribuição vinda da Teologia para
melhor vivenciar as diretrizes de uma sociedade, particularmente, capitalista? Na procura do
sentido autêntico da fé, no tempo presente, muitos teólogos tem reafirmado essa possibilidade,
como os citados no decorrer do trabalho, entendendo-a, antes, como uma passagem
obrigatória para o renascimento moral da humanidade. Assim, na evolução do pensamento
teológico contemporâneo, tornou-se primordial a exigência de trabalhar por um mundo por
fim reconciliado. O significado desse empenho deve estar situado num horizonte ecumênico e
intercultural, só podendo haver reconciliação sob a forma de uma convivência afetuosa com
todas as identidades religiosas, étnicas e culturais, até que se inaugure a paz com cada ser
vivente.
A reflexão do filósofo e teólogo Hans Küng é motivada essencialmente pela
exigência de individuar qual estrada a humanidade deve seguir e percorrer para iniciar aquele
processo de pacificação, universalmente invocado como indispensável. Todos os temas
concernentes a este assunto estão reunidos e sistematizados no livro Projeto de Ética
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Mundial72.
De fato, sem dúvida, nem a formação da Sociedade das Nações após a primeira
guerra mundial nem a formação da Organização das Nações Unidas (ONU) depois de 1945,
mantiveram a promessa da construção de uma ordem mundial justa e pacífica. E ainda,
pudemos entender que essas ocasiões da história assinalariam de qualquer modo o
cumprimento da parábola da modernidade, de forma que para nós se abriria o pós-moderno
como idade radicada na desordem, mas, ao mesmo tempo, rica de possibilidade.
No interior do novo paradigma emergem sinais de esperança; o mais promissor deles
é a transformação, em ato, de uma ciência, de uma tecnologia, de uma indústria sem ética para
uma eticamente responsável, e para uma democracia participativa. Essas tendências do
sistema de valores indicam uma direção de marcha, na qual, segundo Küng, é necessário
prosseguir até chegar à definição orgânica e completa de um ethos que possa fundar uma
convivência mais humana. A necessidade de uma ética é, portanto, afirmada sobre a base da
convicção que, diante dos desafios da complexidade e da mundialização, só visões, ideias e
valores podem permitir, se universalmente aceitos, a construção de uma ordem global mais
justa e pacífica.
O problema de como fundamentar uma ética mundial para o terceiro milênio é
resolvido olhando para as religiões e para seu grande acúmulo de riquezas de valores e
experiências. Portanto, ambiciona-se ter o quadro natural do agir humano e social, segundo o
qual um ethos deve ser universal e incondicional. As Religiões e a Educação são as maiores
forças históricas capacitadas a falar aos homens, chegando até eles com máxima
responsabilidade e autoridade, tanto aos corações como às suas mentes, devido à virtude da
oferta de princípios e de ideais altíssimos, unidos a exemplos sumamente convincentes.
Portanto, a nosso entender, resta-nos perguntar se a tarefa da instauração de uma
convivência pacífica está reservada apenas aos homens de fé, já que as três proposições, com
72
Como já acima citado: KÜNG, H., Projeto de Ética Mundial: uma moral ecumênica em vista da sobrevivência
humana. São Paulo: Paulinas, 1993. (Coleção Teologia Hoje).
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as quais Küng resume e esquematiza o seu pensamento parecem orientar-se nesse sentido:
―não existe convivência humana sem um ethos mundial das nações. Não há paz entre as
nações sem paz entre as religiões. Não há paz entre as religiões sem diálogo entre elas‖73. O
projeto de uma ética Mundial acaba envolvendo, só por via exortativa, todos aqueles que
consideram possível uma vida digna para todos; e revela aquele tom otimista-voluntarista que,
informando todas as passagens da argumentação, constitui o tom dominante.
Finalizamos com a certeza de que, em nenhum momento, tivemos a intenção de
salvaguardar esta ou aquela religião, nem esgotar o tema em questão, dado o seu vasto
horizonte, mas, sobretudo, socializar um pouco da nossa pesquisa, ora apresentada.
Permanece o ímpeto de ir mais e mais em busca de um conhecimento mais profundo do que
se refere à uma Ética Ecumênica e colocar-nos no trabalho de possibilitar que o desejo de uma
autêntica ética mundial chegue e se instaure em muitos corações.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, D. Di Manno de (org.). Corpo em ética: perspectivas de uma educação
cidadã. São Bernardo do Campo: UMESP, 2002, pp 20-21.
BHOGAL, I. S.. Pluralismo e a missão da Igreja na atualidade. São Bernardo do campo:
Editeo, 2007, (p. 44).
BOFF, L. Saber Cuidar: Ética do humano – compaixão pela terra. Petrópolis/RJ: Vozes,
2000. (p. 27).
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COMPÊNDIO DO CONCÍLIO VATICANO II: Constituições, Decretos e Declarações.
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73
Cf. KÜNG, H. Projeto de Ética Mundial... p. 174.
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1071
IMPACTOS DA CRISE DO CAPITAL NA POLÍTICA DE ENFRENTAMENTO AO
TRÁFICO HUMANO
Área temática: Justiça, direitos humanos e inclusão social
Milca Oliveira Clementino74
Flávia Jaiane Mendes75
Raiany Albuquerque76
Maria do Socorro Pontes Felix77
RESUMO: O presente artigo tem por objetivo tecer algumas reflexões sobre a crise do capital e a
questão do tráfico humano, problemática que evidencia, a mercantilização da vida humana na forma
de sociabilidade regida pelo capital Trata-se de um estudo bibliográfico e documental acerca dos
impactos do capital na política de enfrentamento ao tráfico humano, no qual os dados foram coletados
através de leitura bibliográfica e de documentos, bem como da análise dos relatórios dos direitos
humanos. A aproximação com a temática resulta das discussões feitas na disciplina de gênero no
Curso de Serviço Social da Universidade Estadual da Paraíba-UEPB, como também de reflexões
construídas com membros do Grupo de Pesquisa, estudos e assessoria em Políticas Sociais (GEAPS),
vinculado ao Curso.
Palavras-chave: Tráfico Humano. Crise do Capital. Políticas Públicas.
ABSTRACT: This article presents approximate reflections on the crisis of capital and the issue of
human trafficking, which highlights problematic, more than ever, the commodification of human life
in the form of sociability governed by capital. This is a descriptive study of the impacts of political
capital in coping human trafficking, in which data were collected through reading literature and
documents, as well as analysis of the reports of human rights. The article is the result of discussions on
the subject of gender Course Social / UEPB and Research Group, studies and advisory services in
Social Policy (GEAPS), linked to the Course.
Keywords: Human Trafficking. Crisis of Capital. Public Policy
74
Graduanda em serviço social pela UEPB, ([email protected] Tel. (88) 91372189);
Graduanda em serviço social pela UEPB, ([email protected] Tel.(83)87328416);
76
Graduanda em serviço social pela UEPB, Co-autor: Raiany Albuquerque ([email protected]
Tel.(83)91651418);
77
Docente do curso de serviço social na UEPB, prof.orientador co-autor: Maria do Socorro Pontes Felix
([email protected] Tel.(83) 88938881)
75
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1072
1.INTRODUÇÃO:
Entender o mundo de hoje requer algumas reflexões sobre uma realidade social
comprometida pela crise estrutural do capital. Conforme afirma Mészáros (2002), a crise
estrutural do capital que hoje se apresenta é um fenômeno inédito na história da humanidade,
pois se trata de uma crise que afeta:
[...] a totalidade de um complexo social em todas as relações com suas partes
constituintes ou subcomplexos, como também a outros complexos aos quais é
articulada. Diferentemente, uma crise não-estrutural afeta apenas algumas partes dos
complexos em questão, e assim, não importa o grau de severidade em relação às
partes afetadas, não pode por em risco a sobrevivência contínua da estrutura global
(p.797).
Nesses termos, pela primeira vez na história, a crise estrutural afeta o conjunto da
humanidade, impondo novas alternativas para a classe trabalhadora sobreviver, alternativas
estas que degradam, ainda mais, as suas condições de sobrevivência Assim, para atingir seus
objetivos o capital condiciona a vida humana à mais brutal forma de desumanização,
exercendo o seu domínio através da exploração da força de trabalho, tratando os trabalhadores
como mercadorias.
É o que acontece no atual momento histórico, quando, de acordo com Mészáros
(2002), enfrenta-se uma situação de crise estrutural do capital, com parcela significativa da
população mundial vivendo em condições extremamente precárias. O desemprego estrutural
reinante, o subemprego, os sistemas públicos de saúde e educação deficientes, a fome e a
proliferação de favelas – apesar das promessas liberais de pleno emprego, progresso para
todos e fim da pobreza – são algumas das consequências nefastas de tal crise.
A crise estrutural do capital não atingiu apenas a esfera socioeconômica, mas todas as
dimensões da vida em sociedade, visto que ―o capital não pode ter outro objetivo que não sua
própria auto- reprodução, à qual tudo, da natureza a todas as necessidades e aspirações
humanas, deve se subordinar absolutamente‖ (MÉSZÁROS, 2002 p. 127).
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Para Mészáros, (2002, p.800) se trata de uma crise que, também, ―afeta todo o
processo de reprodução do sistema de valores do capital‖. Sendo assim, as instituições que
contribuem para a reprodução dos valores burgueses como: a família, a igreja e as instituições
de educação formal, também se encontram em crise.
E para compreender isto em outra dimensão, neste caso aqui priorizado a questão do
trafico humano, se faz necessário refletir sobre uma discussão bastante pertinente que é a
relação dos valores, medidos através da atuação capitalista na vida social das pessoas. Esta
articulação se relaciona bem com uma questão que nos é apresentada por Marx e por autores
que, a partir de suas reflexões, nos apresentam possibilidades de pensarmos questões tão
atuais de grande relevância social, quando compreendidas de forma contextualizada e em
consonância com uma sociedade que segue os caminhos do sistema capitalista.
Conforme Barroco (2010), Marx não teria elaborado uma ética e negado qualquer
filiação filosófica, mas, compreendia que ―não seria através de reformas morais que a
sociedade capitalista poderia superar seus problemas estruturais‖. A partir destas reflexões, do
autor clássico da sociologia, atemporal, diga-se de passagem, a autora afirma que:
A desigualdade e a impossibilidade de os valores se realizarem de forma universal, a
riqueza de poucos em detrimento da miséria de muitos e a exploração de homens e
mulheres através do trabalho e de outras formas de vida são situações que, segundo
ele, só podem ser rompidas com a superação da sociedade capitalista como
totalidade (BARROCO, 2010 p.113).
1.2 DESENVOLVIMENTO
Explicitando a questão do tráfico humano e sua funcionalidade para o capital
Diante da proposta apresentada é pertinente trazermos discussões que nos auxiliem a
compreensão do tráfico humano no Brasil e sua correlação com o que é apresentado na
declaração dos direitos humanos. Vale salientar que esta discussão parte de um viés teórico
que pode ser questionado e a partir dai se possibilite a ampliação das discussões relacionados
à temática para um maior entendimento sobre esta problemática.
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As práticas associadas ao tráfico de pessoas, como o trabalho forçado, a servidão por
dívida, a exploração sexual e a prostituição forçada, entre outros, constituem graves violações
aos
Direitos
Humanos
que,
segundo
a
Declaração
Universal
dos
Direitos
Humanos da Organização das Nações Unidas, ―todos os seres humanos nascem livres e
iguais em dignidade e em direitos, dotados de razão e de consciência, devem agir uns para
com os outros em espírito de fraternidade‖.
Nessa perspectiva, causa perplexidade constatarmos que, concomitante à consagração
do discurso de defesa dos Direitos Humanos - no século XX - como a defesa da dignidade
humana, integridade física, liberdade de ir e vir, dentre tantos outros, o tráfico de pessoas
tenha se tornado, cada vez mais, um mercado lucrativo e complexo dentro de uma economia
globalizada, situação esta, marcada pelos reflexos da realidade do capitalismo.
A questão do tráfico humano em si, se mostra um pouco mais complexo que os demais
temas de crime organizado, afinal, é um problema que já atinge a humanidade há vários
século, tornando-se global e requer respostas de igual dimensão, para prevenir e controlar
tanto a oferta quanto à demanda por serviços prestados pelas vítimas. Vale ressaltar que a
globalização com o intensificado fluxo de informação, capital e pessoas apresenta
oportunidades e riscos, possibilitando um ambiente onde as drogas, o crime e também o
tráfico de pessoas podem avançar com mais facilidade. Nesse sentido, o tráfico de pessoas é
considerado uma forma moderna de escravidão econômica e sexual – que se tornou um
mercado mundial lucrativo, controlado por poderosas organizações criminosas.
Segundo a convenção de Palermo Tráfico de Seres Humanos é definido como o
recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas,
recorrendo à ameaça ou uso da força ou outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao
engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de
pagamentos de benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade
sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da
prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho forçado ou serviços
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forçados, escravaturas ou práticas similares a escravaturas, a servidão ou a remoção de
órgãos.
O enfrentamento ao tráfico de pessoas é hoje uma questão que ocupa lugar de
relevância na agenda política brasileira. Sua abordagem ganhou força no âmbito das políticas
públicas, a partir de 2006, como desdobramento de iniciativa do governo brasileiro através da
construção da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Reconhecer o
acúmulo de experiência e reflexão neste tema por parte das organizações da sociedade civil, o
governo brasileiro iniciou um amplo processo de consulta e, de forma participativa, logrou
elaborar a Política Nacional, promulgada por Decreto Presidencial nº 5.948, de 26 de outubro
de 2006. (ABRAMO, 2013 )
Para além da criminalização em nível internacional, o tráfico de pessoas impressiona
pela complexidade de relações envolvidas e pelas somas robustas que giram em torno dele.
Estimativas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) apontam que o crime chega a
movimentar cerca de US$ 32 bilhões de dólares por ano, montante que só não supera em
números o comércio ilegal de drogas e o contrabando de armas. A metade desse lucro é
gerada em países industrializados, sendo que isso representa globalmente uma média de lucro
de 13 mil dólares anuais por pessoa traficada78. Trata-se, portanto, de atividade ilegal
altamente lucrativa.
É nesse âmbito que situamos a política de enfrentamento do tráfico humano em
relação à funcionalidade do capital, tendo em vista, que o tráfico humano é constituído como
uma das manifestações da questão social, e dessa forma como expressão direta das relações
vigentes na sociedade, localizando a questão no campo de relações constitutivas num padrão
de desenvolvimento capitalista, extremamente desigual, em que convivem acumulação e
miséria.
Nesse sentido, o capitalismo em tempos de barbárie, tem uma estreita relação entre o
desemprego estrutural e o tráfico humano. Esse desemprego constitui um complexo social que
78
Organização Internacional do Trabalho. Uma aliança global contra o trabalho forçado. Relatório Global do
Seguimento da Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, 2005.
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desencadeia uma série de consequências para a ―população excedentária‖ do sistema social
vigente, pois muitos indivíduos que não possuem oportunidades de trabalho se sujeitam às
diversas formas indesejáveis de sobrevivência, dentre elas, o tráfico humano.
Possibilidades e limites das políticas públicas de enfrentamento ao tráfico humano
O tráfico de pessoas começa a ser tratado como política pública no Brasil após o
Congresso Nacional aprovar, por meio do Decreto Legislativo nº 231, de 29 de maio de 2003,
o texto do Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado
Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial
Mulheres e Crianças. Outra iniciativa importante foi à implantação do Programa Global de
Prevenção e Combate ao Tráfico de Seres Humanos, apoiado pelo Escritório das Nações
Unidas contra Drogas e Crime (UNODC), para execução em quatro estados (Ceará, Goiás,
Rio de Janeiro e São Paulo) e a recente aprovação da Política Nacional de Enfrentamento ao
Tráfico de Pessoas, nos termos do Decreto Presidencial publicado em outubro de 2006.
(MANUAL de Tráfico de Seres Humanos para Fins de Exploração Sexual e Comercial,
Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão da Procuradoria Geral da República)
Dado o seu caráter multifacetado e transnacional, o enfrentamento ao tráfico de
pessoas requer ações conjuntas. Nos últimos anos, um esforço coordenado entre o governo
federal e governos estaduais, organismos internacionais e diversas organizações da sociedade
civil tem procurado trazer à luz medidas preventivas e repressivas necessárias para fazer
frente ao fenômeno, bem como as de caráter assistencial e de proteção às vítimas.
As principais iniciativas do governo federal estão sintetizadas no Relatório de
Atividades do Governo Federal desenvolvidas no Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (20032006) no qual, faz referência à contribuição de várias instâncias públicas no que refere ao
combate as práticas de violação de direitos humanos como: o Ministério da justiça Secretaria
Nacional de Justiça (SNJ), Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP),
Departamento de Polícia Federal (DPF), Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH),
Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), Ministério da educação (MEC)
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1077
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), Ministério da
saúde, Ministério do Desenvolvimento Social e combate à fome (MDS), MINISTÉRIO DO
TRABALHO E EMPREGO (MTE), MINISTÉRIO DO TURISMO (MTUR), MINISTÉRIO
DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO (MDA), MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES
EXTERIORES (MRE) e suas 4 (quatro) esferas: multilateral (Organização das Nações
Unidas), esfera regional (Organização dos Estados Americanos e Mercosul), esfera bilateral,
esfera nacional. ONGs trabalham em conjunto, tratam das necessidades específicas das
vítimas, resguardando seus direitos e atuando em campo na prevenção a novos casos de
aliciamento. Outros organismos internacionais se concentram no tráfico humano, mas não do
ponto de vista da justiça criminal. Por isso, o UNODC oferece cooperação em projetos que
buscam enfrentar esse crime em diversas frentes, unindo a perspectiva da justiça criminal à
proteção aos direitos humanos, inclusive com prevenção às doenças sexualmente
transmissíveis como o HIV/ AIDS. (BRASÍLIA: Ministério da Justiça, 2007).
Nessa perspectiva e considerando que a OIT (Organização internacional do trabalho),
também, tem papel de fortalecer as políticas públicas concernentes à sua área de atuação,
esteve presente em todos os momentos importantes da construção da política nacional e
participa, na forma que a compete, das atividades do plano nacional. As atividades dos
projetos da OIT, dentre eles o Projeto de Combate ao Tráfico de Pessoas (TIP), Programa
Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil (IPEC), Igualdade de Gênero e Raça,
Erradicação da Pobreza e Geração de Emprego (GRPE) e Trabalho Escravo, estão em perfeita
consonância com a Política Nacional de Enfretamento ao Tráfico de Pessoas em
reconhecimento ao pioneirismo e importância na integração das políticas, prevenção e
repressão ao crime. (BRASÍLIA: Ministério da Justiça, 2007).
Embora observassem que as chamadas ―políticas públicas‖ não contemplam a todos
cidadãos são necessárias políticas sociais para garantir os direitos básicos aos que não estão
contemplados no projeto capitalista neoliberal. Hoje esses direitos sociais estão afirmados na
Constituição Federal de 1988 (Art. 6º): ―educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança,
previdência social, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados.‖ Os
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governos especificamente o brasileiro têm interesse em combater o tráfico internacional, mas
concentram esforços nas questões domésticas.
Sendo o tráfico de pessoas uma questão complexa, com diferentes facetas e diversas
causas, é necessário um maior aprofundamento dos estudos atualmente existentes. Essa
temática ainda é relativamente nova e pouco estudada, sobretudo quando se trata da ligação
deste novo paradigma com o crime organizado internacional. Esse tema é geralmente
estudado e pesquisado por juristas ou forças estatais, não sendo muito aberto ao público em
geral por opção dos governos ou por falta de interesse mais amplo. Assim, as circunstâncias
envolvendo este problema geram desemprego, criminalidade, crises diplomáticas e etc. O
combate a este problema se torna de suma importância, uma vez que seus impactos sociais,
econômicos e políticos são imensos e quando percebidos publicamente já estão gravemente
avançados.
Segundo a convenção dos direitos humanos, o que se constata, é que a ONU não se
encontra numa posição política suficientemente forte para coordenar uma resposta
internacional ao tráfico de seres humanos. Isso acontece por que os Estados não conferem a
ela autoridade, autonomia e recursos políticos, legais e técnicos para efetuar essa
coordenação. Sem condições adequadas para poder enfrentar o tráfico de pessoas, a UNODC
fica limitada a processos educacionais e pedagógicos, tentando conscientizar as autoridades
envolvidas, dos malefícios e consequências causadas por este problema. Contudo, o
contrabando de pessoas causa sérios impactos sociais, em todo o percurso de países
envolvidos e este crime, tem conseguido lucros cada vez maiores em diversos segmentos
sociais.
Vale salientar que o aumento da pobreza e das desigualdades sociais enquanto uma
questão estrutural, se refletem no aumento de seres humanos que vem sendo traficadas . Cabe
destacar a necessidade de um maior investimento em políticas publicas eficazes diante do
crescimento de tal problemática. Percebe-se que, as políticas públicas voltadas a população,
no contexto da crise do capital são excludentes, não conseguindo beneficiar a todos em
igualdades de condições.
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1.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Algumas das ações de enfrentamento ao tráfico de pessoas previstas no decreto
presidencial nº 5.948/2006, já estão em curso no Brasil há algum tempo, além do apoio
constante da sociedade civil e dos investimentos feitos por meio de projetos de cooperação
técnica internacional, considerando o aprofundamento de tal problemática.
No entanto vale ressaltar que para enfrentar o tráfico de pessoas, é preciso considerar
questões estruturais mais amplas como: prostituição, exploração, imigração e, sobretudo, o
aumento do desemprego, levando alguns indivíduos a se submeterem ao tráfico humano.
Para o enfrentamento de tal problemática, cabe um maior compromisso por parte do
Estado e um maior investimento em políticas públicas que possibilitem uma diminuição do
tráfico humano, necessitando que este seja visto como uma questão social, que influencia na
dinâmica e nos processos das relações sociais.
Desta forma, não acreditando estar esgotada as nuances inerentes ao tema, vale
reforçar a magnitude do pensamento de Karl Marx a respeito do capitalismo: ―O dinheiro é a
essência alienada do trabalho e da existência do homem; a essência domina-o ele adora-a‖
(Karl Marx, 1970.p.372).
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1082
LEI MARIA DA PENHA E AS RELAÇOES SOCIAIS DE GÊNERO: Refletindo
conceitos
Quelvia Karina Silva Maia79
Elinadja Fonseca Silva80
Francisca Priscilla Mesquita Nunes81
Fernanda Marques de Queiroz82
RESUMO
O fenômeno da violência contra a mulher não é algo isolado do contexto histórico em que vivemos,
mas é fruto do sistema patriarcal-capitalista vigente em nossa sociedade. O presente trabalho visa
socializar aspectos do projeto de extensão Capacitação sobre a Lei Maria da Penha e relações sociais
de gênero para profissionais da rede de atendimento às mulheres em situação de violência no
município de Mossoró-RN. objetivo proporcionar uma reflexão crítica sobre as desigualdades
socialmente construídas, em especial as de gênero, na realidade contemporânea.
Palavras-chave: Violência contra a mulher. Gênero. Lei Maria da Penha.
ABSTRACT
The phenomenon of violence against women is not something isolated from the historical context in
which we live, but the fruit of capitalist-patriarchal system prevailing in our society. The present work
aims at socializing aspects of the extension project on Training Maria da Penha Law and social
relations of gender to the professional service network for women in situations of violence in the
Mossoró-RN. intended to provide a critical reflection on the socially constructed inequalities,
particularly gender, in the contemporary reality.
Keywords: Violence against women. Gender. Maria da Penha Law
79
Graduando do 7º período de serviço social pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).
Telefone: (84) 9692-4450; E-mail: [email protected]
80
Graduando do 5º período de serviço social pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN).
Telefone: (84) 9926-6799; E-mail: [email protected]
81
Graduada em filosofia pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Telefone: (84) 96665499; E-mail: [email protected]
82
Doutora em serviço social pela Universidade de Pernambuco (UFPB), professora adjunta da Faculdade de
serviço social da Universidade do Estado Rio Grande do Norte (UERN). Telefone: (84) 9648-0219; E-mail:
fernandamarquesdequeiroz @gmail.com
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INTRODUÇÃO
O presente artigo busca socializar alguns aspectos do projeto de extensão que se
encontra em andamento intitulado: Capacitação sobre a Lei Maria da Penha e relações sociais
de gênero para profissionais da rede de atendimento às mulheres em situação de violência no
município de Mossoró-RN83. Tal ação é desenvolvida pelo Núcleo de Estudos sobre a Mulher,
da faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio grande do Norte.
O referido projeto tem como objetivo proporcionar uma reflexão crítica sobre as
desigualdades socialmente construídas, em especial as de gênero, na realidade
contemporânea. O público-alvo são profissionais da rede de atendimento às mulheres em
situação de violência no município de Mossoró-RN que trabalham nas instituições públicas,
municipais e estaduais.
A violência é um dos principais fenômenos existentes na sociedade moderna e está
presente no nosso cotidiano como um elemento estrutural, provocando efeitos sobre as
pessoas e o convívio com a sociedade. Tal fenômeno se impregna no tecido social,
prejudicando as relações de sociabilidade e corroendo a qualidade de vida de homens e
mulheres.
As violências exercidas contra a mulher são multiformes, pois englobam as diversas
formas de violência como, por exemplo, a física, a sexual, a psicológica e a social. Dessa
forma, caracteriza-se como a expressão mais cruel dessa superioridade e demonstra a urgência
em evidenciá-la, como forma de combatê-la. Por esse motivo a temática da violência vem
assumindo uma centralidade político-estratégica na maioria das reivindicações do movimento
feminista, assim como nas políticas públicas e ações governamentais na esfera federal,
estadual e municipal (QUEIROZ 2005).
Essa iniciativa insere-se num esforço coletivo de superação da lacuna existente na
compreensão de muitos (as) profissionais que atendem as mulheres em situação de violência
83
O referido projeto de Extensão tem financiamento do IES (MEC) conta com seis bolsistas de iniciação
científica, duas profissionais, sendo uma de Serviço Social e outra de Direito além da coordenadora do projeto.
Estamos na fase final da estruturação do curso que capacitará 60 profissionais da rede de atendimento à mulher
em situação de violência na cidade de Mossoró-RN.
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acerca das desigualdades, discriminação, opressão e machismo como fruto de uma cultura
patriarcal e sexista que tem na violência sua face mais perversa.
Ademais, a não incorporação dessas categorias é um aspecto a mais nos desafios para
a materialização da Lei Maria da Penha, visto que a base material do patriarcado não foi
destruída (SAFFIOTI, 2004), e para entender o sujeito mulher e consequentemente os
desafios que são colocados é fundamental compreender a dinâmica social, histórica, política e
cultural no qual se processam as diferenças entre o ser homem e ser mulher e como estas são
transformadas em desigualdade em detrimento do sexo feminino.
Como parte desse processo, é que enfatizamos a importância de ações que venham
promover um espaço de discussão, reflexão e fundamentalmente de desconstrução de valores
que se impregnam no senso comum e se expande nas instituições, e no caso específico, no
cotidiano profissional dos sujeitos que lidam com as várias expressões da violência contra a
mulher.
Para tanto, utilizaremos uma metodologia participativa que prevê a realização de
oficinas interativas, exibição de vídeos-debates e filmes, bem como exposições dialogadas
acerca do conteúdo proposto.
A avaliação das ações desenvolvidas se dará de forma contínua ao final das atividades
realizadas, mediante a aplicação de um instrumento avaliativo escrito sem identificação dos
sujeitos a fim de garantir o sigilo e a espontaneidade do processo avaliativo.
Será realizada concomitante a este processo uma avaliação pela equipe de trabalho
desenvolvido apontando limites e possibilidades, levando em consideração os aspectos
apontados pelo (a) cursistas.
2. A relação sexo/gênero como um dos eixos explicativos das desigualdades entre homens
e mulheres
As relações sociais de gênero vêm historicamente sendo discutida pelos grupos sociais
e pela academia na perspectiva de compreendê-las como uma construção social, baseada nas
relações desiguais de poder, autoridade e prestígio entre homens e mulheres.
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Mas como essas desigualdades se desenvolveram? por que elas existem? quem as
criou? Do ponto de vista biológico o que nos diferencia é a presença ou não do cromossomo
sexual X ou Y, apenas um único cromossomo, contudo, essa característica é suficiente para
determinar uma serie de diferenças entre os sexos.
Ademais, é bastante óbvio que existem distinções entre os sexos, assim como tais
diferenças são transformadas em desigualdades em detrimento das mulheres nas mais variadas
instâncias da sociedade, e a intensidade dessas desigualdades varia de uma sociedade para
outra.
Nesse sentido fica patente à necessidade de fazer uma distinção entre sexo e gênero no
intuito de elucidar como essas diferenças são estabelecidas. Nesse sentido, Rodrigues aponta,
Ainda que sejam biologicamente diferentes, as peculiaridades anatômicas não
explicariam as inúmeras outras diferenciações sociais entre os sexos: sejam
elas de hierarquia, de status, de poder, de posição na divisão do trabalho, de
personalidade, de comportamento e nem mesmo de seus trejeitos corporais
(2011. p.29).
Então, o que seria sexo? o que seria gênero? sexo pode ser definido como o conjunto
dos aspectos biológicos e físicos do macho e da fêmea de cada espécie. Nos seres humanos a
fêmea é geralmente identificada pela presença da vagina, enquanto que os machos possuem o
pênis. Essas diferenças já nascem com cada um de nós e ao longo da vida vão se acentuando e
nos diferenciando, definindo principalmente quando os seres humanos entram na puberdade,
fase que tem seu início em momentos diferenciados para cada um, mas que geralmente
acontece entre os 11 aos 14 anos de idade (SUPLICY, 1988). Portanto, é algo que vai além do
nosso domínio, simplesmente nascemos com os órgãos de um ou do outro sexo.
Gênero seriam as diferenças que existem entre homens e mulheres, sendo essas
socialmente construídas, são por assim dizer, o conjunto de ideias que cada sociedade cria
sobre o que é ser mulher e/ou homem (CAMURÇA; GOUVEIA, 2004).
Vale ressaltar que é a partir dessas ideias, que se atribuem certos ―papéis sexuais‖ que
devem ser assumido por cada gênero na sociedade. Tais papéis definem desde os
comportamentos
físicos
até
psicológico
de
cada
gênero.
Por
exemplo,
as
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características/comportamentos atribuídos às mulheres na sociedade são de meiguice,
delicadeza, enquanto que para o homem a força, virilidade, liderança, etc.
Faria e Nobre (1997) defendem que, essa categoria veio para explicar como se dá a
opressão das mulheres e apontar caminhos para superação desse problema, além de construir
a identidade de gênero em cada pessoa.
Dessa forma, podemos afirmar que, gênero é uma teoria que veio para desmitificar a
ideia de que homens e mulheres são diferentes, levando assim a conclusão de que os papéis
sociais desses sujeitos são construídos socialmente de acordo com o sexo de cada um deles.
Ainda nessa perspectiva Faria e Nobre (1997):
As pessoas nascem bebês machos e fêmeas e são criadas e educadas conforme o que
a sociedade define como próprio de homem e de mulher. Os adultos educam as
crianças marcando diferenças bem concretas entre meninas e meninos. A educação
diferenciada dá bola e caminhãozinho para os meninos e boneca e fogãozinho para
as meninas [...] ( p.9)
É importante ressaltar que apesar dos avanços na perspectiva da superação da histórica
marca do machismo que se expressa em vários espaços da sociedade ainda nos deparamos
com diversas barreiras que precisam ser ultrapassadas em busca de um mundo igualitário do
ponto de vista de gênero, dentre eles a violência contra a mulher.
Segundo Safiotti (2004), a violência contra a mulher é inerente ao padrão das
organizações desiguais de gênero que, por sua vez, são tão estruturais quanto à divisão da
sociedade em classes sociais, ou seja, o gênero, a classe e a raça/etnia são igualmente
estruturantes das relações sociais.
Assim, fruto das diferenças que são transformadas em desigualdades, é que se dão as
várias expressões do poder dos homens sobre as mulheres, sendo, a nosso ver, a violência
exercida contra a mulher, a face mais cruel deste poder.
2.1 Da visibilidade da violência contra a mulher à lei Maria da Penha
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A problemática da violência contra a mulher passa a ser reconhecida como um
problema de ordem pública em virtude das mobilizações protagonizadas pelo movimento
feminista84. Segundo Sarti (2004) foi no final dos anos 1970 e no inicio dos anos 1980 que se
ampliaram com mais força a luta contra a violência sobre a mulher.
Neste sentido, a construção e implementação de políticas públicas de prevenção e
punição da violência contra as mulheres e de atendimento especializado às mulheres em
situação de violência, é uma demanda que o movimento feminista tem trazido para a agenda
pública nas três últimas décadas.
Uma das primeiras conquistas foi a criação dos grupos SOS Mulher 85. Os SOS
reuniam representantes de diferentes grupos feministas, ligados a distintas correntes
ideológicas e posições políticas. Posteriormente, em 1986, surgiram as Delegacias
Especializadas de Atendimentos às Mulheres (DEAMs), conquista esta resultante das pressões
exercidas pelo movimento feminista junto aos poderes públicos.
Todavia, o estado brasileiro somente passa a desenvolver uma ação mais efetiva em
relação à violência contra a mulher, compreendendo-a como uma violação dos direitos
humanos a partir de 2001, quando o país é responsabilizado pela Comissão Interamericana de
Direitos Humanos por ter negligenciado e se omitido diante da violência sofrida por Maria da
Penha Fernandes86.
Por intermédio da Comissão Interamericana de Direitos Humanos não somente o caso
de Maria da Penha teve um desfecho, mas uma série de recomendações foram feitas ao
84
O feminismo se constitui em um movimento social e político cuja ação visa a construção da igualdade entre os
gêneros por meio do fortalecimento e organização política das mulheres visando a sua autonomia, liberdade e
emancipação, impulsionando e contribuindo para mudanças sociais, políticas e culturais e sobretudo,
provocando mudanças de valores na nossa sociedade.
85
Por volta dos anos 1970 são criados no Brasil grupos de apoio para mulheres em situação de violência física,
sexual, psicológica. O SOS Mulher é uma ONG criada pela sociedade civil para atender uma demanda da
população que não era oferecida pelo Estado.
86
A Lei 11.340/06, conhecida com Lei Maria da Penha, ganhou este nome em homenagem aos vinte anos luta
para ver seu agressor preso depois da formalização da denuncia junto a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos (OEA), que, pela primeira vez, acatou uma denúncia de violência doméstica. Viveiro só foi preso em
2002, para cumprir apenas dois anos de prisão. O processo da OEA condenou o Brasil por negligência e omissão
em relação à violência doméstica. Além de punir o Brasil com recomendações para que fosse criada uma
legislação adequada a esse tipo de violência.
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governo brasileiro dentre elas a criação de leis que tratassem exclusivamente da violência
doméstica contra a mulher, para que assim, fosse garantida a integridade da mulher e punições
mais rígidas aos seus agressores.
Esse momento histórico de punição do estado brasileiro por negligência foi um
marco decisivo na busca pelo fim da impunidade, e pela criação tempos depois da Lei n°
11.340 em 07 de agosto de 2006, denominada Lei Maria da Penha que tem como intuído
coibir a violência doméstica e familiar contra as mulheres e limitar o poder dos homens.
Assim, de acordo com o art.2 desta Lei:
Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda,
cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes
á pessoa humana, sendo lhe asseguradas às oportunidades e facilidades para viver
sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral,
intelectual e social.
A Lei Maria da Penha classifica a violência doméstica e familiar contra a mulher
como: violência psicológica, física, sexual, moral e patrimonial, sendo,
A violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda a integridade ou a
saúde corporal da mulher; a violência moral, expressa na calúnia, difamação ou
injúria, a patrimonial, na perda ou destruição de documentos, bens pessoais,
instrumentos de trabalho e outros recursos materiais; a sexual, que abrange as
situações relacionadas à relação sexual forçada, bem como condutas que obrigam
por coação e chantagem a mulher ao matrimônio, gravidez, aborto ou à prostituição
e ainda a violência psicológica, que ocorre quando agressor tenta controlar o
comportamento da mulher por meio de ameaças, humilhação e isolamento (Queiroz
2005, p. 04)
Vale salientar que a violência psicológica acompanha todas as demais, contudo, a lei
brasileira por não se tem muita clareza sobre a extensão de seu efeito sobre as vítimas,
demorou muito tempo para reconhecer esse tipo violência, inclusive a própria vitima tem
dificuldades de compreender esse tipo de violência. Outra justificativa para isso esteja no fato
da violência psicológica ser mais difícil de detectar, pois ao contrário da violência física e
sexual, esta não deixa marcas visíveis.
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A criação da lei tem como fundamentação não só punir, mas prevenir e erradicar a
violência contra mulher. Além disso, a Lei traz inovações no que se refere à rede de
atendimento a mulher vitimada no espaço domestico e familiar como uma maneira de oferecer
suporte jurídico, social e psicossocial. Nessa perspectiva, o Artigo. 35º possui medidas de
assistência social como:
I – centros de atendimentos integral e multidisciplinar para mulheres na respectivos
dependentes em situação de violência doméstica e familiar;
II – casas-abrigos para mulheres e respectivos dependentes menores em situação de
violência doméstica e familiar;
III – delegacias, núcleos de defensoria pública, serviços de saúde e centros de perícia
médico-legal especializados no atendimento á mulher em situação doméstica e
familiar;
IV – programas e campanhas de enfrentamento da violência doméstica e familiar;
V – centros de educação e de reabilitação para os agressores
Apesar dos avanços em relação às punições da violência contra a mulher, ainda temos
um longo caminho a percorrer na busca da efetivação da Lei Maria da Penha. Segundo dados
do Instituto Patrícia Galvão de 2012, o Brasil possui mais de 5.500 municípios e somente 190
Centros de Referência (Atenção social, psicológica e orientação jurídica), 72 casas Abrigo,
466 delegacias especializadas de atendimento à mulher.
Como observado à maioria dos municípios brasileiros não possuem nem as políticas
básicas como delegacias especializadas no atendimento de mulheres vítimas de violência.
Mesmo os municípios que possuem esses serviços à rede de atendimento a mulher em
situação de violência ainda é muito incipiente, as DEAMS não funcionam à noite e nem nos
finais de semana assim como, faltam casas-abrigos, Juizados de Violência Doméstica e
Familiar contra a Mulher, centro de educação e de reabilitação para os agressores e
capacitação para os (as) profissionais. Portanto, para ações que visem coibir esse tipo de
violência é fundamental uma maior articulação da rede de apoio, mais delegacias,
profissionais capacitados (as), ampliação dos centros de referência, casas abrigo, etc.
2.1 O movimento feminista e a luta pela igualdade de direitos das mulheres
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O movimento feminista surgiu na Europa no século XVII, a princípio reivindicando a
participação política para as mulheres, além do acesso a educação e ao trabalho para que
assim, homens e mulheres alcançassem de fato a igualdade, liberdade e fraternidade
preconizada pela Revolução Francesa no ano de 1789. Contudo, a luta pelo reconhecimento
dos Direitos Humanos, com a Declaração dos Direitos do Homem e do cidadão deixa de fora
as mulheres o que causa inúmeras formas de resistência das mulheres protagonizada
principalmente por Olympe de Gouges que anos depois escreve a Declaração dos Direitos da
Mulher e da Cidadã (1791), remetendo a declaração à Assembleia Nacional, com o pedido de
que fosse decretada como fundamento da Constituição do país.
O movimento feminista francês influenciou vários países inclusive o Brasil que entre
outras coisas reivindicava a participação política para as mulheres, além do acesso a educação
e ao trabalho para que assim, homens e mulheres alcançassem de fato a liberdade e a
igualdade.
A luta pela ampliação dos direitos políticos e civis para as mulheres percorreu um
longo e penoso caminho. O movimento sufragista87 do século XIX alcançou mulheres de
várias partes do mundo. Esta foi uma luta específica que abrangeu mulheres de todas as
classes, demandando enorme capacidade de organização política e uma infinita paciência. Em
países como os Estados Unidos e a Inglaterra, prolongou-se por setenta anos. No Brasil, por
40 anos, a contar da Constituinte de 1891.
No Brasil, o movimento feminista ganha grande repercussão por volta dos anos 1970.
Em meio a uma crise da democracia e sobre o domínio do governo autoritário militar. O
movimento feminista nesse período se caracteriza pela a aliança com outras forças na busca
da democratização e liberdade de expressão.
Destacamos aqui, a luta do movimento feminista pela visibilidade da violência contra
a mulher no Brasil a partir do início da década de 197088 contra o assassinato de mulheres
87
O movimento sufragista surgiu na Europa no século XIX e tinha como objetivo a ampliação dos direitos
políticos e civis para as mulheres.
88
Nesta época os movimentos feministas lançaram dois slogans que simbolizaram a luta pelo fim da violência e
publicização da mesma: ―Quem ama não mata‖ e ―O silêncio é cúmplice da violência‖.
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―por amor‖ e ―em defesa da honra‖, lutas que se ampliarão, no início dos anos 1980, para a
denúncia de espancamentos e de maus-tratos conjugais impulsionando a criação das primeiras
Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher (DEAM) em 1985. Nesta época os
movimentos feministas lançaram dois slogans que simbolizaram a luta pelo fim da violência e
publicização da mesma: ―Quem ama não mata‖ e ―O silêncio é cúmplice da violência‖.
Referimo-nos principalmente à Lei 9.099/95, cuja pena para os agressores eram não restritivas
de liberdade, causando uma enorme sensação de impunidade para as mulheres em situação de
violência. Vale salientar que com o advento da Lei Maria da Penha não se aplica mais a Lei
9.099/95, conforme prevê o art. 41, para os crimes de violência doméstica e familiar.
Nesse sentido, observamos que a história o feminismo é permeada pela preocupação
em questionar o papel atribuído às mulheres na sociedade tentando desnaturalizar o ser
mulher, isso se evidencia nas bandeiras de lutas incorporadas pelo movimento como: o
controle da sexualidade feminina, a criminalização do aborto, o trabalho doméstico, a
invisibilidade do estrupo no casamento e a violência contra a mulher.
Portanto, a história do feminino é marcada pela luta contínua contra as culturas
machistas, sexistas, racistas, classista e desigual do ponto de vista de gênero que segrega a
mulher e retira–lhes o direito de vivenciar verdadeiramente a sua liberdade.
3 CONSIDERAÇOES FINAIS
Compreendemos que desenvolver, a partir da desconstrução de ideologias, um novo
pensamento em relação à mulher como vítima histórica de desigualdade em relação ao
homem é desafiador. É um processo que leva tempo, onde estão envolvidas diversas questões
que se apresentam solidificadas na identidade de cada um.
Como também se torna perceptível a urgência em que se coloca a atualização
constante dos profissionais que atuam diretamente com as mulheres em situação de violência.
Pois o cotidiano de violência ao que ambos estão expostos – a mulher que sofre a agressão e
quer denunciar/profissional que se ‗acostuma‘ a ouvir tantos relatos de violências, muitas
vezes reincidentes - acaba por naturalizar essas agressões.
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Em tempos de globalização, esta luta assume um caráter estratégico, pois as mudanças
ocorrem cada vez mais rápidas e a informação atinge um número cada vez maior de pessoas.
Entende-se que a desigualdade de gênero é uma construção socialmente criada, ela pode ser
recriada novamente, mas, desta vez, de forma igualitária, colocando homens e mulheres como
seres humanos biologicamente diferentes, mas com um potencial a ser explorado por ambos,
com liberdade de escolha, sem que sejam previamente determinadas.
É importante destacar o protagonismo dos movimentos feministas, que trouxe para o
espaço público a problemática da violência contra a mulher, que até então era tratada como
uma questão privada e, portanto, não se deveria envolver. Ademais, a violência contra a
mulher tanto é um problema de saúde pública, como uma negação dos direitos humanos,
devendo ser, portanto, enfrentada pelos poderes executivo, legislativo e judiciário, assim
como pelos movimentos sociais e a sociedade como um todo.
Nessa perspectiva a Lei Maria da Penha, se configurando num importante instrumento
para o enfrentamento à violência contra a mulher, contudo, a Lei por si só não garante a
efetivação das ações para punir e erradicar a violência contra a mulher no nosso país, e
preciso que as políticas públicas que preconizam a lei sejam realmente efetivadas que o estado
garanta as condições necessárias para que as mulheres sejam atendidas de maneira digna e
que vejam assegurados seus direitos a uma vida livre de toda forma de violência.
É acreditando nessa reeducação, que o projeto visa conseguir alcançar seus objetivos,
aproximar a rede de enfrentamento a violência contra a mulher cada vez mais da problemática
das relações desiguais de gênero, como também sensibilizar esse profissional que está
diretamente ligado ao atendimento e consequentemente ao desfecho que cada denuncia irá
tomar.
4. Resultados finais
Como resultado do projeto de Capacitação sobre a Lei Maria da Penha e relações
sociais de gênero para profissionais da rede de atendimento às mulheres em situação de
violência no município de Mossoró-RN, foi construída a Rede Integrada de Atendimento a
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Mulher em Situação de Violência do Município de Mossoró – RIAM, o objetivo principal da
rede é fazer com que todos os serviços de atendimento as mulheres em situação de violência
se articulem e hajam de forma eficaz, para que isso aconteça são realizadas reuniões mensais
para se pensar e melhorar articulação da mesma.
REFERENCIAS
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FARIA, Nalu e NOBRE, Miriam. Gênero e desigualdade. São Paulo: SOF, 1997(Coleção
Cadernos Sempre Viva).
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QUEIROZ, Fernanda Marques de. Violência contra a mulher: O ―Pessoal é Politico‖.
Pernambuco. 2005
QUEIROZ, Fernanda Marques de et al. Políticas públicas no contexto de desconstrução de
direitos: desafios á materialização da Lei Maria da Penha. Mossoró: Serviço social na
contra - corrente: lutas, direitos e políticas sócias, Edições UERN, 2010.
RODRIGUES, Maysa. Sociologia, nº. 33, p. 27 a 37, Fevereiro. 2011.
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SAFFIOTI, Gênero, patriarcado e violência. São Paulo. Editora Fundação Perseu Abramo,
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SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para análise histórica. Tradução: Cristiane Rufino
Dabat e Maria Betânia Ávila. New York: Columbia University Press, 1990.
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SUPLICY, Marta. Sexo para adolescentes: O Amor, homossexualidade, masturbação,
virgindade, anticoncepção, AIDS. São Paulo, FTD, 1988. p.20 e 21.
http://www.agenciapatriciagalvao.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1
975&catid=36 acesso em: 25/06/2012
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O DEFICIENTE DA ANTIGUIDADE A ATUALIDADE: CONQUISTAS DE
DIREITOS E SUAS DIFICULDADES DE LEGITIMAÇÃO.
Emília Daiana de Souza Moura89
Ana Luiza Pereira Dantas90
Gilcelia Batista de Gois91
RESUMO
Nesse espaço pretende-se discutir e analisar sobre o/a deficiente na sociedade, como
este/a era inserido na antiguidade assim como na atualidade, para isso remonta-se uma
trajetória associada aos direitos desses indivíduos enquanto cidadãos que enfrentaram e ainda
enfrentam constantemente as dificuldades de inserção no meio social como sujeitos, sempre
destacando que também existiram ganhos nesta caminhada. Assim o presente artigo tem como
objetivo compactuar com as analises que envolvem a temática, assim como para a defesa
desses sujeitos, tendo em vista as problemáticas que estes/as tem que superar cotidianamente,
tanto com relação a deficiência em si e mais ainda com relação a seu espaço na sociedade,
este que por vezes é negado. Para que se fosse possível à realização do trabalho se fez
necessário um estudo detalhado e abrangente ao mesmo tempo sobre o tema, assim como
auxilio acadêmico e vivências cotidianas e concretas que nos mostram todos os dias a negação
de direitos aos quais esses sujeitos vivem emersos.
PALAVRAS-CHAVE: deficiência; direitos; inclusão social.
INTRODUÇÃO:
O devido artigo se constitui em um estudo voltado para analise sobre as pessoas na
sociedade, objetivando, pois, instigar uma discussão acerca de como viveram e vivem esses
indivíduos em sociedade, mais que isso, promover uma produção (mesmo que ainda necessite
89
Email: [email protected]; Telefone: (84)96909796
Email: [email protected]; Telefone: (84) 96066255
91
Professora Doutora . Email: [email protected]; Telefone: (84) 99278339
90
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de novos elementos) de conhecimento, que analise essa vivência as fragmentações e
dificuldades de legitimação dos direitos desses sujeitos.
Portanto, se fez necessário historicizar esse tema, trazendo em cada sociedade como
estas lidavam com os sujeitos em destaque, como eram tratados, assim como a ausência da
defesa pelos seus direitos, como dar a proteção desses indivíduos na atualidade e por fim, com
é o seu convívio em sociedade, principalmente na família e logo no mercado de trabalho.
Para que fosse possível tal analise, foram utilizados suportes teóricos na perspectiva de uma
amplitude de conhecimento. Para tanto recorremos a referências e contribuições dadas por
autores sobre o tema em questão assim como orientações docentes que foram pertinentes para
a elaboração do artigo.
PESSOAS
PORTADORAS
DE
NECESSIDADES
ESPECIAIS
NO
ENFRENTAMENTO A EXCLUSÃO SOCIAL: DA ANTIGUIDADE A ATUALIDADE
A inicio é de grande valência perceber que as pessoas com necessidades especiais
sempre enfrentaram e ainda enfrentam até os tempos atuais, grande dificuldades de adaptação,
convívio (não por estes, mas como a sociedade as concebem) ao meio social, dificuldades
essas não somente pela sua deficiência, seja ela física ou mental, além desse fator, o deficiente
encontra barreiras no que diz respeito à aceitação e respeito das pessoas.
Com base nisso, como eram as relações entre o portador de necessidades especiais e a
sociedade nos tempos da antiguidade? Como essa sociedade tratava os indivíduos deficientes?
E mais, como as relações vêm se modificando ao longo do tempo e como são percebidas na
atualidade?
Nas sociedades primitivas a exemplo, em decorrência dos povos serem nômades e
dependerem da natureza para sua sobrevivência, tarefa que se era necessário usar da força e
agilidade, não se constava lugar para os considerados na época ―fracos‖, para aqueles que não
tivessem capacidade suficiente para colaborar de forma efetiva nas atividades produtivas.
―Assim, frequentemente, sem qualquer sentido de culpa, eram abandonados ou eliminados, as
pessoas com algum tipo de deficiência.‖ (BIANCHETTI, 1998).
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Na civilização Grega, por sua vez, as pessoas destacavam bem as ―virtudes heroicas‖,
sendo essas, constatadas através de trabalhos físicos e espirituais, assim sendo o objetivo era
se alcançar força, vigor e saúde, como também a harmonia e perfeição do ser. Nessa
perspectiva, o individuo que possuía algum tipo de deficiência, se distanciava desse ―padrão‖
exigido pela sociedade grega; por não conterem em si, todos os aspetos exigidos, estes não
eram dignas de conviver com os demais, já que não eram uteis a Polis.
Um exemplo importante a ser citado diz respeito ao tratamento dado ao deficiente logo
ao nascer, nas sociedades antigas é na literatura filosófica antiga, onde se havia uma forte
tradição (principalmente em Esparta) de cuidados com as crianças, mesmo antes de nascerem,
logo no período da concepção e gestação. Porém as crianças que fossem consideradas
defeituosas, ―identificadas pelas comissões de mulheres nos tempos de Llithya (deusa dos
partos)‖ (MARTINS, 1993), eram sacrificadas. ―Isso ocorria em virtude de serem vistas como
uma expressão de ira dos deuses ou de espíritos malignos‖ (AMARAL, 1994).
Engana-se quem pensa que essa repudia as pessoas deficientes, ocorreu apenas nesse
período mencionado, as deficiências por muito tempo foram consideradas como desarmonia
ao homem protegido por Deus, que apesar de difundido na antiguidade, perpassou por muito
tempo.
Essa visão em relação aos portadores de deficiência começou a se alterar com a
propagação do cristianismo, onde aos poucos começam a ser consideradas/os como filhos de
Deus, mais que isso as práticas exercidas antes pela civilização grega e pela literatura
filosófica antiga, agora eram condenadas, e tudo graças à propagação do cristianismo com
relação ao amor o próximo, a compaixão por aqueles menos favorecidos.
Seguindo a linha de pensamento com relação ao tratamento dado aos deficientes, agora
estes eram recolhidos em igrejas, conventos e demais localidades, é importante que se
destaque que esses indivíduos eram isolados e excluídos do restante da sociedade, juntamente
com os velhos, pobres e doentes, isso para que a sociedade cumprisse seu dever de ―amar ao
próximo‖ e ao mesmo tempo não necessitar de conviver com seres tão ―antissociais‖. Portanto
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não se havia preocupações e cuidados com essas pessoas, eram apenas permitidas de viver, a
qualidade dessa vida era o que menos importava.
Há ainda um ponto a ser destacado, que apesar desses indivíduos agora não serem
condenados à morte, ainda eram vistos como espíritos malignos, muitas vezes eram vitimas de
cerimônias de exorcismo, graças as causas sobrenaturais atribuídas a sua deficiência, mais que
isso, em várias ocasiões eram condenados a morte na fogueira durante a inquisição católica.
Bianchetti (1998, p.32-33) menciona essa pratica ao assinalar: ―... A queima de alguém que
trouxesse no seu corpo uma deficiência considerada não normal (...) era justificado por estar
‗associado a um suposto consorcio com o demônio (...), devendo essa alma ser purificada
pelas chamas‘‖. Geralmente essas deficiências não normais citadas pela autora eram as
metais que eram consideradas doenças espirituais.
Constata-se, pois que parte considerável da sociedade estabelecia uma exclusão e
massacre aquelas manifestações de crueldade cometidas com os deficientes, estas faziam
parte da normalidade e costumes sociais sem, portanto se aterem a consciência moral ou
política dos que a praticavam e dos que as consentiam.
Com o passar dos tempos esses ―costumes normativos‖ foram sendo analisados e
refletidos como processos excludentes, já que esses indivíduos foram afastados do convívio
social, muitas vezes impossibilitados não somente pela deficiência em si, mas pela
incapacidade perceptível da sociedade percebe-los como indivíduos integrantes e participantes
do meio social.
Carvalho (2004, p.47), fala desse processo excludente e sua ressignificação quando
assinala:
Talvez uma das possibilidades de se reverter, definitivamente, os processos
excludentes seja a de ressiginificar de fato e em nós, a ideia que temos nossa própria
―normalidade‖ e, dentre seus corolários, o que nos leva a supor que por sermos
―normais‖, somos seres completos, já que não nos faltam os sentidos, a inteligência,
a capacidade motora, locomotora. [...]
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Trazendo o debate para os tempos atuais e contextualizando-o com a garantia de
direitos que visa à diminuição dessas exclusões percebidas diante do apontado, constatamos
que a constituição de 1988 assim como as políticas sociais nesse âmbito em consonância com
o tratado dos direitos humanos assinado pelo Brasil contribui para a inclusão dessas pessoas,
ainda de forma lenta, porém gradual.
A Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, aprovada
em 1999 e a denominada lei de Acessibilidade, sancionada em 2004 pelo Decreto 5.296 vem a
contribuir e reforçar a sanção da constituição, uma vez que esta:
[...] estabelece ser de responsabilidade dos órgãos e entidades do poder público
garantir possibilidades às pessoas com deficiência para o pleno exercício de seus
direitos básicos decorrentes da Constituição e de outras leis, sobretudo, para o
objetivo de promover o bem-estar pessoal, social e econômico dessa parcela da
população.
Sendo assim, é imprescindível que as pessoas percebam a pessoa com necessidades
especiais como um individuo que também possui suas potencialidades, e que precisa que os
demais o perceba como alguém que seja capaz de superar uma dificuldade que tem, e que
saiba que ele tem lugar em todos os espaços sociais, que não possua medo e vergonha de
viver como tal, uma pessoa que assim como as demais possui diferenciações, limites e
potencialidades.
O Decreto-Legislativo n. 186 de 09 de julho de 2008 e do Decreto de Promulgação n.
6949, de 25 de agosto de 2009, constatam a asseguração desses indivíduos, uma vez que
traduzem a importância de aceitar estes como parte integrante da sociedade.
A CHEGADA DE UMA CRIANÇA A UM NÚCLEO FAMILIAR: A IMPORTÂNCIA
E COMPROMISSO DA FAMÍLIA, JUNTO ÀS INSTITUIÇÕES COMPETENTES
Considerando todos os aspectos que envolvem o crescimento e desenvolvimento da
personalidade do individuo como também sua adaptação aos diferentes âmbitos da sociedade
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ao qual vivemos, podemos afirmar que a família exerce um importante papel dentro desse
processo de formação no que diz respeito à dinâmica de relacionamento e convivência.
A família dependerá de todos os seus membros e das relações que eles tiverem, tanto
frente aos problemas internos vivenciados no lar, como os externos com as demais pessoas,
para que haja harmonia e boas condições de desenvolvimento para todos que nela fazem
parte.
Quando se espera a chegada de um filho é inegável que todos imaginam que ele seja
saudável, bonito e inteligente e muitas vezes quando o núcleo familiar se depara com uma
criança deficiente a primeira reação muitas vezes é de frustração.
Daí em diante há vários processos para que se ―ajuste‖ essa criança a família, e que a
aceite como ela é, daí a importância do acompanhamento dessas famílias com profissionais,
uma vez que o sentimento de rejeição em alguns casos dura mais que o esperado e muitas das
vezes nem se acaba e a criança por sua vez necessita, diante de sua fragilidade, de cuidados e
ajuda extra familiar que venha a trazer um bem estar a este sujeito.
Pensando nessa dificuldade de integração e de acolhimento da criança deficiente em
sua família, o Ministério da Educação, juntamente com a secretaria de Educação Especial
(2010-46), intitula no art. 23 (Respeito pelo lar e pela família) que:
Os Estados Partes assegurarão que as crianças com deficiência terão iguais direitos em
relação a vida familiar. Para a realização desses direitos e para evitar a ocultação, abandono,
negligência e segregação de crianças com deficiência, os Estados Partes fornecerão
prontamente informações abrangentes sobre serviços e apoios a crianças deficientes e suas
famílias.
O decreto do artigo 23 é de suma importância pelo fato da negligência ser constante na
vida do deficiente, não só a negligência como a superproteção e isso pode resultar em um
impedimento de que a criança progrida conviva normalmente (dentro de seus limites) na
sociedade, dai a importância de fornecer informações sobre os serviços disponibilizados como
também à informação passada de profissionais que venham a orientar os familiares, para que
suas ações venham a garantir resultados positivos na vida dessa criança.
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Faz-se necessário um aprendizado que fortaleza a estrutura familiar, agregando todos
no mesmo segmento, sabendo como interagir com a criança especial, desse modo ela aprende
o que é o mundo, interagindo e sentindo-se parte dele.
A GARANTIA DO DIREITO PARA O DEFICIENTE NA INSERÇÃO NO MERCADO
DE TRABALHO
Em todos os ambientes da vida social o deficiente sofre com sua inserção nestes, no
mercado de trabalho a realidade não é diferente, com base nessa dificuldade o artigo 27
(Trabalho e emprego), o Ministério da Educação e a secretaria de Educação especial intitulam
que:
Os Estados partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência ao trabalho, em
igualdade de oportunidades com as demais pessoas. [...] Promover oportunidades de
trabalho autônomo, empreendedorismo, desenvolvimento de cooperativas e
estabelecimento de negocio próprio [...] assegurar que adaptações razoáveis sejam
feitas para pessoas com deficiência no local de trabalho.
O Ministério Público do Trabalho assim como o da educação, também tem somado
esforços na inserção das pessoas com necessidades especiais no ambiente do trabalho, esses
esforços resultaram na lei brasileira, que estabelece a fixação do direito de livre expressão, de
ir e vir, de votar e ser votado, bem como os direitos sociais de educação, habitação, trabalho e
saúde, porem denota-se uma dificuldade de falta de adequação do direito e de estruturas
físicas nas cidades como também nas empresas, além do que a ignorância sobre as
competências das pessoas deficientes torna-se mais um obstáculo, impedindo o seu acesso e a
garantia de seus direitos.
Segundo Ricardo Tadeu Marques da Fonseca, em seu texto a revista da Educação
especial, (agosto de 2006, p.20), considera que:
O direito do trabalho veio como primeiro instrumento jurídico que tratou da
igualdade substancial, visto que o confronto direto entre capital e trabalho
evidenciou a insuficiência da mera afirmação que todos são iguais perante a lei.
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A citação acima trás a tona a critica e a contradição inserida ao trabalho, no qual a lei
trás afirmações de igualdade, porém a contradição é algo inerente ao sistema capitalista, que é
a disparidade entre a classe trabalhadora e classe capitalista, que só visa o lucho e
consequentemente ainda por heranças passadas alguns ainda enxergam as pessoas com
necessidades especiais como totalmente incapazes e improdutivas e por isso ainda as querem
excluir do sistema produtiva o que gera uma serie de preconceitos em volta disto.
O artigo 37º, inciso VIII, da Constituição Federal, determina que ―A lei reservará
percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e
definirá os critérios de sua admissão‖. Com isto aos poucos através das leis está se
observando uma maior inserção das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, porém
ainda devido a alguns tabus e preconceitos essa inserção ainda é lenta.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo das discussões aqui pautadas, percebeu-se que o sujeito deficiente na
antiguidade era constatado como algum tipo de expressão demoníaca, para tanto o deficiente
era utilizado como instrumento para ritos e celebrações obscuras. Ao decorrer do tempo, foi
se tendo uma noção de aceitação só que pautada na religião e com bases a negligencia e
abandono destes.
Percebe ainda que na atualidade, apesar de leis como o tratado dos direitos humanos
que defendem esses sujeitos na verdade eles muitas vezes não se legitimam ou se efetivam,
pois é perceptível nos locais públicos a falta de acessibilidade, assim como o desrespeito e a
desvalorização das pessoas com o deficiente, graças muitas vezes a falta de educação e
esclarecimento como também o determinante histórico.
Não obstante, é preciso considerar a relevância dessa elaboração cientifica, já que esta
tem como intuito primeiro compactuar uma analise histórica e atual sobre a deficiência e o
tratamento dado ao deficiente com o tempo, para então se compreender os ganhos obtidos
como também a falta de legitimação das políticas.
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Sendo assim, percebe-se que o assistente social em especial deve estar preparado para
essas demandas, de modo a promover a educação e esclarecimento ao quais as pessoas se
mostram tão carentes, e até mais, de forma a exigir e criar estratégias que visem confrontar o
abandono do Estado e por consequência garantir que o direito desses cidadãos seja de fato
concretizado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMARAL, Ligia A. Pensar a diferença/deficiência. Brasília. Coordenadoria Nacional para a
integração da pessoa portadora de Deficiência, 1994.
BRASIL, Ministério da Educação e Secretaria de Educação Especial. Marco políticolegais da educação especial na perspectiva da educação inclusiva. Brasília, 2010.
______. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF. 1988.
______. Decreto n. 3.289 de 20 de dezembro de 1999. Dispõe sobre a Política Nacional para a
Integração da Pessoa com Deficiência, consolida as normas e dá outras providências. 1999.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3298.htm>. Acesso em:
16/06/2013.
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integração da pessoa portadora de Deficiência, 1994.
BIANCHETTI, Lucídio. Um olhar sobre a diferença Interação, Trabalho e Cidadania.
Campinas: Papirus, 1998.
BUSCAGLIA, L. Os deficientes e seus pais. Um desafio de aconselhamento. Rio de Janeiro,
1993.
CARVALHO, Rosita Edler. Educação inclusiva: com os pingos nos is. Porto Alegre, 2004.
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FONSECA, Ricardo Tadeu Marques. Os direitos humanos e a pessoa com deficiência no
mercado de trabalho. Revista da Educação Especial, Paraná, 2006.
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O Sistema Penitenciário Cearense e o Núcleo de Assistência ao Preso Provisório e às
Vítimas de Violência – NUAPP, da Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará: a
materialização da Lei N° 7.210 de 11 de Julho de 1984?
Nayara Alinne Soares Mendonça92
Resumo
O presente artigo se propõe a, através do esboço de um panorama geral da situação do sistema
penitenciário cearense, com informações quali e quantitativas, principiar uma problematização das
condições de cumprimento da privação provisória de liberdade no Estado do Ceará, bem como
objetiva ainda oferecer reflexões críticas a respeito das atribuições e das ações desenvolvidas pela
Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará - DPGE, implementada em âmbito nacional a partir da
Lei Complementar n° 80, de 13 de janeiro de 1994, e, em território cearense, a partir da Lei
Complementar n° 06, de 28 de Abril de 1997, pelo fato da DPGE constituir-se como instituição
respaldada legalmente enquanto instrumento para a garantia dos direitos constitucionais da população
condenada e interna no sistema penitenciário. Somando-se a isto, pretendemos realizar uma exposição
do trabalho sócio jurídico desenvolvido pelo Núcleo de Assistência ao Preso Provisório e às Vítimas
de Violência - NUAPP, órgão integrante da Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará, que teve
seu surgimento atrelado à crise da segurança pública no estado, que teve seu ápice entre os anos de
2007 e 2008 – embora tenha, daí então, apenas iniciado um ciclo que não foi rompido até os dias
atuais - devido aos graves problemas relacionados ao tratamento dispensado aos indivíduos privados
provisoriamente de liberdade que ainda encontravam-se reclusos nas delegacias de polícia devida à
ausência de vagas no sistema penitenciário ou que acabavam por cumprirem suas penas ali mesmo,
por conta da insuficiência da assistência jurídica pública e gratuita.
Palavras chave: Defensoria Pública. Núcleo de Assistência ao Preso Provisório e às Vítimas de
Violência. Sistema Penitenciário.
1. Introdução
A temática da segurança pública se apresenta como algo de grande pertinência na
contemporaneidade brasileira, não sendo, portanto, diferente no contexto sócio histórico
próprio do estado do Ceará. Tendo em vista a sensação de violência que está presente na
92
Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade – Universidade Estadual do Ceará – UECE. Telefone:
(85) 9731.0785 E-mail: [email protected]
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vivência coletiva dos cearenses, vez que periodicamente são divulgados os índices do
aumento crescente da criminalidade.
Informações constantes do Mapa da Violência 2012 – Crianças e Adolescentes do
Brasil, de autoria de Julio Waiselfisz, demostram que o Ceará ocupava, até o ano de 2010, o
7º lugar no ranking de estados brasileiros com altas taxas de homicídios contra crianças e
jovens com idade entre 1 e 19 anos. De 2000 a 2010, a taxa está em 148,8. O Ceará está acima
da média nacional. Fortaleza é a 3ª capital em assassinatos por arma de fogo. O Ceará, o 5º
estado. A violência aumentou 175,9%.
O documento Mapa da Violência 2013 – Mortes Matadas por Armas de Fogo, do
mesmo autor, baseado nos registros do Subsistema de Informações sobre Mortalidade – SIM,
desenvolvido pelo Ministério da Saúde, traz informações que afirmam que, entre 1980 e 2010,
perto de 800 mil cidadãos morreram por disparos de algum tipo de arma de fogo. Nesse
período, as vítimas passam de 8.710 no ano de 1980 para 38.892 em 2010, um crescimento de
346,5%. Salientando que, nesse intervalo, a população do país cresceu 60,3%. Mesmo assim,
o saldo líquido do crescimento da mortalidade por armas de fogo, descontando o aumento
populacional, ainda impressiona.
Entre os jovens de 15 a 29 anos esse crescimento foi ainda maior: passou de 4.415
óbitos em 1980 para 22.694 em 2010: 414% nos 31 anos entre essas datas. O alto crescimento
das mortes por armas de fogo foi puxado, quase exclusivamente, pelos homicídios, que
cresceram 502,8%, enquanto os suicídios com armas de fogo cresceram 46,8% e as mortes
por acidentes com armas caíram 8,8%.
Nesse sentido, dado o vertiginoso crescimento dos índices de criminalidade, temos de
considerar também o impacto que isto tem no conjunto dos sistemas de segurança pública e de
acesso à justiça, mais propriamente no tocante ao reforço do aparato preventivo e combativo à
prática de crimes, com a sua consequente e devida criação de vagas no sistema penitenciário
cearense, bem como o alargamento da possibilidade da oferta de assistência jurídica pública e
gratuita aos indivíduos que comprovem tal necessidade.
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Apesar dos elevados investimentos estatais no aparelhamento da polícia militar nos
últimos anos, sobretudo quando da implantação, em novembro de 2007, do Programa Ronda
do Quarteirão, com a aquisição de veículos, contratação de um efetivo policial que reforçou
sobremaneira os quadros policiais em todo o Ceará, os índices de criminalidade não
diminuíram, pelo contrário, vem aumentando.
Com isso, menos que iniciar a busca de razões para o fenômeno do aumento dos
índices da prática de crimes e compreender os significados dessa situação social, nos
propomos a refletir seus impactos, sobretudo no que se refere ao sistema penitenciário
cearense. Como as unidades prisionais cearenses se apresentam na atualidade? Como se dá o
trabalho desenvolvido pela Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará - DPGE, através do
Núcleo de Assistência ao Preso Provisório e às Vítimas de Violência – NUAPP, no tocante à
assistência jurídica ao preso provisório? A referida instituição tem conseguido cumprir com as
disposições e atribuições que lhes são conferidas legalmente? Em quais sentidos o reforço ao
―combate à criminalidade‖ através do aumento do efetivo policial não estaria a impactar o
trabalho desenvolvido pela DPGE?
2. Características e Problemáticas do Sistema Penitenciário Cearense
O estado do Ceará, segundo a Secretaria de Justiça do Estado do Ceará através de
dados divulgados referentes ao mês de dezembro de 2012, tem em torno de 17.657 pessoas
em privação total ou parcial de liberdade, cumprindo regime aberto ou semi-aberto, recolhidas
em presídios, cadeias públicas e demais estabelecimentos prisionais (Casa do Albergado,
Colônias Agrícolas, Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico e Casas de Privação
Provisória de Liberdade). Nas casas de privação provisória de liberdade da zona
metropolitana de Fortaleza aguardam julgamento aproximadamente cerca de 4.554 pessoas.
O sistema penitenciário do Ceará é constituído por 134 cadeias públicas municipais,
05 penitenciárias (Instituto Penal Paulo Sarasate, Instituto Penal Feminino Auri Moura Costa,
Penitenciária Francisco Hélio Viana de Araújo, em Pacatuba, Penitenciária Industrial
Regional do Cariri e Penitenciária Industrial de Sobral), 08 presídios (Instituto Presídio
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Professor Olavo Oliveira I e II, Casa de Privação Provisória de Liberdade Desembargador
Francisco Adalberto de Oliveira Barros Leal (CPPLDFAOBL), Casa de Privação Provisória
de Liberdade Agente Luciano Andrade Lima (CPPLAPLAL), Casa de Privação Provisória de
Liberdade Professor Clodoaldo Pinto (CPPLPCP) e Casa de Privação Provisória de Liberdade
Professor Jucá Neto (CPPLPJN), Casa de Privação Provisória de Liberdade Agente
Penitenciário Elias Alves da Silva e Complexo Penitenciário de Aquiraz), 02 complexos
hospitalares (Hospital Geral e Sanatório Penal Professor Otávio Lobo e Instituto Psiquiátrico
Governador Stênio Gomes), 02 colônias agrícolas (Colônia agrícola do Cariri e Colônia
agropastoril do Amanari), perfazendo um total de 151 estabelecimentos penais.
Entre os anos de 2011 e 2012, foram inauguradas a Penitenciária Francisco Hélio
Viana de Araújo, localizada no município de Pacatuba, com capacidade para 525 presos e
que, segundo dados da Secretaria de Justiça do Estado do Ceará, em dezembro de 2012
contava com a presença de 486 detentos, além do Complexo Penitenciário localizado no
município de Aquiraz com capacidade para 150 presos e que contava com a presença de 136
detentos. Além disto, no ano de 2013, estão previstas a construção e a inauguração de outras
unidades prisionais.
De acordo com estes dados, podemos perceber como a construção das referidas casas
de privação provisória de liberdade no Estado do Ceará foi algo relevante para o cumprimento
dos dispostos legais referentes ao recolhimento dos presos provisórios, que anteriormente à
construção dessas unidades prisionais, tinham que aguardar o julgamento por juiz competente,
por um período superior a trinta dias, tendo que submeter-se a situações de violação de seus
direitos fundamentais, a exemplo das constantes violências a sua integridade física e moral,
condições insalubres de habitação e ausência de possibilidades de trabalho e educação no
momento da execução da pena, algo que poderia até ser utilizado para sua progressão de
regime, pois de acordo com a Lei de Execuções Penais (Lei 7.210/1984), a cada três dias de
trabalho ou de estudo, um dia da pena é reduzido.
Entretanto, apesar da existência de avanços em relação às formas de recolhimento dos
indivíduos em privação de liberdade, fazendo-se cumprir as disposições legais referentes ao
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assunto, temos de mencionar o fato de que a adesão à política de encarceramento, em que se
compreende como solução para a problemática do crescimento dos índices de criminalidade a
construção desenfreada de unidades prisionais, não resolve a situação. O Estado, enquanto
garantidor legal das condições materiais de existência dos indivíduos: educação, saúde,
assistência social, previdência, cultura e lazer, deve ser pioneiro, em parceria com a sociedade
civil, da elaboração e implantação de políticas públicas voltadas à prevenção da
criminalidade, bem como da reintegração social dos indivíduos egressos do sistema prisional.
3. A Defensoria Pública do estado do Ceará como Instrumento Legal de Defesa dos
Direitos Constitucionais
A Constituição Federal do Brasil, a partir da sua promulgação em 05 de Outubro de
1988, trouxe consigo uma gama de princípios e garantias fundamentais. Dessa forma, ―está,
pois, o Estado submetido a uma ordem constitucional com o fim específico e democrático de
promover o bem-estar da coletividade. (BARRETO, 2007, p. 161).
O acesso à justiça constitui-se como uma das garantias constitucionais trazidas pela
Constituição de 1988, e também como possibilidade de efetivação de outros direitos
assegurados legalmente, tendo em vista que é, concomitantemente, um direito fundamental e
uma garantia dos demais direitos fundamentais. A referida autora, ao conceituar a temática do
acesso à justiça afirma que esta:
[...] não implica apenas acesso ao Poder Judiciário, mas e, principalmente, significa
isonomia formal e material, importa em igualdade de oportunidades no exercício da
cidadania e na adoção de uma postura de transformação social das desigualdades‖
(BARRETO, 2007, p. 179).
Chuairi (2001), ao tecer considerações acerca dos objetivos da garantia de acesso às
funções jurisdicionais do Estado, destaca que:
O acesso à justiça apresenta duas finalidades básicas: a primeira é que os sujeitos
podem reivindicar seus direitos e buscar a solução de seus problemas sob o
patrocínio e a proteção do Estado, e, portanto, o sistema jurídico deve produzir
resultados que sejam individual e socialmente justos; e a segunda corresponde ao
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fim último do sistema jurídico no Estado Democrático de Direito, que é o de garantir
o acesso à justiça igualmente a todos. (p.127)
A Defensoria Pública surgiu no Brasil como instituição essencial ao Estado, a partir da
promulgação da Constituição de 1988 (art. 134), fica estabelecido que a Defensoria Pública é
instituição essencial à função jurisdicional do Estado,incumbindo-lhe a orientação jurídica e a
defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5°, LXXIV27‖.
A Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios foi criada a partir
da Lei Complementar n° 80, de 13 de janeiro de 1994, que tem como objetivo a organização
desta instituição no país e em seus demais estados. As finalidades e princípios institucionais
da Defensoria Pública da União podem ser inferidos nos art. 1, 2 e 4 da referida legislação nos
seguintes termos:
Art. 1º. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do
Estado, incumbindo-lhe prestar assistência jurídica, judicial e extrajudicial, integral
e gratuita, aos necessitados, assim considerados na forma da lei.
Art. 2º. A Defensoria Pública abrange:
I - a Defensoria Pública da União;
II - a Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios;
III - as Defensorias Públicas dos Estados.
[...]
Art. 4º. São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:
I - promover, extrajudicialmente, a conciliação entre as partes em conflito de
interesses;
II - patrocinar ação penal privada e a subsidiária da pública;
III - patrocinar ação civil;
IV - patrocinar defesa em ação penal;
[...]
VIII - atuar junto aos estabelecimentos policiais e penitenciários, visando assegurar
à pessoa, sob quaisquer circunstâncias, o exercício dos direitos e garantias
individuais;
IX - assegurar aos seus assistidos, em processo judicial ou administrativo, e aos
acusados em geral, o contraditório e a ampla defesa, com recursos e meios a ela
inerentes;
X - atuar junto aos Juizados Especiais de Pequenas Causas;
[...]
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A Defensoria Pública do Estado do Ceará foi criada a partir da Lei Complementar N°
06, de 28 de abril de 1997 para exercer o papel de:
[...] instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe prestar
gratuita e integral assistência jurídica, judicial e extrajudicial aos necessitados,
compreendendo a orientação, postulação e defesa de seus direitos e interesses, em
todos os graus e instâncias, compreendido entre estes, o juízo das pequenas causas,
na forma do inciso LXXIV, do art. 5º, da Constituição Federal‖. (Art. 2).
No que se refere à relação entre a criação da Defensoria Pública e a garantia dos
direitos constitucionais assegurados à população carcerária, podemos estabelecer ligações
fundamentais de grande relevância entre esses dois fatores, tendo em vista, sobretudo, a
constituição do sistema prisional brasileiro, especialmente o cearense.
O Formulário Categoria e Indicadores Preenchidos, consolidados através do InfoPen
Estatística (2010), órgão do Departamento Penitenciário Nacional, integrante do Ministério da
Justiça, responsável pelo registro de indicadores gerais e preliminares sobre a população
carcerária do país, traz dados e informações que auxiliam a compreensão acerca do sistema
penitenciário cearense. Segundo o referido documento, a população carcerária é constituída,
fundamentalmente, por indivíduos que necessitam da assistência jurídica da Defensoria
Pública por se encontrarem, em sua maioria, em situação de vulnerabilidade social, acarretada
pelas condições sociais e econômicas em que se encontram; notadamente a baixa escolaridade
e a renda insuficiente.
No que se refere à faixa etária dos indivíduos em privação de liberdade, o referido
documento explicita que a população carcerária do Estado do Ceará é formada, em grande
parte, por jovens entre 18 e 29 anos de idade, tal parcela representa 46,2% do total de
indivíduos reclusos, ou seja, 6.838 pessoas encontram-se nessa situação.
No que tange à escolaridade, dos 14.796 indivíduos em privação de liberdade no
Estado do Ceará, 1.072 são analfabetos, o que equivale a 7.24%; outros 2.907 são apenas
alfabetizados, representando o percentual de 19,6%, enquanto outros 4.635 têm o ensino
fundamental incompleto, cujo total de 31,3%. Vale salientar que 3.867 detentos não tiveram
seu grau de escolaridade informado, totalizando 26%.
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Podemos auferir que a compreensão da interface entre a criação da Defensoria Pública
e sua importância para a efetivação dos dispositivos constitucionais assegurados aos
indivíduos em privação de liberdade, está no fato de que Bessa (2007, p. 40), ao mencionar
Karam (2005, p. 170), destaca que ―os Censos, periodicamente realizados pelo Ministério da
Justiça, têm classificado como absolutamente pobres entre 90 e 95% dos internos no sistema
penitenciário brasileiro‖, o que demonstra a necessidade de atuação da Defensoria Pública
enquanto forma de garantir o acesso à justiça aos encarcerados.
A garantia de uma Defensoria Pública verdadeiramente atuante junto às demandas da
população carcerária e de seus familiares é algo de grande relevância para a efetivação das
disposições constitucionais que versam sobre a mais variada gama de direitos fundamentais.
A assistência jurídica constitui possibilidade real e legal para a materialidade dos direitos
constitucionais de todos os indivíduos, além de ela mesma já ser um direito fundamental.
É imprescindível, portanto, que os estabelecimentos prisionais contem com
profissionais independentes, sem vinculações de qualquer ordem com a direção do
estabelecimento (mormente empregatícias, como nos casos de terceirização ou privatização de
presídios), nem com os governantes, a fim de que possuam a isenção necessária para efetuar
as denúncias citadas e movimentar a máquina judicial para albergar os direitos fundamentais
dos encarcerados (BESSA, 2007, p. 191-192).
A priorização das demandas dos indivíduos em privação de liberdade, no tocante à
assistência material, à saúde, social e jurídica, bem como as de seus familiares que, em alguns
casos, desconhecem os trâmites legais que se referem aos procedimentos judiciais e penais,
através da garantia de assistência jurídica integral e gratuita a todos que não tiverem
condições financeiras favoráveis é um imperativo que se faz presente em nossa sociedade.
4. O Núcleo de Assistência ao Preso Provisório e às Vítimas de Violência – NUAPP,
da Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará – DPGE e a materialização da
Lei n° 7.210/1984?
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1113
O Núcleo de Assistência ao Preso Provisório e às Vítimas de Violência - NUAPP é
uma criação de representantes da Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará, com
aprovação e financiamento do Ministério da Justiça, e que se encontra em funcionamento
desde junho de 2008.
A equipe profissional do NUAPP é composta por defensores públicos, assistentes
sociais, psicólogos e estagiários das áreas mencionadas. No tocante ao funcionamento, o
NUAPP atende em sistema de plantão de 12 horas, com Defensores Públicos que dão
assistência jurídica aos presos desde o momento da lavratura do auto de prisão em flagrante,
contando com a atuação conjunta dos defensores públicos já lotados nas varas criminais e no
Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, quando da tramitação dos processos criminais.
Através desta ação, a Defensoria Pública favorece o fluxo normal nas Delegacias de Polícia,
garantindo a correta aplicação da lei em favor de presos em situação irregular, possibilitando a
liberdade a quem já tem direito.
A ideia de criação desta unidade surgiu como fruto de inquietações perante a
verificação de dois grandes problemas de segurança pública no Estado do Ceará que afetavam
àquele período histórico, mas que persistem até os dias atuais: a forma de repressão das ações
criminosas e a atuação do poder público frente às pessoas envolvidas em um conflito de
natureza penal (o autor da infração, a vítima e os familiares de ambos).
A sociedade cearense, até meados do ano de 2008, sofria com graves problemas
relacionados ao tratamento dispensado aos indivíduos privados de liberdade, mas que ainda
não haviam sido julgados pelo suposto delito cometido, ou seja, os presos provisórios.
Entretanto, o Governo do Estado do Ceará, sobretudo a partir do fim dos anos 90 e a
primeira década dos anos 2000, vinha dispensando a estes indivíduos, longas permanências
em delegacias policiais, a fim de aguardarem o julgamento necessário para a soltura dos
indivíduos absolvidos das acusações ou ainda para o surgimento de vagas no sistema
prisional, quando da sua condenação por juiz de direito.
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Os primeiros interesses do referido projeto voltaram-se a diagnosticar este grave
problema na área de segurança pública que acaba por gerar na própria população um
sentimento generalizado de medo, revolta e insatisfação.
Os fundamentos para a implantação do Núcleo de Assistência ao Presos Provisório e
às Vítimas de Violência - NUAPP versavam a respeito da busca de soluções para o
crescimento dos índices de criminalidade. Daí então, o Governo do Estado do Ceará adotou
um modelo de segurança pública baseado no incremento do ―Estado Polícia‖, investindo
maciçamente em policiamento e encarceramento. Em decorrência, surgem novas crises,
atinentes ao crescente grau de aprisionamento em locais sem a destinação específica para
receber pessoas em situação de reclusão: as delegacias de polícia.
Dessa forma, até então as delegacias de polícia em todo o Estado do Ceará recebiam
os presos provisórios e eram responsáveis pela segurança e guarda dos mesmos, muitas vezes,
em locais não apropriados, pois tal espaço é destinado para a atuação investigativa frente às
denúncias recebidas ou os flagrantes policiais. O tempo de permanência de um indivíduo
acusado da prática de delitos, e ainda não julgado, em uma delegacia de polícia deveria ser de,
no máximo, trinta dias, pois muitos xadrezes apresentam instalações precárias, ambiente
reduzido e inseguro para os trabalhadores e policiais das delegacias e até mesmo para o
próprio detento que não tem seus direitos básicos de integridade física preservados.
Segundo as Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros, os presos não julgados
devem ser mantidos separados dos presos condenados e os mesmos devem ser orientados a
dormirem sozinhos, ou seja, em quartos separados, dentro dos limites compatíveis com a
ordem dos estabelecimentos prisionais. A Lei de Execuções Penais, em seu artigo 84,
determina que o preso provisório deva manter-se separado dos indivíduos já condenados,
tendo em vista as diferentes situações jurídicas dos mesmos.
O artigo 104 da LEP dispõe que o estabelecimento destinado aos presos provisórios
deve observar em sua construção as exigências mínimas como ser alojado em cela individual
que contenha dormitório, aparelho sanitário e lavatório, além de possuírem os seguintes
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1115
requisitos básicos: salubridade do ambiente e ser localizado afastado do centro urbano, mas
que não prejudique sobremaneira a visitação de amigos e familiares aos internos.
Tais recomendações eram prejudicadas em sua efetivação por parte das autoridades
ligadas à Secretaria de Segurança Pública que é responsável por zelar pela ordem pública,
coordenando, controlando e integrando as ações da Polícia Civil do Ceará, da Polícia Militar
do Ceará, do Corpo de Bombeiros Militar do Ceará, dos Institutos de Polícia Científica
(Médico Legal, Criminalística e Identificação) e da Corregedoria Geral dos Órgãos de
Segurança Pública e Defesa Social, bem como pela Secretaria de Justiça que tem como
missão institucional promover o pleno exercício da cidadania e a defesa dos direitos humanos
inalienáveis da pessoa humana. Compete ainda à SEJUS executar a manutenção, supervisão,
coordenação, controle, segurança e administração do Sistema Penitenciário do Ceará, além de
garantir o cumprimento das penas e zelar pelo livre exercício dos poderes constituídos, bem
como superintender e executar a política estadual de preservação da ordem jurídica, da defesa,
da cidadania e das garantias constitucionais.
Segundo Torres (2001), o grau de violações dos direitos humanos da população
carcerária que está no sistema de segurança pública é significativamente maior. Dado que
estas carceragens não se prestam para o cumprimento de pena, os presos ficam desassistidos
em suas necessidades básicas: material, saúde, condições de higiene, educação, trabalho,
assistência judiciária, banhos de sol e alimentação adequada, não tendo condições mínimas de
habitabilidade e convivência. Na maioria das cadeias, homens e mulheres estão confinados
em péssimas instalações, em condições insalubres, expostos a inúmeras moléstias de contágio
contínuo, além de estarem submetidos a situações de violência, corrupção e arbitrariedades
por parte dos agentes de segurança do Estado.
O segundo foco crítico analisado na gênese do NUAPP é a postura eminentemente
punitiva do Estado, antenada em tratar com correção e privação de liberdade o indivíduo
acusado da prática de atos delituosos, sem lhe oferecer assistência jurídica, psicológica e
social necessárias e, em consequência disto, as reduzidas possibilidades reais de que este
sujeito retorne ao convívio social de forma a lograr êxito em sua integração em um meio
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social mais justo e com maiores chances de conseguir um trabalho digno que lhe oportunize
sair da criminalidade.
No fato de o Estado manifestar-se apenas como ente punitivo, sem garantir qualquer
expectativa de reincorporar aquele indivíduo a um ambiente de respeito às normas, bem como
o tratamento dirigido à vítima do crime, relegada ao papel de testemunha no processo penal,
sem orientações referentes ao ressarcimento do dano sofrido e à ausência, quase que total, de
atenção aos cuidados para com a família dos indivíduos em privação provisória de liberdade,
como se o suposto crime e, consequentemente, a punição dirigida ao acusado devesse também
ser aplicada aos seus familiares, como se estes fossem uma extensão do mesmo.
Assim, o NUAPP se propõe a contribuir para a devida aplicação da assistência jurídica
aos presos em situação de privação provisória de liberdade, além de apoio social e psicológico
para estes sujeitos e suas famílias, como também para as vítimas da ação violenta, com um
caráter interdisciplinar direcionado aos indivíduos que demandam pelos serviços gratuitos da
Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará.
5. Conclusão
Tendo em vista a amplitude do fenômeno da criminalidade em todo o Brasil, assim
como no estado do Ceará, podemos considerar que as ações executadas pela Defensoria
Pública Geral do Estado do Ceará – DPGE, através do Núcleo de Assistência ao Preso
Provisório e às Vítimas de Violência – NUAPP, no sentido de oportunizar o acesso á
assistência não apenas jurídica, como também psicológica e social aos indivíduos que se
encontram em privação provisória de liberdade, constitui-se como uma tentativa exitosa de
materialização da Lei 7.210/1984 (Lei de Execuções Penais).
E a sua relevância não se limita somente aí. A Defensoria Pública torna-se um baluarte
da defesa e da materialização da possibilidade de um acesso mais facilitado ao sistema de
justiça.
Com isso, torna-se necessário ainda salientar que somente as ações desenvolvidas pela
Defensoria Pública não serão capazes de tornar real, efetiva e eficaz a materialização absoluta
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1117
dos preceitos da Lei de Execuções Penais, entretanto constitui-se como um instrumento
poderoso na prevenção e no combate às situações de violações de direitos dos sujeitos
privados provisoriamente de sua liberdade.
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1120
PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA CONTINUADA: O CASO DO
ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, 2004-2009
Área temática: Justiça, direitos humanos e inclusão social
Elaine Carvalho de Lima93
Calisto Rocha de Oliveira Neto94
RESUMO: A ampliação das políticas de transferência de renda para a região Nordeste do Brasil, nos
últimos anos, suscita vários debates para o entendimento do maior dinamismo da economia dessa
região. Desse modo, o presente trabalho objetiva fazer uma análise das transferências de renda no
estado do Rio Grande do Norte, investigando a diminuição relativa dos pobres e sua relação com o
aumento dos repasses dos programas Bolsa Família e PETI, no período de 2004 a 2009. Em termos
metodológicos, foi realizada uma revisão da literatura, buscando fazer uma melhor análise do
conhecimento da área. Aplicou-se também uma Regressão Linear Múltipla, tendo o número de pessoas
abaixo da linha de pobreza como a variável resposta e os recursos dos programas de transferência
como variáveis independentes, foi adotado um nível de significância de 5%. Conclui-se que tais
programas contribuíram positivamente para a saída de pessoas abaixo da linha de pobreza no estado do
RN, no entanto, há outros fatores externos que também podem explicar melhor o modelo proposto, tais
como, as políticas de salário mínimo.
Palavras-chave: Transferência de Renda Condicionada; Programa Bolsa Família; Rio Grande do
Norte.
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, os programas de transferência condicionada de renda tem suscitado
grande interesse em vários países, por serem uma estratégia de proteção social e utilizadas
para promover o desenvolvimento econômico e social. O Brasil implantou vários programas
de transferência de renda, entre estes, o Programa Bolsa Família (PBF), que foi concebido
com o objetivo de possibilitar o acesso à rede de serviços públicos, tais como, saúde e
93
Mestranda em Economia (PPECO/UFRN). Universidade Federal do Rio Grande do Norte – CCSA/UFRN.
Telefone: (84) 8838-7299 /
E-mail: [email protected]
94
Mestrando em Economia (PPECO/UFRN). Universidade Federal do Rio Grande do Norte – CCSA/UFRN.
Telefone: (84) 8888-7633 /
E-mail: [email protected]
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1121
educação; promoção da segurança alimentar e nutricional; e o combate a pobreza. De modo
geral, busca-se investir em capital humano, a partir da associação da transferência de renda
com educação e serviços de saúde.
Apesar do termo ―pobreza‖ possuir diferentes interpretações e manifestações, para
Barbosa et al (2008), a pobreza é vista como produto do funcionamento do sistema, em que
comporta relações de dominação social que gera desigualdades, desemprego e exclusão.
Assim, para que o pobre possa melhorar sua condição, se faz necessária uma assistência
indefinidamente ou mudanças no funcionamento da sociedade para inseri-lo na vida ativa.
Como o sistema não se transforma sozinho seria preciso movimento social e / ou político.
No relatório das Nações Unidas/PNUD, a pobreza humana é multidimensional, pois
envolve desde a falta do que é necessário ao bem-estar material, como também a negação de
oportunidades de uma vida saudável e digna. Assim a pobreza não estaria apenas relacionada
a falta de renda.
Para SEN (1999), a pobreza está entre as privações de liberdade, esta é central na
análise do autor para o processo de desenvolvimento. A pobreza teria duas perspectivas
conceituais: pobreza como inadequação de capacidade; pobreza como baixo nível de renda.
Os dois modos de conceituação, apesar de distintos se complementam, pois a renda permite a
obtenção de capacidades e vice-versa.
Desse modo, a discussão sobre a pobreza aparece como um tema recorrente, pois
abarca vários estudos que buscam fazer uma avaliação sobre suas consequências, bem como
há políticas públicas que buscam combater a pobreza e suas diferentes formas de perpetuação
na sociedade.
Neste sentido, o presente trabalho tem como objetivo geral, fazer uma análise dos
Programas de Transferência de Renda Condicionada (PTRC), com destaque para o Programa
Bolsa Família (PBF) e o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), no estado do
Rio Grande do Norte. Buscando investigar as relações entre a redução da pobreza e os PTRC,
no período de 2004 a 2009 para esse estado.
O presente trabalho está estruturado em quatro seções, além da introdução. Na
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primeira seção, é apresentado uma fundamentação teórica sobre as transferências de renda. Na
segunda seção, destaca-se a metodologia utilizada para obtenção e análise dos dados, e por
fim, as considerações finais.
2- BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO TEÓRICA: O CASO DAS TRANSFERÊNCIAS
A implementação da Constituição brasileira de 1988 possibilitou um grande passo no
processo de descentralização financeira, em que os estados e municípios da federação
ganharam uma maior autonomia fiscal. Uma das principais vantagens está na implementação
de políticas públicas, que se dá em um contexto de maior conhecimento do governo local da
realidade de sua região.
A Constituição de 1988 consolidou algumas leis importantes, como a legislação do
Sistema Único de Saúde; o Estatuto da Criança e do Adolescente, ECA; e posteriormente, a
Lei Orgânica da Assistência Social, a Loas.
Contudo, a maior descentralização pode gerar um quadro de desigual distribuição da
carga tributária, tendo como consequência um desequilíbrio nas contas de despesa e receitas
nas esferas governamentais. Um modo de tentar reverter esse problema são as transferência
intergovernamentais, que são utilizadas para tentar diminuir as desigualdades regionais.
Nos últimos anos, o Governo Federal tem destinado uma série de recursos para
atenuação das disparidades regionais, destacam-se os programas de transferência de renda,
aposentadorias e pensões.
As desigualdades regionais é um objeto de estudo presente desde os primórdios da
Economia Regional. As semelhanças e diferenças entre os diversos espaços suscitam a
necessidade de políticas públicas que atendam as especificidades regionais. No caso
brasileiro, as transferências de recursos são fortemente valorizadas para o desenvolvimento de
regiões periféricas, como a região Nordeste.
O gráfico 1 ilustra o PIB per capita nas cinco regiões brasileiras, é possível constatar
que no período de 2004-2009, as disparidades entre as regiões ainda é um processo que
persiste na realidade do Brasil. Os dados indicam que o PIB per capita do Centro-Oeste e
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Sudeste chegava a ser aproximadamente três vezes maior do que o apresentado no Nordeste
em 2005.
Gráfico 1
Produto Interno per capita (2004-2009) – Regiões do Brasil (Em R$ mil de 2000)
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do IPEADATA (2012)
2.1 Os Programas de Transferências de Renda Condicionada no Brasil
Os Programas de Transferência de Renda Condicionada (PTRC), ou ainda,
Conditional Cash Transfer (CCT), como é conhecido na literatura estrangeira, são programas
que possuem dois objetivos primordiais: alívio imediato da pobreza e a diminuição da
perpetuação da pobreza entre as gerações, através de investimentos na saúde e educação das
crianças das famílias beneficiadas.
Nos últimos anos, tais programas foram bastante difundidos pelos países da América
Latina, Ásia e África, especialmente pela abordagem institucional que possibilita uma
facilidade de aplicação e atuação em conjunto com outros benefícios sociais.
Apesar dos PTRC possuírem especificidades quanto o modo de estruturação e
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1124
aplicação nos diferentes países. A literatura evidencia pontos em comum entre esses
programas, segundo Draibe (2009): 1- são programas que se constituem como um auxílio
monetário assistencial; 2- o auxílio é geralmente entregue a progenitora, por possuírem um
compromisso familiar maior, os homens só recebem quando são a única referência da família;
3- há uma série de responsabilidades que as famílias devem cumprir para a continuidade do
benefício, relacionadas a educação e saúde das crianças e nutrizes.
Para Mocelin (2010), os programas de transferência condicionada de renda se
justificam através do pressuposto de que para famílias pobres manterem seus filhos na escola,
incorrem em custos elevados, pois a renda é baixa e instável, desse modo há necessidade de
recorrer ao trabalho infantil como forma de sobrevivência da família.
Senna et al (2007) destaca outro argumento que é a baixa escolaridade dessas famílias,
assim há uma tendência por baixas remunerações pelos serviços, afetando o padrão de vida
dessas pessoas.
No cenário brasileiro, os PTRC ganham um maior destaque em meados dos anos 1990.
O país passou a adotar esses programas com o objetivo de minimizar a pobreza, dissipando o
trabalho infantil e elevando a escolaridade de crianças e jovens.
No entanto, apenas no decorrer dos anos 2000 é que os programas de transferência de
renda ganham uma maior relevância, tais como a implementação da Bolsa Escola, Bolsa
Alimentação, entre outros. E mais recentemente, o Programa Bolsa Família (PBF), Programa
de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), Benefício de Prestação Continuada (BPC) e
Aposentadorias Rurais (AR).
No caso do BPC, são recursos destinados as pessoas com mais de 65 anos, os
incapazes para o trabalho e pessoas com deficiência. Esse benefício corresponde a 1 salário
mínimo mensal, e não pode ser acumulado com outros programas sociais.
O PETI foi instituído em 2001 pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Tem
como público alvo as famílias com renda per capita de até meio salário mínimo. A gestão e o
financiamento do programa estão sob a responsabilidade das três esferas de poder.
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1125
2.2 O Programa Bolsa Família
Considerado o maior programa de transferência de renda condicionada, o Programa
Bolsa Família (PBF), lançado em 2003 e incorpora outros programas federais pré-existentes,
entre eles, o Bolsa Alimentação, Auxílio Gás e Bolsa Escola. O Programa trabalha com
famílias que tenham uma renda até R$ 140,00 per capita por família.
O PBF tem um importante peso entre os demais programas, pois possibilita uma maior
cobertura das famílias mais vulneráveis economicamente. Alguns autores acreditam que a
utilização das famílias como unidade de intervenção pode ter melhores resultados nas
condições de vida da população mais necessitada, atingindo o público alvo que são as crianças
e os adolescentes.
O PBF integra o Programa Fome Zero e tem três dimensões: minimizar a pobreza no
curto prazo por meio da transferência direta de renda; possibilitar o exercício de direitos
sociais básicos nas áreas de saúde e educação, através do cumprimento das condicionalidades;
coordenação de programas complementares que objetivem o desenvolvimento das famílias.
Para a seleção das famílias, estas devem está cadastradas no Cadastro Único
(CadÚnico), que serve como instrumento de identificação das famílias de baixa renda. É
importante salientar que o cadastramento não implica em entrada imediata da família nos
programas sociais, pois a concessão do benefício fica sob a responsabilidade do Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate a Fome (MDS), selecionando as famílias que serão
contempladas com o programa a cada mês. Neste contexto, cada município fica responsável
pelo cadastramento das famílias e pela veracidade das informações sobre as unidades
familiares.
As famílias beneficiárias devem assumir alguns compromissos que são denominados
―condicionalidades‖, entre os principais estão: as crianças devem está matriculadas no ensino
fundamental e terem um frequência mínima de 85% da carga horário mensal;
acompanhamento da saúde e aspectos nutricionais dos integrantes da família, como também a
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assistência ao pré-natal e vacinação de crianças até os sete anos.
As informações do CadÚnico são atualizadas a cada dois anos, com dados mais
recentes sobre emprego e informações socioeconômicas sobre cada família. Tais informações
são organizadas pelos serviços sociais locais, o benefício poderá ser suspenso se houver
qualquer
irregularidade
nas
informações,
bem
como
o
não
cumprimento
das
condicionalidades.
Os repasses do PBF tem uma maior concentração na região Nordeste do Brasil, que
historicamente apresentou indicadores de atraso socioeconômico frente às demais regiões do
país. Desse modo, justifica-se uma maior prioridade de políticas públicas que possam reverter
esse quadro de disparidade regional.
Gráfico 2: Distribuição regional do recursos do PBF entre as regiões em 2011
Fonte: elaborado a partir dos dados do MDS
Alguns estudos mostram que as políticas públicas, especialmente as políticas sociais,
tem o acesso em maior medida pelas famílias menos pobres do que pelas famílias pobres ou
extremamente pobres. Isso é consequência do desenho institucional dos serviços públicos, que
são baseados em um modelo de espera que só fornecem os serviços e benefícios aos grupos
que os demandam. Pressupondo que aqueles que não demandam os benefícios não necessitam
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1127
deles (MDS, 2008). Isso reflete a dificuldade encontrada pelas famílias de maior pobreza em
acessar os benefícios sociais que tanto necessitam, muitas vezes a dificuldade se dá no acesso
a informação da existência das várias modalidades de programas sociais.
2.3- O Programa Bolsa Família no estado do Rio Grande do Norte
O estado do Rio Grande do Norte é formado por 167 municípios, de acordo com o
Censo 2010 a população total residente no estado é de 3.168.027 milhões de pessoas, sendo
que 77,8 % residem em situação de domicílio urbana e 22,2% em domicílios rurais. A capital
do estado, a cidade de Natal possui uma população de 803.739 mil habitantes.
O valor médio do repasse do PBF por família no estado do RN foi de
aproximadamente R$ 98,00 por família em 2010, sendo que neste ano aproximadamente
338.424 famílias foram beneficiadas nesse estado.
O gráfico 3 mostra o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do Rio Grande do
Norte, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Em 2009, o PIB atingiu
aproximadamente R$ 28 bilhões, representando um crescimento de aproximadamente 40% se
comparado ao ano de 2005.
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Gráfico 3: PIB estadual do RN, 2004-2009 (Em R$ mil de 2000)
Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do IPEADATA (2012)
Se comparados o total recursos transferidos do PBF a informações tais como: a
Receita Disponível do estado, compreendida pelos recursos de impostos e das transferências
constitucionais; o total das transferências federais para o SUS; o total da transferência federal,
Fundo de Participação dos Municípios (FPM); e o total da transferência estadual a título do
ICMS. Teríamos:
Tabela 1: Participação dos recursos do PBF sobre a receita e transferências para o
estado do RN em 2010
Bolsa Família /
FPM
38%
Bolsa Família /
Receita Disponível
9%
Bolsa Família /
SUS
77%
Bolsa Família /
ICMS
60%
Fonte: elaboração própria a partir dos dados do MDS e FINBRA.
3- METODOLOGIA E FONTE DE DADOS
Como metodologia para elaboração desse estudo, utilizou-se, levantamento de
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informações secundárias sobre o Programa Bolsa Família para o estado do Rio Grande do
Norte. Para obtenção dos Gastos dos Programas Sociais do Governo Federal foram
utilizados dados da Controladoria Geral da União (CGU), disponíveis no Portal da
Transparência. Como variáveis, que compuseram os indicadores, foram utilizados os
seguintes bancos de dados: IPEADATA, PNAD-IBGE. Para os dados dos Gastos Sociais
por Funções do Governo Federal, foi utilizado o banco de dados Finanças do Brasil
(FINBRA)- Estados e Municípios do Ministério da Fazenda- (STN).
Buscando investigar os fatores que levaram a uma diminuição do número de pobres
e suas possíveis associações com os programas de transferência de renda, foi estimada uma
regressão linear múltipla entre o período de 2004 a 2010. Segundo Gujarati (2000), a ideia
da análise de regressão é a dependência estatística de uma variável em relação a um
conjunto de outras variáveis. De modo generalizado, o modelo de regressão múltipla pode
ser apresentado da seguinte forma:
Y  1  2 X 2  ...  k X k  u
Em que γ é a variável dependente, X2 e Xk são as variáveis explanatórias (ou
regressores) e, u é o termo de erro estocástico. Nessa equação 1 é o intercepto, e os
coeficientes 2 e k são os coeficientes parciais da regressão.
Os dados foram operacionalizados, utilizando os seguintes softwares: ―Eviews 5.0‖;
―Statistic Package for Social Science‖ (SPSS) 17.0; e Microsoft Excel.
4- RESULTADOS
Houve a presença de multicolinearidade no modelo devido a correlação entre as
variáveis explicativas, foi estimado um modelo em log para atenuação desse problema. Houve
um melhora no modelo, e os parâmetros estimados ficaram estatisticamente significantes ao
nível de 5%.
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Tabela 2: Sumário da regressão múltipla
Variable
Coefficient
Std. Error
t-Statistic
Prob.
LOG(PBP)
LOG(PETI)
C
-0.738272
-0.014652
28.82136
0.086230
0.027689
1.860520
-8.561697
-0.529179
15.49102
0.0033
0.0433
0.0006
Fonte: Resultados da pesquisa
A partir das informações obtidas, observa-se que tanto o Programa Bolsa Família
(PBP) quanto o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), estão de acordo com a
interpretação econômica esperada, isto é, para cada real transferido para os programas, há
uma redução dos indivíduos que estão abaixo da linha de pobreza e extrema pobreza para o
estado do RN. No caso do PBF, cada 1% transferido ao programa, a pobreza é reduzida em
aproximadamente 0,73 pontos, enquanto que em relação ao PETI, essa queda corresponde a
0.0147 pontos.
Em relação a significância das variáveis analisadas (adotando 5% como significância
estatística), observa-se que a variável PETI possui significância estatística (0.0433). Da
mesma forma, o PBF está na margem de significância (0.0033). Isso quer dizer que a
transferência de renda, via PBF, explica com melhor consistência a queda da pobreza.
Todavia, analisando conjuntamente, os dois parâmetros são significantes estatisticamente.
Por fim, utilizando o R², que representa a qualidade do ajustamento entre variáveis
explicativas, encontra-se o valor de 0.965227. Isso quer dizer que 96,5227% da redução do
número de indivíduos pobres são explicadas por essas duas transferências de renda, efetuadas
pelo Governo, para os programas PBF e PETI.
5- CONCLUSÃO
Diante dos resultados obtidos constatou-se que as transferências de renda para o estado
do Rio Grande do Norte vêm se consolidando como um mecanismo socioeconômico
dinamizador da região, auxiliando no combate da pobreza, especialmente o programa Bolsa
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Família. Com isso, as transferências federais são ferramentas essenciais para a diminuição do
―gap‖ da região do Nordeste com relação ao restante do país.
Contudo, salienta-se que as ações dos programas sociais, por meio de políticas
públicas, podem superar o clientelismo, como a indicação política para o recebimento do
benefício sem a utilização de critérios preestabelecidos, pois para ser beneficiário de tais
programas há uma série de condicionalidades legais para receber os repasses.
Assim, algumas evidências empíricas mostram que não houve apenas uma melhoria
das condições de vida da população pobre, mas também há um forte relação com a segurança
alimentar e nutricional, tendo impactos na redução da desnutrição infantil, pois os
beneficiários tem acesso a produtos de consumo básico, que melhoram a condição de vida dos
familiares. Consequentemente poderá dinamizar economias locais, principalmente em regiões
mais pobres, aumentando as vendas do comércio, tendo repercussão em outros setores
econômicos.
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PROSTITUIÇÃO E EXPLORAÇÃO SEXUAL: DISCUTINDO CONCEITOS PARA
COMPREENDER O TRÁFICO DE MULHERES NO CEARÁ
Área temática: Justiça, direitos humanos e inclusão social.
Tatiana Raulino de Sousa95
Alano do Carmo Macêdo96
RESUMO: O tráfico de pessoas em geral, e de mulheres em particular, vem provocando um grande
interesse das instituições internacionais, organizações não governamentais e mais recentemente, dos
Estados, dos meios de comunicação, e também por parte da academia. A maior visibilidade dada a
essa problemática tem trazido muitas questões a serem discutidas. Por essa razão, trazer elementos que
suscitem esse debate, principalmente àqueles relacionados à confusão entre tráfico de mulheres e
prostituição, é um grande desafio. Neste estudo há um esforço inicial de realizar a discussão sobre a
interface entre prostituição e tráfico de mulheres para fins de exploração sexual comercial, trazendo,
inclusive, elementos acerca das diversas organizações dos países sobre a regulação dessa prática
enquanto atividade profissional e a especificidade do tráfico de mulheres no Ceará, de forma a
contribuir com esse debate. O referido estudo é parte do conteúdo da dissertação, em fase de
conclusão, intitulada Tráfico de mulheres para fins de exploração sexual: a política de atendimento no
Ceará.
Palavras-chave: Prostituição. Exploração Sexual. Tráfico de Mulheres.
Introdução
Quando se discute sobre a prostituição, as mulheres que estão diretamente envolvidas
raramente são escutadas acerca das suas condições e do contexto que estão inseridas. Na
maioria das vezes, não têm oportunidade para apresentarem opiniões, propostas e
discordância sobre projetos, leis e políticas que se propõem realizar uma intervenção junto as
mesmas. Esse segmento, como todos os outros segmentos oprimidos na sociedade, também
tem divergências internas sobre determinados conceitos, embora, a luta pelo respeito,
95
Universidade Estadual do Ceará. Mestrado Acadêmico em Serviço Social, Trabalho e Questão Social. Bolsista
Funcap. [email protected] / (85) 8785-4686
96
Universidade Estadual do Ceará. Mestrado Acadêmico em Serviço Social, Trabalho e Questão Social.
[email protected] / (85) 8500-8585
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dignidade e contra as diversas formas de discriminação e violência sofridas, seja uma pauta
comum.
Do mesmo modo que há aquelas que reclamam o reconhecimento enquanto
―trabalhadoras autônomas‖, exigindo a regulamentação de suas atividades enquanto exercício
profissional e recusando assim qualquer associação que as considere vítimas. Existem
também aquelas que não percebem garantias efetivas nesse processo de profissionalização,
acreditando, inclusive, que a regulamentação aumentará as formas exploração do seu trabalho
por outras pessoas, casas de prostituição, boates e saunas. No centro desse debate, percebemos
que todas as mulheres em situação de prostituição desejam o fim do preconceito e violências
por elas vivenciadas, sofrimento este que parece invisível para a maioria das pessoas. Como
observa Goldman:
A prostituição tem sido, e é, um mal bastante espalhado, e, não obstante, os
humanos têm continuado a seguir adiante, inteiramente indiferentes aos
sofrimentos e aflições das vítimas da prostituição. (GOLDMAN, 2011,
p.247)
Os discursos vigentes que justificam o tráfico de pessoas estão relacionados
especialmente a três temáticas: o crime organizado transnacional, a migração internacional e a
prostituição. A predominância, no primeiro evento, ajusta-se na percepção do tráfico de
pessoas enquanto uma ação criminosa e por isso, o seu enfrentamento está diretamente
associado aos instrumentos jurídicos. O discurso daqueles que determinam o tráfico como um
problema de migração não documentada fortalece as propostas para o uso de estruturas legais
mais restritas no controle de processos migratórios, medidas. Estes procedimentos, na maioria
dos casos, são deliberados pelo emprego de critérios discriminatórios e xenófobos. O terceiro,
intrinsecamente ligado ao tráfico de mulheres e sobre o qual esse trabalho discorrerá, perpassa
por uma visão conservadora que não distingue o tráfico de mulheres para fins de exploração
sexual comercial da prostituição. Desse modo, ignora também a diferença existente entre a
prostituição como escravidão sexual e prostituição enquanto atividade sexual. Esta visão tem
sido veementemente contestada pelos movimentos organizados, embora a discussão sobre a
regulamentação e sua legalização, ou não, enquanto trabalho profissional ainda seja uma das
questões mais tensas na abordagem sobre o tráfico de mulheres.
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Portanto, consideramos importante trazer as diferentes posições que envolvem o
tráfico de mulheres para fins de exploração sexual e a prostituição, de forma a contribuir
com a compreensão dessa problemática. Bem como, é de nosso interesse apreender as
nuances existentes entre os significados colocados no uso desses termos, seja nos discursos ou
nas práticas de enfrentamento ao tráfico de mulheres. Destarte, penetrar na discussão sobre a
prostituição e o tráfico de mulheres, em que pese suas complexidades, é um desafio
importante.
1. O que falar sobre a prostituição?
A diferenciação das mulheres entre àquelas que são objeto do prazer masculino e a
esposa zelosa prolongou-se por muitos séculos sendo, inclusive, na contemporaneidade
permeada por resquícios desta lógica. Até bem pouco tempo a intimidade entre o marido e a
esposa deveria ser suficientemente contida. Às mulheres-esposas eram negados os momentos
de prazer, porque uma relação sexual entre o casal deveria ter como fim a reprodução. Do
contrário, essa exaltação carnal poderia fazer dessa mulher uma prostituta, justificando assim
a proibição às mulheres do livre exercício da sua sexualidade.
É também importante considerar, ao adentrar na discussão sobre as mulheres, que em
nenhum momento da história houve o reconhecimento do seu trabalho, seja no espaço
doméstico seja nos espaços públicos. No século XIX, com as grandes inovações tecnológicas,
as mulheres foram discriminadas mesmo quando ativas em ocupações fabris e relegadas a
objeto de dominação masculina, principalmente de cunho sexual, fortalecendo a imagem da
mulher enquanto objeto de prazer masculino e, consequentemente, estabelecendo uma estreita
relação com a prostituição. Como nos refere Goldman:
Em nenhum lugar a mulher é tratada de acordo com o mérito de seu trabalho,
mas apenas como sexo. Portanto, é quase inevitável que ela deva pagar por
seu direito a existir, a manter uma posição, seja onde for, com favores
sexuais. Assim, é apenas uma questão de grau se ela vende a si mesma, a
apenas um homem, dentro ou fora do matrimônio, ou a vários homens. Quer
os nossos reformadores o admitam ou não, a inferioridade econômica e social
da mulher é a responsável pela prostituição.[...] Em vista desses horrores
econômicos, é de se admirar que a prostituição e o tráfico de escravas brancas
tenham se tornado fatores tão dominantes?. (GOLDMAN, 2011, p.249)
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A posição da igreja católica sobre a prostituição, em muitos momentos da história,
transitou entre a condenação e a tolerância. Tolerância essa geralmente mediada pelos tributos
e impostos pagos pelos serviços dessas mulheres. Nas situações em que se atribuía à
prostituição a responsabilidade de ―conter o fogo masculino‖, para que os homens não
procurassem as mulheres de boa família, chegou a ser considerada uma instituição social de
serviço público, sendo tolerada e regulada pelo Estado.
Os moralistas estão sempre prontos para sacrificar metade da espécie humana
em nome de alguma instituição miserável da qual não podem escapar. Na
verdade, a prostituição não é a salvaguarda da pureza do lar, nem as rígidas
leis são uma salvaguarda contra a prostituição. [...] No entanto, a sociedade
não tem uma palavra de condenação para o homem, ao passo que nenhuma
lei é tão monstruosa que não possa ser posta em ação contra a vítima
indefesa. (idem, ibidem, p.256)
A regulação vigorou durante boa parte do século XIX em quase todos os países
europeus, mas implicava para as prostitutas no seu registro, exames médicos obrigatórios
custeados por elas sem ajuda do Estado e a internação compulsória quando constatada alguma
doença venérea. Aos homens, na qualidade de clientes, não havia nenhuma cobrança. Mesmo
nos casos que envolvia doenças, ficavam isentos de qualquer responsabilidade, tendo em vista
que a raiz de todo o mal, no caso a sífilis, estaria nas mulheres.
Incitado pelas feministas, que consideravam a prostituição uma forma de escravatura
humana, teve início na Europa no fim do século XIX o movimento contra a regulamentação.
Josefine Butler, uma feminista da Federação Abolicionista Internacional que participava do
movimento, afirmava em 1875:
Se a prostituição é uma necessidade social, uma instituição de saúde pública,
então os ministros, os prefeitos da polícia, os altos funcionários e os médicos
que a defendem, faltam a todos os deveres, não lhes consagrando as suas
filhas. (SANTOS, 1982, p.21)
Essa ideia de "mal necessário" era questionada porque representava uma desigualdade
entre mulheres e homem, uma vez que os homens eram isentos da reprovação e censura
enquanto as mulheres carregavam todos os estigmas.
As campanhas de caráter abolicionistas conseguiram reunir milhares de mulheres. No
entanto, vertentes moralistas e higienistas aproveitaram o momento para aliar-se. Ainda nesse
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cenário, emergiam posições feministas diferentes. Dessa forma, surgiu um primeiro cenário
público de debate entre as mulheres em torno da sexualidade e dos seus direitos neste campo.
A intervenção do Estado sobre a prostituição apenas pretendia a limpeza
sanitária imposta policialmente às prostitutas e não a melhoria das suas
condições sociais. Foi esta política discriminatória que motivou uma
crescente mobilização feminista em torno deste problema. (TAVARES,
2006, p.02)
Importante salientar que para o movimento abolicionista, no início de suas
mobilizações, a prostituição fere com a dignidade das mulheres, sendo estas consideradas
naquele momento ―vítimas‖, que necessitariam de ações que possibilitassem outra condição
de vida fora da prostituição.
A emergência da sociedade de mercado trouxe consigo uma disciplina social imposta
pela burguesia. Com base na família nuclear patriarcal, a nova disciplina determinou
mudanças de comportamento de cunho moralizador, com ênfase nos pobres. Nesse sentido, as
restrições e perseguições às prostitutas se intensificaram, sendo estas consideradas um
empecilho para assegurar o modelo familiar burguês.
Portanto, com os rumores da Primeira Guerra e a consequente onda moralista desse
momento, as prostitutas foram as primeiras vítimas das ações de controle do Estado, sob a
égide da degradação moral por elas provocadas. Com o fim da guerra, as perseguições às
prostitutas diminuíram e assim permaneceu por um bom tempo, em virtude de outros
problemas que se apresentavam tornando a prostituição uma questão secundária. Voltando a
pauta das preocupações somente no período da segunda guerra mundial e nos movimentos de
clandestinidade dos governos nazifascistas de Hitler e Mussolini97.
Destaque-se, que em meados do século XX, a vida das prostitutas em todos os lugares
do mundo era tomada por dificuldades e perigos, permanecendo assim até os dias atuais. A
perseguição às prostitutas e as propostas de regulamentação nos países estão sempre
presentes, tendo ápices em determinados momentos históricos e especificidades conforme o
país, mas sempre trazendo consigo um grande debate na sociedade e nos movimentos
feministas.
97
Importante ressaltar que esse período foi muito difícil não só na vida das prostitutas, mas de todos os
segmentos estigmatizados. Não havendo maiores registros históricos sobre a vida das mulheres nesse período.
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Discutir sobre a prostituição de mulheres não é uma tarefa fácil, exige um olhar mais
profundo sobre todas as suas nuances e construções, mas, sobretudo, determina uma
disposição de ultrapassar o aparente numa perspectiva de desmistificar tabus, estigmas,
discriminações e preconceitos que formam os complexos controversos desse tema.
Essa questão perpassa pela discussão sobre a violência sexual, pobreza, mercado
sexual, exploração e autodeterminação das mulheres. Desse modo, é necessário revisar
preconceitos e pré-noções, se a intenção é fazer um diálogo responsável sobre o assunto,
mesmo que este não esteja isento de conceitos teóricos-políticos.
Corroborando, com Teixeira (2004 a), o fenômeno da prostituição traz no seu interior
diversas modalidades materializadas por características diferenciadas, sugerindo o uso do
termo prostituições, em face dessa multiplicidade de peculiaridades. Essas diferenciações de
sujeitos e histórias de vida compõem o mundo da prostituição, gerando olhares,
nomenclaturas e entendimento distintos, que a sociedade e elas têm de si e da atividade que
desenvolvem. Essas diferenciações também podem representar um hierarquia classificatória
que demarcar tanto o comportamento quanto o termo utilizado para se auto-definirem.
Existe uma distinção entre as prostitutas de luxo e baixa prostituição. A classificação
hierárquica geralmente associada à imagem, ao corpo e como desenvolve as atividades, ou
seja, entre as que trabalham nas ruas, dentro de boates ou através de agências. Sobre estas
últimas, geralmente intituladas garotas de programa ou acompanhantes, Morais observa:
Para continuar no mercado, as garotas precisam diferenciar-se por atributos
físicos e sociais. É necessário vestir as roupas da moda, conhecer os lugares
da moda. O culto à beleza e a preocupação com os ditames da moda fazem
parte do cotidiano dessas mulheres. Em uma sociedade em que "ser bonita" e
"estar bem vestida" são quase sinônimos de realização pessoal, sucesso e
felicidade fugir a esses padrões é uma ameaça às possibilidades de trabalho.
(MORAIS, 1995, p. 06)
Muitas mulheres exercendo a prostituição não concordam com o uso do termo
―prostituta‖ por considerá-lo depreciativo, associando-o àquelas mulheres que trabalham na
rua por pouco dinheiro, à pobreza, a marginalidade e ao uso de drogas. Nesse sentido, parecenos comum a divisão em grupos, seja por predicados físicos, de idade, financeiro e/ou
cultural.
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Sobre o aspecto financeiro, Beauvoir traz uma importante reflexão o significado do
dinheiro, sua força e influência, no universo da prostituição. Por outro lado, também assinalou
as condições de poder e violência que permeiam o universo que envolve muitas mulheres no
mundo, de forma a desnaturalizá-lo. A autora, também analisou as chamadas vedettes,
compreendendo que estas optavam pela prostituição para se autopromoverem. Dessa forma ―é
uma decisão de carreira e nesse caso, a profissão passa pelo corpo, obstáculo ou força, mas
sempre intermediário: a mulher é seu corpo.‖ (BEAUVOIR apud SWAIN, 2004, p. 55)
Nesse sentido, as vedettes utilizavam o argumento de prostituição como escolha e
estratégia para autopromoção. Mas a inserção das mulheres na prostituição nem sempre
significou, ou ainda significa, autopromoção ou glamour. Para muitas mulheres a prostituição
significa ―prostitutas pobres para clientes pobres‖ (MARQUÉZ, 2005), correspondendo à
humilhação e preconceito. Quiçá, por não se tratar, na maioria das situações, de um processo
exclusivo de escolha, envolvendo questões como a pobreza e falta de opção dentro de um
sistema econômico desigual. Portanto, o discurso sobre a autodeterminação e prazer das
mulheres pode existir em alguns casos, no entanto, ―a regra não deve ser norteada pela
exceção‖ (VIANNA, 2002).
Na concepção de Carole Patemam (1993), a prostituição é a sujeição do corpo das
mulheres pelo domínio unilateral masculino, não sendo o ato sexual uma relação prazerosa
entre iguais. Destarte, a prostituição seria apenas uma relação comercial e, nesse sentido, com
um comprador que leva vantagens, haja vista que é o detentor do dinheiro e,
consequentemente, determinador das circunstâncias. A prostituição legitima a exploração das
mulheres através da mercantilização dos seus corpos dentro de uma lógica perversa do
capitalismo onde tudo se transforma em mercadoria passível de compra e venda. Serve, ainda,
para reforçar a dominação masculina por meio da satisfação de suas necesssidades.
Ao concordar com essa reflexão, não se compreende a análise apenas pelo viés
estritamente econômico, ou mesmo de desconsiderar as condições de trabalho das mulheres,
sendo estas as condições costumeiramente mencionadas. Contudo, não se pode relevar que as
desigualdades econômicas impactam cruelmente sob a vida das mulheres, impossibilitando
muitos acessos, ocasionando privações das mais diversas, possibilitando a ―saída‖ pela
prostituição. Ainda, de acordo com Patemam (1993, p. 289), ―as prostitutas são o exemplo
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mais contundente do direito patriarcal que personifica essas mulheres como seres sexuais,
atribuindo a condição de mercadoria na sociedade capitalista‖.
A designação enquanto profissionais ou trabalhadoras do sexo, costumeiramente
usado, pode ter o propósito de camuflar suas contradições e naturalizar a prática, como sugere
Legardinier:
A questão ética levantada pela prostituição, que envolve a violação dos
direitos humanos é dissolvida na vicissitude do vocabulário, substituído pela
conotação ―trabalhador‖, que legitima a ideia superficial de uma profissão
como qualquer outra. (LEGARDINIER, 1998, p.01).
Desse modo, fica clara a intenção de dissimular uma aparente escolha a partir do livre
consentimento do uso do corpo, atrelando conceitos como liberdade e pertencimento para
esvaziar os aspectos de violência, marginalização e preconceitos que constituem esse
universo.
Igualmente, o contexto de estigmas e moralismo que envolve essas mulheres reforça o
complexo de negligências a que estão submetidas, subvertendo, por vezes, o sentido de
dominação em que as mulheres estão condicionadas ao longo da história. Consequentemente,
o Estado se desresponsabiliza de desenvolver políticas públicas que incidam qualitativamente
na vida dessas mulheres sob o argumento de que perpassam pela regulação ou não desse
sistema.
Prostituição e sistemas jurídicos.
Atualmente existem três sistemas estabelecidos, embora nos últimos anos, pela
influência da posição dos países nórdicos sobre a prostituição, há quem já mencione um
quarto sistema.
Considerando a prostituição um crime a ser erradicado, o sistema proibicionista
condena todas/os as/os envolvidas/os: prostituta, cafetão e cliente. Permanece forte nos
Estados Unidos da América, China e países do leste europeu. Esse modelo é considerado o
mais conservador dentre os sistemas jurídicos. As principais críticas feitas a ele perpassam
pela avaliação de que além de não eliminar a prostituição, favorece a clandestinidade, expõe
as mulheres a situações de violência e, por vezes, as coloca em risco nas mãos de redes que
também têm associação com crimes. São os setores mais conservadores e puritanos da
sociedade que defendem.
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Apoiado por algumas correntes do feminismo, o sistema abolicionista considera a
prostituição uma expressão da violência contras as mulheres. Não sendo para a maioria uma
questão de opção, entende que a prostituição impacta na liberdade e dignidade das mulheres.
Nessa perspectiva as prostitutas seriam vítimas de um processo de exploração e, nesse caso, a
alternativa perpassa pela reintegração dessas mulheres à sociedade através de outros
trabalhos. A condenação, nessas circunstâncias é para aquelas/es que exploram a prostituição
e praticam o rufianismo.
O Brasil e a maior parte dos países da Europa enquadram-se nesse sistema. A crítica
feita é que as feministas, ao defender ao modelo abolicionista acabariam, mesmo a
contragosto, unindo-se com outras posições moralistas de setores conservadores da sociedade.
O modelo regulador considera a prostituição é um fenômeno irreversível e inerente à
vida de algumas mulheres na sociedade e, por essa razão, deve ter suas consequências
diminuídas para evitar maiores danos. Portanto, acredita que sendo regulamentado pelo
Estado haveria o cumprimento das regras. A prostituição seria uma atividade comercial entre
a prostituta que presta os serviços, o cliente que demanda e paga por ele, contando com a
possibilidade de negócio agenciado. Não há penalização de nenhuma das partes envolvidas,
desde que os limites sejam cumpridos. Áustria e Grécia são alguns exemplos de países que
têm esse modelo numa versão considerada mais tradicional, tendo o controle do estado
mediante algumas determinações, inclusive os registros e obrigações de exames periódicos.
A variação compreendida como mais moderna institui um enquadramento legal,
estabelecendo-lhes direitos e também deveres, acessam as políticas públicas como a saúde e a
seguridade social, pagando também impostos. A Holanda e a Alemanha praticam esse
sistema. A crítica feita a essa proposta, perpassa pela análise de que a prostituição não é uma
escolha para a maioria das mulheres, sendo esse formato, um fomentador da exploração das
mulheres e de suas imagens como objetos sexuais do prazer masculino.
Mais recentemente fala-se de um novo sistema, o "novo abolicionismo do século
XXI". Suscitado pela Suécia, esse modelo propõe a erradicação de todo o sistema que sustenta
a prostituição com a condenação dos agenciadores da exploração sexual comercial e
penalização dos clientes. Esse sistema visibiliza a figura os clientes, sob a compreensão de
que se eles não demandassem os ―serviços‖, não haveria a prostituição. Por tratar-se de uma
proposta mais recente, ainda não se tem uma avaliação mais precisa sobre essas medidas,
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contudo, os críticos a esse modelo afirmam haver um aumento da clandestinidade,
ocasionando sérias implicações e riscos para as mulheres, além da procura por prostituição
noutros países.
2. Prostituição e tráfico de mulheres, mais do mesmo?
Atualmente vivenciamos um processo crescente de ampliação do chamado comércio
sexual, dentre suas múltiplas consequências, o tráfico de mulheres para fins de exploração
sexual comercial tem sido uma das mais graves. Submetidas a condições análogas à
escravidão, as mulheres em situação de tráfico passam por um processo de violação de
direitos, donde o consentimento ou a prática da prostituição não deveriam ser condicionantes
para a criminalização.
Em 1998, um Relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) recorreu para
o reconhecimento econômico da indústria sexual como estratégia de controle do crime
organizado e dos abusos praticados. Este relatório foi duramente atacado com os argumentos
de que essa legitimação induziria os governos a não investir em trabalhos dignos para as
mulheres, além de fortalecer a concepção das mulheres como objeto sexual e reforçar as
desigualdades de gênero.
Com o avanço da tecnologia, as redes sociais, o acesso a passagens e a mundialização
do capital, o comércio internacional de mulheres para fins de prostituição se ampliou. Além
disso, o turismo para fins sexuais nos países pobres também é uma realidade, facilitando as
condições para a prática do tráfico de mulheres para esse fim.
Também em países europeus, o mercado sexual é uma atividade crescente. Estima-se
que na Holanda cerca de metade das mulheres que vivem da prostituição em Amsterdã sejam
estrangeiras, advindas, principalmente, da América Latina e leste europeu.
A ligação entre tráfico de mulheres e prostituição existe. Segundo a Organização
Internacional do Trabalho quase 80% das mulheres traficadas são destinadas à prostituição,
embora nem todo o tráfico de pessoas seja para esse fim.
Ainda que prostituição e tráfico de pessoas sejam fenômenos diferentes, no que se
refere às mulheres, têm intrínseca relação, exigindo uma discussão aprofundada sobre onde se
complementam e se distinguem. Fato é que os movimentos de mulheres e feministas têm
dificuldade de tratar sobre essas questões com a profundidade que elas necessitam.
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Conforme Kampadoo (2005), a indústria do sexo mundial realiza a exploração sexual
do corpo das mulheres por meio de trabalho escravo, violando a integridade corporal e os
direitos das mulheres, submetendo-as a uma espécie de escravidão sexual. A mulher se torna
reconhecida como mercadoria, sendo então comercializada. É importante ressaltar que, neste
caso, ―não se trata de prostituição, mas sim, da exploração do corpo feminino para o mercado
internacional do sexo‖, conforme as palavras de Agustín (2005).
O tráfico de mulheres para fins de exploração sexual é uma realidade em expansão e
sobre a qual ainda pouco sabemos. Tratando-se de um crime velado, principalmente nessa
circunstância, envolve preconceitos e moralismos. Não se trabalha com um número preciso de
vítimas, muito menos de redes e sua dinâmica. Todavia, encontram-se vítimas, ou alguém que
conhece uma, facilmente. E assim percebemos que já não é tão oculto assim.
De acordo com Piscitelli (2008), uma das dificuldades encontradas por quem se
aventura a pesquisar a temática do tráfico humano, especialmente o de mulheres, está nas
diferentes definições do tráfico de pessoas. Isto porque:
a formulação, harmonização e implementação de normativas legais relativas
ao tráfico de pessoas têm lugar num cenário de embates políticos, nos quais
há desencontros e articulações entre as lógicas normativas que orientam
ações de diferentes grupos de interesse. (PISCITELLI, 2008, p. 34).
Levando em conta a dificuldade apontada pela autora, consideramos o conceito de
tráfico utilizado atualmente pelas normativas internacionais, a partir do Protocolo de Palermo,
que define o tráfico de pessoas da seguinte forma:
O tráfico de pessoas é o recrutamento, transporte, a transferência, o
alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da
força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso
de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de
pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que
tenha autoridade sobre outra para fins de exploração.(PALERMO, 2000)
Uma das questões polêmicas nesse Protocolo foi a discussão do consentimento para
mulheres e homens adultas/os, haja vista que para menores de 18 anos tal consentimento é
irrelevante para configuração de crime de tráfico. O crime de tráfico só é imputado quando a
vítima sofre alguma forma de ameaça, coerção, fraude, abuso de poder ou situação de
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vulnerabilidade bem como a oferta de vantagens para quem tenha autoridade sobre outrem.
(CASTILHO, 2008, p. 11)
O Protocolo de Palermo aponta, também, que os países membros têm a obrigação de
garantir serviços de assistência às vítimas do tráfico para fins de exploração e mecanismos de
denúncia. Mas, na prática a segurança da vítima só é garantida quando esta se dispõe a
testemunhar contra o tráfico, caso contrário, a matéria prevê muito pouco para garantir os
direitos humanos das pessoas traficadas que não aceitam testemunhar. O Protocolo de
Palermo (2000) foi promulgado no Brasil por Decreto Presidencial em 12 de março de 2004 e
serve de referência legal para o enfrentamento do tráfico de pessoas para fins de exploração.
Por conta disso, apresenta-se a necessidade de que todo material envolvendo a
problemática do tráfico de mulheres defina sob quais conceitos tratará as questões relativas à
prostituição, de forma a evitar que incorra no risco constante de se confundir o caso de
mulheres que migram voluntariamente com a finalidade de exercer a atividade de prostituição
em outros lugares (no próprio país ou no estrangeiro) com casos de tráfico.
Ainda em virtude do dissenso existente entre os movimentos de mulheres e feministas
sobre os temas tráfico de mulheres, exploração sexual e prostituição forçada, bem como da
dificuldade da legislação em definir alguns conceitos, usaremos para fins desse estudo a
abordagem da questão do tráfico no mercado do sexo a partir da conceituação usada pela
Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre o trabalho escravo:
Toda forma de trabalho escravo é trabalho degradante, mas o recíproco nem
sempre é verdadeiro. O que diferencia um conceito do outro é a liberdade.
Quando falamos de trabalho escravo, falamos de um crime que cerceia a
liberdade dos trabalhadores. Essa falta de liberdade se dá por meio de quatro
fatores: a apreensão de documentos, a presença de guardas armados e ―gatos‖
de comportamento ameaçador, por dívidas ilegalmente impostas ou pelas
características geográficas do local que impedem a fuga. (SAKAMOTO,
2007)
Nesse sentido, acompanhamos o pressuposto de que não existe uma relação
automática entre a indústria do sexo e o tráfico de mulheres para fins de exploração sexual,
muito embora seja necessário reconhecer que há maior vulnerabilidade entre as prostitutas,
sobretudo daquelas que migram para o exterior, para serem alvo desse tipo de crime. Além
disso, ainda existe uma dupla estigmatização: a ilegalidade do processo migratório e às
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questões relativas à prostituição. Por essa razão é necessário fazer essa discussão tanto no
campo político, quanto na sociedade. Do contrário poderemos correr o risco de revitimizar as
mulheres.
3. “No Ceará não tem disso não”?
As condições de vida da população do Ceará, um dos estados mais pobres do Brasil e
com recente processo de industrialização, são marcadas pela precariedade advinda da falta de
oportunidades de emprego. Esse fato tem gerado há décadas significativos processos
migratórios para as regiões economicamente mais desenvolvidas ou em expansão,
respectivamente o caso do Sudeste e Sul, mas também de nichos de prosperidade no Norte do
país. Em período recente, quando assumiu o governo local uma fração moderna do
empresariado – tendo como liderança o atual senador Tasso Jereissati, que foi governador em
três momentos (1987-1990, 1995-1998 e 1999-2002) – tentou-se superar esse quadro de
pobreza por meio de estímulos à industrialização, ao agronegócio e ao setor de serviços, com
concentração no turismo. Neste último caso, o próprio governo cearense investiu amplamente
em propagandas no exterior, com ênfase nos atrativos recursos naturais dessa região com
extenso e belo litoral, mas também ressaltando nas campanhas publicitárias a beleza das
mulheres cearenses. Tudo isto, combinado, foi determinante para a constituição e progressiva
expansão de vasto mercado sexual, em cuja ponta dá-se o aliciamento de mulheres para fins
de tráfico de pessoas.
Construiu-se no Ceará, nesse cenário dos últimos anos vinte anos, uma ideologia da
publicidade, que era estimulada por órgãos governamentais e agências privadas de viagens,
que colocava o corpo da mulher como elemento de destaque, quando não o principal, no apelo
de atração do turista. Significa dizer que o próprio Estado, isoladamente ou corroborado por
empresas particulares, incentivou a formação de uma imagem do país associada ao servilismo
feminino e à permissividade erótica; no limite, passível à conivência com abusos, isto é, com
a exploração sexual da prostituição de crianças e adolescentes e o tráfico de mulheres para o
exterior.
O direcionamento da publicidade atraiu, então, para cidades como Fortaleza, em
número muito mais expressivo, homens solteiros e de meia idade, ávidos por sol, praia,
diversão e, evidentemente, mulheres todos os dias.
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Nesse contexto do turismo com fins sexuais, constata-se, portanto, a incidência de uma
gama diversificada de fatores que contribuem para o seu alastramento e, desse modo,
dificultam, sobremaneira, a repressão por parte dos organismos estatais e não estatais. A
repressão e mesmo a prevenção dessa realidade tornam-se, evidentemente, mais difíceis,
quando é o próprio poder político que a estimula por meio de uma irresponsável propaganda
para incentivar o turismo98.
O quadro socioeconômico aqui apresentado perfaz um relevante fator criminógeno,
uma vez que fornece o material humano para um bem sucedido aliciamento engendrado por
agentes ligados ao turismo para fins sexuais. De outra parte, a prostituição, no caso em que os
turistas são os clientes, é uma atividade extremamente mais rentável e de incessante demanda,
em comparação às minguadas opções de lazer, trabalho e renda que estão disponíveis às
mulheres e adolescentes das periferias pobres das cidades. Somado tudo isso à força do apelo
da sociedade de consumo e aos sonhos e desejos de uma vida melhor, constata-se que essas
jovens são mais facilmente atraídas para a rede do tráfico de mulheres.
Não obstante, frente a tais processos de alienação e exploração, as pessoas ainda
encontram formas de inserção no cenário socioeconômico, mesmo se deparando apenas com
brechas deixadas pela lógica excludente. Dessa forma, a discriminação entre mulheres e
homens, a marginalização das culturas locais, a precarização das relações de trabalho acabou
por criar realidades nas quais mulheres, sobretudo, as mulheres pobres encontram estratégias
de inclusão através do mercado de sexo.
O Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado
Transnacional, relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em especial
mulheres e crianças, conhecido como Protocolo de Palermo, foi ratificado pelo governo
brasileiro em 2004. O país comprometeu-se em seguir as recomendações internacionais de
enfrentamento ao tráfico de pessoas e àquelas relativas a todas as formas de exploração e
98
Um dos marcos que contribuiu para dar visibilidade à exploração sexual foi a Comissão Parlamentar de
Inquérito (CPI) da Exploração Sexual Infanto-juvenil, do Congresso Nacional, que realizou depoimentos e
diligências em todo o país no período de maio de 1993 a junho de 1994. O resultado desta CPI apresentou um
quadro de exploração sexual de mulheres e crianças com envolvimento de parte do trade turístico. O
enfrentamento a essa questão tornou-se prioridade a partir da pressão exercida pelos movimentos de defesa dos
direitos das crianças e adolescentes que no início trabalhavam isoladamente, mas que se organizaram em rede
nacional, em seguida, para atuar de forma mais efetiva; em 2001, em parceria com organismos governamentais,
impulsionaram a Pesquisa sobre o Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para fins de Exploração Sexual
-PESTRAF/2002.
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violência, a exemplo das recomendações do Comitê supervisor da Convenção sobre a
Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres – CEDAW e da
Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher,
―Convenção de Belém do Pará‖, de 1994.
Em 2003 a Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça e o UNODC
realizaram uma parceria com o fim específico de implementar o Programa Global de
Prevenção ao Tráfico Internacional de Mulheres para fins de Exploração Sexual. Tal projeto
teve vários objetivos, sendo um deles a instalação em quatro Estados brasileiros – Ceará,
Goiás, Rio de Janeiro e São Paulo, escritórios regionais no sentido de prevenir o tráfico de
pessoas e assistir às vítimas deste tipo de crime.
Houve uma grande preocupação com a conjuntura do Estado do Ceará, fato este que
levou à realização, em 2003, da Pesquisa sobre a Exploração Sexual Comercial de Crianças e
Adolescentes no Estado do Ceará. A pesquisa revelou que em todos os municípios existe a
exploração sexual comercial de crianças e adolescentes. Essa problemática no Ceará também
aparece em 2004, no relatório da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CMPI) da
Exploração Sexual no Brasil.
Desde a realização da PESTRAF em 2002, até a aprovação da Política Nacional de
Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas – PNETP em 2006, muitos ainda são os desafios para
uma efetiva atuação do Estado no enfrentamento ao tráfico de pessoas, ao turismo para fins
sexuais e o reconhecimento dessas problemáticas enquanto pautas importantes.
Por ser um estado com histórico de turismo para fins sexuais e exploração sexual de
mulheres, crianças e adolescentes, situação correlata ao tráfico de pessoas no Ceará foi
inaugurada, em abril de 2005, o Escritório de Enfrentamento e Prevenção ao Tráfico de Seres
Humanos, como parte do Programa Global de Prevenção e Combate ao Tráfico de seres
Humanos no Estado brasileiro. Em 2011, após incorporação às ações do Plano Nacional e
adequações necessárias, foram transformados em Núcleos de Enfrentamento ao Tráfico de
Pessoas.
O entendimento acerca do tráfico de pessoas para fins de exploração sexual, principal
modalidade do crime em nosso estado, deve ser pautado a partir dessa dicotomia de classe,
não se trata de um universo de opções, no qual há escolhas. As várias refrações da questão
social comungam para que esse caminho se torne a única via de ascensão social e econômica
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de mulheres que já sofrem com o preconceito de classe, raça/etnia, gênero, diversidade sexual
e geração. É nessa dimensão que deve ser entendido o tráfico para fins de exploração sexual
no Ceará: um estado com forte potencial natural, econômico e de mercado em expansão, mas,
com um alto índice de desigualdade social e pobreza.
4.
Considerações finais e não conclusivas
A prostituição se consolida em um sistema secular de dominação masculina sobre as
mulheres, reforçando as desigualdades de gênero. Nos dias atuais é uma questão ainda mais
complexa, considerando a diversidade de pessoas que a exercem e as múltiplas questões que
perpassam por esse universo.
O Brasil é uma referência no movimento pendular paradoxal que envolve a
prostituição entre a regulamentação e a criminalização. De um lado os governos têm
subsidiado as ações juntos as ―profissionais do sexo‖, por outro, se referencia na perspectiva
abolicionista no intuito de eliminar as práticas de prostituição.
O tráfico de mulheres para fins de exploração sexual comercial permanece enquanto
um fenômeno obscuro, tanto por abranger a exploração das mulheres, quanto pelo fato de
envolver o sexo, assunto oportunamente não tratado na sociedade.
Assim, o tráfico para fins de exploração sexual correlacionado com as práticas de
turismo para fins sexuais e a exploração das mulheres representa um grave problema, seja
pelos índices, seja pela complexidade que o mesmo se apresenta no território cearense. Não
obstante, também soa como alternativa às populações em situação de vulnerabilidade social e
pobreza e chega a movimentar milhões no mercado interno brasileiro. Haja vista que em
muitos casos amplia significativamente o poder de consumo das famílias de mulheres
traficadas e movimenta o comércio das cidades turísticas. A grande reflexão é qual o preço,
pobres, mulheres, negras, travestis, transexuais e crianças e adolescentes, precisam pagar para
que sejam garantidos direitos básicos que são de responsabilidade do Estado.
Segundo os dados da Organização Internacional do Trabalho, o número de mulheres
brasileiras traficadas para o exterior tem aumentado, como também o Brasil tem sido destino
para mulheres de países da América Latina. Conforme se constatou por meio do acesso às
mulheres que foram traficadas, a maioria viajou enganada com promessas de trabalho
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supostamente legais, infelizmente esta realidade não se comprovou. Foram obrigadas a se
prostituir, a jornadas abusivas de trabalho e a viver em condições miseráveis. (JESUS, 2003)
É real que parcela importante das mulheres que viajam sabe que irão se prostituir e
essa consciência e, consequente consentimento, provoca uma grande discussão em termos
jurídicos trazendo uma delicada situação no que se refere ao enfrentamento. Contudo, é
preciso considerar que independente de exercerem a prostituição no Brasil, ou mesmo de
saber que se prostituirão no exterior, as mulheres desconhecem as diversas situações de
exploração e violência a que estarão submetidos, pois se as conhecem, com certeza, não
haveria consentimento algum.
As abordagens sobre o tráfico de pessoas, em especial as mulheres, são muito
diferentes e trazem questões complexas necessitando, inclusive, de um discernimento mais
nítido sobre as condições e vulnerabilidades que envolvem as mulheres nessa situação. Esses
pontos precisam ser tratados com a profundidade, a delicadeza que a problemática requer, de
forma a possibilitar não só o entendimento, mas uma atenção efetiva por parte do Estado.
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PROTEÇÃO SOCIAL À PESSOA IDOSA NO BRASIL: trajetórias da Política
Nacional de Saúde da Pessoa Idosa.
Área temática: Justiça, direitos humanos e inclusão social
Sandra Maria Pontes Maia99
Carlos Alberto da Silva100
RESUMO: O processo de envelhecimento populacional e a proteção legal para o segmento idoso são
aspectos sociais relevantes que merecem destaque na análise da atual conjuntura brasileira. A proteção
social à pessoa idosa apresenta um cenário e uma trajetória nacional peculiar, refletida em um marco
legal que representa a formatação de um fenômeno histórico e social.Dentre as publicações recentes
mais relevantes na temática, ganha destaque a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (PNPSI),
sobre a qual o presente estudo ancora uma releitura da sua trajetória histórica tomando como base o
marco legal de maior expressividade, construído principalmente pelas Políticas de Saúde e de
Assistência Social no Brasil, juntas, tais políticas, representam as principais ferramentas de inclusão
social da pessoa idosa no Brasil.
Palavras-chave: Proteção Social. Política Pública. Idoso.
Introdução
O processo de envelhecimento populacional e a proteção legal para o segmento idoso
são aspectos relevantes que merecem destaque na análise da proteção social a pessoa idosa no
Brasil. Dentre as publicações recentes mais relevantes identifica-se a Política Nacional de
Saúde da Pessoa Idosa (PNPSI), sobre a qual ancoramos uma releitura da trajetória histórica
tomando como base o marco legal de maior expressividade para a temática.
No campo de proteção social ao idoso no cenário mundial foram instituídos
importantes dispositivos legais os quais iluminaram a legislação brasileira no tocante aos
direitos sociais para a pessoa idosa, no Brasil fazemosreferência à importância das garantias
conquistadas na Constituição Federal de 1988.
Há um roteiro histórico precedente à instituição da PNSPI, onde passamos a identificar
o percurso legal e seu entrelace até sua publicação, realizando uma revisão das principais
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iniciativas de base legal que propiciaram e originaram a referida política.
Reconhecemos que embora a legislação brasileira apresente-se como avançada, ainda
há dúvidas quanto à sua efetividade na prática. É primordial compreender que ter garantias
legais não assegura, necessariamente, a efetivação de uma política pública.
A proteção social à pessoa idosa apresenta um cenário e uma trajetória nacional
peculiar, refletida em um marco legal que representa a formatação de um fenômeno histórico
e social na realidade brasileira.
A portaria 2.528 de 19 de outubro de 2006, que aprovou a Política Nacional de Saúde
da Pessoa Idosa afirma ter por finalidade recuperar, manter e promover a autonomia e
independência dos indivíduos idosos, por meio da aplicação de medidas coletivas e
individuais de saúde, coerentes com os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde.
(BRASIL, 2006b)
A PNSPI representa atualmente um instrumento que reafirma a necessidade de superar
diversos desafios que incluem desde a escassez de estruturas, de cuidados, de suporte
qualificado até a necessidade de implementação de redes de assistência ao idoso. Passamos a
apresentar os principais marcos legais subjacentes à implantação da PNSPI.
Trajetórias da proteção social à pessoa idosa nas Políticas de Saúde e de
Assistência Social do Brasil
Dentre as publicações recentes mais relevantes na temática no Brasil, ganha destaque a
Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (PNPSI), sobre a qual o presente estudo ancora
uma releitura da sua trajetória histórica tomando como base o marco legal de maior
expressividade, construído principalmente pelas Políticas de Saúde e de Assistência Social no
Brasil, juntas, tais políticas, representam as principais ferramentas de inclusão social da
pessoa idosa no Brasil.
Iniciamos a discussão com o recorte histórico acerca do marco legal fazendo um
enfoque no cenário internacional. Em 1978 foi realizada na cidade de Alma-Ata a
Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde. Tal conferência focalizou a
necessidade da promoção da saúde de todos os povos do mundo, entendendo saúde não como
ausência de doenças, mas como um direito humano fundamental de completo bem-estar
físico, mental e social. (OPAS/OMS, 1978).
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A Declaração de Alma-Ata traz contribuições significativas para a conceituação dos
cuidados primários em saúde, deixa explícita a necessidade da intervenção nos problemas de
saúde como uma condição inexorável para o desenvolvimento social e econômico dos povos
mundialmente.
Em 1986 na cidade de Ottawa, Canadá, foi realizada a I Conferência Internacional
sobre Promoção da Saúde a qual originou uma Carta de Intenções, denominada de Carta de
Ottawa. A definição de promoção da saúde na Carta de Ottawa enfocou a conceituaçãoda
saúde em sentido amplo, como um recurso para a vida. Neste sentido considera-se
fundamental o conceito conforme a seguir:
―Promoção da Saúde é o nome dado ao processo de capacitação da comunidade para
atuar na melhoria de sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior
participação no controle deste processo. Para atingir um estado de completo bemestar físico, mental e social os indivíduos e grupos devem saber identificar
aspirações, satisfazer necessidades e modificar favoravelmente o meio ambiente. A
saúde deve ser vista como um recurso para a vida, e não como objetivo de viver.
Nesse sentido, a saúde é um conceito positivo, que enfatiza os recursos sociais e
pessoais, bem como as capacidades físicas. Assim, a promoção da saúde não é
responsabilidade exclusiva do setor saúde, e vai para além de um estilo de vida
saudável, na direção de um bem-estar global.‖(CARTA DE OTTAWA, 1986)
Com esta Conferência ficou claro o conceito de promoção de saúde enquanto
condições de proporcionar os meios para melhoria da saúde e exercer controle sobre ela,
tendo como principais requisitos a paz, educação, moradia, alimentação, renda, ecossistema
estável, justiça social e equidade para a consecução da saúde. As discussões e o conteúdo da
Carta de Ottawa utilizaram como pressupostos as recomendações da Declaração de Alma-Ata.
A Carta de Ottawa reforça a necessidade de atuação do setor saúde com outras áreas,
instalando a necessidade de construção de políticas públicas saudáveis. Assim configura-se
que a promoção de saúde vai além dos cuidados primários de saúde, anteriormente afirmados
em Alma-Ata. Então, pode-se afirmar que saúde está para além do setor saúde e que as
políticas públicas de saúde somente alcançam êxito quando observadas e executadas
juntamente à outras políticas públicas.
O Plano de Ação Internacional sobre o Envelhecimento, aprovado na I Assembléia
Mundial sobre o envelhecimento, realizada em Viena, ―orientou o pensamento e a ação sobre
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o envelhecimento durante os últimos vinte anos, na formulação de iniciativas e políticas de
importância crucial‖ (ONU, 2003)
Em 2002 foi realizada em Madri a II Assembléia Mundial sobre o Envelhecimento. As
deliberações da Assembléia foram substanciais para o reconhecimento da pessoa idosa como
sujeito de diretos, destacando o caráter decisório de adotar um Plano de Ação Internacional
sobre o Envelhecimento, com ―três direções prioritárias: idosos e desenvolvimento, promoção
da saúde e bem-estar na velhice e, ainda, criação de um ambiente propício e favorável.‖
(ONU, 2003)
Ainda no Plano de Madri, além de uma declaração política, fazem-se recomendações
para adoção de medidas para pessoas idosas e desenvolvimento, temas propostos em 2002 que
são ainda atuais e fazem parte do contexto do processo de envelhecimento, dentre os quais
envolvem:a participação ativa de idosos na sociedade, no emprego, no desenvolvimento rural,
no acesso ao conhecimento, a solidariedade intergeracional, a erradicação da pobreza e a
proteção social.
No Plano de Madri de 2002 reafirma-se a contribuição histórica de eventos anteriores,
visto que as I e II Assembléias Mundiais sobre o envelhecimento foram eventos
importantíssimos para a população idosa do mundo inteiro, ao servir de bases para a
elaboração de marcos legais posteriores, incluindo-se aqui a PNSPI. (MAIA, 2010)
No marco legal nacional faz-se um recorte cronológico com a Constituição Federal de
1988. Em seu Título VIII, da Ordem Social, Capítulo II, da Seguridade Social, o artigo 194
determina que ―a seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa
dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os diretos relativos à saúde, à
previdência e à assistência social.‖ (BRASIL, 1988).
As três áreas, saúde, previdência e assistência social são integrantes do que se
denomina o tripé da seguridade, que devem ser organizados com objetivos definidos nos
termos da lei e, em linhas gerais, de modo a garantir a universalidade, equivalência da
população urbana e rural, seletividade e distributividade, equidade de custeio, caráter
democrático e descentralizado da gestão administrativa, a participação da comunidade,
especialmente de trabalhadores, empresários e aposentados.(BRASIL, 1988).
A responsabilidade do poder público para com a saúde do cidadão reafirma a primazia
do Estado. Esta preconização é de suma importância para a compreensão da temática da saúde
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como um bem que é de responsabilidade do indivíduo e da sociedade, não um bem enquanto
dádiva, mas como um direito revestido de obrigatoriedade pública do Estado. (MAIA, 2010)
Conforme a Seção II, da Constituição de 1988, no artigo 196 a saúde é determinada
enquanto ―direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal
e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.‖ (BRASIL,
1988).
No artigo 197 da Constituição de 1988 é determinado que as ações e serviços públicos
de saúde são de relevância pública, e que a regulamentação, fiscalização e controle cabem ao
Poder Público. Neste sentido a implantação e manutenção do Sistema Único de Saúde - SUS e
de acordo com os preceitos deste instrumento, traz para o Poder Público a primazia da
responsabilidade do Estado pela saúde da população. (BRASIL, 1988)
A Lei nº 8.080 de 19 de setembro de 1990 regulamentou o Sistema Único de Saúde
(SUS)que dispõe sobre as condições para o sistema de saúde em todo o território nacional.
Conforme o artigo 5º, da Lei nº 8.080 são objetivos do Sistema Único de Saúde (SUS):
identificar e divulgar os fatores condicionantes e determinantes da saúde, formular políticas
de saúde para promover condições que assegurem o acesso universal e igualitário à saúde, e
assistir a população com a realização integrada das ações assistenciais e preventivas.
(BRASIL, 1990)
As diretrizes do SUS correspondem à: descentralização, atendimento integral e
participação da comunidade, as quais foram estabelecidas no artigo 198 da Constituição
Federal de 1988. Neste sentido as ações e serviços e saúde, desde a definição constitucional,
devem estar orientados para a integração da saúde em uma rede regionalizada e hierarquizada.
Ressalta-se que em 1986, a VIII Conferência Nacional de Saúde em 1986, contou com
as idéias do movimento sanitarista vivenciado no Brasil desde a década de 1970, colaborando
para a garantia na Constituição de 1988 na instituição do SUS, o qual só foi regulamentado
dois anos depois, prazo elástico, considerando-se a efervescência dos movimentos sociais
evidenciados naquela época. (MAIA, 2010)
A Constituição de 1988 considera que a Assistência Social será prestada a quem dela
necessitar, sendo política não contributiva, considerando seus objetivos a proteção à família, à
maternidade, à infância, à adolescência, à velhice. (BRASIL, 1988)
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Somente em 1993, foi aprovada a Lei nº 8.742, a Lei Orgânica da Assistência Social
(LOAS) que traz em seu artigo 1º que ―A assistência social, direito do cidadão e dever do
Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais,
realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para
garantir o atendimento às necessidades básicas.‖ (BRASIL, 1993).
A LOAS garante o pagamento mensal de um salário mínimo à pessoa portadora de
deficiência e ao idoso que não tenham meios comprovadamente de prover sua manutenção
própria ou por seus familiares. O benefício denominado de Benefício de Prestação Continuada
(BPC) concedido mensalmente compõe a proteção social básica, com atendimento direto ao
público beneficiário. O BPC deverá passar por um processo de revisão a cada dois anos, para
verificar as condições do beneficiário, para a manutenção ou suspensão do mesmo.
Embora tenha sido aprovada em 1993, cinco anos após a promulgação da Constituição
Federal de 1988, foi um instrumento fundamental na efetivação de direitos para os idosos no
Brasil. Vale ressaltar também que embora a garantia legal, os primeiros pagamentos do
benefício só iniciaram em 1996.
É indiscutível a importância do BPC para a vida das pessoas idosas no Brasil, e
também, para suas famílias. É um direito que garante ao idoso uma melhoria na condição de
vida dessas pessoas e da redução da vulnerabilidade e risco social desse segmento.
Aprovada pelo Conselho Nacional de Assistência Social, em plenária datada dos dias
15 e 16 de dezembro de 1998 a Política Nacional da Assistência Social (PNAS) se constitui
em arcabouço de proteção e inclusão social da população idosa, garantindo em seus termos o
acesso a bens e serviços emanados das políticas públicas.
A PNAS propõe ―princípios, diretrizes e estratégias que norteiam as ações de
enfrentamento à pobreza, que visam à redução das desigualdades sociais e das disparidades
regionais fortemente presentes na história de nosso país.‖ (CNAS, 1998, p. 8).
Um fator determinante da importância da PNAS é a definição dos seus destinatários.
Dentre eles estão incluídas as pessoas idosas, reconhecidas como prioridade por estarem em
conformidade com:
―a) condições de vulnerabilidade próprias do ciclo de vida, que ocorrem,
predominantemente, em crianças de zero a cinco anos e em idosos acima de sessenta
anos;
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b) condições de desvantagens pessoal resultantes de deficiências ou incapacidades,
que limitam ou impedem o indivíduo no desempenho de uma atividade considerada
normal para sua idade e sexo, face ao contexto sócio-cultural no qual se insere.‖
(CNAS, 1998, p. 56).
A PNAS constitui um elemento importante na análise da conjuntura do marco legal de
proteção ao idoso porque reafirma, primeiramente, os preceitos constitucionais e reforça a Lei
Orgânica da Assistência Social (LOAS), além de apresentar a perspectiva de articulação de
políticas sociais e econômicas com vistas ao desenvolvimento integrado dos seus
beneficiários, aqui incluídos as pessoas idosas.
Com a PNAS destaca-se a afirmação de um novo paradigma da assistência social
centrado na cidadania, observando a complexidade dos fatores que envolvem os seus
destinatários, as ações da assistência social devem ser integradas com as demais políticas
públicas, obedecendo às funções de inserção, prevenção, promoção e proteção voltadas para
os destinatários, superando o caráter culturalmente determinado do assistencialismo e
clientelismo da assistência social, reafirmando-a como política pública e no enfoque de
direitos.
A PNAS pode destacar-se a partir de seus objetivos com: a inclusão dos destinatários
da assistência social com garantia de acesso aos bens e serviços sociais básicos; a
matricialidade da família como principal referencial para o desenvolvimento integral dos
destinatários; a contribuição para a melhoria das condições de vida e de cidadania das
populações excluídas; e o estabelecimento de diretrizes que orientem planos, benefícios,
serviços programas e projetos de assistência social com a afirmação dos valores democráticos
implícitos na Política.
Em 2003 foi instituído o Estatuto do idoso destinado a regular os direitos assegurados
às pessoas idosas, com idade de sessenta anos ou mais. Em seu artigo 3º, o Estatuto do Idoso
define que:
―É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder público assegurar
ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à
liberdade, a dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.‖
(BRASIL, 2003).
O Estatuto reafirma o idoso como sujeito de direitos de cidadania, sendo este da
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responsabilidade da família, da sociedade e do estado, além de rejeitar toda forma de
discriminação e marginalização, o considera como sujeito de relações e único, levando a cabo
que programas e serviços devem obedecer a critérios próprios às dimensões do processo de
envelhecimento.
A publicação do Estatuto do Idoso causou uma repercussão positiva na sociedade
brasileira, tanto que o dia do idoso passou a ser comemorado no dia 1º de outubro, em
homenagem à data da aprovação do referido Estatuto. Além de ocorrer o reconhecimento por
parte da sociedade brasileira, o próprio idoso também estabeleceu uma relação de intimidade
e de valorização do instrumento legal, o que se interpreta como indicativo de legitimidade do
Estatuto do Idoso junto à população idosa. (MAIA, 2010)
Para além dos avanços significativos do Estatuto do Idoso no que diz respeito ao
reconhecimento social e cultural do idoso como sujeito de direitos, também foi relevante o
corte cronológico para a concessão do BPC. Na Lei nº 8.742, a LOAS, foi considerado o
critério de 70 anos de idade, mas a Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, o marco
cronológico para pagamento do BPC foi reduzido para 65 anos de idade.
Vale ressaltar que o país conta hoje com o Sistema Único de Assistência Social
(SUAS) que inegavelmente representa avanços na consolidação de direitos dos beneficiários
da assistência social, e aponta o idoso como público prioritário, em busca da inclusão social e
da cidadania deste público.Para trazer com precisão temos:
―O SUAS, cujo modelo de gestão é descentralizado e participativo, constitui-se na
regulação e organização em todo o território nacional das ações socioassistenciais.
Os serviços, programas, projetos e benefícios têm como foco prioritário a atenção às
famílias, seus membros e indivíduos e o território como base de organização, que
passam a ser definidos pelas funções que desempenham, pelo número de pessoas
que deles necessitam e pela sua complexidade. Pressupõe, ainda gestão
compartilhada, co-financiamento da política pelas três esferas de governo e
definição clara das competências técnico-políticas da União, Estados, Distrito
Federal e Municípios, com a participação e mobilização da sociedade civil, e estes
têm o papel efetivo na sua implantação e implementação.‖ (BRASIL, 2005).
Em 2006 temos uma publicação extremamente importante: ―Pacto pela Vida, em
Defesa do SUS e de Gestão‖ onde preconiza a atenção à Saúde do Idoso como uma das ações
prioritárias. Este instrumento foi fruto de discussões e reflexões envolvendo as diversas áreas
do Ministério da Saúde e Conselhos de gestores, sendo aprovado no Conselho Nacional de
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Saúde em 2006.
No Pacto pela Vida são referidas as diretrizes sob as quais as ações e serviços de saúde
para a pessoa idosa devem ser desenvolvidos, entre elas: a promoção do envelhecimento ativo
e saudável, com atenção integral e integrada, estímulo às ações intersetoriais, acolhimento da
pessoa idosa, provimento de recursos capazes de assegurar as diversas ações, além de toda a
logística que requer o desenvolvimento adequado do trabalho, incluindo capacitação,
divulgação e informação, formação profissional e promoção de estudos e pesquisas.
(BRASIL, 2006a)
A partir da aprovação do ―Pacto 2006‖ foi elaborada a Política Nacional de Saúde da
Pessoa Idosa (PNSPI), através da portaria nº 2.528, em 19 de outubro de 2006, três anos após
a instituição do Estatuto do Idoso.
Em sua justificativa, para aprovação da Política,expõem-se três fatores: primeiro a
necessidade do setor saúde dispor de uma política atualizada com relação à saúde do idoso,
segundo por considerar a aprovação do Pacto pela Saúde 2006, e, por fim, devido a pactuação
da Política na reunião da Comissão Intergestores Tripartite e a aprovação pelo Conselho
Nacional de Saúde. (BRASIL, 2006b)
A finalidade da Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa em seu texto corresponde
a:
―recuperar, manter e promover a autonomia e a independência dos indivíduos
idosos, direcionando medidas coletivas e individuais de saúde para esse fim, em
consonância com os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde. É alvo da
Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa todo cidadão e cidadã brasileiros com 60
anos ou mais de idade‖(BRASIL, 2006b)
Como justificativas principais a PNSPI assinalam dois pontos primordiais: o primeiro
refere-se ao grande desafio do envelhecimento populacional em condições de desigualdades
sociais e de gênero, o segundo ponto diz respeito à contextualização da necessidade de
oferecer resposta às demandas das pessoas idosas mais frágeis dentro da população de maior
risco de vulnerabilidade.
As Diretrizes da PNSPI correspondem nas linhas gerais às orientações constantes no
Pacto pela saúde 2006 quanto à prioridade à saúde do idoso. Na PNSPI cada alínea abaixo
citada é delineada e orientada em pormenores, facilitando o entendimento, traçando linhas
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norteadoras da implantação e reorientação das ações e serviços para a pessoa idosa em todo o
território nacional:
―a) a promoção do envelhecimento ativo e saudável;
b) atenção integral, integrada à saúde da pessoa idosa;
c) estímulo às ações intersetoriais, visando à integralidade da atenção;
d) provimento de recursos capazes de assegurar qualidade da atenção à saúde da
pessoa idosa;
e) estímulo à participação e fortalecimento do controle social;
f) formação e educação permanente dos profissionais de saúde do SUS na área de
saúde da pessoa idosa;
g) divulgação e informação sobre a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa para
profissionais de saúde, gestores e usuários do SUS;
h) promoção de cooperação nacional e internacional das experiências na atenção à
saúde da pessoa idosa;
i) apoio ao desenvolvimento de estudos e pesquisas.‖ (BRASIL, 2006b).
Considerações finais
A legislação brasileira avançou significativamente no campo da proteção social ao
segmento idoso. Garantias afirmadas pela Constituição Federal de 1988 foram consolidadas
com a Lei Orgânica de Assistência Social, com o Estatuto do Idoso, com a Política Nacional
de Saúde da Pessoa Idosa. Estas, entre outras publicações, estabelecem no cenário nacional
prerrogativas legais que asseguram ao idoso tratamento enquanto ser de responsabilização e
beneficiário do Poder Público, portanto, alvo de políticas públicas que possibilitem minorar as
dificuldades e melhorar as condições de vida desta população.
Inegavelmente a legislação brasileira é avançada no que se refere à população idosa,
porém não se tem a mesma certeza quando se refere à execução, à prática. Levanta-se um
questionamento sobre a confluência ou a dicotomia da base legal com a concretização dos
direitos da pessoa idosa nas práticas das políticas de saúde e de assistência social, entre outras
políticas públicas no Brasil.
Com base no cenário nacional podemos apontar que a ausência de um sistema de
informações, uniforme e sistematizado, além danão obrigatoriedade de dotação orçamentária
para ações voltadas para a pessoa idosa nas esferas de governo nas três esferas de governo,
indicauma dificuldade estrutural para estabelecer,minimamente, uma coerência interna de
serviços e ações, principalmente, porque o trabalho realizado em unidades administrativas
distintas, conforme necessidades específicaspodem ocorrem sem a articulação necessária.
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Estes aspectos, associados ou isoladamente, constituem impeditivos para o
desenvolvimento satisfatório de políticas públicas capazes de atender às reaisnecessidades da
população idosa. Esta realidade vivenciada nos municípios brasileiros favorece a
improvisação de ações, o estabelecimento de processos ou ações sobrepostos ou
desarticulados entre si, ou ainda a não realização das ações específicas necessárias ao
atendimento da população idosa.
Fundamental neste processo de construção da proteção social a pessoa idosa no Brasil,
constitui-se a sensibilização e capacitação para a ação de profissionais que compõem equipes
multidisciplinares, tais como em: Centros de Referência de Assistência Social (CRAS),
Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS), Unidades Básicas de
Saúde, Estratégia Saúde da Família (ESF), Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF),
Centros de Apoio Psicossocial (CAPS) entre outros.
A proteção social a pessoa idosa, diante deste cenário, desta trajetória nacional e da
elaboração de um marco legal, representa a formatação de um fenômeno histórico e social,
construído a partir de embates e consensos entre grupos que, diuturnamente, constroem,
reconstroem e operacionalizam, principalmente, a Política de Saúde e a Política de
Assistência Social no Brasil.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988.
______. Conselho Nacional de Assistência Social. Política Nacional da Assistência Social.
Brasília. 1998.
______. Portaria do Gabinete do Ministro de Estado da Saúde de n° 1395, de 9 de dezembro
de 1999, que aprova a Política Nacional de Saúde do Idoso e dá outras providências. Diário
Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, n° 237-E, pp. 20-24,., seção 1, 13 dez
1999.
______. Ministério da Saúde. Estatuto do Idoso / Ministério da Saúde. –1. ed., 2ª reimpr. –
Brasília: Ministério da Saúde, 2003.
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______. Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Política Nacional de
Assistência Social. Brasília, 2004
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Assistência Social (SUAS). Brasília, 2005
______. Ministério da Saúde. Diretrizes operacionais dos Pacto pela Vida, em defesa do
SUS e de Gestão. 1. Ed. Brasília, 2006a.
______ . Ministério da Saúde. Portaria 2.528 de 19 de outubro de 2006. Política Nacional de
Saúde da Pessoa Idosa. Brasília, 2006b.
MAIA. Sandra Maria Pontes. Avaliação da Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa na
Gestão Municipal de Fortaleza-CE. Universidade Federal do Ceará. UFC. Dissertação de
Mestrado, Fortaleza, 2010.
NAÇÕES UNIDAS. Plan de Acción Internacional sobre el Envejecimiento. Madrid,
Espanha, 2002 (Resolución 57/167).
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OPAS/OMS. Declaração de Alma-Ata. Conferência Internacional sobre Cuidados Primários
em Saúde. 1978. Disponível em: http://www.opas.org.br. Acesso em: 12 abril. 2013.
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RECURSOS PEDAGÓGICOS PARA O ACESSO À LECTOESCRITA POR ALUNOS
COM DEFICIÊNCIA VISUAL: PERSPECTIVAS DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA
Thaisa da Silva Fonseca101
Ellayne Karoline Bezerra da Silva102
Nadja Carolina de Sousa Pinheiro Caetano 103
RESUMO: O presente artigo analisa a produção científica sobre a utilização de recursos pedagógicos
para o acesso à lectoescrita por alunos com deficiência visual, como um meio de empoderar os
profissionais que diretamente ou indiretamente atuam com estes sujeitos, de forma a efetivar as
políticas públicas direcionadas aos mesmos. Os dados analisados orientam para o aprimoramento
destas políticas e para a ampliação dos direitos humanos, transpondo a histórica perspectiva
excludente e estigmatizadora para então concretizar o Estado Democrático Brasileiro.
PALAVRAS-CHAVE: Alfabetização. Deficiência Visual. Políticas públicas.
1 INTRODUÇÃO
A escola constitui-se um espaço amplo de socialização que busca favorecer experiências e a
produção de conhecimento para a vida, integrando crianças e jovens às principais redes sociais
importantes para sua formação (Conselho Federal de Psicologia, 2013). Dentro do contexto escolar, a
alfabetização apresenta-se como um momento importante no desenvolvimento infantil, pois a partir do
acesso à lectoescrita (leitura e escrita), a criança passa a ter um maior domínio pelo ambiente em que
vive e, conseqüentemente, propicia autonomia e o aperfeiçoamento de demais habilidades.
Diante disto, o professor possui um importante papel para o desenvolvimento destas
habilidades que levarão ao acesso e domínio da lectoescrita. Com a implantação de políticas públicas
de ampliação ao processo de escolarização, oriundos dos movimentos sociais mundiais e nacionais de
melhoria da qualidade de vida, as pessoas com deficiência passaram a ter garantido por direito o
acesso ao estudo na rede regular de ensino. O movimento pela educação inclusiva, garantia de acesso à
educação às pessoas com deficiência e grupos considerados minoritários, reorganizou o cenário da
101
Graduanda do curso de Bacharelado em Psicologia pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI). Bolsista do
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – PIBIC/UESPI. Telefone: (86) 8874-4714. E-mail:
[email protected].
102
Assistente Social graduada pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Mestranda em Políticas Públicas na
Universidade Federal do Piauí (UFPI). Telefone: (86) 8808-6726. E-mail: [email protected].
103
Psicóloga, Professora do Curso de Psicologia da Universidade Estadual do Piauí (UESPI). Doutoranda e
Mestre em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Telefone: (86) 99879099. Email: [email protected]
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educação e orientou para uma nova realidade (MENDES, 2006). O professor deparou-se com
dificuldades acerca do atendimento a essa demanda, principalmente no que diz respeito ao
direcionamento de suas práticas. Um dos caminhos propostos pela literatura é o foco na utilização de
estratégias que facilitem o acesso dos alunos com deficiência ao currículo escolar. Neste artigo
apresenta-se os recursos pedagógicos utilizados por alunos com deficiência visual.
2 ALFABETIZAÇÃO
A alfabetização corresponde ao processo de desenvolvimento da capacidade de ler
com fluência e compreender globalmente o sentido do texto, localizar informações, fazer
inferências e formular hipóteses sobre o conteúdo do texto, por exemplo, escrever de forma
legível e compreensível um pequeno texto (ROSA NETO; XAVIER; SANTOS, 2013).
A alfabetização possibilita à criança um maior domínio do ambiente em que vive, e
consequentemente, uma maior autonomia, o que é de extrema valia para o desenvolvimento
infantil. No entanto, é necessário o desenvolvimento de habilidades que culminem à
alfabetização, sendo oportuno, também, que o meio e os profissionais que atuem neste
processo forneçam as condições necessárias, de modo que se retirem as barreiras existentes,
físicas e atitudinais, e juntamente a isto, efetive-se as políticas públicas direcionadas a este
público, como uma forma de superar a estigmatização social.
A aprendizagem da lectoescrita em crianças vem sendo amplamente estudada por
pesquisadores de diversas áreas do conhecimento, tendo em vista que ler e escrever são
habilidades compostas por múltiplos processos interdependentes, geralmente representados
por modelos de processamento de informações, tais como memória, atenção, percepção,
dentre outros. Além disto, o ensino-aprendizagem na alfabetização envolve habilidades
cognitivas e motoras que exigem dos alunos o uso dos componentes sensório-motores e
perceptivos, ou seja, a capacidade de decodificação das palavras e a ação motora adequada no
ato de escrever (ROSA NETO; XAVIER; SANTOS, 2013).
O processo de alfabetização apresenta-se diferenciado quando diz respeito a crianças
com deficiência devido às especificidades que cada deficiência apresenta. A implantação de
políticas públicas orientadora para o acesso de pessoas com deficiência à rede regular de
ensino e ao currículo escolar chamou a atenção do mundo para a necessidade de adequação
curricular e utilização de estratégias que possam garantir esse direito. O conhecimento destas
políticas públicas e utilização de recursos pedagógicos no processo de alfabetização do aluno
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com deficiência visual podem ser elementos essenciais para garantir o empoderamento do
professor que atua com esse público.
3 POLÍTICAS PÚBLICAS E INCLUSÃO ESCOLAR
Inicialmente, faz-se necessário entender o conceito de políticas públicas para só então
adentrar aos avanços das políticas públicas direcionadas à inclusão escolar.
A definição de políticas públicas não é única, nem tampouco exclusiva. No entanto,
entende-se como mais pertinente o conceito de Mead (1995) como um campo dentro do
estudo da política que analisa o governo à luz de grandes questões públicas. E acrescenta-se
ainda como sendo a política pública uma soma das atividades dos governos, que agem
diretamente ou através de delegação, e que influenciam a vida dos cidadãos (PETER, 1986).
Assim, as políticas públicas funcionam como um campo do conhecimento que buscam
colocar o governo em ação, ou analisar as ações do governo de modo a proporem mudanças e
intervenções no rumo dessas ações, quando houver necessidade.
Historicamente, as políticas educacionais foram perpassadas por práticas e teorias
excludentes, principalmente quando se relacionava às pessoas com deficiência. Este público
era tido como incapazes e passíveis de medidas de assistencialismo e caridade, e não como
sujeito de direitos, sendo segregados do sistema educacional, bem como de outros setores da
sociedade (BRASIL, 2001).
As pessoas com deficiência, e mais especificamente, os alunos com deficiência eram
obrigados a adequarem-se as condições das escolas, ou ainda a frequentarem escolas e classes
especiais, separando estes sujeitos dos demais considerados ―normais‖. Fator que gerava
exclusão, afirmação do preconceito e discriminação dessas pessoas; além de restringir a
convivência com os demais membros da sociedade.
Desse modo, houve necessidade de reestruturar as políticas voltadas às pessoas com
deficiência, na perspectiva da construção de uma política efetivamente inclusiva, com o
intuito de transpor as barreiras e qualificar o ensino para atender todo o público, respeitando
suas diversidades.
As políticas inclusivas trouxeram importantes avanços e conquistas resultantes das
lutas travadas pelos movimentos sociais em busca da democratização da sociedade, bem como
da construção de espaços sociais menos excludentes.
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―Dentre todas as possibilidades de participação social consideramos a inclusão
educacional um importante fator a ser agregado na luta dos direitos e por uma sociedade mais
digna e justa‖ (PETRECHEN, 2006, p.23). A perspectiva da inclusão escolar propõe
transformar as escolas e classes especiais em centros especializados e salas de recursos, não
mais como espaços que substituem o acesso a escolas e classes comuns do ensino regular
(segregação escolar), mas como espaços para o atendimento educacional especializado
(ALVES; BARBOSA, 2006). A inclusão escolar consiste em uma concepção políticopedagógica que desloca a centralidade do processo para a escolarização de todos os alunos
nos mesmos espaços educativos (SAMPAIO; SAMPAIO, 2009).
Uma escola pode ser considerada inclusiva apenas quando estiver organizada para
atender com flexibilidade didático-pedagógica, ajustando o ensino às características de cada
aluno, independente de etnia, sexo, idade, condição social ou qualquer outra condição.
(CAPELLINI, 2004).
Assim sendo, as pessoas com deficiência devem possuir acesso às mesmas condições
educativas que os demais alunos, uma vez que um ambiente e uma intervenção adequada
podem melhorar significativamente o desenvolvimento destas crianças.
As estratégias inclusivas não podem apenas ser feitas na forma discursiva, mas na
realização de experiências em que as possibilidades de cada um possam ser manifestadas.
Deve-se levar em consideração que a inclusão escolar não é um processo rápido e fácil, mas
requer uma preparação adequada e mudanças atitudinais de todos que atuam neste processo.
Dessa forma, necessita-se de um ensino que trabalhe as diferenças, bem como, que valorize as
potencialidades de cada um (BISCHOFF; SANTOS; MUNCINELLI, 2006).
Desta maneira, a proposta de inclusão escolar colabora na retirada da idéia de
deficiência como sendo algo inerente à pessoa, em que, na maioria das vezes, mostrava a
deficiência como uma barreira para a realização de diversas atividades, sendo que as barreiras
encontravam-se no ambiente em que a pessoa estava inserida e/ou nas pessoas que lidavam
com estes indivíduos que não encontravam meios e recursos de desenvolver as
potencialidades dos mesmos.
4. O ALUNO COM DEFICIÊNCIA VISUAL
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Conforme Mena-Berbegall; Viñas (2011), a deficiência visual é a perda total ou parcial,
congênita ou adquirida da visão, podendo ser dividida em duas ―categorias‖, a de crianças cegas e a de
crianças com baixa visão:

Criança cega: ―indivíduo com menos de 16 anos e tem uma agudeza visual
com correção óptica no menor olho inferior a 5%‖ (MENA-BERBEGALL, VIÑAS,
2011).

Criança de baixa visão: ―indivíduo de menos de 16 anos e que tem agudeza
visual com correção óptica no menor olho inferior a 30% mas igual ou maior a 5%‖
(MENA-BERBEGALL, VIÑAS, 2011).
A agudeza visual é a capacidade visual que a pessoa tem em comparação com o
parâmetro da normalidade. Aliado a isto, é importante mencionar que os processos visuais são
evolutivos e adquiridos pela aprendizagem e amadurecimento da criança, sendo que as
crianças cegas passam pelas mesmas etapas evolutivas que as que vêem, embora com um
atraso significativo, atraso este que é atribuído a dois fatores principais, que são o grau de
agudeza visual e o momento da perda visual (MENA-BERBEGALL; VIÑAS, 2011).
A baixa visão é classificada quando o indivíduo tem a capacidade prejudicada por
fatores que limitam a visão em alguns aspectos ou em vários, de tal modo, a criança
parcialmente cega se educa através da visão. Por sua vez, a cegueira se classifica como a
perda total da capacidade de ver, logo, a criança cega se educa através de práticas dos outros
sentidos (SÁ, 2009).
Conforme Brasil (2002, citado por Santos; Galvão; Araújo, 2009), o Ministério da
Educação, fazendo referência às crianças com deficiência visual, afirma que estas, devido à
sua privação sensorial ocasionada pela ausência ou baixa visão, deverão ter mais tempo para
elaborar a noção de objeto permanente; para se desligar da figura materna; para se adaptar à
escola; além do que alguns movimentos corporais de repetição não deverão ser entendidos
como deficiência mental, mas como forma de manifestar tensão, agitação e diversos
sentimentos como alegria e ou tristeza.
Diante disto, enfatiza-se a necessidade de que ao invés de uma categorização e de que
estas informações sirvam como um dificultador no processo educacional e alfabetizador, que
os profissionais e familiares envolvidos em tal processo utilizem seus conhecimentos e os
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recursos de maneira que proporcione uma melhor qualidade de vida a estas crianças, levando
também em consideração as singularidades das mesmas.
Para Brumer e colaboradores (2004, citado por Carvalho, 2011), ―a falta ou redução da
visão não é o principal obstáculo para a inclusão dos deficientes visuais como cidadãos,
consciente dos direitos e deveres, desde que lhe seja ofertado condições necessárias para a sua
aprendizagem e meios de desenvolver e aplicar suas habilidades‖ (p.321).
Destarte, enfatiza-se o pressuposto de que um ambiente adequado juntamente com
profissionais capacitados promoverão o desenvolvimento das potencialidades do aluno com
deficiência, não se atribuindo, de tal forma, à ausência total ou parcial da visão como sendo
empecilho na alfabetização, posto que profissionais capacitados e recursos pedagógicos
adequados auxiliarão neste importante processo.
Então, diante desta nova realidade, a utilização de recursos pedagógicos e tecnológicos
mostra-se como aliados ao professor no direcionamento de suas práticas e na aquisição da
lectoescrita por partes dos alunos com deficiência visual, seja ela parcial ou total, posto que ―a
visão é o sentido integrador dos inputs sensoriais, e, assim, sua perca ocasiona atrasos nos
demais aspectos evolutivos‖ (MENA-BERBEGALL; VIÑAS, 2011, p. 499).
5 RECURSOS PEDAGÓGICOS PARA ALFABETIZAÇÃO DO ALUNO COM
DEFICIÊNCIA VISUAL
É de extrema valia uma melhor atenção aos recursos pedagógicos utilizados na
alfabetização de crianças com deficiência, para que o professor possa expandir práticas que
promova o desenvolvimento da pessoa em direção à autonomia no exercício de suas
atividades, melhorando os meios e condições disponíveis para sua aprendizagem, levando em
consideração a heterogeneidade das mesmas, ou seja, que cada criança possui
―particularidades‖ e dificuldades diferentes. Neste caso, especificar-se-á os recursos utilizados
para alunos com deficiência visual.
A operacionalização de uma pedagogia inclusiva implica a necessidade de se criar e de
se garantir condições que oportunizem o acesso e a permanência de todos os alunos na escola,
sendo necessário contemplar o uso de novos recursos e de tecnologias que favoreçam a
apropriação dos conhecimentos (GIROTO; CASTRO, 2011). A criança com deficiência visual
não necessita de adaptações significativas no currículo, contudo precisa de recursos
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específicos, tempo, modificação do meio, procedimentos metodológicos e didáticos, além de
avaliação adequada. É relevante, também, que os conteúdos sejam tratados de maneira que a
criança com deficiência visual possa participar ativamente de todas as atividades e tarefas
desenvolvidas pelos demais alunos (SANTOS; GALVÃO; ARAÚJO, 2009).
Para Raposo e Carvalho (2011, citado por Carvalho, 2011), o aluno com deficiência
visual em qualquer fase do ensino pode utilizar recursos e estratégias que apóiam o
desenvolvimento de suas atividades educacionais, pessoais, profissionais e sociais.
Os recursos didáticos assumem grande importância na educação de pessoas com
deficiência visual, posto que um dos problemas básicos destas, em especial o cego, é a
dificuldade de contato com o ambiente físico, além do que a carência de material adequado
pode conduzir a aprendizagem da criança com deficiência visual a um mero verbalismo,
desvinculado da realidade. Assim, alguns recursos podem suprir lacunas na aquisição de
informações pela criança deficiente visual (CERQUEIRA; FERREIRA, 2000).
Espera-se que as crianças escolarizadas dominem o processo de lectoescrita até os seis
ou sete anos de idade. Porém já entram em contato com elementos básicos desde o ingresso na
escola. Geralmente, as crianças com deficiência visual apresentam um atraso cognitivo e uma
maior lentidão no desenvolvimento das tarefas escolares, bem como um atraso na leitura de
aproximadamente dois anos em relação às videntes da mesma idade. Esse comprometimento
pode ocorrer uma vez que a visão é o principal sentido orientador humano, a sociedade é
orientada para a aquisição de conhecimento por estimulação visual, o que pode provocar
atrasos na aquisição de repertório de nomeação, categorização e generalização. Entretanto
deve-se levar em consideração o tipo de deficiência visual (parcial ou total), bem como as
estratégias utilizadas para facilitar a qualidade de vida deste aluno, tanto na escola, bem como
a estimulação precoce por parte da família realizada no decorrer do seu desenvolvimento. A
literatura aponta que a habilidade de ver enquanto processo aprendido é de extrema valia no
processo educacional (MENA-BERBEGALL; VIÑAS, 2011).
No que se refere ao acesso ao material escolar, no período da educação infantil (3 a 6
anos) costuma-se integrar dentro da programação atividades mais vivenciais que consideram
outros canais de entrada de informação, levando em consideração que a criança com
deficiência visual, principalmente a criança com deficiência visual total, utilizará outros
inputs sensoriais para o acesso às informações. Assim, o material de trabalho deve ser
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colorido, contrastado, além de se trabalhar lâminas com a criança e lhe fazer perguntas sobre
o que vê, lhe pedindo que aponte, para que o professor assegure-se do nível perceptivo dela
(MENA-BERBEGALL; VIÑAS, 2011).
Desta forma, dispõe-se de recursos técnicos que otimizam o sentido do tato e da
audição tanto para alunos cegos como para alunos de baixa visão. No caso dos alunos cegos,
os recursos são livros braille; instrumentos de desenho; máquina de escrever em Braille;
ábaco; gráficos táteis; livros e calculadoras falados. Já no caso dos alunos com baixa visão,
prioriza-se o aproveitamento dos restos visuais com as ajudas de que necessite, pois estes
utilizam como acesso à lectoescrita principalmente o código tinta, assim, recomenda-se, na
impressão de textos, que se utilize letras simples e sem adornos; fonte 12 ou 14; com
utilização de letras maiúsculas em palavras curtas, preferencialmente em títulos, sinais;
espaço entrelinhas de aproximadamente 20 a 30% do tamanho; além de um contraste entre a
cor do papel e a cor da tinta (MENA-BERBEGALL; VIÑAS, 2011).
De acordo com Gonçalves; Vianna; Santos (2009), o sistema Braille de escrita
consiste num código que utiliza combinações de pontos para representar as letras do alfabeto,
os números, os símbolos matemáticos, físicos, químicos e os sinais de pontuação, sendo que
os pontos se imprimem no papel manualmente com um punção e reglete (instrumento
utilizado para permitir que o aluno cego escreva) ou são datilografados numa máquina Perkins
Braille ou ainda impressos por meio da impressora Braille, de modo que permita a leitura dos
pontos de relevo por meio do tato por parte dos alunos com deficiência visual total.
De acordo com Mena-Berbegall; Viñas (2011), ao longo do período letivo,
introduzem-se as ajudas à medida que elas tornem-se necessárias para que se possa
administrar a informação de que o aluno precisa para ter acesso aos conteúdos curriculares.
Assim, as ajudas para o acesso ao currículo podem ser óticas, as quais são utilizadas somente
para alunos com restos visuais (deficiência visual parcial); e não óticas:

Ajudas óticas: permitem ao usuário com pouca visão ter acesso à informação
escrita e são recomendadas a partir dos nove ou dez anos, ou quando há necessidade
para ter acesso às partes do currículo, tais como: binóculos (permitem ao aluno
realizar tarefas à distância, utilizando a ampliação angular); óculos com microscópio
(são armações que dispõem de lentes que aumentam o objeto mediante a diminuição
da distância); lupas (permite ver de perto e funciona também como um suporte
secundário que pode ser complementado com outras ajudas) (MENABERBEGALL, VINÃS, 2011).

Ajudas não óticas: atril ou mesa reclinável (ajuda a aproximar o texto escrito
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dos olhos do aluno sem que este tenha que curvar excessivamente as costas);
computador falado; agendas eletrônicas com sintetizador de voz; leitores de tela (são
verificadores de tela que permitem o aluno deficiente visual trabalhar em ambiente
virtual oferecendo uma resposta de voz e/ou braille); magnificadores de tela (permite
aos deficientes visuais terem acesso à leitura da informação que aparece na tela de
seus computadores (MENA-BERBEGALL; VIÑAS, 2011).
O avanço tecnológico proporcionou recursos valiosos para o processo ensinoaprendizagem, tais como a utilização softwares providos de recursos para a ampliação de
caracteres, permitindo sua leitura em computadores e impressão (CERQUEIRA; FERREIRA,
2000). O uso do computador através de programas como o DOSVOX (auxilia o deficiente
visual a utilizar microcomputadores, através do uso de sintetizador de voz, posto que o
sistema realiza a comunicação oralmente, em língua portuguesa, com o deficiente visual,
sendo dispensável a utilização do mouse) e o JAWS (oferece uma voz sintetizada em
ambiente Windows, para acessar os softwares, aplicativos e recursos na internet, sendo
também dispensável o uso do mouse) permite aos alunos com deficiência visual o acesso a
internet, digitação de textos que poderão ser impressos em tinta, consulta de textos, realização
de provas (GONÇALVES; VIANNA; SANTOS, 2009). Neste caso, pode-se perceber que
este recurso auxilia o deficiente visual com baixa visão no acesso ao currículo escolar,
levando em consideração a autonomia preconizada por todos os indivíduos.
Segundo Ferreira (2011), os desafios e dificuldades da inclusão nem sempre é
percebido pelo aluno que foi incluído na escola. Assim, é importante que o educador planeje
as aulas de maneira que não reforce a dificuldade do aluno, mas que facilite a participação e
execução das atividades.
Assim sendo, é importante a utilização de recursos didáticos e tecnológicos bem como
adaptações curriculares, pois são facilitadores no processo de aquisição da lectoescrita por
parte das pessoas com deficiência visual, de modo a refletir diretamente na aprendizagem
destas.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As pessoas com deficiência devem possuir acesso às mesmas condições educativas
que os demais alunos, uma vez que um ambiente e uma intervenção adequada podem
melhorar significativamente o desenvolvimento destas crianças e um melhor acesso ao
currículo escolar. Dentro deste contexto, as políticas públicas apresentam-se como uma
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ampliadora dos direitos humanos, de modo que se transpõe a histórica perspectiva excludente
e estigmatizadora para então concretizar o Estado Democrático Brasileiro.
Assim, ressalta-se a importância de que, ao se conhecer as dificuldades das pessoas
com deficiência e dos profissionais que lidam com tais, pode-se potencializar o
desenvolvimento das mesmas, e, consequentemente, promover uma melhor qualidade de vida
a este público.
É dentro desta perspectiva que se discutiu a utilização dos recursos pedagógicos para o
acesso à lectoescrita por alunos com deficiência visual, sendo que estes recursos mostraram-se
como aliados aos professores no direcionamento de suas práticas, bem como proporcionaram
aos alunos um melhor acesso ao currículo escolar, auxiliando, de tal forma, o processo de
inclusão escolar e o atendimento às necessidades dos alunos, e por conseqüência, a efetivação
de seus direitos.
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RESGATE SÓCIO-HISTÓRICO DO CENTRO DE SEMILIBERDADE DE
JUAZEIRO DO NORTE-CEARÁ EM INTERFACE COM A PSICOLOGIA E
POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL
Sâmya karoliny Peixoto Bacurau104
RESUMO
O presente artigo retrata o percurso sócio-histórico do Centro de Semiliberdade de Juazeiro do NorteCe, e a insersão do Psicologo na Instituição; o centro tem como missão o planejamento de ações que
promovam a ressocialização e a reinserção de adolecentes em conflito com a lei em meio a sociedade
de acordo com a Lei Federal de nº 8.069/ de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do
Adolescente-ECA, que traz como principio a proteção integral de crianças e adolescentes no Brasil.
Através de analises bibliograficas e documentais, retrata-se a historicidade da instituição, a atuação do
Psicólogo na mesma,e as políticas de desenvolvimento social desenvolvidas ao longo dos anos. O
artigo tem como finalidade apresenta dados que sejam relevantes no contexto regional, e para
população acadêmica de maneira geral. Surge diante da necessidade de elencar dados que sirvam
como fonte de pesquisa nas mais diversas areas , portanto, é de imensa importância analisar aspectos
ainda não aprofundados, dando ênfase ao que envolve as chamadas instituições totais, articulando a
teoria com as características que definem as instituições de medida socioeducativas de semiliberdade,
as leis que as regem e a psicologia institucional e social. Expõe-se por fim como conclusão que desde
a fundação da instituição, o profissional de psicologia está inserido no espaço social, atendendo assim
aos parâmetros exigidos por lei.
Palavras-chave: Resgate Historico. Centro de Semiliberdade. Psicologia Institutional e Social
ABSTRACT
This article portrays the route sociohistorical Centro de Semiliberdade de Juazeiro do Norte-Ce, and
insertion of the Institution Psychologist's; the center's which has mission the planning of actions that
promotes the rehabilitation and reintegration of adolescents in conflict with the law through society in
accordance the Federal Law n º 8069 / July 13, 1990, statute of children and adolescent-ECA, which
has as principle the full protection of children and adolescents in Brazil. Through analysis of
bibliographical and documentary portrays the historicity of the institution, and the work of the
Psychologist in it. The article aims to present data that are relevant in the regional context, and the
academic population in general. Appears before the necessity to list of data that serve as a source of
research in psychology, therefore, it is of immense importance to analyze aspects yet not thorough yet,
emphasizing what involves what is called total institutions, linking theory with the characteristics that
define the rule institutions semiliberty of socio, the laws that govern institutional and psychology
socio. Finally exposes himself as a conclusion that since the founding of the institution, the
professional psychology is embedded in space socio, thus meeting the parameters required by law.
104
Graduada em psicologia pela faculdade de ciências aplicadas doutor leão sampaio, e aluna de especialização
na universidade regional do cariri – urca. [email protected], telefones: 9647.3363 ou 8866.0140
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Keywords: Rescue Historical. Semiliberty center. Institutional psycholog and socio105
1 INTRODUÇAO
O presente artigo propõe um resgate histórico e institucional do Centro de
Semiliberdade de Juazeiro do Norte-ce, que está no Nordeste do Brasil, no interior do Ceará;
analisando a inserção do Psicólogo na mesma; A pesquisa vem retratar a historicidade da
instituição, que por sua vez tem como parâmetro principal planejamento e execução de
programa sócioeducativo para adolescentes infratores em regime de semiliberdade, conforme
coloca a Lei de nº 8.069 de 13 de julho de 1990, conhecida como Estatuto da Criança e do
Adolescente - ECA.
Nasciutti (2008) enfatiza o termo instituição fazendo uma análise diante da
psicossociologia por vários autores, designado o que instituição, no entanto diz ser tudo que
se estabelece no meio social, de forma a refletir sobre o que faz parte de um sistema social
global, analisando sua constituição, seja material ou social e como essas instituições se
organizam cotidianamente e interagem com os mais diversos contextos, seja ele social,
político ou econômico.
Goffmam (2008) destaca instituição como um estabelecimento social, correlacionando
o termo de modo a mostrar que, é um local onde o indivíduo desenvolve suas atividades.
Dando ênfase a este aspecto, a instituição que será analisada neste artigo, é de privação de
liberdade para menores, que tem como parâmetro o sistema de semiliberdade no meio social.
Diante do processo institucional de reclusão, pode-se ressaltar o campo político, que se
utilizava desses meios institucionais para prender antigos opositores do regime utilizando-os
como forma de poder e no meio administrativo das cidades prendendo mendigos e indigentes,
sendo utilizada também para retirar das ruas crianças e adolescentes como forma de limpeza
social. O papel da instituição prisão diante da sociedade lembra reclusão, onde quem
desobedece às regras não se enquadra dentro dos padrões exigidos, devendo assim ser
excluído da convivência social.
Dessa forma, visa-se elencar dados que comprovem a história da instituição de
semiliberdade de Juazeiro do Norte-Ce, com objetivo de comprovar a atuação do Psicólogo na
105
Graduada em Psicologia
[email protected]
pela
Faculdade
de
Ciências
Aplicadas
Doutor
Leão
Sampaio-
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mesma, e desenvolver uma análise diante de suas atribuições em meio a instituições de
privação de liberdade para adolescentes.
A pesquisa terá como base o materialismos histórico que possibilita enfatizar a
dimensão histórica dos processos sociais; tendo como fonte um material bibliografico e
documental que foi trabalhado baseado na amostragem por acessibilidade ou por conveniência
diante da analise de 165 documentos. Os dados foram analisados e interpretados diante do
cunho quanti-qualitativo, que por sua vez tem caráter descritivo (GIL, 2009).
As fontes consultadas são de grande relevância para este artigo. Foram utilizadas
bibliografias relevantes à temática como Goffman (2008), Foulcaul (2011), Bleger( 1984),
Gil (2009), Lakatos e Marconi (2010), Guiradi (2012), Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo- SINASE (2006), Conselho Federal de Psicologia- CFP, Código Melo Mattos
Lei de nº 17.943-A, Código de Menores Lei de nº 6.697/79 de 1979 e a Lei de nº 8.069/90 de
1990, Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA; e ainda utilizando pesquisa em artigos de
sites como Crepop, Google Acadêmico, Scielo e BVS-Psi.
O interesse pela a temática em questão surgiu a partir de uma vivência no espaço, onde
se percebeu a necessidade de resgatar a historicidade da instituição, dando ênfase aos
processos históricos, trazendo assim a importância da atuação do Psicólogo em instituições de
privação de liberdade, que tem como parâmetro o sistema socioeducativo de semiliberdade
para adolescentes em conflito com a lei.
No entanto visa contribuir de forma significativa no âmbito científico trazendo
discussões que envolvam acadêmicos em psicologia e outras profissões, de forma que venha
despertar o interesse de mais pesquisadores sobre o assunto que ainda é pouco discutido no
ambiente acadêmico, dentro de uma perspectiva social e de inclusão, mostrando uma visão
mais ampliada do que é um sistema socioeducativo.
Este artigo se dividiu em cinco etapas; primeiro ele traz uma visão voltada para as
Instituições totais diante da visão de Goffman (2008) e Foulcault (2011); faz menção ao
processo histórico das antigas e atuais leis que regem as instituições para menores, diante dos
direitos e deveres de crianças e adolescentes no Brasil, trazendo assim a caracterização de
instituições para menores, ressaltando a equipe interdisciplinar mais especificamente a
atuação do Psicólogo na visão de Bleger (1984) e Guiradi (2012), por fim os
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resultados,analises e discussões que foram construídos diante de dados coletados através de
documentos institucionais.
Partindo desse pressuposto, o estudo desta problemática buscou subsídios que
comprovem a história do Centro de Semiliberdade de Juazeiro do Norte-Ce, possibilitando
assim um entendimento sobre a atuação do profissional de Psicologia em questões que
envolvem políticas de desenvolvimento social.
Os resultados do estudo realizado servem como base para comprovar dados relevantes
institucionais, que por sua vez comprova a inserção do profissional de psicologia desde os
primeiros atendimentos feitos na instituição a partir do ano de 2003, tendo uma continuidade
no decorrer dos anos até os dias atuais, totalizando assim a passagem de seis profissionais no
decorrer de nove anos, que pautam seu trabalho diante do que estabelece o ECA, e o Código
de Ética Profissional de Psicologia.
2 INSTITUIÇOES TOTAIS NA PERSPECTIVA DE FOUCAULT E GOFFMAN
O termo instituição se caracteriza pelo ato de instituir, estabelecer algo novo, fundar,
nomear ou declarar, em termos gerais seriam os príncipios fundamentais de um estado ou
sociedade (ROCHA,1996).
Em termos gerais, o ser humano está cotidianamente entrelaçado com vários tipos de
instituições seja ela familiar ou de trabalho. Estas muitas vezes influenciam na personalização
do sujeito, como traz Goffman (2008) e Foucault (2011), autores que serão relevantes para a
contextualizaçao do tema proposto.
No livro ―Manicômios, Prisões e Conventos‖, podemos analisar que Goffmam traz as
características mais comuns das chamadas instituições totais, contudo destaca a prisão e
define instituição total com os seguintes termos: ―como uma espécie de escola ou instituição
de bons modos, que tem parâmetros menos refinados que serve para moradia e trabalho tendo
como padrão um aglomerado de pessoas isolados da sociedade‖, por um período de tempo,
que vivem em um sistema fechado cumprindo normas e padrões pré estabelecidos
(GOFFMAN,2008, grifo nosso).
Goffman (2008) analisa e divide as instituições totais em cinco grupos, classificandoas em instituições criadas para cuidar de pessoas que não conseguem cuidar de si mesmos,
como asilos, manicômios e hospitais. As que protegem a sociedade de atos intencionais, que
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tem características de fechamento, como as prisões. Instituições como escolas, quartéis e
colônias e por fim instituições que tem características peculiares como os conventos e
claustros. Entre essas instituições, ressalta-se a prisão, que se configura no grupo das
instituições organizadas com o objetivo de proteger a sociedade contra perigos intencionais,
onde o bem-estar das pessoas isoladas não constitui o problema imediato, mas sim proteger a
sociedade dos mesmos.
Segundo Goffman (2008), há muito tempo em nossa sociedade, punir é,
exclusivamente, sinônimo de privação da liberdade. É a prisão que revela as formas de poder
de punir pela destruição da liberdade, ou seja, paga-se a dívida do crime em meio à sociedade,
em tempo de liberdade estabelecida, e como medida disciplinar para a transformação
individual e pessoal do sujeito.
Na prisão, busca-se através de diversas normas, homogeneizar os sujeitos, iniciando
pelo processo de recepção, por meios de rituais conhecidos como "boas vindas", onde a
equipe de supervisão procura deixar de forma bem clara a sua situação inferior, ao grupo de
internados, que está entrando, caracterizando assim como a primeira perda das relações
sociais (GOFFMAN, 2008, grifo do autor).
O mesmo faz uma relação da institucionalização, voltando para aspectos entre o
mundo interno e o mundo externo e ressalta a mutilação do eu ao adentrar neste espaço,
caracterizada por proibições de visitas, relações sociais e privilégios, tratando todos iguais,
tendo como característica principal o total impedimento da vida anterior, causando com isso a
ruptura das relações, e a perda dos papeis anteriores, ressaltando assim a mortificação do eu.
Fazendo uma analise sobre a mortificação do eu na visão Goffmam (2008), percebe-se que o
eu do individuo é aniquilado, ou seja, destruído, surge como algo que não existe mais no meio
social (GOFFMAM, 2008).
No entanto ele faz uma análise ainda mais aprofundada das consequências as quais
está sujeito o individuo institucionalizado e diz, ―A mortificação e a mutilação do eu tendem a
incluir aguda tensão psicológica para o individuo, mas para um individuo desiludido do
mundo ou com sentimento de culpa, a mortificação pode provocar alivio psicológico‖
enfatizando assim sua dimensão psíquica (GOFFMAN, 2008, p. 49).
Goffmam (2008) retrata de forma peculiar as características que permeiam as
instituições totais de maneira geral, classifica cada uma dentro de sua especificidade,
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aproximando assim o leitor de uma realidade, que por sua vez é pouco conhecida e nem
sempre é exposta de maneira clara dentro da sociedade.
Esta é uma das posições de Foucault (2011), em seus estudos sobre as Prisões.
Os historiadores, como os filósofos e os historiadores da literatura, estavam
habituados a uma história das sumidades. Mas hoje, diferentemente dos outros,
aceitam mais facilmente trabalhar sobre um material "não nobre". A emergência
deste material plebeu na história já data bem de uns cinquenta anos. Temos assim
menos dificuldades em lidar com os historiadores. Você não ouvirá jamais um
historiador dizer o que disse em uma revista incrível, Raison Présente, alguém, cujo
nome não importa, a propósito de Buffon e de Ricardo: Foucault se ocupa apenas de
medíocres (FOULCAULT, p. 129).
Foucault (2011) traz adiante que em meados do século XVIII e no fim do século XIX
foi o período em que se percebeu ser, através da economia do poder, seria mais eficaz e
rentável vigiar e controlar os indivíduos do que punir, no entanto diz ser uma época onde
começa a surgir ―um novo tipo de exercício de poder‖ (FOUCAULT, 2011, p. 130, grifo
nosso).
O autor traz dentro de uma visão dialógica as relações de poder diante dos aparelhos
existentes na época e consegue passar de forma clássica como essas relações se davam tanto
em nível de hierarquia quanto de aparelhos políticos.
Foucault (2011) coloca que todos conhecem as grandes alterações, e a importância dos
reajustes institucionais que provocaram as modificações do regime político, o modo pelo qual
as representações do poder no auge do sistema estatal foram transformadas.
Contudo o autor coloca ―Mas, quando penso na mecânica do poder, reflito em sua
forma capilar de existir, no ponto em que o poder encontra o nível dos indivíduos, atinge seus
corpos, vem se inserir em seus gestos, suas atitudes, seus discursos, sua aprendizagem, sua
vida quotidiana‖ (FOUCAULT, 2008, p. 131).
É um dos primeiros estudiosos a estudar sobre elementos que muitos consideravam
como material ―não nobre‖ e enfatiza que, os organismos de poder na sociedade não foram
muito aprofundados diante de estudos, pois se dava mais ênfase às pessoas que detinham o
poder do que aos instrumentos de poder (FOULCAULT, 2011).
Foucault (1987), afirma que;
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A prisão é menos recente do que se diz quando se faz datar seu nascimento dos
novos códigos. A forma-prisão preexiste à sua utilização sistemática nas leis penais.
Ela se constituiu fora do aparelho judiciário, quando se elaboraram, por todo o corpo
social, os processos para repartir os indivíduos, fixá-los e distribuí-los
espacialmente, classificá-los, tirar deles o máximo de tempo, e o máximo de forças,
treinar seus corpos, codificar seu comportamento contínuo, mantê-los numa
visibilidade sem lacuna, formar em torno deles um aparelho completo de
observação, registro e notações, constituir sobre eles um saber que se acumula e se
centraliza. A forma geral de uma aparelhagem para tornar os indivíduos dóceis e
úteis, através de um trabalho preciso sobre seu corpo, criou a instituição-prisão,
antes que a lei a definisse como a pena por excelência (FOUCAULT, 1987, p. 260).
Com o passar dos anos as instituições vão ganhado outras formas diante de um
parâmetro que muda essa concepção, e traz o cárcere como uma instituição total e completa,
porem ressalta que um novo termo deve ser utilizado, a ―socialização‖, que através de um
olhar diferente compreende o sistema prisional como uma instituição social como tantas
outras (JULIÃO, 2010, grifo nosso).
Com a reforma, agregam-se à ideia de punição os conceitos de reinserção,
reabilitação social, ressocialização. Assim, a punição passa não só a se destinar a
sancionar a infração, mas a controlar o indivíduo, a neutralizar a sua periculosidade,
a modificar suas disposições criminosas, cessando somente após obtenção de tais
modificações (FOUCAULT, 2000, p. 20, apud JULIÃO, 2010).
Como traz Goffman (2008) e Foucault (2011) as relações de poder nas instituições pré
existem há muito tempo, e surgem nos mais variados meios sociais, contudo servem para
controlar todo um sistema social, utilizando-se de instrumentos físicos e discursos de poder.
Dessa forma, pode-se ter uma visão mais ampla do que é uma instituição total e suas mais
variadas formas de relações de poder no meio social, e através desse estudo fazer uma
correlação de maneira mais especifica sobre as instituições de privação de liberdade para
menores que se encontram relacionadas dentro deste parâmetro de instituições totais.
3 HISTÓRICO DAS LEIS QUE REGEM DIREITO DE ADOLESCENTES NO
BRASIL
No início do século XX surgiram os primeiros projetos legislativos que defendem os
direitos de crianças e adolescentes. Por volta de 1913, foi criada a primeira instituição para
atender o menor infrator, chamado de Instituto Sete de Setembro, que acolhia desde menor
infrator a menores abandonados ou desprotegidos. Em 1917, foi anunciada ao Senado a
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primeira lei que avaliou como não delinqüentes os adolescentes entre 12 e 17 anos. Por volta
de 1927, começou a vigorar no Brasil o Código de Menores, sendo pioneiro na América
Latina (OLIVEIRA; ASSIS, 1999).
Um dos marcos históricos diante das leis para menores segundo Azevedo (2007), foi o
primeiro Código de Menores criado no Brasil em 1927, conhecido como Código Melo
Mattos, diante do decreto nº 17.943-A, de 12 de outubro de 1927, que continha 231 artigos e
levou esse nome em homenagem a seu criador, o jurista José Cândido de Albuquerque Mello
Mattos, que nasceu em Salvador-BA, em 19 de março de 1864. O mesmo seria não só
exclusivamente o seu idealizador, mas também o 1° juiz de Menores do Brasil, nomeado em
02 de fevereiro de 1924, exercendo a função na então capital Federal, cidade do Rio de
Janeiro, instituído em 20 de dezembro de 1923, até o seu falecimento, em 1934.
O Código Melo Mattos apresenta que o objetivo principal da lei, de acordo com
Artigo. 1º é ―O menor, de um ou outro sexo, abandonado ou delinquente, que tiver menos de
18 anos de idade, será submetido pela autoridade competente às medidas de assistência e
protecção contidas neste Código‖(BRASIL, 1927).
Trazia uma visão higienista, voltava-se para uma parcela mínima da sociedade, (os
pobres) foi pioneiro no assunto leis para menores no Brasil, contudo sofreu poucas alterações
no decorrer dos seus 52 anos. Tinha como missão principal o tratamento diferenciado dos
menores infratores tirando-os de prisões comuns e classificando-os por faixa etária, porém
mantém o caráter higienista e repressor que tem como medida tirar os menores infratores da
sociedade (BOMBARDA, 2010, grifo nosso).
As leis citadas até o momento apresentam a realidade da época, retratam como os
organismos de poder e as pessoas que detinham esse poder, agiam diante dos que não estavam
dentro dos parâmetros exigidos no meio social e político, fazem menção aos processos de
assistência e proteção, contudo ainda não era ainda mencionado o termo de semiliberdade,
diante dos chamados mecanismos de proteção.
Bombarda (2010) expõe às modificações que vem acontecendo no decorrer dos anos
retrata primeiro decreto de lei evidenciando como antigo Código de Menores de 1927, em
seguida a substituição pelo Código de Menores, lei de nº 6.697/79 de 1979, que tem uma
visão humanista, que busca um novo olhar voltado para o adolescente autor de ato infracional.
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A lei é inovadora no sentido que inclui nas suas disposições o sistema de medida de
semiliberdade, colocando os autores de ato infracional, diante da medida aplicável no Art. 13
Insiso V, que dispõe sobre a colocação do adolescente em casa de semiliberdade. (BRASIL,
1979).
As modificações perduram no país, em 13 de julho de 1990, foi promulgada a lei nº
8.069/1990, Estatuto da Criança e do Adolescente- ECA, que outra vez insurge sobre as
crianças e adolescentes em desenvolvimento, não mais os colocando apenas como indivíduos
em ―situação irregular‖, mas a todas as crianças e adolescentes do país, assegurando o direito
a proteção integral. Essa lei é instituída como a base, ou seja, o norte para toda e qualquer
ação e planejamento referente a crianças e adolescentes que fazem parte da sociedade
brasileira (BOMBARDA, 2010, grifo nosso).
Através de uma revisão histórica da evolução das leis desde 1927, com o Código Melo
Mattos, até os dias atuais com a lei de nº 8.069 de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o
Estatuto da Criança e do Adolescente- ECA pode-se analisar muitas diferenças e varias
atualizações de uma lei para outra no decorrer de 85 anos, mudanças significativas que
deixam um passado de autoridade e exclusão social para trás, trazendo um novo paradigma
dentro de uma visão que estabelece que a criança e o adolescente tem direito a proteção
integral, enfatizando seu processo de desenvolvimento, dando-lhes a possibilidade de uma
reinserção social, através de programas de medidas socioeducativas, que por sua vez incluem
o sistema de semiliberdade como medida.
4 CARACTERIZANDO INSTITUIÇÕES DE SEMILIBERDADE PARA MENORES
NO BRASIL
As instituições de semiliberdades têm como base o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), lei de nº 8.069 de 1990, em acordo com a Constituição Federal de 1988,
que regulamenta ações de planejamento voltado para crianças e adolescentes no Brasil. O
regimento interno dessas instituições é totalmente pautado nas disposições contidas no ECA;
sendo que tem como base também o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo –
SINASE de 2006, que será utilizado como base para discussão no decorrer das analises,
porem vale salientar que o mesmo foi sancionado como lei de nº 12.594 em 18 de Janeiro de
2012; mas que não vai ser abordada a lei no decorrer do trabalho, mas sim a cartilha do Sinase
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2006, que descreve de maneira mais detalhada todas as atribuições que estão ligadas estrutura
física das unidades, corpo técnico e desenvolvimento de atividades .
O Sinase enfatiza que as medidas socioeducativas estão dentro de um sistema
integrado de planejamento, que articula as três instancias em nível de governo para o
desenvolvimento dos programas de acolhimento, considerando a intersetorialidade e
enfatizando a responsabilidade da família, da sociedade e do estado. O programa constitui
ainda as aptidões e responsabilidades dos órgãos de direitos da criança e do adolescente, que
necessitam continuamente basear suas determinações em análises, e em diálogo direto com os
demais integrantes do Sistema de Garantia de Direitos, tais como o Poder Judiciário e o
Ministério Público (SINASE, 2006).
A constituição federal e o estatuto da criança e do adolescente dispõem sobre a
descentralização político-administrativa quanto a efetivação de políticas sociais
(CFB, artigo 204), sendo que, no caso da criança e do adolescente a política de
atendimentos de direitos ―far-se-á através de um conjunto articulado de ações
governamentais e não-governamentais, da união, dos Estados, do Distrito Federal e
dos Municípios‖ ( ECA, artigo 86), tendo como linhas de ação, entre outras,
―políticas sociais básicas‖ e ―políticas e programas de assistência social
supletivos...(ECA,artigo87insisos I e II).( BAPTISTA;VITALE;FÁVERO; et al,
2008, p.19).
O Sinase traz que, o sistema socioeducativo é composto por um conjunto de normas e
regras, todas voltadas para instituições de medidas privativas de liberdade como internação e
semiliberdade; as não privativas de liberdade como, liberdade assistida e prestação de serviço
à comunidade e a internação provisória (SINASE, 2006).
Através do levantamento do ato infracional cometido pelo adolescente é que a
autoridade responsável irá determinar qual sansão será aplicada ao mesmo, com isso, vale
ressaltar um dos artigos que dispõe sobre a prática do ato infracional e as garantias legais, que
vão delinear procedimentos e medidas socioeducativos, com isso no ―Art. 104, do ECA traz
que, ―São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos sujeitos a medidas previstas
em lei‖ e no ―Art. 112 dispõe que, verificada a prática de ato infracional, a autoridade
competente poderá aplicar ao adolescente medidas socioeducativas com
privação da
liberdade ou sem privação de liberdade‖(BRASIL, 2005, grifo nosso).
Segundo dados da Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do
Adolescente- SPDCA, (2012) em todo Brasil existem 318 instituições de atendimento a
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medidas socioeducaticas de privação de liberdade total ou parcial, sendo que uma media de 76
unidades são de medida de semiliberdade de acordo com o SINASE, sendo que 13 delas estão
articuladas no Ceará; de acordo com o Forúm Permanente das ONGs de Defesa dos Direitos
da Criança e do Adolescente do Ceará- FDCA (CEDECA, 2011), duas estão localizadas em
Juazeiro do Norte-Ce, com parâmetro de privação de liberdade provisória e de semiliberdade.
―O termo Sistema Socioeducativo refere-se ao conjunto de todas as medidas privativas
de liberdade (internação e semiliberdade), as não privativas de liberdade (liberdade assistida e
prestação de serviço à comunidade) e a internação provisória‖. (SINASE, 2006, p.18, grifo do
autor).
O Art. 94 do ECA retrata quais são as obrigações das instituições de privação de
liberdade para menores,e o Artigo 124 coloca quais são os direitos dos adolescentes privados
de liberdade. (BRASIL, 2005). Com isso, podemos trazer algo que se refere ao Sistema
Nacional de Atendimento Socioeducativo- SINASE e ao Estatuto da Criança e do
Adolescente- ECA.
A mudança de paradigma e a consolidação do Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA) instituído pela Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, ampliaram o
compromisso e a responsabilidade do Estado e da Sociedade Civil por soluções
eficientes, eficazes e efetivas para o sistema socioeducativo e asseguram aos
adolescentes que infracionaram oportunidade de desenvolvimento e uma autêntica
experiência de reconstrução de seu projeto de vida. Dessa forma, esses direitos
estabelecidos em lei devem repercutir diretamente na materialização de políticas
públicas e sociais que incluam o adolescente em conflito com a lei. (SINASE, 2006,
p.17).
O ECA estabelece que seja penalmente inimputáveis os menores de 18 anos que
empreendem crime ou infração penal, aos mesmos não podem ser praticadas penas, mas sim
medidas sócioeducativas de reparação do dano, disponibilização de serviços para
comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semi-liberdade, internação em
estabelecimento educacional; bem como outras medidas que impliquem o acompanhamento
do infrator por parte da família e da sociedade, sob custódia do Estado que tem caráter de
internação privando-os de liberdade total ou parcial sendo que as mesmas só podem ser
definidas pelo juiz. (OLIVEIRA; ASSIS, 1999).
As instituições de semiliberdade têm características semelhantes as das unidades de
internação e de internação provisória, em termos estruturais elas seguem normas técnicas de
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acordo com o projeto pedagógico que respeita normas de ambientação, espaço, condições
humanizadas, dispondo de mecanismos de segurança, sendo assim um espaço que atenda as
necessidades institucionais, que sejam adequadas para o desenvolvimento das ações de
medidas socioeducativas. (SINASE, 2006).
Assim as unidades de semiliberdade devem dispor de uma estrutura física elaborada
dentro de projetos arquitetônicos específicos que estejam de acordo com a Lei nº 8.666/93 que
promova, por sua vez, condições de desenvolvimento pessoal, relacional, afetivo e social
(SINASE, 2006).
As instituições de semiliberdade dispõem de atendimento para 20 adolescentes,
constituídas por espaços que permitam atendimento individualizado e em grupo, os quartos
têm que ter capacidade para no máximo quatro adolescente, sendo compostos também por
quartos individuais como medidas de segurança, disponibilizando ainda um banheiro para
cada dois quartos, sendo que as instituições que atendem ambos os sexos tem que
disponibilizar de instalações separadas para o atendimento. Elas têm que ser compostas por
uma estrutura que contenha salas que comportem um centro administrativo e técnico, local
para desenvolvimento de atividades voltadas para processos pedagógicos, arte, lazer, esportes
e cultura dispondo ainda de mecanismos de segurança e espaços que possibilitem o
desenvolvimento das rotinas diárias, unidades devam se localizar por sua vez em bairros
comunitários para que se promova a integração dos sujeitos com a sociedade local (SINASE,
2006).
Com todas essas mudanças em meio às sanções para adolescentes que cometem atos
infracionais, surge uma concepção, de incluir os sistemas de privação como uma instituição
social equiparada a tantas outras, assumindo sua incompletude tanto no contexto institucional,
como no profissional, inova com dinâmica política e ideológica que prioriza pela não
segregação absoluta do sujeito, mas na compreensão de que o ser humano vive em um
constante e dinâmico processo de socialização e desenvolvimento; reconhecendo que a função
do sistema de privação de liberdade, é voltada a ―socioeducar‖; que investe sobre o papel de
comprometer-se com a segurança da sociedade em geral, de modo a promover a educação do
adolescente para a convivência social (JULIÃO, 2010).
5 A EQUIPE INTERDISCIPLINAR
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Guirado (2012) traz que por volta de 1982 já se constata o trabalho das equipes
interdisciplinares, e ressalta a atuação dos mais diversos profissionais e a diversidade de
saberes, que por sua vez desenvolvem uma atuação com parâmetro técnico.
O conselho Federal de Psicologia- CFP enfatiza o que retrata a Constituição Federal
de 1988, e ressalta que, a implementação das políticas públicas ainda é um desafio, contudo
percebe-se que a Psicologia já encontra-se em vários níveis dessas políticas, se coloca diante
de desafios a implementar equipes que desenvolvem a formulação de programas até sua
execução, se insere nos espaços de controle social intensificando o trabalho para que se
propagem concepção das políticas públicas como locais de garantias de direitos. Contudo o
trabalho do psicólogo com os demais membros da equipe se pauta no trabalho institucional e
de parceiras, socialização e construção de parcerias garantindo o respeito ético e o sigilo
conforme o Código de Ética Profissional do Psicólogo (CFP, 2011).
Entende-se que o psicólogo que integra a equipe interdisciplinar nas unidades de
medidas sócioeducativas, atua na realização de oficinas, palestras grupos, atendimentos
individuais e outras atividades, realiza ainda pesquisas nas instituições devendo pautar sua
conduta na promoção da integralidade dos direitos, que promovendo condições para que não
haja possíveis violações de seus direitos. A proposta do trabalho interdisciplinar destaca-se
em possibilitar um trabalho que esteja diante da dinâmica institucional de forma horizontal,
entrelaçando os saberes da equipe interdisciplinar para que se garantam os direitos
relacionados aos sujeitos cumpridores das medidas (CFP, 2010).
As medidas socioeducativas e a equipe interdisciplinar devem desenvolver aspectos
que favoreçam a construção da identidade dos adolescentes no meio social, desenvolvendo
autonomia e protagonismo. Para tanto existe o Plano Individual de Atendimento- PIA, que
possibilita o acompanhamento dos adolescentes, realizando um diagnóstico que comprova o
resultado da avaliação interdisciplinar (SINASE, 2006).
6 ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO
Segundo Freitas (2008), a profissão e regulamentação dos cursos de psicologia no
Brasil é pautada a partir da lei de nº 4.119 de 27 de agosto de 1962, um marco para todos os
profissionais da área. Por volta da década de 60, os profissionais de psicologia começam a
lutar por uma profissão menos elitizada possibilitando assim varias modificações diante dos
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aspectos sociais. Logo se percebem alterações nas práticas psicológicas em meio a sociedade,
porem só por volta de 1990 é que se estabelece a atuação dos psicólogos em meio a diversas
práticas e juntos a vários organismos vinculados a saúde e a assistência social como,
secretarias de bem-estar e ação social, órgãos ligados a famílias e a menores e instituições
penais.
A Psicologia Institucional não tem o mesmo viés da Psicologia aplicada, mas é um
ramo da psicologia que trouxe avanços tanto na busca como na ampliação da Psicologia como
profissão. A mesma possibilitou ao profissional ser um investigante de fenômenos a serem
modificados e que expressa problemas que refletem dentro da prática e da realidade social
(BLEGER, 1984).
―Lembramos, apenas, que o termo Psicologia Institucional configura o discurso de
uma compreensão bastante singular sobre o objeto e o âmbito de ação do psicólogo nas
instituições‖ (GUIRADO, 2012, grifo do autor, p.28).
Paiva e Yamamoto (2010), afirma que a finalidade da intervenção psicossocial é,
precisamente, diminuir ou precaver condições de vulnerabilidade social, melhorando
condições humanas, para que se minimizem impactos. Com isso, coloca-se a necessidade de
uma abordagem interdisciplinar.
Entretanto esse modelo interventivo se diferencia da Psicologia individual e clínica, o
mesmo se apóia no cuidado, na educação, promoção e otimização da convivência nos
espaços, no fortalecimento de vínculos voltado para as características mais diversas de grupos
e coletivos sociais. (ESPINOSA, 2004 apud PAIVA; YAMAMOTO, 2010).
O psicólogo nas instituições de medidas socioeducativas atua de forma respeitar a
subjetividade do sujeito conduzindo o processo interventivo pautado no compromisso ético e
político estabelecido diante do ECA, que preconiza um atendimento dentro dos princípios
éticos profissionais desenvolvendo atividades relacionadas ao contexto, dispondo da
elaboração de pareces e relatórios técnicos, em acordo com a Resolução CFP nº 07/2003.
Estes documentos são utilizados como subsidio para decisões judiciais, pelos profissionais
que compõem o corpo institucional (CFP, 2010).
O Estatuto da Criança e do Adolescente- ECA, regido pela lei de nº 8.069/90 traz no
Art. 90 o termo semiliberdade e suas disposições, e posteriormente traz as especificações no
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Art. 94 Ins-IX, ressaltando a obrigatoriedade de cuidados específicos de saúde, que por sua
vez preconiza o profissional de Psicologia no ambiente institucional. (BRASIL, 2005).
7 METODOLOGIA
A pesquisa terá como base o materialismo histórico que possibilita enfatizar a
dimensão histórica dos processos sociais; tem como fonte um material bibliografico e
documental, que foi trabalhado baseado na amostragem por acessibilidade ou por
conveniência tendo sido analisado 165 documentos, os dados seram analisados e interpretados
diante do cunho quanti-qualitativo, que por sua vez tem caráter descritivo (GIL, 2009).
O materialismo histórico enfatiza a dimensão histórica dos processos sociais, e faz
uma analise da sociedade e suas estruturas diante de aspectos com dimensão política e social
correlacionando e interpretando os fenômenos analisados. A pesquisa bibliográfica foi
realizada através da analises de livros e artigos científicos que possibilitam ao investigador se
pautar em diversos aspectos e ter uma variedade de conteúdos possibilitando assim a analise
de fontes primarias e secundarias. A pesquisa documental possibilita o conhecimento do
passado, ou seja, mostra como a historia foi construída no decorrer de anos, transpassando
uma percepção diante de dados documentais.
A amostragem se deu por acessibilidade e conveniência que constitui um meio menos
rigoroso, mas que traz a representatividade, pois o pesquisador seleciona os dados que tem
acesso e tenta fazer uma interpretação que será descrita de forma qualitativa.
Vale salientar que analise e interpretação tem um parâmetro quanti-qualitativa. O viés
da abordagem quantitativa é apresentar dados numéricos objetivando a descrição, e a
abordagem qualitativa envolve o conjunto de técnicas que descreve os seus significados.
Os documentos possibilitam uma investigação das estruturas e processos sociais. A
mesma perpassa por um processo que tem caráter descritivo e qualitativo, que descrever
características de um determinado grupo visando levantar opiniões e ter uma visão geral do
objeto proposto (GIL, 2009).
Através da pesquisa podemos mencionar diante do pensamento de Lakatos e Marconi
(2010), que o método histórico nos proporciona investigar acontecimentos, procedimentos e
instituições do passado, permitindo assim verificar os processos ao longo do tempo, e fazer
uma análise diante das modificações atuais.
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8 ANALISES, RESULTADOS E DISCURSÕES
O Centro de Semiliberdade de Juazeiro do Norte-CE, foi fundado e inaugurado em
2002 com sede na Rua Maria Ana Pereira, 925 bairro São João. É regido pelo
―Compartilhamento da responsabilidade no financiamento e desenvolvimento da política de
atendimento socioeducativa é das três esferas de governo (União, Estados, Distrito Federal e
Municípios)‖ (SINASE, 2006 p. 39, grifo do autor). É regido por concessão licitatória e
administrado pela Organização não governamental Movimento Consciência Jovem (SINASE,
2006).
O Centro é constituído por duas casas de internação sendo uma unidade masculina que
comporta vinte adolescentes e outra feminina que comporta cinco adolescentes, contando com
infraestrutura de cozinha, dispensa, lavanderias e dispositivos desportivos. O quadro de
funcionários é composto por treze educadores sociais, uma secretaria, duas cozinheiras, uma
auxiliar de serviços gerais, um vigilante, um motorista, técnicos que compõem a equipe
interprofissional, são eles um diretor, duas advogadas, duas assistentes sociais, uma psicóloga
e uma pedagoga.
Através de uma pesquisa documental foram subsidiados dados que retratam a
historicidade da instituição tendo como foco verificar a inserção e atuação do psicólogo na
instituição. Foram analisadas pastas que compõem os documentos institucionais, constituídas
de dados que trazem informações de 2003 a 2012, contendo os dados de 165 adolescentes;
permitindo a elaboração de dados pertinentes, que retratam aspectos e específicos ao local,
comprovando a historicidade institucional.
8.1 DESCRIÇÃO DOS DADOS
Os dados que serão apresentados a seguir fazem parte do acervo do Centro de
Semiliberdade de Juazeiro do Norte-Ce. A apresentação será baseada através da quantidade de
adolescentes que passaram na instituição, sendo que os resultados que ficaram abaixo do
índice de 1% serão analisados de maneira global. Os dados seguirão a seguinte ordem:
quantidade de adolescentes, gênero, quantidade ano, o ano que teve o maior e menor índice
internação, a cidade de origem, cidade de origem de maior índice de adolescentes, quantidade
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por idade e gênero, a escolaridade, os atos infracionais e a atuação do profissional de
psicologia.
Os dados foram colhidos através de pesquisa documental estão relacionados em seis
categorias que serão descritas a seguir.
O centro de Semiliberdade de Juazeiro do Norte-ce no decorrer de dez anos de 2003 a
2012 atendeu 165 adolescentes que cometeram algum tipo de ato infracional, desse valor
(6,06%) eram do sexo feminino e (93,94%) do sexo masculino.
Relaciona-se a seguir a quantidade por ano em 2003 recebeu (7,27%), 2004 (21.21%),
2005 (15,15%),2006 (10,90%), 2007 (7,87%), 2008 (11,51%), 2009 (9,69%), 2010 (5,45%),
2011 (4,24%), 2012 (6,66%); diante deste perfil será exposto em seguida a cidade de origem
dos adolescentes, Juazeiro do Norte-Ce (46,06%), Crato-Ce (13,33%), Assaré-Ce (4,24%),
Brejo Santo-Ce(3,03%), Aurora-Ce (3,03%), Araripe-Ce (3,03%),
Barbalha-Ce (3,03%),
Fortaleza-Ce (2,42%), São Paulo- SP ( 3,03%), sendo que (14,57%) são de cidades
circunvizinhas que tiveram um índice menor que 1% e foram analisados de forma global, e o
índice de dados não informados somam (2,42%).
Descrição da média por idade e quantidade de adolescentes do sexo masculino
atendidos: 146 adolescentes com faixa etária entre 12 e 14 anos (9,67%), entre 15 e 17 anos
(53,54%), com 18 anos (30,96%) não informados (5,83%); adolescentes do sexo feminino
atendidas 10, sendo duas com treze anos, três com quatorze, quatro com quinze, e uma com
dezesseis anos; com relação a escolaridade (2,42%) estavam na educação infantil, (78,18%)
no ensino fundamental, (6,06%) no ensino médio e (13,34%) não foram informados.
Os percentuais a seguir descrevem o ato infracional cometido pelos adolescentes que
por sua vez resultou no processo de internação de semiliberdade. Envolvimento com drogas
(2,42%), Homicídio(5,45%), roubo(10,90%), roubo e uso de drogas(4,84%), furto(14,54%),
roubo e porte ilegal de armas(1,81%), roubo e assalto(1,81%), homicídio simples(1,81%),
tentativa de homicídio(3,03%), ameaça(1,81%) , não informados(29,69%) e (21,89%)
respondem por mais de dois processo e ficam em uma média inferior a 1% por isso foram
analisados de maneira global.
Diante destes dados podemos analisar varias informações começando por uma analise
voltada para o próprio atendimento; a capacidade de atendimento é de 25 adolescentes e na
maioria dos anos esse atendimento ficou inferior a 50% da capacidade da instituição, em
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termos de gênero percebesse que o ato infracional é mais cometidos por adolescente do sexo
masculino em vez de adolescentes do sexo feminino, a cidade de origem que mais se destaca é
da própria sede da instituição, Juazeiro do Norte-ce, fazendo uma analise talvez isso acontece
por ser uma cidade em desenvolvimento, que tem um numero de habitantes que por sua vez é
superior as demais cidades circunvizinhas. Os maiores índice de atendimento foi em 2004 e o
menor índice de atendimento foi em 2011, fazendo uma correlação com a idade o índice de
maior atendimento foi de adolescentes com faixa etária entre 15 e 17 anos e o menor entre 12
e 14 anos, as adolescentes do sexo feminino tem um perfil variado e a demanda é totalmente
inferior a do sexo masculino, em termos de escolaridade pode-se analisar que a maioria não
passa do ensino fundamental e através das analises voltadas para o ato infracional mais
cometido o que se destacou foi o furto.
Com o acesso a esses 165 documentos pode-se perceber que a atuação do profissional
de psicologia se fez presente no processo de desenvolvimento desses adolescentes,
comprovando assim a sua atuação diante do espaço institucional, contudo no ano de 2002 que
é o ano de fundação da instituição não foi encontrado nenhum dado que comprovasse a
inserção de adolescentes nem do profissional de psicologia, só em 2003 se encontra os
primeiros registros de adolescentes relacionados à atuação do profissional de Psicologia.
No decorrer dos anos passou pela instituição seis profissionais de psicologia sendo que
o ultimo já se encontra no espaço há mais de quatro anos. Contata-se através desses
documentos, o desenvolvimento de suas atividades, percebe-se que, o mesmo pauta seu
trabalho diante do que institui a Lei e o Código de Ética do Profissional de Psicologia,
desenvolvendo pareces e relatórios técnicos sobre os adolescentes. Não se resumindo só a
isso, o profissional se utiliza de outros instrumentos para estar interagindo com os
adolescentes como palestras, oficinas, desenvolvimento de grupos entre outros.
Os serviços são desenvolvidos em conjunto com a equipe interdisciplinar, no decorre
da pesquisa entravam-se sete adolescentes internos na instituição, todos exercendo atividade
extra institucionais. O acesso ao material foi facilitado por intermédio de autorização do
diretor da instituição, porém as maiores dificuldades encontradas foi em colher os dados, pois
na elaboração da documentação nem sempre tinha todos os dados dos adolescentes completos
deixando assim uma lacuna diante de diversas informações, sendo estas expressadas como
dados não informados. Várias são as necessidades percebidas, muitas vezes há falta de
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material de escritório, comunicação entre equipe técnica e socioeducadores, material
eletrônico e outros, porém percebe-se que este sistema está em contínuo processo de evolução
e vem se adequando às necessidades no passar dos anos em termos institucionais diante das
leis das políticas públicas.
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa contextualiza aspectos e fatos que trazem uma carga histórica, que por sua
vez, permite visualizar a evolução das relações políticas e de poder no decorre dos anos.
Trazem reflexões sobre as leis que foram elaboradas no país durante anos que retratam os
direitos e deveres de crianças e adolescentes muitas vezes com características repressivas.
As mesmas perpassam pelo plano social e político, sendo elaboradas de acordo com as
necessidades da época. Perpassam por um processo de desenvolvimento e de atualização, pois
as mudanças se adéquam sempre ao desenvolvimento e a realidade atual. O Estatuto da
Criança e do Adolescente- ECA é a Lei Federal mais atual referente aos direitos de crianças e
adolescentes. A mesma é pautada no principio da proteção integral por ser um sujeito ainda
em desenvolvimento, onde se estabelece as bases que regem as instituições de atendimento
socioeducativo. Traz a visão do que é planejamento diante das necessidades das crianças e
adolescentes, sendo por sua vez a base para o desenvolvimento das atividades
socioeducacionais e profissionais.
A atuação do psicólogo nessas instituições é garantida diante do Art. 94 Ins -IX do
ECA. O profissional tem como função garantir o bem-estar e os direitos dos adolescentes. A
inserção do Psicólogo nas políticas públicas é algo ainda muito recente, tanto quanto a
profissão, dentro desta dimensão percebe-se que várias são as adequações que precisam
acontecer. E com base nos resultados colhidos na pesquisa compreende-se que muitas são as
mudanças que ocorrem em termos institucionais. Os parâmetros atendem as exigências
técnicas, mas isso não significa dizer que atende a todas as necessidades e prioridades para
que esses indivíduos sejam recuperados ressocializados.
Com isso, tenta-se compreender, o que os grandes teóricos citados no decorre do
artigo tentam transpassar em suas obras, analisando as colocações de Goffmam (2008) diante
de sua visão do que é instituição, e Foucault (2011) enfatizando as relações e os mecanismos
de poder, relacionado com as grandes modificações no passar dos anos em termos de Lei,
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relacionando assim com a instituição que se propôs estudar, dentro de seus mais variados
aspectos, fazendo uma co-relação com a atuação do profissional de psicologia, diante do
ECA, na visão de Bleger (1984) e Guirado (2012), que conseguem traze de forma mais
aprofundada o fazer da Psicologia Institucional, possibilitando assim um melhor entendimento
da atuação do Psicólogo diante das instituições de maneira geral e das de medidas
socioeducativas.
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UM OLHAR SOBRE A SITUAÇÃO DAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES NA
REALIDADE BRASILEIRA
Rita Wigna de Souza Silva106
Resumo: No início do século XX não encontramos registros políticas sociais para criança e adolescente na
realidade brasileira. O trabalho tem por objetivo explanar a importância de se ter essa discussão acerca da
criança e do adolescente.
Palavras-chaves: Criança; Adolescente.
Abstract: In the early twentieth century no record social policies for children and adolescents in the Brazilian
reality. The paper aims to explain the importance of having this discussion about the child and adolescent.
Keywords: Child; Adolescent.
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho apreende-se a criança e o adolescente na realidade brasileira, relatando
um breve histórico dessa trajetória ao longo dos anos. O trabalho tem por objetivo explanar a
importância de se ter essa discussão acerca da criança e do adolescente e como deve ser o
julgamento desses, se deve ser pelo desvalor do ato que praticou ou pelo modo que governa
sua vida para a violência. Além disso, também, será abordada e feita uma análise crítica em
relação ao Código de Menores e o ECA. Percebemos também quais são as melhores diretrizes
para a compreensão da responsabilidade juvenil. Em síntese, a metodologia consistiu em uma
pesquisa bibliográfica e análise dos seguintes autores: (COSTA, 1993); (PINO, 1990);
(TEIXEIRA, 1991); (VOLPI, 2000); (VYGOTSKY, 1998), visando contribuir para um
aprofundamento cada vez maior acerca da criança e adolescente na sociedade brasileira.
106
Graduada em Serviço Social, Especialista em Direitos Humanos, e Fernanda Cristina Vasconcelos Nogueira,
Graduada em Serviço Social. Instituição: Prefeitura Municipal de Ubajara-Ce. Email: [email protected];
Telefone: (88)97302992
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2 DESENVOLVIMENTO
2.1 Um breve histórico da trajetória dos direitos da criança e do adolescente no Brasil
Até o início do século XX não encontramos registros de desenvolvimento de políticas
sociais para criança e adolescente na realidade brasileira. A Igreja Católica era a responsável
pela população mais pobre, por meio de várias instituições, tais como as Santas Casas de
Misericórdia. A primeira foi implantada no ano de 1543 no Brasil, na capitania de São
Vicente (Vila de Santos).
Na América Latina em 1923 foi criado o Juizado de Menores, e o primeiro documento
foi registrado no ano de 1927. Vale destacar que o Código de Menores tinha como público
alvo não só as crianças, mas apenas aquelas que estavam em situação irregular, isto é, as que
não estavam cumprindo as regras impostas pela sociedade. No artigo 1º do Código de
Menores traz a quem a Lei se aplicava107.
Com base nesse artigo fica evidente que o Código de Menores tinha como objetivo
estabelecer diretrizes para a infância e a juventude, estabelecendo paramentos para as
questões como o trabalho infantil, tutela e o pátrio poder, delinquência e liberdade vigiada.
No período de 1930 a 1945, o Brasil, passou por muitas mudanças e com isso inicia o
Estado Novo. Com a revolução de 30 permitiu a queda das oligarquias rurais do poder
politico. Nesse momento o país precisava desenvolver um projeto político.
No ano de 1942 o Estado Novo passou por um período autoritário e foi criado o
Serviço de Assistência ao Menor - SAM que era uma instituição do órgão do Ministério da
Justiça e era parte do sistema penitenciário para a população menor de idade com intuito de
correção e repressão. O atendimento era diferenciado para o adolescente autor de ato
infracional e para o menor carente e abandonado.
Outras entidades federais foram criadas para atender a criança e ao adolescente.
Alguns programas tinham como objetivo o trabalho, com ênfase na pratica assistencialista108.
107
―O menor, de um ou outro sexo, abandonado ou delinquente, tiver menos de 18 anos de idade, será submetido
pela autoridade competente ás medidas de assistência e proteção contidas neste Código‖ (grafia original) Código
de Menores – Decreto N.17.943 A – de 12 de outubro de 1927.
108
LBA – Legião Brasileira de Assistência – agência nacional de assistência social criada por Dona Darcy
Vargas. Intitulada originalmente de Legião de Caridade Darcy Vargas, a instituição era voltada primeiramente ao
atendimento de crianças órfãs da guerra. Mais tarde expandiu seu atendimento. Casa do pequeno jornaleiro:
programa de apoio a jovens de baixa renda baseado no trabalho informal e no apoio assistencial e
socioeducativo. Casa do pequeno lavrador: programa de assistência e aprendizagem rural para crianças e
adolescentes filhos de camponeses. Casa do pequeno trabalhador: programa de capacitação e encaminhamento
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1202
O Brasil, no período de 1945 a 1964, iniciou a fase da Redemocratização do país e a
nova Constituição é promulgada em 1946. Esse período foi determinado por duas fases: o
aprofundamento das conquistas sociais em relação à população de baixa renda e o controle da
mobilização e organização que começa a surgir frequentemente nas comunidades.
O início da década de 60 ficou conhecido por ter uma sociedade civil mais organizada
e o SAM passou a ser visto como, repressivo, desumanizante e chamado de ―universidade do
crime‖. Já no período de 1964 a 1979, o Brasil, passou pelo Regime Militar, esse regime
posicionou o país, frente a realidade internacional da Guerra Fria, com os países capitalistas.
O sistema ditatorial foi implantado, e o país estagnou por mais de 20 anos.
Para a área da infância no período dos governos militares assinaram dois documentos
importantes: A lei que criou a Fundação nacional do Bem – Estar do Menor (FUNABEM),
(Lei 4.513 de 01/12/64), o Código de Menores de 79 (Lei 6.697 de 10/10/79).
A FUNABEM tinha como pontos centrais formular e implantar a Politica Nacional do
Bem Estar do Menor. Ela era a instituição de assistência à infância por meio da internação,
tanto dos abandonados e carentes como dos infratores.
O Código de Menores que foi implementado em 1979 foi baseado e revisado pelo
Código de Menores de 27, não retirando o ponto principal que era a arbitrariedade,
assistencialismo e repressão junto à população infanto-juvenil.
Destacamos que essa Lei enfocou o conceito de ―menor em situação irregular‖, são
meninas e meninos com infância em ―perigo‖ ou ―perigosa‖. Esses meninos e meninas eram
vistos como um objeto potencial da administração da justiça de menores. Mas, fica evidente
que a ―Autoridade Judiciária‖ esta prevista no Código de Menores de 1979 e na Lei da
Fundação do Bem Estar do Menor.
Na década de 80 a Constituição Federal foi promulgação em 1988. Nessa época vários
grupos se organizaram para estudar a problemática da infância que era: os menoristas e os
estatutistas. Os menoristas tinham a linha de defesa da manutenção do Código de Menores,
que era a regulamentação das crianças e adolescentes que estivessem em situação irregular
(Doutrina da Situação Irregular). Mas, os estatutistas defendiam uma vasta mudança no
ao trabalho de crianças e adolescentes urbanos de baixa renda. Casa das meninas: programa de apoio assistencial
e socioeducativo a adolescentes do sexo feminino com problemas de conduta.
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código, permitindo novos e amplos direitos às crianças e adolescentes, assim seriam
reconhecidos como sujeitos de direitos e a contar com uma política de proteção integral.
Percebemos que o grupo dos estatutistas era articulado, tendo muitos representantes
importantes109.
Em 1987 foi formada a Assembleia Nacional Constituinte, mas só foi promulgada em
1988, possibilitava muitos avanços na área social, implanta uma nova gestão das políticas que
permitiu a participação ativa das comunidades por meio dos conselhos deliberativos e
consultivos. Frisar-se que na Assembleia Constituinte foi criado um grupo de trabalho
comprometido com a problemática da criança e do adolescente, o que resultou o artigo 227,
que traz o conteúdo e enfoque próprio da Doutrina de Proteção Integral da Organização das
Nações Unidas, trazendo os avanços da normativa internacional para a população infantojuvenil brasileira. Advertimos que esse artigo garantia às crianças e adolescentes os direitos
fundamentais de sobrevivência, desenvolvimento pessoal, social integridade física,
psicológica e moral, além de protegê-los de forma especial, ou seja, através de dispositivos
legais diferenciados, contra negligência, maus tratos, violência, exploração, crueldade e
opressão.
Portanto, com base nesse artigo as bases do estatuto da criança e do adolescente
estavam sendo preparadas por uma comissão de redação do Estatuto da Criança e Adolescente
(ECA) que contou com representação de três grupos expressivos: o dos movimentos, da
sociedade civil, o dos juristas (principalmente ligados ao Ministério Público) e o de técnicos
de órgãos governamentais (funcionários da própria FUNABEM).
Na década de 90 a Democracia é consolidada com a promulgação do ECA (Lei
8.069/90) em 13 de Julho de 1990. A sociedade brasileira avança com a produção desse
documento de direitos humanos que aborda o que há de mais novo na normativa internacional
em garantia de direitos da população infanto-juvenil. Com isso esse documento altera as
possibilidades de uma intervenção arbitraria do Estado na vida de crianças e jovens.
109
―Com base em Costa (1999) que relata algumas das estratégias utilizadas por este grupo para a incorporação
da nova visão à nova Constituição: para conseguir colocar os direitos da criança e do adolescente na Carta
Constitucional, tornava-se necessário começar a trabalhar, antes mesmo das eleições parlamentares constituintes,
no sentido de levar os candidatos a assumirem compromissos públicos com a causa dos direitos da infância e
adolescência‖.
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Percebemos que o ECA impõe à medida de internação, aplicando-a como último recurso,
limitado aos casos de cometimento de ato infracional.
Com a implantação do ECA, percebemos grandes esforços para a sua materialização
por parte dos governantes e dos outros setores da sociedade. A participação do terceiro setor
nas políticas sociais vem crescendo a partir de 1990, principalmente na área da infância e da
juventude. A formação dos conselhos dos direitos determina que a formulação de políticas
para a problemática da criança e adolescente deve vir de um grupo formado paritariamente
por membros representantes de organizações da sociedade civil e membros representantes das
instituições governamentais.
No entanto, a concretização integral do ECA ainda representa um desafio para todas
as pessoas compromissadas com a garantia dos direitos da população infanto-juvenil. Com
base em Costa, são necessários para a efetivação da lei três pontos. São eles110.
Portanto, há ainda muito caminho para percorrer antes que se consiga um estado total
de garantia de direitos com instituições sólidas e instrumentais eficientes. Destacamos que
muitos avanços vem acontecendo nos últimos anos, principalmente se contextualizado a partir
da história brasileira, composta mais pelo autoritarismo do que pelo fortalecimento de
instituições democráticas. No Brasil a luta pelos direitos humanos ainda tem muitos
obstáculos para serem superados para termos uma sociedade mais justa e igualitária.
2.2 Uma análise crítica entre o Código de Menores e o ECA
O Brasil no início dos anos 90 passou por muitas transformações e algumas
instituições sociais, o MNMMR e diversos profissionais se engajaram na luta pelos direitos da
criança e adolescente. Podemos citar algumas dessas conquistas como a inclusão desses
direitos na Constituição Federal de 1988 e a promulgação do ECA em 1990.
110
1-Mudanças no panorama legal: os municípios e estados precisam se adaptar a nova realidade legal. Muitos
deles ainda não contam, em suas leis municipais, com os conselhos e fundos para a infância. 2-Ordenamento e
reordenamento institucionalidades trazidas pelo ECA: conselhos dos direitos, conselhos tutelares, fundos
instituições que executam as medidas sócio educativas e articuladas das redes locais de proteção integral . 3Melhoria nas formas de atenção direta: é preciso aqui mudar a maneira de ver, entender e agir dos profissionais
que trabalham diretamente com as crianças e adolescente. Estes profissionais são historicamente marcados pelas
práticas assistenciais, corretivas e muitas vezes repressoras, presentes por longo tempo na história das práticas do
Brasil.
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Percebemos algumas mudanças entre o Código de Menores e o ECA. O ECA foi
construído com a participação dos movimentos socais e essa participação foi de suma
importância para se fazer a diferença. A sociedade reivindica seus interesses, que é a
democracia, também conquistada, materializada com a participação popular. Configurada na
nova ordem jurídica a partir da proposta de mudança de mentalidade da sociedade em relação
às crianças e adolescentes.
Com base em Pino (1990) podemos destacar o caráter universal dos direitos. Presente
no reconhecimento legal do direito de todas as crianças e adolescentes à cidadania
independentemente da classe social. Encontramos uma transformação de paradigma quando o
antigo Código de Menores era destinados somente a aqueles em ―situação irregular‖ ou
inaptos e a nova Legislação traz que todas as crianças e adolescentes são sujeitos de direitos.
Já no Código de Menores, encontramos um caráter discriminatório ligado à pobreza à
―delinquência‖, o que dificultava as reais dificuldades vivenciadas por esse público, tais como
a enorme desigualdade de renda e a falta de alternativas para melhorar a vida. Mas, a
inferiorização das classes populares estava nas regras, às quais todas deveriam se enquadrar. E
os mais pobres eram obrigados a se encaixar nessas normas, tipo se eles tivessem um
comportamento desviante e uma ―tendência natural à desordem‖. Portanto, inaptos à
convivência na sociedade. E o mais comum era que todos fossem condenados à segregação.
Assim, a sociedade estaria livre dessa população, mas todo esse segmento, considerado
―carente, infratores ou abandonados‖, são na verdade, vítimas da falta de proteção.
O Código de Menores funcionava também como um instrumento de controle,
transferindo responsabilidade para o Estado, a tutela dos ―menores inadaptados‖ dessa forma,
justificava a ação dos aparelhos repressivos. Ao contrario do ECA que serve como um
mecanismo de exigibilidade de direitos aqueles que estão vulneráveis por causa da sua
violação.
Conforme Costa (1990), a criança e adolescente são reconhecidos como sujeitos de
direitos e não são mais vistos como portadores de necessidades. Esse fato não nega a relação
de dependência das crianças aos adultos e muito menos a responsabilidade que os pais tem
com os (as) filhos (as).
Levando em conta Teixeira (1991) essa relação entre pai e filho (a), contudo, significa
impedir a ocorrência daquilo que, nesta afinidade, traz a marca do autoritarismo, da violência
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e do sofrimento. Evidenciamos que ao assumir que a criança e o adolescente são ―pessoas em
desenvolvimento‖,
a
nova
Lei
deixa
de
responsabilizar
algumas
crianças
pela
irresponsabilidade dos adultos.
Compreendemos que são todos os adultos que devem assumir a responsabilidade pelos
seus atos em relação a todos as crianças e adolescentes.
Outro ponto importante é em relação à referência à nominal, isto é, a expressão
―menor‖ é substituída por ―criança ou adolescente‖ para justamente negar esse conceito que
existia no Código de Menores, de incapacidade na infância.
Dessa forma o conceito de infância que é ligado à expressão ―menoridade‖ contém em
si a ideia de não ter, ou seja, ser ―menor‖ significa não ter dezoito anos e, portanto, não ter
capacidades, não ter atingido um estagio de plenitude e não ter, inclusive direitos (VOLPI,
2000). Notamos que esse paradigma evolucionista, está firmado na teoria de desenvolvimento
infantil que era atrelado a competência especifica dos adultos.
Nesse sentido, compreendemos que com a formulação do ECA, inicia uma discussão
para entendemos as competências e capacidades do público infanto-juvenil. As mudanças
acontecem e as crianças e adolescentes passam a serem reconhecidos como pessoas em
desenvolvimento. O mais impressionante é que as crianças e adolescentes passam a serem
julgados pelo seu momento atual, e não mais pelo seu futuro. Portanto, o conceito de infância
é retomado, e marcado pela provisoriedade e singularidade de cada um, por está em constante
mudança e ser processual.
Observamos também a singularidade vivenciada por cada criança e adolescente.
Constatamos que são seres sócios históricos que não apenas reagem às determinações sociais,
mas são sujeitos de ações.
Nessa perspectiva, podemos entender que a definição da adolescência não é uma crise
própria da idade, muito menos de uma essência da biologia universal. A adolescência possuir
diversas características, que estão presentes em uma qualidade de pensamento e são
totalmente diferentes na infância e na fase adulta.
Percebemos que quanto mais amplo e diverso for esse espaço do indivíduo, maior a
possibilidade de conhecimento do mundo, seus próprios interesses e capacidade de inovação.
As crises vivenciadas na adolescência não podem ser percebidas como patologias e muito
menos ter um modelo padrão de adolescente. Então, veremos essas crises como desarranjos,
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uma vez que a harmonia é ―pressuposto natural‖ (VYGOTSKY, 1998). O crescimento de um
ser não está ligado só pela harmonia, mas pelas contradições, pelos confrontos. Entretanto,
esses impasses são características do ser humano em qualquer fase da vida. Destacamos que a
forma como a adolescência será vivida por cada indivíduo vai depender das condições dadas
para seu crescimento. Resultado do somatório do respeito ao seu direito de sobreviver, da
garantia de sua integridade física, psicológica e moral.
Assim, o ECA possibilita um reordenamento institucional, quebrando com as práticas
firmadas na filantropia ou caridade (PINO, 1990) e promove uma nova ordem onde os direitos
das crianças geram responsabilidades para a família, para o Estado e para a sociedade.
Apesar das transformações de paradigma, sabemos que, olhando para a realidade
prática, nesses 23 anos não é muito positivo. Sejamos realistas: o ECA não foi implementado
como previsto na Lei. É fato que algumas políticas públicas passaram por reformulações, mas,
infelizmente, nem todos atendem às concepções expressas na legislação vigente.
Lembramos o não atendimento aos adolescentes autores de ato infracional. E o próprio
Ministério da Justiça, em 1997, fez um levantamento nacional do atendimento às medidas
sócio educativas que mostrava a não implementação do ECA (Apud, TEIXEIRA, 2002).
Em um rápido panorama desta realidade, vemos a omissão das autoridades
responsáveis e a ―preferência‖ pela aplicação de medidas de privação de liberdade nos casos
em que caberiam medidas sócios educativas em meio aberto. Notamos que os adolescentes
autores de ato infracional estão sendo privados de liberdade, vivem esta situação sob a lógica
da tortura no dia a dia.
Ainda, encontramos pessoas dispostas a defender projetos ultrapassados como, o da
redução da idade penal, além de outras pessoas acreditarem que o ECA serve para disfarçar
atos criminosos de adolescentes, para protegê-los, retirando-lhes a responsabilidade. Mas,
temos outro ponto, o da mudança de mentalidade, tarefa esta que depende também de um
processo histórico e da vontade política de educadores e profissionais na discussão do ECA.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Enfim, através de uma análise crítica das bibliografias utilizadas nesse trabalho
verificou-se que na realidade brasileira a criança e adolescente tem muitos dos seus direitos
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negados, e os serviços, instituições existentes funcionam de forma precária. Logo, conclui-se
que o ECA não esta sendo efetivado como previsto na legislação, para sua materialização
exigem mudanças e que seja feita uma alteração nas informações, nos serviços prestados,
profissionais sejam capacitados para o atendimento. Sabemos que muita coisa mudou nesses
23 anos de Estatuto da Criança e do Adolescente, mas ainda faltam muitas barreiras a serem
superadas para uma real efetivação dessa Lei.
Dessa forma compreendemos que a criança e o adolescente devem ser julgados pelo
desvalor do ato que praticou, em virtude de entendemos que todos os adultos devem assumir a
responsabilidade dos seus atos em relação a todas as crianças e adolescentes. Assim, as
crianças e adolescentes passam a serem julgados pela sua situação atual, e não mais pelo seu
futuro. Nesse sentido, o conceito de infância é novamente posto em pauta e marcado pela sua
provisoriedade e singularidade de cada um, por ser um ser em constante mudança processual.
Ressaltamos a importância de realizarmos este trabalho, obtivemos aprendizados que
nos serão necessários a nossa profissionalização e para o crescimento pessoal também, por
meio do conhecimento acerca dessa temática da criança e do adolescente.
REFERÊNCIAS:
COSTA, Antonio Carlos Gomes. O novo direito da infância e da juventude do Brasil: 10
anos do EFA- Avaliando conquistas e projetando metas. Cad.1-UNICEF, 1990.
___________. De menor a cidadão: notas para uma história do novo direito da infância e
juventude no Brasil. Editora: Contexto, 1999.
PINO, A. Direitos e realidade social da criança no Brasil. In.: A propósito do “Estatuto da
Criança e do Adolescente”. Revista Educação & Sociedade, ano XI, nº 36, p.61-79, agosto,
1990.
TEIXEIRA, M.L.T. O estudo da criança e do adolescente e a questão do delito. Cadernos
populares nº 3, Sitraemfa, 1991.
_________. Adolescência – violência: uma ferida de nosso tempo. São Paulo, 2002. Tese
(Doutorado). Serviço Social, PUC/SP.
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VOLPI, M. (UNICEF). I Encontro Estadual de Educação Social na Rua. São Paulo. Julho,
2000 (Palestra).
VYGOTSKY, L. S. Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 5ª ed. 1998.
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