“FEMINIZAÇÃO DA POBREZA”: ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE O EMPOBRECIMENTO DAS MULHERES Suamy Rafaely Soares1 RESUMO: A presente reflexão objetiva compreender a relação dialética entre a acumulação capitalista e a desigualdade de gênero. Neste sentido, se propõe a analisar o processo de pauperização das mulheres, a historicidade do conceito de ―feminização da pobreza‖, bem como, a sua funcionalidade para as novas formas de intervenção na ―questão social‖, surgidas como resposta a crise do capital pós-1970. Ainda, situa as contradições dos programas de transferência de renda e a relação do Programa Bolsa família com a reprodução da desigualdade de gênero. Palavras-Chave: Patriarcado, acumulação capitalista, pauperização ABSTRACT This reflection aims to understand the dialectical relationship between capitalist accumulation and gender inequality. In this sense, we intend to analyze the process of impoverishment of women, the historicity about the concept of "feminization of poverty", as well as its functionality to the new forms of intervention in the "social issues" that arose in response to the crisis of capital post-1970. Also lies the contradiction of income transfer programs and the relationship of the Bolsa Familia with reproduction of gender inequality. Keywords: Patriarchate, capitalist accumulation, impoverishment. 1 NOTAS INTRODUTÓRIAS O aprofundamento da desigualdade social vem se apresentando como um dos principais debates político e teórico da contemporaneidade e a sua redução foco dos governos liberais, conservadores e socialdemocratas. No âmbito da construção do conhecimento tem-se constituído diferentes abordagens para compreender e intervir no cenário atual. Desde a construção de pseudocategorias analíticas articuladas à perspectivas teóricas funcionalistas, estruturalistas e pós – modernas, à reafirmação das categorias da crítica da economia política marxista. 1 Assistente social, mestrado em Serviço Social pela UFPE, docente da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Cajazeiras – FAFIC. Email: [email protected]. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 896 Vale ressaltar, que o feminismo tem, permanentemente, debatido acerca da particularidade da chamada ―questão social‖2 na vida das mulheres, devido a histórica situação de dominação/exploração a que são submetidas. Isso pode ser visibilizado nas esferas pública e privada, por meio de inúmeras expressões, entre elas, a pauperização, a pouca participação na política, na economia e na ciência, a divisão sexual do trabalho, o controle da sexualidade e o uso da violência. Especialmente nas últimas três décadas vê-se a emergência do conceito de ―feminização da pobreza‖, utilizado indiscriminadamente pelos sujeitos coletivos mais diversos e até contraditórios – órgãos governamentais, Banco Mundial, Fundo Monétário Internacional, ONG‘s, fundações, filantrópicas e empresas, agências de cooperação internacional, lutas sociais e universidades – transformando-se numa linha de acesso a recursos e no foco das políticas de combate à pobreza. Em resumidas contas, o presente trabalho se propõe, em primeiro lugar, a compreender a relação dialética entre a acumulação capitalista e a desigualdade de gênero. Em outra parte, analisar a historicidade do conceito de ―feminização da pobreza‖, bem como, a sua funcionalidade para as novas formas de intervenção na ―questão social‖, surgidas como resposta a crise do sistema do capital pós -1970. 2 PATRIARCADO E SISTEMA CAPITALISTA: A IMPORTÂNCIA DA SUBORDINAÇÃO DAS MULHERES PARA A ACUMULAÇÃO DO CAPITAL A desigualdade entre mulheres e homens constitui-se como um fenômeno histórico, social, cultural e econômico materializado pelo patriarcado3. De acordo com Saffioti (1999) o 2 A questão social é aqui entendida como o conjunto das expressões das desigualdades econômicas, sociais, políticas e culturais que são produzidas e/ou reproduzidas na sociedade capitalista desenvolvida. As bases explicativas para a emergência e reprodução destas desigualdades se assentam, em caráter último, porém não único, (as desigualdades de gênero, raça, etnia e geração se entrecruzam com a classe, mas não podem ser explicadas exclusivamente pelo viés da exploração/dominação de classe), na lógica que embasa esta forma de sociedade: a lógica da mercadoria e o processo de exploração e dominação que a sustenta. Sobre a questão social como objeto e fundamento sócio-histórico de legitimação do serviço social como profissão, cf. IAMAMOTO, Marilda V. O Serviço Social na Contemporaneidade: trabalho e formação profissional. São Paulo: Cortez, 2003. 3 Segundo Saffioti (2004) a palavra patriarcado é de origem grega em que pater quer dizer pai e archie significa comando. A autora (2004, p.101) ainda aponta uma importante reflexão: ―Tão-somente recorrendo ao bom III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 897 patriarcado é um sistema de relações sociais que garante a subordinação da mulher ao homem e, pode ser pensado ―[...] como um dos esquemas de dominação/exploração componentes de uma simbiose da qual participam também o modo de produção e o racismo‖ (SAFFIOTI, 1999, p.193). Trata-se, pois, de relações de dominação que foram apropriadas, reconfiguradas e ampliadas pelo modo de produção capitalista. O surgimento e a consolidação da sociedade de classe, que tem sua base de sustentação na propriedade privada e na família patriarcal monogâmica, reconfigura o lugar da mulher na sociedade. Nesse sentido, os (as) filhos (as) e as terras passaram a ser propriedades privadas do homem, ficando bem definido os papéis sociais e sexuais entre eles. Ao homem era dado o poder de vida e morte sobre a mulher, filhos, escravos e animais, ou seja, sobre todos que estavam sob seu domínio, no famulus4. Uma referência importante aqui, é o fato de que a consolidação da família patriarcal monogâmica objetivou uma repartição entre as esferas pública e privada, a primeira locus privilegiado dos homens, do poder, da economia, da participação política e científica, e a segunda espaço obrigatório das mulheres, da subjetividade e da reprodução dos filhos e filhas. De acordo com Reed (2008, p.42), Na nova sociedade os homens se converteram em principais produtores, enquanto as mulheres eram trancadas em casa e ficaram limitadas à servidão familiar. Desalojadas de seu antigo lugar na sociedade, não somente se viram privadas de sua independência econômica, como, inclusive, de sua antiga liberdade sexual. A nova instituição do matrimônio monogâmico surgiu para servir as necessidades da propriedade, que a partir de então era possuída pelo homem. Mediante o exposto, nas sociedades de classe pré-capitalistas, e, posteriormente, na fase de emergência e consolidação do capitalismo as mulheres foram confinadas ao espaço senso, presume-se que nenhum (a) estudioso (a) sério (a) consideraria igual o patriarcado reinante na Atenas Clássica ou na Roma Antiga ao que vige nas sociedades urbano-industriais do ocidente. Mesmo tomando só o momento atual, o poder de fogo do patriarcado vigente entre os povos africanos e/ou mulçumanos é extremamente grande no que tange à subordinação das mulheres aos homens [...]‖. 4 De acordo com Saffioti (2004, p. 89): ―famulus significa escravo doméstico, e família é o número total de escravos pertencentes a um homem‖. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 898 doméstico e socializadas para o mundo da reprodução social. Isso não significa que as mulheres, enquanto categoria social, ficaram excluídas da produção, pois executavam atividades como tecer e confeccionar vestimentas, produzir e conservar alimentos e remédios, entre outras, que com a industrialização passaram a ser realizadas nas fábricas. Assim, a afirmação de que do período escravagista à manufatura as mulheres se mantiveram na reprodução, e, apenas com o advento da grande indústria se inserem na produção social, é própria da ciência androcêntrica, que invisibiliza a história das mulheres enquanto trabalhadoras. Segundo Vinteuil (1989, p. 06), Além de anacrônica, esta tese é inaceitável, porque nenhuma formação social conhecida na história pôde prescindir da utilização massiva da força de trabalho das mulheres para a produção.[...] sustentar que todas as mulheres ficaram excluídas da produção é produto da ideologia patriarcal que apresenta o trabalho das mulheres como um não trabalho. Com o desenvolvimento das forças produtivas, por incremento da maquinaria, cria-se a necessidade de aumentar o número de trabalhadores, e, por conseguinte, inserir as mulheres e crianças no ciclo produtivo da fábrica, que até então era espaço exclusivo dos homens. De acordo com Marx (2008, p. 451): Tornando surpéflua a força muscular, a maquinaria permite o emprego de trabalhadores sem força muscular ou com desenvolvimento físico incompleto, mas com membros mais flexíveis. Por isso, a primeira preocupação do capitalista, ao empregar a maquinaria, foi a de utilizar o trabalho das mulheres e crianças. Assim, de poderoso meio de substituir o trabalho e trabalhadores, a maquinaria transformou-se imediatamente em meio de aumentar o número de assalariados, colocando todos os membros da família do trabalhador, sem distinção de sexo e idade, sob o domínio direto do capital. Aqui fica claro, a relação entre o modo de produção capitalista e o patriarcado, pois, a mulher, referenciada socialmente como frágil e sem força muscular, passa a ser considerada como força de trabalho inferior, e, sendo assim, só será utilizada quando a força muscular for considerada surpéflua. Como já mencionei anteriormente várias teóricas feministas (SAFFIOTI,1987;REED,2008;TOLEDO,2008;) afirmam que as mulheres sempre realizaram atividades pesadas, tais como, preparar a terra para agricultura, cuidar dos animais, transportar III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 899 utensílios pesados, entre outras, que apontam a apropriação da subordinação da mulher para desqualificar o seu trabalho. Ainda é importante ressaltar que no patriarcado o trabalho das mulheres é compreendido como complementar ao masculino, pois o homem deve assumir o papel de provedor e protetor da família. A retirada da mulher do exército industrial de reserva5, tem grande importância no processo acumulativo e expansivo do capital. Em primeiro lugar, porque, considerar a força de trabalho feminina como inferior e complementar, faz com que a composição do seu salário seja reduzida, e, consequentemente, provoca a redução dos salários da classe trabalhadora. Segundo Toledo (2008, p.38-39): A incorporação da mulher à fábrica, e também da criança, desvalorizou o trabalho masculino e aumentou o grau de exploração, agora não mais do operário individual, mas de toda a família operária. Marx explica como o valor da força de trabalho passou a ser determinado pelo tempo de trabaho indispensável para a manuntenção de toda a família operária, e não mais apenas do operário adulto individual. Ao lançar no mercado de trabalho todos os indivíduos da família, a máquina distribuiu entre toda a sua família o valor da força de trabalho de seu chefe, desvalorizando-a. Em segundo lugar, a entrada das mulheres na fábrica cria a necessidade de ampliar a produção e a circulação de mercadorias, bem como a demanda de serviços. Como já esboçado anteriormente, as atividades que até então eram realizadas pelas mulheres, passaram a ser executadas pela fábrica. Isso transformou a família operária, até então produtora, em consumidora dos bens e serviços ofertados pelo sistema capitalista. Salienta-se que, o trabalho doméstico realizado pelas mulheres não é contabilizado pelo capitalista. Em outras palavras, os custos da reprodução da força de trabalho são contados a partir da satisfação das necessidades básicas à manuntenção e reprodução da classe trabalhadora, tais como, alimentação, vestuário, habitação, lazer, educação, entre outras. 5 É próprio da lógica do capital criar uma superpopulação de trabalhadores supérfluos para o trabalho e a riqueza, mas economicamente necessários a dinâmica do capital, no sentido de acirrar a concorrência entre os trabalhadores e regular o valor dos salários. Assim, os capitalistas têm um grande contingente de trabalhadores a disposição do processo produtivo, podendo ser inseridos ou repelidos de acordo com as necessidades de expansão do capital. Para aprofundar essa questão, cf. IAMAMOTO, Marilda V. Serviço Social em Tempo de Capital fetiche. São Paulo: Cortez, 2008 III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 900 Entretanto, está excluído desta conta, todo o trabalho investido na gestão e execução dessas tarefas domésticas, assim como, o fato de que essas atividades são atribuições das mulheres. Por tudo isso, seria impossível a manuntenção do trabalho assalariado na produção sem a sustentação do trabalho reprodutivo e não remunerado na esfera doméstica (Carrasco,2001). Não é demais afirmar que o modo de produção capitalista insere de forma massiva crianças e mulheres na produção fabril, se apropriando de sua histórica subordinação para acumular mais riquezas. Por tudo isso, faz um movimento duplo, de um lado, cristaliza as atividades procriativas e reprodutivas como responsabilidades das mulheres, como forma de desonerar o capital com a reprodução social da força de trabalho. Em outra direção, transforma essas mulheres, junto com seus (as) filhos (as) em trabalhadores (as) mais baratos, e, em certa medida, submissos (as). Como afirma Toledo (2008, p.39): ―[...] apesar de haver sido confiscada pelo capital para ir à fábrica, a mulher não foi liberada da escravidão do trabalho doméstico‖. A autora ainda aponta que (2008, p.54), O trabalho doméstico agrava o processo de alienação vivenciado pela mulher no mercado de trabalho e no conjunto das relações sociais. Além de embrutecê-la, porque toma-lhe o tempo ao aprimoramento intelectual e artístico, à participação política e social, a separa da produção material do conjunto da sociedade ou reserva-lhe um lugar subalterno. Sendo assim, a questão da alienação da mulher em casa e no trabalho é um aspecto fundamental de sua opressão. Ademais, essa entrada das mulheres na esfera da produção capitalista, em vez de proclamar a libertação feminina, como preconizava inúmeros autores (as), aprofundou as expressões do patriarcado no âmbito público e privado, bem como perpetuou diversos preconceitos e discriminações contra este segmento. É importante dizer que as mulheres, nos séculos XIX e XX, ocuparam cada vez mais, postos de trabalho, todavia, o fato do sistema capitalista se apropriar da subordinação das mulheres para obter mais lucro, transformou-as majoritariamente nos trabalhos informais e parciais, em trabalhadoras precarizadas, com baixas remunerações e sem garantias trabalhistas, além da acumulação de uma dupla jornada de trabalho. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 901 Além disso, é preciso reconhecer que a força de trabalho feminina, tradicionalmente, compunha o exército industrial de reserva, e que o capital insere ou repele essa força de trabalho quendo necessita ampliar sua produção. Um exemplo disso foi as duas guerras mundiais, em que as mulheres ocuparam os lugares dos homens e em pouco tempo voltaram ao desemprego (REED,2008). Sabe-se bem que as constantes transformações no modo de produção capitalista agudiza a dupla condição de exploração da mulher, como reprodutora do capital e da força de trabalho. Com destaque, para o processo de reestruturação produtiva do capital e emergência do neoliberalismo, no final da década de 19706. Uma referência importante aqui é que as intensas transformações no modo de produção capitalista articuladas aos processos organizativos das lutas sociais feministas objetivaram mudanças no sistema patriarcal, expressas em conquistas no âmbito dos direitos sociais e políticos, no mercado de trabalho, na esfera privada, entre outros. No entanto, a base material do patriarcado não foi destruída, pois o ingresso das mulheres no mundo do trabalho e em outros espaços da vida social se dá de forma precarizada e subordinada aos homens. Tal fenômeno se concretiza para as mulheres através da pouca inserção nos espaços de decisão política, econômica e científica, da ocupação do mercado de trabalho de forma subalternizada, da divisão sexual do trabalho, do controle da sexualidade e da capacidade reprodutiva e do uso da violência. Nesse ponto da discussão cabe trazer alguns elementos da subordinação das mulheres nas últimas três décadas. Em primeiro lugar, é importante apontar algumas reflexões acerca da pouca participação das mulheres no poder político. Segundo Godinho (2004), nas últimas três décadas ampliou-se a presença da mulher nos espaços de caráter político, todavia, esse 6 O capitalismo é um sistema baseado na expansão e acumulação, que articula em sua dinâmica contraditória, períodos de grande produção de riquezas e outros de grande estagnação. Ademais, toda forma de restrição a dinâmica expansiva do capital aparece como sinal de crise, que de acordo com Netto e Braz (2007) é elemento constitutivo do modo de produção capitalista e favorece o processo de reestruturação do sistema, pressupondo o desenvolvimento de novas tecnologias e formas de exploração do trabalho, bem como, a adoção de medidas paliativas. Dessa forma, a ação capitalista convive com uma instabilidade permanente, cumulativa e crônica do sistema. Mais informações acerca das crises do capital ver, c.f. NETTO, J.P; BRAZ, M. Economia Política. Uma introdução crítica.São Paulo: Cortez, 2007. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 902 processo deu-se, fundamentalmente, na base dos partidos políticos e sindicatos, com fortes contradições, já que, em certa medida é uma inserção sustentada por políticas de cotas, e, em um momento histórico marcado pela ―perda de fibra‖ dos movimentos sociais e partidos de esquerda7. Outro traço marcante da desigualdade entre homens e mulheres diz respeito a esfera econômica. Sabe-se bem, que as mulheres são historicamente o segmento social mais pauperizado e, mesmo a entrada das mulheres no processo produtivo não foi capaz de modificar esse quadro. Como já aludi, a inserção de mulheres na produção capitalista amplia as contradições do sistema patriarcal, já que impõe à mulher a obrigação com o trabalho doméstico, a socialização e educação dos filhos e filhas, bem como, o papel de cuidadora da família. Esses elementos potencializam a reprodução das relações desiguais de gênero. Destaca-se, também, o processo de reestruturação produtiva, a partir da década de 1970, que aprofunda a particularidade na forma de exploração das mulheres. Segundo Hirata (2003) ocorreu uma ampliação do trabalho remunerado das mulheres, em nível mundial, tanto no setor informal quanto no formal, e, estagnação dos postos de trabalho masculino. É importante salientar que o aumento do emprego remunerado das mulheres foi acompanhado da degradação e precarização desses empregos, por meio da flexibilização e terceirização do trabalho, da ―desregulamentação‖ das leis trabalhistas e sindicais, da ampliação do mercado de trabalho informal, bem como, do crescente desemprego e o aumento da desigualdade. A autora ainda aponta a desigualdade de salários, das condições de trabalho e de saúde não foram alteradas em sua estrutura, bem como a relação das mulheres com o trabalho doméstico não mudou, apesar do aumento de responsabilidades no mundo público. Ampliouse as tecnologias e serviços para o uso doméstico, mas as atribuições do mesmo continuam sendo das mulheres. Esses elementos reforçam a tendência das mulheres se situarem, cada vez mais, em atividades e empregos precários, e, por conseguinte, aprofundam a condição histórica de pauperização das mulheres. 7 Sem dúvida, o processo organizativo das mulheres, principalmente, nas décadas de 1980 e 1990, nos grupos de mulheres, foi importante para consolidação do movimento feminista e das mulheres, enquanto sujeito político coletivo. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 903 Ainda em relação ao trabalho remunerado das mulheres, estudos recentes do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) mostram que em média, no Brasil, as mulheres recebem pouco mais da metade do salário dos homens, apesar de terem maior grau de escolaridade e dedicam mais horas para o trabalho doméstico. Ademais, as informações do relatório do PNUD sobre as desigualdades entre mulheres e homens indicam que os países africanos estão entre os menos desiguais, inclusive aqueles que possuem os piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), disputam os primeiros lugares da lista com menor diferença de rendimento entre mulheres e homens8. Essa igualdade na pobreza nega o argumento de que a desigualdade entre homens e mulheres é fruto do subdesenvolvimento e/ou resquícios do atraso. Assim, entendo que o modelo de desenvolvimento da sociedade capitalista de produção está fortemente baseado nas desigualdades de gênero, por tudo isso, não surpreende os dados da PNUD que mostram que os países desenvolvidos e de alto IDH, apresentam grandes diferenças nos rendimentos feminino e masculino. Além da pouca participação política e econômica, outra expressão da subordinação da mulher que foi aprofundada pelo capitalismo, diz respeito ao controle do corpo e da sexualidade, manifestados de diversas formas, entre elas, a imposição da heterossexualidade e da maternidade como normas, a dificuldade de acesso as políticas de saúde reprodutiva, a criminalização do aborto, o tráfico de mulheres e a prostituição, e, na mercantilização do corpo das mulheres. Convém enfatizar, o uso da violência como expressão máxima do patriarcado. De acordo com pesquisas feitas pela Fundação Perseu Abramo cerca de uma em cada cinco brasileiras declara espontaneamente ter sofrido algum tipo de violência (SAFFIOTI, 2004). Podemos afirmar por meio dessas considerações, que é próprio da lógica do sistema do capital se apropriar dos segmentos historicamente vulnerabilizados como forma de ampliar a 8 Segundo o mesmo relatório do PNUD, o Quênia, 144° no ranking do IDH, está em segundo lugar em desigualdades de rendimentos entre homens e mulheres, nesse país as mulheres recebem 82% dos salários dos homens. Em Moçambique, 175° no IDH, é o terceiro de menor desigualdade de renda, as mulheres ganham 81% do salário dos homens. Ainda na lista dos dez primeiros colocados estão outros dois países africanos, Burundi e Malawi, ambos com baixo IDH. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 904 acumulação. Homens e mulheres são explorados nesse sistema, mas há particularidades na forma de exploração feminina, que requer, além da luta anticapitalista, uma ação coletiva das mulheres capaz de construir uma sociedade verdadeiramente emancipada, autodeterminada e livre. Nesse sentido, a opressão patriarcal e a exploração efetivada pelo sistema capitalista estão perfeitamente articuladas e ao falar da subordinação das mulheres na atual sociedade, não temos como deixar de mencioná-las. Sendo assim, não podemos estudar as desigualdades de gênero de uma forma desarticulada da perspectiva da totalidade, ou seja, da materialidade concreta de nossa sociedade patriarcal/capitalista/racista. 3 FEMINIZAÇÃO DA POBREZA: UM CONCEITO A SER REPENSADO? Cabe dizer, que nas últimas três décadas multiplicaram-se os estudos de gênero, em um contexto de ofensiva neoliberal e contrarreformas no Estado, bem como, de consolidação do terceiro setor e refluxo dos movimentos sociais. Com isso, a categoria gênero passa a ser utilizada pelas agências de cooperação internacional, Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial como foco para redução da pobreza, e, sendo assim, transforma-se em uma linha de acesso à recursos que, fundamentalmente, implicam na construção de estratégias ditas de ―empoderamento‖ e ―autonomia individual‖, ao ―protagonismo‖, a ―cooperação e integração social‖. É importante mencionar que houve uma gradativa incorporação da categoria gênero como base ou tema transversal das ações e/ou políticas sociais dos governos. Esse processo é compreendido por muitas teóricas como uma manifestação de força do movimento feminista e de mulheres, todavia, deve ser analisado a apropriação do discurso feminista pelo Estado, que altera as demandas do movimento e re-significa suas reivindicações. Penso, que a centralidade da questão não reside no fato das reivindicações do movimento serem incorporadas ou não pelo Estado, mas da necessidade de um questionamento constante da forma como são elaboradas as políticas governamentais com perspectiva de gênero. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 905 Concomitantemente a esse processo se tem construído um debate multifacetado acerca da relação entre a ―pobreza‖ e a ―questão de gênero‖. Nesse sentido, afirma-se que está em curso um novo fenômeno denominado de ―feminização da pobreza‖, tal conceito, passa a ser utilizado para justificar a formulação e implementação de políticas públicas focadas especificamente para as mulheres pobres. Como já aludi, o conceito ―feminização da pobreza‖ já nos ronda a três décadas, segundo Novellino (2004) ele surge em 1978, nos E.U.A., em um artigo de Diane Pearce que relacionava o empobrecimento feminino ao aumento de famílias chefiadas por mulheres, assim, este fenômeno estava intrínsecamente associado ao fato da ausência do provedor masculino na família. Esse ângulo analítico tem sido base de inúmeros estudos sobre o assunto que afirmam a ―feminização da pobreza‖ como um reflexo de uma ―nova pobreza‖ e a relaciona diretamente com a chefia feminina e a inserção das mulheres no mercado de trabalho. Outra perspectiva para compreender esse fenômeno se articula com os efeitos específicos das políticas econômicas de corte neoliberal sobre a vida e o trabalho das mulheres. Ainda há os estudos, mais recentes, e, na ordem do dia, que identificam grupos de mulheres mais vulneráveis ao empobrecimento, tais como as mulheres negras, as mulheres indígenas, as mulheres lésbicas, as mães solteiras, entre outros. Todas essas abordagens tem como pressuposto comprovar ou refutar a ―feminização da pobreza‖ para formular políticas sociais, ou focalizadas nas mulheres pobres, ou universais para homens e mulheres pobres. Para tanto, empreende-se esforços para estabelecer linhas de pobreza, tipologias e indicadores acerca do empobrecimento feminino, a exemplo do Índice de Desenvolvimento Humano Feminino - IDHF. Algumas indagações emergem como fundamentais: afinal, o que é a ―feminização da pobreza‖? Como e por que os mais diversos sujeitos sociais vem se apropriando desse conceito? Qual a funcionalidade desse conceito tão amplo e palátavel para as novas formas de enfrentamento a ―questão social‖, surgidas no pós-1970? E como o movimento feminista têm III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 906 se posicionado frente a esse debate? Ousar refletir essas questões postas na atualidade ―pós‖ é uma necessidade para constituirmos um debate realmente aprofundado e crítico. As autoras das mais diversas vertentes do feminismo, desde as mais radicais até as conservadoras, relacionam a ―feminização da pobreza‖ com dois elementos: o aumento da chefia feminina como indicador de pobreza e a inserção das mulheres no mercado de trabalho de forma subalternizada. É preciso levar em consideração que embora a ausência masculina obrigue a mulher a prover o sustento da família, e, sobretudo, amplie suas responsabilidades na reprodução e socialização dos filhos e filhas, não é a partir da ausência do homem enquanto figura provedora e protetora que se desenvolve o processo de ―feminização da pobreza‖, como afirmam algumas autoras, a exemplo de Pearce (1978). Até porque, de acordo com dados do PNUD, ONU e OIT, os chefes de domicílio, sejam homens ou mulheres, sofrem de forma similar os baixos níveis de renda (CASTRO, 2004). O que pode ser acrescentado aqui, é a o fato das mulheres se posicionarem em postos de trabalho mais precarizados e com menores rendimentos. Segundo Lavinas (1996) nos últimos dez anos, aumentou a taxa de mulheres no mercado de trabalho, embora em ocupações com nível de rendimento baixo, e com pouca qualificação e capacidade gerencial. Além disso, constatou-se uma tendência à redução no diferencial dos rendimentos por sexo e uma ampliação do desnível de renda entre as mulheres. Para Lavinas (1996, p.473), ―Numericamente, [...] a pobreza feminina não tem maior expressão que a pobreza masculina‖. E, nesse sentido, a autora conclui, que existem desigualdades próprias de gênero e outras que se desenvolvem entre pobres e não-pobres. Na presente reflexão, a pobreza feminina não pode ser compreendida, apenas, de forma demográfica e/ou numérica, a não ser que se analise pobreza como insuficiência de renda ou consumo. Dessa maneira, a pauperização das mulheres, tem inúmeros elementos, tais como, o fato de possuirem pouco poder político, econômico, científico, o uso da violência e a dificuldade de acesso a políticas sociais. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 907 Já para o PNUD (2010) a ―feminização da pobreza‖ é um conceito controverso por agrupar a pobreza e a desigualdade de gênero, duas grandes problemáticas da contemporaneidade. Por essa razão, há uma necessidade de se esclarecer o conceito e atribuir indicadores para alocar recursos de forma eficiente. Dessa maneira, o conceito deve significar uma mudança nos níveis de pobreza com uma tendência desfavorável às mulheres ou aos domicílios chefiados por mulheres. Vale ressaltar, que o termo pobreza é compreendido como insuficiência de renda ou consumo, capacidade ou liberdade, e esta relacionado a três indicadores ou fatores determinantes, a localização, a escolaridade e o número de pessoas por domicílio. Apreendido na perspectiva de mudança, a ―feminização da pobreza‖ deve implicar em um processo, que faça com que as carências implícitas no conceito de pobreza se tornem mais comuns ou intensas entre as mulheres ou nos lares por elas chefiados. De acordo com Lavinas (1996) a ―feminização da pobreza‖ tem aparecido nos discursos governamentais e de agências de cooperação internacional, assim como nas análises teóricas de diversas vertentes do feminismo como um fenômeno contemporâneo, e, que tem como característica reunir duas fragilidades: ser mulher e ser pobre. Por essa razão, esta categoria sexuada se refere à mulher pobre. Segundo a autora supracitada (1996, 02-03): Ao enfatizar a feminização da pobreza, estamos falando das mulheres pobres, que certamente não irão buscar sua cidadania própria a partir da pobreza.[...] Não é possível reivindicar o direito de ser pobre. Por isso mesmo, a mulher pobre é uma forma de categorização social forçosamente gestada pelas instituições, pelas elites pensantes, pela classe política. Não é um processo identitário com vistas à constituição de um campo legítimo de interesses e a mecanismo de representação. E, por essas razões, é uma categoria ah doc ao feminismo. Para Castro (2001) a ―feminização da pobreza‖ deve ser compreendida a partir das transformações no mercado de trabalho e nas políticas sociais de emprego e renda, direcionadas à elevação da quantidade de postos de trabalho, ou compensatórias, tais como, capacitações e transferências de renda, bens e serviços. A autora aponta a apropriação do conceito de ―feminização da pobreza‖ para justificar políticas compensatórias e fragmentar os direitos sociais consquistados pela classe trabalhadora. Nessa lógica, se escolhe um grupo de III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 908 beneficiários (as), deixando de fora uma grande parcela da população em condição semelhante. Considero que o conceito de ―feminização da pobreza‖, como esta sendo analisado nas últimas décadas, tem uma interpretação ambígua e fetichizada, e, vem sendo utilizado por forças sociais contraditórias. Um conceito que agrada gregos e troianos. Além disso, tem uma forte funcionalidade para a lógica do modo de produção capitalista, assim como, não analisa a dominação e exploração das mulheres de forma aprofundada. Em primeiro lugar, porque parte do pressuposto de que a pauperização das mulheres é um processo recente. Sabe-se bem que as mulheres, historicamente, não dispunham em seu poder os meios de produção, não participavam das grandes decisões coletivas, nem tão pouco tinham acesso a construção do conhecimento. Por essa razão não é pertinente dizer que houve uma ―feminização da pobreza‖ como uma questão processual e situada nos últimos 30 anos, pois as mulheres historicamente são a parcela populacional mais empobrecida. Em segundo lugar, o processo de aprofundamento da pobreza feminina, deve ser pensado como parte do processo de empobrecimento da classe trabalhadora no pós 1970. Isso porque, as medidas para retomar o ciclo expansivo e acumulativo do capital nos anos 1980, baseadas no receituário neoliberal, não foram capazes de superar a crise capitalista, entretanto afetaram a condição de vida da classe trabalhadora. De forma que houve uma agudização da desigualdade social, acompanhada da fragilização dos direitos sociais, e, nesse contexto, uma apropriação dos segmentos historicamente explorados/dominados para expandir a acumulação. Mediante o exposto, esses segmentos historicamente explorados, a exemplo das mulheres, negros, homossexuais, entre outros, têm sua força de trabalho cada vez mais precarizada, e passam a ser beneficiários de políticas sociais focalizadas, fragmentadas e, em certa medida, paternalistas, que cristalizam sua condição de segmento explorado. 4 “FEMINIZAÇÃO DA POBREZA” E AS POLÍTICAS SOCIAIS FOCALIZADAS NAS MULHERES III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 909 Quero sustentar em minha análise, que a partir da década de 1970, com o processo de reestruturação do sistema do capital, se dimensiona uma forte preocupação, téorica e política, com o aprofundamento da chamada ―questão social‖, e, por conseguinte, com a expansão da pobreza como elemento capaz de ameaçar a retomada do ciclo expansivo/acumulativo capitalista. No campo téorico, elaborou-se categorias analíticas para compreender essa ―nova‖ realidade, tais como, desfiliação, ―nova pobreza‖, ―apartação social‖, ―exclusão‖, ―nova questão social‖, entre outras, articuladas a perspectivas teóricas funcionalistas, estruturalistas e pós – modernas9. Nesse sentido, a pobreza ganha status de centralidade no discurso das agências internacionais de cooperação, isso pode ser observado nos relatórios anuais do Banco Mundial e nas indicações sobre políticas de desenvolvimento, que dimensionam a pobreza como foco central de intervenção e limite para o crescimento econômico. Por tudo isso, Banco Mundial, Organização Mundial do Comércio e Fundo Monetário Internacional, vêm somando esforços para reduzir a pobreza, através de investimentos na esfera social, nos países em desenvolvimento, principalmente com políticas focalizadas e de transferência de renda, com centralidade na família. Inclusive, com base na noção de feminização da pobreza, essas organizações internacionais recomendam, por meio do documento Toward gender equality de 1997, a focalização das políticas de combate à pobreza nas mulheres. Uma referência importante nesse debate, é que o movimento feminista muito pressionou pela adesão de uma perspectiva de gênero na elaboração das políticas sociais e por políticas públicas específicas para as mulheres. E, nessa correlação de forças, aconteceu uma absorção por parte das instituições governamentais e de cooperação internacional de elementos do discurso feminista acerca da 9 Nas últimas décadas tem-se construído diferentes abordagens para compreender e analisar a realidade, dentre elas, o debate francês elaborado por Castel e Rosavalon, com inspiração em Durkheim, o primeiro, trata a chamada ―questão social‖ como uma fratura na coesão social. O segundo, aponta o surgimento de uma ―nova questão social‖. Ambos referem-se a reconstituição do contrato social como forma de reconstruir os vínculos sociais, seja via proteção social, ou da solidariedade. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 910 histórica pauperização das mulheres, principalmente, a partir da Conferência de Pequim (1995). Essa conjuntura impulsionou inúmeros estudos acerca da condição da mulher, que demonstraram um intenso empobrecimento feminino, mesmo com o aumento de sua participação no mercado de trabalho e de sua base educacional. Dessa forma, passou-se a reproduzir nos campos teórico e político que a pobreza femina deveria ser o foco da ação para redução da pobreza, pela via de sua inserção em postos de trabalho, transferências de renda e pela efetivação de políticas sociais focalizadas nas mulheres pobres. Nesse sentido, houve uma ressignificação ideológica do debate feminista acerca da pauperização das mulheres, com ampliação dos estudos sobre ―feminização da pobreza‖. O que, em certa medida, legitimou ainda mais o processo de focalização das políticas sociais, que pressupõem a comprovação de renda, contrapartida dos (as) beneficiários (as) e responsabilização das mulheres pela eficiência das políticas. É preciso analisar que enfoque de gênero e centralidade na mulher são perspectivas totalmente diferentes, a primeira significa que as desigualdades entre homens e mulheres devem ser enfrentadas no contexto do conjunto das desigualdades sociais. Já a segunda, compreende a mulher como objeto de sua ação, e não as relações entre os gêneros e seus antagonismos. Penso, por tudo isso, que o que temos são políticas com centralidade na família, especialmente nas mulheres, em que transfere-se a responsabilidade do Estado com o enfrentamento da ―questão social‖ para a sociedade civil, e a unidade familiar. Nesse horizonte, a mulher passa a ter responsabilidade pela eficiência das políticas sociais, assim como, a ser compreendida como um instrumento de desenvolvimento social. Além desses elementos, as políticas focalizadas nas mulheres, em geral, instrumentalizam os papéis sociais atribuidos às mulheres, principalmente, os relacionados à esfera reprodutiva. Assim, a transferência de bens ou atividades de capacitação, desenvolvidas por essas políticas, reforçam as habilidades consideradas adequadas as mães/donas-de casa/não-trabalhadoras. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 911 Segundo Carloto (2006) as políticas com centralidade na mulher desconsideram as desigualdades entre homens e mulheres, e em certa medida, as amplia e reafirma. Já que nelas a ―mulher-mãe‖ é interpelada a participar das ações, responsabilizada pela educação dos (as) filhos (as) e pelo cumprimento dos critérios de permanência nos programas. E, sendo assim, sobrecarregam as mulheres com atividades que implicam na forma de execução dos programas. O debate sobre a relação entre ―feminização da pobreza‖ e as políticas sociais focalizadas na mulher tem sido crescente nos últimos anos, e, inclusive alguns segmentos do movimento feminista criticam a focalização de ―mulheres em geral‖, defendendo o reconhecimento das diferenças entre as próprias mulheres. Assim, propõe uma ―focalização dentro da focalização‖, capaz de dá conta dos segmentos de mulheres mais vulnerabilizados, tais como, as mulheres negras, mulheres mães solteiras, mulheres lésbicas, entre outras, que nessa perspectiva, somam explorações. Contrariando essas perspectivas, Lavinas (1996) e Castro (2001) apontam a necessidade de se defender políticas públicas mais universais, que visem reduzir a pauperização da classe trabalhadora e não de grupos específicos de pobres, mesmo que sejam de mulheres. Todavia, apontam a necessidade de compreender que há desigualdades entre homens e mulheres que devem ser analisadas e consideradas na elaboração e implementação de programas governamentais. Considero, que a fragmentação das políticas articulada a mobilização de setores do movimento feminista por políticas cada vez mais direcionadas a ―grupos específicos‖, aprofundam o processo de pauperização crescente da classe trabalhadora, e, das particulares formas de pauperização das mulheres, assim como obstaculariza a compreensão do fenômeno de forma profunda e crítica. Nesse sentido, é imprescindível analisar a processo específico de exploração das mulheres, articulada a questão de classe/raça/orientação sexual e geração, e também, da defesa dos direitos sociais e de políticas universais de redistribuição de riqueza. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 912 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A ―feminização da pobreza‖ é um conceito polissêmico e palatável, que precisa ser mais profundamente teorizado. Vem sendo utilizado em níveis de compreensão diversos, desde o pensamento comum mais elementar, até o teórico, mais sofisticado. Além disso, tem adesão dos sujeitos sociais diversos e antagônicos, fazendo parte do discurso da ―direita‖ e ―esquerda‖, e nesse sentido, adquire uma interpretação fetichizada. Ademais, é um conceito que explica o fenômeno de empobrecimento feminino, situado nas últimas três décadas, capaz de justificar a necessidade de políticas fragmentadas, desarticuladas e focalizadas nas mulheres. E por essas razões, não consegue dá conta de compreender/analisar a relação dialética entre o aprofundamento da pobreza feminina e a crise do modo de produção capitalista no pós-1970. Por tudo isso, é necessário (re) atualizar o debate sobre ―feminização da pobreza‖ e a relação do movimento feminista com Estado, numa perspectiva de totalidade. Até para não se aderir ao pensamento pós-moderno, conservador e (neo)liberal, próprios de um movimento feminista de direita. 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Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 915 A ECONOMIA SOLIDÁRIA COMO ESTRATÉGIA DE INCLUSÃO: O PROJETO REVIVER DO CARIRI (CEARENSE) E A (RE)INTEGRAÇÃO SOCIAL DE DEPENDENTES QUÍMICOS. ÁREA TEMÁTICA: JUSTIÇA, DIREITOS HUMANOS E INCLUSÃO SOCIAL Camila Pereira Brígido Rodrigues10 Maria Aline Pereira de Brito11 Izak Batista de Araújo12 Francisca Laudeci Martins Souza13 Resumo: A Economia Solidária propõe uma forma diferenciada de qualidade de vida e de consumo, a partir da integração e da solidariedade entre os cidadãos de todo o mundo. Seus valores centrais são o trabalho, o conhecimento e o atendimento das necessidades sociais da população, a partir de uma gestão responsável dos recursos públicos. Ademais, a Economia Solidária é tida como um instrumento de combate à exclusão social, apresentando assim, alternativas viáveis para a geração de trabalho e renda, os quais promovam a satisfação direta das necessidades humanas, e dessa forma, eliminar as desigualdades materiais, bem como difundir os valores da ética e da solidariedade. Em termos discursivos, no que tange a reabilitação social, diz-se então, que o trabalho que segue, tratar-se-á de uma abordagem analítica, através de um estudo de caso do Projeto Reviver Cariri em Juazeiro do Norte (CE), haja vista que o objetivo central do Projeto é recuperar e (re)integrar os dependentes químicos, utilizando a economia solidária como estratégia de inclusão. Palavras-Chaves: Projeto Reviver Cariri, Reabilitação Social, Economia Solidária. 10 Graduanda em Ciências Econômicas pela Universidade Regional do Cariri – URCA. Bolsista de Iniciação Científica CNPQ. E-mail: [email protected] 11 Graduanda em Ciências Econômicas pela Universidade Regional do Cariri – URCA. Bolsista PIBIC-CNPq. Email: [email protected] 12 Graduando em Ciências Econômicas pela Universidade Regional do Cariri – URCA. Email: [email protected] 13. Doutora em Educação, professora do Departamento de Economia da Universidade Regional do Cariri – URCA e Coordenadora do Grupo ECOS de estudos em Economia Solidária e Sustentabilidade. [email protected] III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 916 1. INTRODUÇÃO As modificações estruturais, de ordem econômica e social, ocorridas no mundo nas últimas décadas, fragilizaram o modelo tradicional da relação capital - trabalho, de modo que é crescente o aumento da informalidade e precarização das relações formais. Nesse contexto, a economia solidária procura resgatar as lutas históricas dos trabalhadores que tiveram origem no início do século XIX, sob a forma de cooperativismo, como uma das formas de resistência contra o avanço avassalador do capitalismo industrial. No Brasil, a mesma ressurge no final do Século XX como resposta dos trabalhadores às novas formas de exclusão e exploração no mundo do trabalho. Novos modos de existência econômica, que se pautem em princípios diferentes daqueles propagados pela economia tradicional, ganham corpo e se fortalecem no século XXI. Isto por que, os tempos que correm são marcados por crises que se justificam menos na conjuntura do que na estrutura da economia clássica. Ou seja, é crescente o movimento que cada vez mais questiona os objetivos de maximização da produção, minimização dos custos e maximização dos lucros como alternativa única de produção e consumo. Neste cenário, partilha, comunhão e consumo consciente são apenas alguns dos conceitos que emergem a partir dos princípios da solidariedade e sustentabilidade. Muito embora a economia solidária emirja no século XIX com o surgimento e avanço de outras formas de organização do trabalho, conseqüência, em grande parte, da necessidade dos trabalhadores encontrarem alternativas de geração de renda, no século XXI a intensificação da destrutividade ambiental, por exemplo, tem colocado a humanidade em face de um conjunto de problemáticas que impactam direta ou indiretamente as condições de reprodução da vida planetária. O aumento exponencial do lixo, a contaminação e redução das fontes de água potável, o aquecimento global, o desmatamento, a descartabilidade e a redução da biodiversidade são alguns dos fenômenos cada vez mais evidentes, afetando as possibilidades de reprodução do sistema do capital, além de impactarem as múltiplas formas de vida orgânica, sobretudo, a dos segmentos mais pauperizados das classes III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 917 trabalhadoras. As alternativas, hegemonicamente presentes no debate ambiental, apontam para um conjunto de iniciativas de ordem técnica e comportamental, caucionadas na defesa do aprimoramento e da ecologização do capital: trata-se de um discurso que propala a capacidade do sistema de compatibilizar ―desenvolvimento econômico e preservação ambiental‖, desde que os indivíduos adotem posturas mais respeitosas para com a natureza. Sob o manto da responsabilidade socioambiental, os meios de comunicação enfatizam, cotidianamente, experiências bem sucedidas, iniciativas empresariais ―sustentáveis‖, revelando uma ofensiva ideológica sem par, cujo fim é convencer a todos de que é possível superar a degradação ambiental sob o signo do capital. (SANTOS, et al, 2012, p. 96) Ou seja, as crises em curso no século XXI são transversais e interdisciplinares na medida em que suas causas e consequências não se assentam somente no mundo da economia uma vez que perpassam o mundo da cultura, do ambiente, da educação e da justiça social, entre outros. Assim o são por que menos do que advindas das relações históricas estabelecidas entre trabalho e capital, são questionamentos à própria estrutura do capital e suas externalidades crescentemente negativas. O aprofundamento dessa crise abriu/abre espaço para o surgimento e avanço de outras formas de organização do trabalho, consequência, em grande parte, da necessidade dos trabalhadores encontrarem alternativas de geração de renda. Experiências coletivas de trabalho e produção vêm se disseminando nos espaços rurais e urbanos, através das cooperativas de produção e consumo; as associações de produtores; redes de produção, consumo e comercialização; instituições financeiras voltadas para empreendimentos populares solidários; empresas de autogestão; entre outras formas de organização. No Brasil, a economia solidária se expandiu a partir de instituições e entidades que apoiavam iniciativas associativas comunitárias e pela constituição e articulação de cooperativas populares, redes de produção e comercialização, feiras de cooperativismo e economia solidária, etc. Atualmente, a economia solidária tem se articulado em vários fóruns locais e regionais, resultando na criação do Fórum Brasileiro de Economia Solidária. Hoje, além do Fórum Brasileiro, existem 27 fóruns estaduais com milhares de participantes (empreendimentos, entidades de apoio e rede de gestores públicos de economia solidária) em todo o território brasileiro. Foram fortalecidas ligas e uniões de empreendimentos econômicos solidários e foram criadas novas organizações de abrangência nacional. (MTE, 2013) III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 918 A temática da economia solidária, aos poucos, se torna uma realidade no cenário econômico brasileiro. Seus conceitos de solidariedade e participação se espalham gerando novas iniciativas e afetando as antigas, buscando assim, um mercado mais humanizado e menos utilitarista. Mesmo estando diante de um sistema competitivo e individualista, essas iniciativas solidárias vêm ganhando seu espaço de forma significativa (ADDOR, 2006). Em 1994, Laville caracterizava a economia solidária como um conjunto de atividades econômicas, no qual sua lógica é diferente tanto da lógica do mercado capitalista quanto da lógica do Estado. Ao contrário da economia capitalista, que visa o capital a ser acumulado, funcionando a partir das relações competitivas com objetivos de sempre buscar os interesses individuais, a economia solidária é estabelecida a partir de fatores humanos, o que favorece a valorização do laço social através da reciprocidade, adotando formas comunitárias de propriedade. Ela se difere também da economia estatal que exibe uma autoridade central e formas de propriedade institucional (LAVILLE, 1994 apud LECHAT, 2002). O Fórum Brasileiro de Economia Solidária define a Economia Solidária como sendo ―fruto da organização de trabalhadores e trabalhadoras na construção de novas práticas econômicas e sociais fundadas em relações de colaboração solidária‖. Neste contexto, destaca-se a importância dos valores culturais, que apresentam o ser humano como sujeito e também finalidade da atividade econômica. Nascimento (2006) afirma que as ciências econômicas através da economia solidária devem buscar o bem estar da população: Independentemente do sistema produtivo e das relações políticas da sociedade, as ciências econômicas devem buscar o bem estar da população. Não fariasentido que todo esforço empreendido pelo Estado visasse apenas reduzir arelação dívida/PIB ou mesmo aumentar o superávit primário das contas públicas.Aparentemente, esses parâmetros buscam em sua essência criar expectativaspositivas para a economia, buscando pavimentar o caminho para os investimentos produtivos (NASCIMENTO, 2006, p. 04). A Economia Solidária pode apresentar várias características, se tratando de ideologia, a Economia Solidária apresenta uma forma diferente de qualidade de vida e de consumo, partindo da integração e da solidariedade de toda a população mundial. O trabalho, o III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 919 conhecimento e o atendimento das necessidades sociais da população são apontados como os calores centrais da Economia Solidária, iniciando com uma gestão com responsabilidade perante os recursos públicos (NASCIMENTO, 2006). A Economia Solidária pode representar uma importante ferramenta de combate à exclusão social conforme se apresentam alternativas viáveis para a geração de trabalho e renda para satisfazer às necessidades humanas, colocando fim as desigualdades materiais e propagando os valores da ética e da solidariedade. A Economia Solidária mostra-se também como um grande projeto de desenvolvimento integral visando a sustentabilidade, a democracia participativa, a justiça econômica e social, além da preservação do meio ambiente através do uso racional dos recursos naturais, estabelecendo o compromisso dos poderes públicos em democratizar o poder, a riqueza e o saber, instigando uma formação estratégica de alianças entre organizações populares para que vigore ativamente os direitos e deveres da cidadania (NASCIMENTO, 2006). Segundo Nascimento (2006, p.09), ―A Economia Solidária propõe uma atividade econômica enraizada no seu contexto mais imediato, e tem a territorialidade e o desenvolvimento local como marcos de referência. Consumidores de diversos países definem conscientemente seus níveis de consumo com base em princípios éticos, solidários e sustentáveis.‖ É muito provável, que o significado mais preciso acerca de Economia Solidária é apresentado quando ela é formada por um conjunto de organizações econômicas, que se caracterizam pela propriedade coletiva dos meios de produção, pela própria gestão do trabalho através de mecanismos para a tomada de decisões coletivas e pela formação comunitária. A partir desta definição, a unidade mais simplificada de Economia Solidária é o Empreendedorismo Econômico Solidário, que pode apresentar-se como uma cooperativa, uma associação ou até mesmo um grupo informal. Com isso, não se confunde com as práticas de solidariedade assistencial, de caridade ou até de responsabilidade social e ambiental, mas, antes de tudo está interligada a uma concepção de solidariedade social fundamentalmente III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 920 associada às condições de organização e ima (auto) gestão do trabalho relacionando-se também com a repartição de benefícios (BERTUCCI, 2010). A partir desta concepção, podemos tomar quatro variações, que dizem respeito à forma com que se analisa o potencial desses empreendedorismos. Para os mais otimistas, o crescimento desse tipo de empreendimento econômico mostraria um caminho evidente que, através de uma prática socialista, levaria à superação do capitalismo. Isso quer dizer que, neste ponto de vista, a organização da produção através de empreendimentos autogestionários se tornaria hegemônica (BERTUCCI, 2010, p. 52). Para Nascimento (2006), ―A Economia Solidária busca fundamentalmente a unidade entre produção e reprodução, evitando a contradição fundamental do sistema capitalista, que desenvolve a produtividade, mas exclui crescentes setores de trabalhadores do acesso aos seus benefícios, gerando crises recessivas, hoje de alcance global.‖ A economia solidária compreende quaisquer práticas econômicas populares que se posicionam aquém do assalariamento formal, e que englobam ações individuais ou de grupos, resultado a solidariedade como fator da produção econômica. Essa ideia remete ao termo economia popular, que antecede ao da economia solidária. Mesmo que se entenda a solidariedade como um elemento essencial, compreende-se o movimento da economia solidária para além da produção popular (BARBOSA, 2007 apud GONÇALVES, 2010). A Economia Solidária é também um projeto de desenvolvimento integral que visa a sustentabilidade, a justiça econômica e social e a democracia participativa, além da preservação ambiental e a utilização racional dos recursos naturais. Ademais, a Economia Solidária exige o compromisso dos poderes públicos com a democratização do poder, da riqueza e do saber, e estimula a formação de alianças estratégicas entre organizações populares para o exercício pleno e ativo dos direitos e responsabilidades da cidadania. Ainda nesse âmbito, IRION (1997, p. 39), contribui para o presente trabalho salientando que a compreensão do termo Economia Solidaria está em entendermos por economia solidária: [...] aquela que se fundamenta na organização dos trabalhadores em empresas que tenham por base a pessoa e não o capital, a democracia, a autogestão, o livre acesso III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 921 e a solidariedade entre os atuais participantes e a solidariedade para os que virão no futuro depois dos primeiros associados. Empreendimentos deste tipo se caracterizam por individualizar o capital de cada sócio e por gerarem fundos indivisíveis entre os sócios, como solidariedade futura (IRION, 1997, p. 39). Para melhor compreensão e entendimento dos termos conceituais supracitados, diz-se que a economia solidária é a resposta organizada à exclusão pelo mercado, por parte dos que não querem uma sociedade movida pela competição, da qual surgem incessantemente vitoriosos e derrotados. É antes de qualquer coisa uma opção ética, política e ideológica, que se torna prática quando os optantes encontram os de fato excluídos e juntos constroem empreendimentos produtivos, redes de trocas, instituições financeiras, escolas, entidades representativas, etc., que apontam para uma sociedade marcada pela solidariedade, da qual ninguém é excluído contra vontade. De acordo com GAIGER (2003), os empreendimentos de economia solidária (EES) constituem a célula básica da economia solidária. Uma de suas características é a preexistência de alguma relação social entre seus trabalhadores, ou pelo menos entre uma boa parte deles, seja por já dividirem outros ambientes de trabalho seja por serem camponeses de uma mesma localidade, ou vizinhos, familiares, ou até mesmo por pertencerem a grupos étnicos afins. No caso brasileiro, os EES se organizam das mais variadas formas, como empresas recuperadas e administradas pelos próprios trabalhadores, cooperativas, associações ou grupos informais de produção, de caráter suprafamiliar e comunitário, caracterizando um verdadeiro ―polimorfismo‖ que não necessariamente está relegado à parcela mais pobre da população. Concomitante ao exposto, devemos salientar que além dos EES, existem no país diversas organizações que atuam no plano do fomento e fortalecimento das formas de expressão da economia solidária, tais como: Organizações Não Governamentais (ONG‘s), movimentos sociais, fóruns nacionais e estaduais, entre outros, tanto no meio urbano como no meio rural (SILVA, 2010). Nesta pesquisa constituímos como exemplo dessas organizações solidárias, o Projeto Reviver em Juazeiro do Norte (CE). O Projeto surgiu através da verificação da forte III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 922 incidência de dependência química entre jovens e adultos trabalhadores na Região Integrada do Cariri Araripe14, bem como na constatação da inexistência de unidades que promovam o tratamento e reestruturação dos dependentes químicos da região. O objetivo central do Projeto Reviver é recuperar dependentes químicos, pessoas ―esquecidas‖ pela sociedade e pela própria família, haja vista que em muitos casos, tais dependentes estão na marginalidade para sustentar o vício e assim provocando grandes impactos familiares e sociais. Desta feita, o trabalho de cunho associativo com foco de solidariedade requer uma série de capacidades que não estão necessariamente inseridas na dinâmica capitalista de produção. Portanto, esse tipo de organização do trabalho é tido como experiência coletiva de organização econômica, na qual os indivíduos se associam para produzir e reproduzir meios de vida, através de relações de reciprocidade e igualdade, partindo assim do princípio conceitual da economia solidária. A partir disso, a grande questão desta pesquisa é indagar de que maneira o princípio da solidariedade que deve perpassar as iniciativas de Economia Solidária constitui estratégia de superação da marginalidade vivenciada pelos dependentes químicos. Ou seja, a instituição de um modo de existência que contemple a inclusão social como objetivo principal de uma Economia Solidária, ou seja, mais preocupada com o ser humano do que com as empresas, com a relação entre os povos do que com os meios de produção. Para dar conta da questão central e tomando o Projeto Reviver como campo da pesquisa, objetivamos identificar na Economia Solidária estratégias de superação da marginalidade produzida pela dependência química. Especificamente, objetivamos conceituar Economia Solidária; discorrer a cerca da utilização da Economia Solidária como combate à 14 A RICA é constituída pelos municípios de Abaiara, Altaneira, Antonina do Norte, Araripe, Assaré, Aurora, Baixio, Barbalha, Barro, Brejo Santo, Campos Sales, Caririaçu, Cedro, Crato, Farias Brito, Granjeiro, Ipaumirim, Jardim, Jati, Juazeiro do Norte, Lavras da Mangabeira, Mauriti, Milagres, Missão Velha, Nova Olinda, Penaforte, Porteiras, Potengi, Salitre, Santana do Cariri, Tarrafas, Umari, Várzea Alegre, no Ceará; Araripina, Bodocó, Cedro, Exu, Granito, Ipubi, Moreilândia, Ouricuri, Santa Cruz, Santa Filomena, Serrita, Trindade, em Pernambuco; Acauã, Alegrete, Belém do Piauí, Betânia do Piauí, Caldeirão Grande, Campo Grande, Caridade do Piauí, Curral Novo, Francisco Macedo, Fronteiras, Marcolândia, Padre Marcos, Paulistana, Pio IX, São Julião, Simões, Vila Nova, no Estado do Piauí; Bom Jesus, Bonito de Santa Fé, Cachoeira dos Índios, Cajazeiras, Conceição, Guarabira, Monte Horebe, Santa Inês, São José de Piranhas, na Paraíba. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 923 marginalidade, e compreender o processo de superação da marginalidade através do Projeto Reviver, a fim de construir um quadro característico dos beneficiados pelo projeto. 2. A INSTITUIÇÃO DE UM CAMINHO METODOLÓGICO 2.1 Sobre o projeto O Projeto Reviver do Cariri, criado em 2006, é uma instituição privada que cuida da recuperação para dependentes químicos cujo princípio fundamental é a solidariedade a partir da fé. Conforme o Pastor Fernandito, coordenador da instituição: A base é a palavra de Deus (...). Temos as terapias operacionais e a parte médica, que é a parte da saúde, como enfermeiro, psicólogo e psiquiatra. Assistente social, nós temos essa parte que completa o tratamento e a desintoxicação. Nós temos cursos, oficinas, cursos que são ministrados como relações humanas e outros cursos que são ministrados aqui, mas, o que, o que forma, o que muda o caráter, é o que ele vai aprender dentro da palavra de Deus. Presentemente o Projeto atende homens e mulheres – jovens e idosos - distribuídos em três unidades em conformidade com processo de desintoxicação química. O processo tem uma duração que varia de nove a doze meses de internamento onde se trabalha com terapias ocupacionais, esportes, palestras, estudos bíblicos, artes, musica, acompanhamentos medico e espiritual. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 924 Figura 01: Faixada do Projeto Reviver Cariri Fonte: dados da pesquisa (2013) O projeto se destina a todos àqueles que por livre vontade ou por ordem judicial buscam o Projeto Reviver do Cariri, não importando variáveis como: condições financeiras, gênero, raça, partido politico entre outras. Segundo o próprio site da instituição15 alguns dos objetivos do projeto são amparar os adolescentes, adultos e idosos em situação de risco, estendendo a assistência social à suas famílias; desenvolver programas beneficentes de inclusão, proteção, prevenção; articular e integrar ações públicas e privadas em rede comprometer-se com a promoção da comunidade local, incentivando o trabalho comunitário e participativo e a integração na sociedade; oferecer o espaço para o lazer sadio, oficinas criativas em socialização e desenvolvimento humano, cultural e social. favorecer aos alunos uma formação profissional para integrá-los no 15 projetoreviverdocariri.com.br III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 925 mundo do trabalho e na família; oferecer e desenvolver a educação básica familiar; difundir a importância da cultura através da expressão artística e desportiva; promover, oferecer e desenvolver a educação para o exercício da cidadania por meio da educação moral, cívica e religiosa. Aos dependentes que aderem ao projeto, é oferecido um tratamento adequado viabilizando o acompanhamento dos internos no primeiro mês, estes permanecem inclusos até o nono ou duodécimo mês, completando a desintoxicação e retornando a sociedade. 2.2 Sobre os dados e os procedimentos Para atender os objetivos deste trabalho utilizou-se uma base primária de dados constituídos a partir de entrevistadas. A pesquisa de campo utilizou como método a pesquisa-participante que segundo Soares e Ferreira (2006, p. 92), ―[...] implica necessariamente a participação, tanto do pesquisador no contexto, grupo ou cultura que está a estudar, quanto dos sujeitos que estão envolvidos no processo da pesquisa‖. Segundo Garjado (1986) apud Carvalho (2013) os aspectos da pesquisa participante são: a) o objetivo é o de trabalhar com os grupos excluídos, em situações comuns de trabalho e estudo e trocar informações para colaborar na mudança das condições de dominação. b) o ponto de partida, o objeto e a meta da pesquisa participante são o processo de aprendizagem dos que fazem parte da pesquisa. c) ao invés de se manter distância entre o pesquisador e o grupo que vai ser examinado, tal como se exige nas ciências sociais tradicionais, propõe-se a interação. Trabalhar, talvez viver, no grupo escolhido, a fim de elaborar perspectivas e experimentar ações que perdurem, inclusive depois de terminado o projeto. d) no desenrolar do estudo, aspira-se a uma comunicação o mais possível horizontal entre todos os participantes. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 926 e) utiliza o dialogo como meio de comunicação mais importante no processo conjunto de estudo e coleta de informação. 3. A ECONOMIA SOLIDÁRIA COMO ESTRATÉGIA DE SUPERAÇÃO DA EXCLUSÃO SOCIAL PRODUZIDA PELA DEPENDÊNCIA QUÍMICA: O CASO DO PROJETO REVIVER CARIRI 3.1 Dependência química: Uma Abordagem Conceitual Em pleno século XXI, a dependência química é vista como resultado de uso e abuso de substâncias psicoativas, quer dizer, drogas lícitas e ilícitas vêm a ter um crescimento progressivo, o que traz graves consequências a saúde física, psíquica e social do ser humano refletindo na família e na sociedade (SANTOS, 2008). Conforme a Organização Mundial da Saúde, citado por Santos (2008) as substâncias psicoativas consistem em: Substâncias que ao entrarem em contato com o organismo, sob diversas vias de administração, atuam no sistema nervoso central produzindo alterações de comportamento, humor e cognição, possuindo grande propriedade reforçadora sendo, portanto, passíveis de auto-administração. A dependência química pode ser considerada como sinônimo de escravidão, pois a pessoa chega a perder o amor próprio, o respeito por si mesmo e também se distanciar de tudo que faz ou poderia lhe fazer bem, é considerada uma doença grave e até mesmo incurável, porém pode ser controlada. Visualizando-se como doença, trata-se de um transtorno, em que a pessoa que porta esse distúrbio perde total controle do uso da substância, acabando assim com sua vida emocional, psíquica, espiritual e física. Ela é considerada doença química, visto que o que provoca a dependência é uma reação química no metabolismo do corpo; a circunstância básica e única dessa ―doença interna‖ é o uso do produto, existindo aspectos internos relacionados ao organismo que atuam ao mesmo tempo direta e indiretamente que colaboram para a alocação da doença, causando uma predisposição física e emocional para a III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 927 dependência; é considerada como uma doença progressiva; trata-se de uma doença crônica que se apresenta como incurável, que atinge de certa forma toda a família (SANTOS, 2008). Conforme Silveira (2003), citado por Santos (2008, p. 17), a dependência química é: O impulso que leva a pessoa a usar droga de forma contínua (sempre) ou periodicamente (frequentemente) para obter prazer. Alguns indivíduos podem também trazer o uso constante de uma droga para aliviar tensões, ansiedades, medos, sensações físicas desagradáveis, etc. O dependente caracteriza-se por não conseguir controlar o consumo de drogas, agindo de forma impulsiva e repetitiva. Quando o indivíduo sente um impulso indomável, é a dependência psicológica impondo a ele a necessidade de fazer o uso das drogas a fim de evitar o mal-estar. A dependência psicológica mostra várias mudanças psíquicas favorecendo a obtenção do hábito. O hábito por sua vez, é um dos aspectos mais importantes que se considera na toxicomania, pois a tolerância juntamente com a dependência psíquica significa que se faz necessária o aumento das doses para adquirir os efeitos desejados. E essa tolerância é o fenômeno responsável pela necessidade constante do indivíduo aumentar o uso da droga. E em estado de dependência psíquica, o desejo repetitivo de tomar várias doses é transformado em necessidade, que se não satisfeita, o indivíduo fica em um estado de profunda angústia, (estado depressivo). Esse estado de angústia por falta da droga é bastante comum em praticamente todos os dependentes e viciados (SANTOS, 2008). Entender e ver como uma doença vem amenizar para o dependente o fato na esfera moral e social, embora para muitos seja desconhecido ainda este fator doença. Reconhecer, como doença, aceitar principalmente a família, seria estar iniciando o processo de resolver a temática da dependência dentro do próprio lar (SANTOS, 2008, p. 18). Diante de todo esse contexto, pode-se afirmar que a Dependência Química é a dependência de qualquer substância psicoativa, ou seja, qualquer droga que modifique o comportamento e que provoque dependência (álcool, maconha, cocaína, crack, calmantes indutores de dependência ou faixa preta, entre outros vários.). A dependência passa a se caracterizar a partir do momento em que o indivíduo sente que a droga é necessária para a III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 928 vida, indispensável igual a alimento, água, repouso, etc. Em suma, a dependência química é uma síndrome que se caracteriza pela falta de controle no uso de determinada substância psicoativa (SANTOS, 2008). De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), 2001 apud Santos (2008, p. 37): Cerca de 10% das populações dos centros urbanos de todo o mundo consomem abusivamente substâncias psicoativas independentemente de idade, sexo, nível de instrução e poder aquisitivo. Como se tem conhecimento é grande as complicações sociais, resultantes deste abuso, visto que abala o funcionamento familiar, sendo que gera a violência doméstica e o abuso físico e sexual. Causam problemas no trabalho, acometendo desde a presidência até o chão da fábrica. Problemas com a habitação como, por exemplo, má manutenção da casa; problemas com vizinhos; falta de pagamento com aluguéis, luz e mudanças freqüentes, etc. Dificuldades financeiras; crimes; dirigir, pois o maior número de acidentes de trânsito ocorre por pessoas alcoolizadas e/ou drogadas, bem como a vitimização, pois, a pessoa drogada tornase alvo fácil de ladrões e criminosos violentos. A recuperação é uma meta, o sonho de todos os dependentes químicos, os que querem se libertar desta doença, e das famílias, que sofrem com o comportamento inadequado das pessoas queridas, que muitas vezes os desrespeitam, gritam e até agridem fisicamente, alterações provocadas pelo uso das drogas. Essa recuperação é um trabalho que pode resultar em anos e objetiva a transformação de uma vida, que até então estava tomando um rumo terrível, marcada por brigas, egocentrismo, perdas, etc.; isso tudo ocorrendo em uma vida que poderia ser produtiva (SANTOS, 2008). 3.2 Os Internos do Projeto Reviver Cariri e o Processo de Recuperação O principal motivo pelo qual os dependentes químicos procuram o Projeto Reviver é a desintoxicação química. O tratamento tem duração de 09 (nove) a 12 (doze) meses de internamento, onde se trabalha com terapias ocupacionais, esportes, palestras, estudos bíblicos, artes, música, acompanhamentos médico e espiritual. Os entrevistados ressaltam que a intoxicação foi adquirida principalmente pelo o uso de drogas ilícitas: maconha, cocaína, crack e drogas lícitas tais como as bebidas alcoólicas. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 929 O Projeto Reviver visa recuperar dependentes químicos, ou seja, pessoas ―esquecidas‖ pela sociedade e pela própria família. Diante disso, ao analisar as entrevistas, observamos que o Projeto obtém êxito no que pretende, pois cerca de 90% dos dependentes que deixam a Unidade, saem total ou parcialmente recuperados. Os dependentes utilizam o seu tempo ocioso dentro do Projeto realizando atividades que auxiliem na disciplina e aprendizado dos mesmos. Um exemplo disso são as oficinas de artesanato e leitura as quais são realizadas na biblioteca da própria instituição. Além destas estratégias, um ponto forte do processo são os estudos bíblicos, os quais são apresentados pelos idealizadores e beneficiários como a parte mais eficiente pela dimensão da espiritualidade e seus efeitos sobre o fortalecimento das novas escolhas dos dependentes. Sobre isso um dos entrevistados ressalta que: ―[...] aos olhos da humanidade aí, o dependente químico ele não tem cura, mas, pra Deus, nada é impossível. Eu me considero curado, por que eu me considero curado? Porque hoje eu tenho a fé em Cristo né, e enquanto eu tiver pegado na mão de Deus, em Jesus Cristo, enquanto eu tiver pegado na mão de Deus, eu me considero curado, e quando eu soltar as mãos de Deus, é, novamente pode ser que eu caia, porque eu já me curei‖. Na participação no projeto para fins de realização desta pesquisa vimos que a maioria dos beneficiários afirmam que antes de tomar a iniciativa de procurar ajuda no Projeto era permeada por medos, fobias e principalmente falta de vontade de retomar a vida. De acordo com os mesmos, no inicio do uso as drogas provocam sensações de êxtase, bem-estar e poderio sobre tudo e todos. Por esse motivo, os usuários não conseguem parar, querem cada vez mais sentir essas sensações. Nesse contexto, um dos entrevistados afirma que: ―[...] aí, as suas amizades, já não eram mais aquelas saudáveis, já é daquele ramo aí da droga; Aí então, fui conhecer a maconha, foi a minha primeira, primeira droga, assim que usei, foi maconha. Aí depois da maconha eu comecei a fumar cigarro, depois eu comecei a conhecer o álcool, cerveja e o álcool mesmo; e depois eu conheci a cocaína, aí depois eu fiz uma misturada, de tudo, e fiz, eu não sabia o que eu queria mais, queria beber cerveja, queria fumar cigarro, eu queria fumar maconha, eu queria cheirar cocaína, o que eu queria era endoidar, eu queria endoidar, só endoidar‖. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 930 No entanto, quando o vicio começa a se manifestar, a droga começa a dominar a vida do dependente e de seus familiares, como também acaba por desvincular o usuário da sociedade, o impedindo de exercer o seu papel de cidadão. De acordo com as entrevistas realizadas, constata-se que a maioria dos internos já estão concluindo o tratamento, haja vista que o tempo mínimo de permanência dos usuários no plano de recuperação, consiste em 9 (nove) meses. No entanto, verifica-se também uma grande quantidade (40%) de dependentes, os quais foram internados há pouco tempo. Vale ressaltar que dentre as entrevistas realizadas, pode-se concluir ainda que alguns dependentes já fugiram da Unidade aqui citada, por não suportar o período de abstinência das drogas, como também a solidão (saudade dos familiares). Ademais, é pertinente ressaltar que os internos possuem tempo com grande ociosidade dentro do Projeto, fator este que pode impulsionar a vontade de fugir e novamente procurar a ―liberdade‖ que estes dizem encontrar nas drogas. Ao analisar as entrevistas, observamos que os dependentes possuem uma vontade indubitável de recuperar a sua vida. Percebemos que a maioria destes, possuem o mesmo desejo de recuperar sua família, a qual foi ―trocada‖ pelas drogas, como também reconstruir a sua integridade com a sociedade. Ressaltam ainda que desejam cursar uma faculdade, melhorar sua qualidade de vida, através de um emprego com uma linhagem mais desenvolvida. 3.3 O Projeto Reviver do Cariri e suas especificidades O Projeto Reviver do Cariri surgiu a partir da iniciativa do pastor Fernandito, o qual declara que após anos de dependência química fora re-incluído socialmente por meio de uma casa de dependência química na cidade do Rio de Janeiro. Segundo seu próprio testemunho ―[...] recebemos o chamado de Deus como missão, e há 22 anos que a gente trabalha na recuperação de dependentes químicos.‖ III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 931 Contudo, embora o coordenador tenha 22 anos dedicados ao tratamento de dependentes químicos, o Projeto Reviver do Cariri tem oito anos de existência, haja vista que fora fundado em dez de maio de 2005. O projeto tem a capacidade de receber/abrigar 90 a 100 pessoas, estando hoje com sua capacidade total na primeira unidade e restando poucas vagas nas demais unidades. Todas as sedes funcionam na cidade de Juazeiro do Norte, ao todo três, sendo que há projeto de ampliação para cinco unidades nos próximos anos. Os internos que lá estão têm diversificadas origens. Segundo o entrevistado ―nós atendemos o Brasil todo, nós temos alunos de São Paulo à Rondônia, na verdade nós atendemos mais pessoas de fora, do que daqui do próprio município, então as pessoas residem, bem distantes daqui‖. A sustentação financeira do projeto vem a partir de doações de terceiros e de pagamento realizado pelas famílias dos dependentes, esse dinheiro é destinado à manutenção do local assim como higiene e alimentação dos internos. Levando-se em consideração que solidariedade, supõe ser exercida sem discriminação de sexo, raça, nacionalidade, religião ou afiliação política, pode-se dizer que a verdadeira solidariedade consiste em ajudar alguém sem receber nada em troca e sem que ninguém saiba. Ser solidário é, na sua essência, ser desinteressado, haja vista que a solidariedade só se move pela convicção de justiça e igualdade. Nesse contexto, os pressupostos da economia solidária relaciona-se ao Projeto Reviver, através da inclusão de uma política de bem-estar e reintegração social, entre os dependentes. Com isso, torna-se notório o principio de solidariedade, no sentido de atender e orientar, de forma continuada e gratuita, pessoas que vivem em situação de vulnerabilidade social, estimulando assim, o sentido de cidadania entre os ―beneficiados‖ pelo projeto. No entanto, vale ressaltar que a vulnerabilidade referida trata das condições sociais de interação nos grupos familiares, grupos de trabalho, entre outros, pois no que se refere à renda vimos no Projeto pessoas de todas as classes sociais serem atingidas pela dependência química. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 932 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Novos modos de existência econômica, que se pautem em princípios diferentes daqueles propagados pela economia tradicional, ganham corpo e se fortalecem no século XXI. Isto por que, os tempos que correm são marcados por crises que se justificam menos na conjuntura do que na estrutura da economia clássica. Ou seja, é crescente o movimento que cada vez mais questiona os objetivos de maximização da produção, minimização dos custos e maximização dos lucros como alternativa única de produção e consumo. Neste cenário, partilha, comunhão e consumo consciente são apenas alguns dos conceitos que emergem a partir dos princípios da solidariedade e sustentabilidade. Sendo assim, a pesquisa junto os Projeto Reviver do Cariri nos permite inferir que o trabalho com os dependentes químicos, ativa princípios da economia solidária na medida em que é custeado por doações e contribuições para manutenção dos internos e sustentabilidade das ações no longo prazo. Prova disto é que já são oito anos de contribuição com a sociedade sem fins lucrativos. A vivência com os internos e as lideranças do Projeto mostrou que a grande argamassa que sustenta a possibilidade de recuperação dos internos é a fé na medida em que por diversas vezes nos encontros e entrevistas, os integrantes fazem referência a Deus como única alternativa para a superação do vício. A dimensão da solidariedade se apresenta, ainda, no fato de que muitos dos dependentes que se consideram curados permanecem no Projeto como suporte ao trabalho e aos novos membros. REFERÊNCIAS ADDOR, Felipe. Desafios da Economia Solidária no Brasil: uma sistematização da literatura existente. In. IV ENCONTRO INTERNACIONAL DE ECONOMIA SOLIDÁRIA: EDUCAÇÃO, POLÍTICA E INTEGRAÇÃO DA AMÉRICA LATINA NESOL, 4., v. 1, 2006, São Paulo. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 933 BERTUCCI, Jonas de Oliveira. A produção de sentido e a construção social da Economia Solidária. Brasília, 2010. GONÇALVES, S. M. S. Economia solidária, associativismo & autogestão: uma análise de associações de artesanato de Juazeiro do Norte- CE. Juazeiro do Norte/CE, 2010. LECHAT, N. M. P. As raízes históricas da Economia Solidária e seu aparecimento no Brasil: Palestra proferida na UNICAMP por ocasião do II Seminário de incubadoras tecnológicas de cooperativas populares dia 20/03/2002. NASCIMENTO, Edson Ronaldo. Princípios da Economia Solidária. Brasília, 2006. In: ROCHA, J. M. Economia Solidária: discutindo uma nova ética nas relações de trocas. Estudo & Debate, Lajeado-RS, v. 12, n. 1, 2005. SANTOS, Cecilia Serapião dos. Principio da dignidade da pessoa humana, os portadores de dependência química e suas famílias. Monografia apresentada na Universidade do Vale do Itajaí. Itajaí-SC, 2008. SILVA, Maria das Graças e; ARAUJO, Nailsa Maria Souza e SANTOS, Josiane Soares. Consumo consciente: o ecocapitalismo como ideologia. Rev. katálysis [online]. 2012, vol.15, n.1, pp. 95-111. ISSN 1414-4980. SOARES, L. Q.; FERREIRA, M. C. Pesquisa Participante como Opção metodológica para a Investigação de Práticas de Assédio Moral no Trabalho. Psicologia (Florianópolis), v. 6, p. 85-110, 2006. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 934 A INCLUSÃO SOCIAL NA PERCEPÇÃO DE UMA AMOSTRA DE ESTUDANTES SURDOS Joelma Soares da Silva16 Francisco Roberto Pinto17 Conceição de Maria Pinheiro Barros18 Tereza Raquel Muniz Gomes19 Resumo O debate em torno da inclusão social tem ganhado força em diversas camadas da sociedade pois representa um novo olhar sobre o cidadão em condições diferentes. O objetivo deste trabalho é identificar como estudante surdo percebe sua inclusão no cotidiano social, no sistema educacional formal e no mercado de trabalho. Para tanto, foi realizada, uma pesquisa de natureza qualitativa, composta inicialmente de revisão bibliográfica seguida de uma pesquisa de campo. Como estratégia de coleta de dados, na pesquisa de campo, realizou-se um grupo focal com 5 estudantes surdos que estão regulamente matriculadas em uma instituição pública de ensino médio voltada para educação de jovens e adultos surdos localizada na cidade de Fortaleza, no Estado do Ceará. Por meio dos resultados obtidos foi possível inferir que o estudante surdo ainda encara a inclusão social como um desafio principalmente pela falta de informação das pessoas ouvintes e pela ausência de estrutura adequada nas organizações que facilitem seu processo de inclusão. Palavras-chaves: Inclusão Social. Estudante surdo. Percepção. Introdução O perfil da população brasileira tem mudado ao longo das últimas décadas. Nesse deslocamento de perfil, os chamados grupos diversos se consolidam na sociedade e os desdobramentos acerca da inclusão social de tais pessoas são pautas consolidadas em pesquisas de diversas áreas do conhecimento além de constituírem objeto de intervenção oficial. Como parte integrante desse conjunto maior, a deficiência desponta no Brasil como tópico contemporâneo, tema importante de pesquisas inovadoras e objeto suscetível a diversas inferências. A evolução em torno do tema emerge da necessidade de compreender como ela é encarada 16 Universidade Federal do Ceará, (85) 8723-3959, [email protected] Universidade Estadual do Ceará, [email protected] 18 Universidade Federal do Ceará, (85) 8865-4694, [email protected] 19 Universidade Federal do Ceará, [email protected], (85) 3226-7149 17 III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 935 por diferentes sujeitos. Sendo assim, é oportuno que se identifique como os próprios deficientes percebem aspectos de sua inclusão em diferentes âmbitos de suas vidas. Portanto, o objetivo deste trabalho é identificar como estudante surdo percebe sua inclusão no cotidiano social, no sistema educacional formal e no mercado de trabalho. No Brasil, a legislação, que durante décadas refletiu a visão paternalista exposta por Manhães (2010) e a classificação orgânica afirmada por Braddoc e Parish (2001), acena tentativas de oficializar a inclusão social. Mesmo sob críticas de seu caráter social (e.g HEINSKI; BIGNETTI, 2002), são perceptíveis as normatizações da inclusão na educação (BRASIL, 1989, 1999, 2000a, 2000b, 2005), na saúde (BRASIL, 1989,1999), no mercado de trabalho (BRASIL, 1989, 1999) e na sociedade de uma forma geral através de benefícios sociais concedidos pelo Estado (BRASIL, 1989,1991, 1993a, 1993b,1999, 2000a, 2000b, 2003, 2004, 2007, 2008, 2011). Instituir o diálogo com diferentes camadas da sociedade poderá servir como ação antecessora aos programas de inclusão, pois ―a forma de interpretação compartilhada pelas pessoas sobre a deficiência é um fator explicativo importante para a gestão dessa dimensão da diversidade‖ (CARVALHO-FREITAS, 2007, p. 34). Para Barnes (2011) a visão de deficiência não é estática nem absoluta, pois se submete a diversas contigências, dentre elas a cultura e o tempo. Não há evidências antropológicas e sociológicas substanciais que forneçam respostas sociais exatas para a percepção acerca do grupo em questão (BARNES, 2011). Este trabalho está dividido em 06 seções incluindo esta introdução. As seções 02 e 03 abordam a revisão da literarura acerca do tema em questão. As seções 04 e 05 tratam da metodologia e análise dos dados respectivamente. Por fim, são apresentadas as considerações finais e as referências que serviram de base para este estudo. 2 Visão orgânica da deficiência A evolução dos debates e das pesquisas em torno do tema deficiência emerge da necessidade de compreender como ela é encarada por diferentes esferas da sociedade nos mais diversificados contextos sociais. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 936 Visando delimitar a amplitude da deficiência, autoridades buscam classificações orgânicas. Nesse sentido, a OMS (2004) elenca as tipologias quanto à duração: temporárias ou permanentes; quanto à evolução: progressivas, regressivas ou estáveis; quanto à frequência das manifestações: intermitentes ou contínuas; quanto à gravidade: leve ou grave. Evidentemente, as classificações de uma deficiência podem variar ao longo do tempo. A legislação brasileira oficializou, inicialmente, as deficiências com base em três abordagens segmentadas: deficiência; deficiência permanente e incapacidade. O Art. 4º do Decreto nº 3.298/1999 estabelece uma segunda classificação, considerando pessoa com deficiência aquela que se enquadre em uma nas seguintes categorias: deficiência física; deficiência auditiva; deficiência visual: deficiência mental: deficiência múltipla. A deficiência auditiva pode ser compreendia como perda parcial ou total das possibilidades auditivas sonoras, variando de graus e níveis na forma de surdez leve, surdez moderada, surdez acentuada, surdez severa, surdez profunda e anacusia (BRASIL, 1999). Alguns anos depois, a classificação oficial ampliou-se e atualizou os grupos abrangidos. Atualmente a segmentação ainda é regida pelo Decreto nº 5.296/2004 que em síntese acrescentou as seguintes alíneas ao já exposto acerca da deficiência auditiva: perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500Hz, 1.000Hz, 2.000Hz e 3.000Hz. Por vezes, as pessoas confundem surdez com deficiência auditiva. Porém, estas duas noções não devem ser encaradas como sinônimos. A surdez, sendo de origem congênita, é quando se nasce surdo, isto é, não se tem a capacidade de ouvir nenhum som. Por consequência, surge uma série de dificuldades na aquisição da linguagem, bem como no desenvolvimento da comunicação. A deficiência auditiva é um déficit adquirido, ou seja, é quando se nasce com uma audição perfeita e que, devido a lesões ou doenças, ela é perdida. Nestas situações, na maior parte dos casos, a pessoa já aprendeu a se comunicar oralmente. Porém, ao com a deficiência, vai necessitará aprender a comunicar de outra forma (SOUZA, 2004). 3 Visão social da deficiência Embora o cenário atual acene um deslocamento na percepção da deficiência, ainda prevalece a visão orgânica do assunto, perceptível principalmente nas definições e classificações constantes na legislação e na literatura nacionais, a partir da caracterização biológica do indivíduo. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 937 Omote (1996) afirma que conceituar deficiência é necessário para que se estabeleçam critérios pelos quais as pessoas são consideradas deficientes. Acrescenta que conhecer as definições e as classificações expostas anteriormente constitui passo preliminar, porém insuficiente, para compreender a dimensão do sujeito deficiente na sociedade. Na concepção de Carpentern (2011) é preciso ir além da classificação de desvios individuais e da categorização redutora e opressiva implantada pelo modelo médico da deficiência. Barnes (2011) explicita a mesma tendência conceitual acerca do tema. Para o autor ―o conceito foi estendido para comportar as desvantagens socio-econômicas e, portanto, representa um modelo sócio- médico da deficiência‖ (BARNES, 2011, p. 58). Ainda sob este enfoque, o autor avança e afirma que as limitações do deficiente são decorrentes não da condição deficiente do indivíduo, mas de condições estruturais e culturais inadequadas que impedem sua plena participação social (BARNES, 2011). Barnes (2011) afirma que nas culturas ocidentais tem havido uma tendência constante de rejeição às pessoas com deficiência. Bahia e Schommer (2009) exemplificam esta realidade afirmando que, embora o paradigma da inclusão social tenha emergido a partir da década de 1990, ainda hoje pessoas talentosas e produtivas estão afastadas do trabalho, por razões que incluem a desinformação e a inadequação de condições de arquitetura, transporte e comunicação. Consoante com isso, muitos empregadores assumem que consideram os trabalhadores deficientes incapazes para o trabalho (ILO, 2003). A percepção deturpada sobre as capacidades das pessoas com deficiência (PCD) pode resultar em intolerância ou em discriminação individual que, na visão de Fernandes (2009), remete a atos simples, diários e às vezes imperceptíveis de intolerância nas relações interpessoais conduzindo, entre outras, a ações como: aceitar ou não alguém num grupo, empregar ou não alguém, aprovar ou não uma pessoa. Nesse sentido, Berthou, (2009, p. 35) assevera sobre a situação da inclusão do deficiente no Brasil: Vivemos em um país Democrático onde se espera que todos tenham tratamento igualitário estimulado por atitudes que eliminem toda forma de exclusão e injustiça social, contudo, quando se aborda a deficiência transmudando o adjetivo em substantivo, o olhar passa a ter conotação estigmatizante sobre a realidade e provoca sentimento de rejeição ou proteção. Na prática, é III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 938 importante estabelecer a relação entre igualdade de direito e diferença de fato reconhecendo o real espaço ocupado pelo indivíduo na sociedade. É preciso refletir que quando se contrata uma pessoa com deficiência apenas para cumprir a Lei, sem remover as barreiras que facilitem o acesso dessa pessoa, contribui para aumentar o preconceito de que ela não possui competência laboral (TANAKA, MANZINI, 2005). 4 Metodologia da pesquisa O presente estudo é de caráter descritivo e natureza qualitativa, constituído de duas etapas: revisão da literatura e pesquisa de campo. Como estratégia de pesquisa de campo foi adotado o método do Grupo Focal, conhecido por permitir ao pesquisador não só examinar as diferentes análises das pessoas em relação a um tema, como também explorar como os fatos são articulados por meio da interação grupal. Possui custo baixo em relação a seu emprego e possibilidade de obtenção de dados válidos e precisos em curto tempo (GASKEL, 2002; MORGAN, 1997; KITZINGER, 2000). O grupo focal promove a interação entre os participantes no intuito de obter os dados necessários à pesquisa (RESSEL, 2002; MACHADO, 2004). Para este estudo foi realizado 01 grupo focal composto por 05 estudantes surdos regularmente matriculados no Instituto Cearense de Educação de Surdos do Ceará (ICES). O grupo teve duração de 1 hora e contou com a presença de um moderador principal que conduziu as entrevistas e um moderador auxiliar como apoio, além da presença de uma pedagoga e de um tradutor de LIBRAS. Os grupos aconteceram em 30 de Maio de 2012 no Instituto Cearense de Educação de Surdos do Ceará (ICES) localizado na cidade de Fortaleza, estado do Ceará. O primeiro grupo teve início às 15 horas e encerrou-se às 16 horas e o segundo grupo iniciou-se às 19 horas e foi encerrado às 20 horas. O intuito de ter-se realizado dois grupos distintos foi de captar maior diversidade de respostas e assim, ampliar as inferências sobre o tema. O ICES é uma instituição pública estadual destinada exclusivamente à educação da pessoa surda. A época existia há 52 anos e atendia à época 520 discentes matriculados em cursos voltados para educação regular de jovens e adultos e cursos profissionalizantes. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 939 O instrumento de coleta de dados foi composto de dois blocos de perguntas abertas que trataram da inclusão social no cotidiano e da inclusão social no mercado de trabalho. A caracterização do respondente também foi feita mediante tradução da LIBRAS por se tratar da língua principal do público alvo e por terem dificuldade de compreender o português escrito. A tradução de LIBRAS para o português foi gravada em áudio, transcrita a analisada pelos pesquisadores, conforme orientações de Oliveira e Freitas (2010). 5 Apresentação e análise dos dados Os cinco alunos surdos entrevistados do primeiro grupo são denominados neste capítulo de entrevistados A, B, C, D e E na intenção de manter o anonimato. Todos têm idades de dezessete a vinte e quatro anos, quatro são mulheres e apenas um homem, o estado civil de todos solteiros e apenas um separado. Todos moram com os pais, e estão fazendo curso profissionalizante de informática, oficina de português, e hardware. Em relação ao mercado de trabalho, 02 nunca trabalharam, 02 trabalham no próprio ICES e 01 já trabalhou em lugares externos à instituição, mas atualmente só estuda. Inclusão social no cotidiano O primeiro bloco de perguntas versou sobre a inclusão social no cotidiano. Inicialmente, foi questionado como eles preferiam ser denominados e todos foram unânimes em afirmar que não gostam de ser chamados de deficientes, pois consideram um termo negativo e que abrange diversas categorias de deficiência. Como se consideram uma comunidade, não se classificam como deficientes e preferem ser chamados apenas de surdos. 1. As pessoas ouvintes fora da escola tem dificuldade de se comunicar com você? Quais dificuldades você enfrenta? Depende, algumas pessoas usam bastante mímica, mas varia muito de cada pessoa, mas há sim bastante comunicação, até porque depende também do desenvolvimento III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 940 do surdo, geralmente preciso de intérprete para uma consulta ao médico pois não entendo muito bem a letra do Dr. na Receita Médica, mas na minha casa percebo quando há algum problema pois sinto as pessoas estranhas, e ninguém fala pra mim daí fica um clima chato (ENTREVISTADO C). Comigo sempre tive facilidade principalmente dentro de casa, pois minha mãe fez curso de Libras aqui no ICES, e quando vou ao médico faço leitura labial e como sempre vou com minha mãe não sinto dificuldade, já nas ruas faço questão de ser simpático e digo logo que sou surdo, vou quebrando o gelo, e deixando as pessoas ouvintes mais a vontade e acostumadas comigo (ENTREVISTADO A). Geralmente quando uso serviço público de saúde, ou transporte sinto muita dificuldade de entender os ouvintes pois eles não tem muita paciência para explicar e falar com calma pois faço leitura labial (ENTREVISTADO B). 2. Como você encara os serviços ofertados públicos como saúde, segurança, lazer e esporte? Atendem às necessidades da comunidade surda? Você tem dificuldade de acesso a eles por ser surdo? O serviço de saúde, é o pior, porque os médicos escrevem a receita médica com uma letra ilegível, muito difícil de entender a escrita (ENTREVISTADO C). Também concordo pois o serviço de saúde nos faz entender que necessitamos sempre de um intérprete para nos auxiliar numa consulta e mais, temos que achar uma pessoa que tenha ética (ENTREVISTADO A). Quando eu vou ao médico levo minha mãe ou algum amigo que sabe Libras de minha confiança para que eu possa ser consultada (ENTREVISTADO B). 3. Você sente dificuldade em se comunicar no uso de serviços cotidianos, como ônibus, comercio, repartições publicas, por exemplo? Precisa de intérprete de Libras? Sim, muitas vezes preciso de intérprete quando vou ao médico, ou então preciso ir tirar algum documento numa repartição pública (ENTREVISTADO C). Como tenho pessoas na família que também sabem Libras, tenho algum parente que sempre me acompanha (ENTREVISTADO D). Falta intérpretes para isso, pois a maioria vão trabalhar em universidades, e há uma certa carência para a comunidade surda em relação a alguns serviços principalmente o serviço médico (ENTREVISTADO A). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 941 4. Você usa fila preferencial? As vezes uso quando vejo uma plaquinha informando, mas, se não tiver eu não uso porque tenho vergonha (ENTREVISTADO A). Eu sempre usei (ENTREVISTADO C). Uso as vezes porque nas placas só tem o termo deficiente e não especifica qual deficiência, aí tenho medo de usar e as pessoas acharem que não sou surdo, uma vez estava com meu irmão na fila que é ouvinte, e passei na frente das pessoas, aí uma senhora perguntou a mim se eu não tinha vergonha de fazer aquilo passar na frente das pessoas, ai meu irmão falou que eu sou surdo e traduziu quando eu disse a ele que se ela não parasse de falar eu iria procurar os meus direitos e iria processá-la (ENTREVISTADO E). 5. Você já sofreu algum preconceito? De que forma? Como se sentiu? Sim, quando fui tentar o Enem no ano passado, chamei o intérprete ele falou que não podia traduzir a prova toda pois eram ordens da direção ele só poderia traduzir algumas palavras, me senti magoada, pois me preparei, estudei para a prova, e senti que me tiraram um sonho (ENTREVISTADO B). Eu também fui fazer o Enem e me senti da mesma forma, pois se é um programa do governo e não é particular, questionei porque eles dificultam para algumas pessoas (ENTREVISTADO D). As pessoas me olham diferente na fila de um banco, ou num local público quando estou me comunicando, mas logo dou um sorriso e recebo simpatia também (ENTREVISTADO A). 6. Busca informações a respeito do seu direito? Sim sempre pesquiso e levo dentro da bolsa meus direitos (ENTREVISTADO A). Pesquiso meus direitos mas acho que está muito falho pois para tirar a Carteira Nacional de Habilitação, deveríamos ter um intérprete, como também quando vamos ao médico da mesma forma, dentro dos Hospitais é muito difícil encontrar intérpretes (ENTREVISTADO D). Com certeza, até porque quando alguém me questionar na rua, ou em qualquer outro lugar terei como me defender (ENTREVISTADO E). A maioria dos alunos entrevistados procura saber quais suas possibilidades de crescimento e evolução no mundo, mas ainda acham que as Leis asseguram poucas atividades para a III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 942 comunidade surda, eles ainda se sentem impossibilitados em realizar certos exames como tirar a carteira de habilitação, pela falta de intérpretes. Inclusão social na educação Nessa parte da entrevista, o primeiro grupo focal, foi entrevistado com perguntas direcionadas especificamente sobre a educação de surdos, e o que acham sobre a inclusão do aluno surdo em escolas regulares, se já estudaram em escolas regulares e sofreram algum tipo de preconceito e o que acham do Instituto de surdos. 7. Você já estudou em escola regular? Se sim, por que saiu? Sim, havia apenas eu de surda na sala de aula, e na escola havia cinco surdos no total, mas sai no oitavo ano pois estava tendo muitas despesas, aí fui para um colégio do Estado, e depois para o ICES. No momento que estive na escola regular, me senti muito mal, presa, pois na sala eu era a única surda, e o professor não sabia Libras, mas como fiz leitura labial por muito tempo, ele primeiro explicava para a turma depois ficava perto de mim fazia leitura labial e desenhava na lousa mas como isso demorava muito as vezes não dava tempo e eu ficava sem entender a matéria (ENTREVISTADO A). Eu também sai do colégio regular pelas despesas e também porque os Professores não sabiam Libras e minhas notas variavam muito, aí minha mãe me colocou nas aulas de reforço, mas os professores acabavam me passando de ano sem me avaliar então acabei fazendo fonoaudiologia, hoje sou bimodal, ou seja falo um pouco a língua oral e também a minha língua materna a Libras (ENTREVISTADO C). Sempre estudei no ICES (ENTREVISTADO B). 8. Você é a favor de uma escola separada para alunos surdos? Sim, acho que o ICES é melhor para mim pois a Inclusão gera muita confusão, porque quando estive numa turma regular com alunos ouvintes todos falavam muito e faziam chacota, me chamando de burro, e aqui me sinto bem melhor, praticamente me sinto em casa (ENTREVISTADO A). Acho que o ICES tem uma pedagogia visual preparada para os surdos, coisa que nunca um colégio regular teria (ENTREVISTADO E). Nas escolas regulares os professores tem pena da gente e acabam passando a gente para a série seguinte, e também essas escolas não possui intérpretes em Libras (ENTREVISTADO B). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 943 9. Faz algum outro curso além da escola? Onde? É uma instituição regular ou especial? Sim, eu fiz curso de computação e hardware numa instituição regular e aqui também (ENTREVISTADO A). Faço apenas oficina de Português e E-Jovem um projeto sobre novas tecnologias do ICES (ENTREVISTADO B). Faço curso de artes no ICES (ENTREVISTADO C). 10. A escola fornece curso de Libras para a família do aluno? Sim, minha mãe faz oficina de Libras aqui no ICES, ela no começo achava muito difícil e se comunicava comigo por mímica, e usava a escrita, hoje ela já domina a Libras (ENTREVISTADO A). Sim oferece, meus pais fizeram o curso de Libras (ENTREVISTADO C). Fornece sim, mas minha família não tem tempo e acha muito difícil, ai quando estou em casa uso um aparelho auditivo e escuto apenas ruídos, aí sei quando minha mãe esta querendo se comunicar comigo, mas ela escreve num papel (ENTREVISTADO B). 11. Você tem vontade de entrar numa faculdade, trabalhar? Sim, claro que quero entrar numa faculdade e trabalhar, mas para isso, vou insistir no Enem e provar para todos que vou conseguir passar (ENTREVISTADO A). Eu quero estudar moda e trabalhar com corte de cabelo (ENTREVISTADO C). Eu quero passar num concurso, ter um trabalho efetivo que eu tenha estabilidade, pois serviço terceirizado não compensa (ENTREVISTADO B). 12. A escola fornece orientação para os alunos que desejam ingressar na universidade ou no mercado de trabalho? Sim o ICES possui um programa para auxiliar a entrada do aluno no vestibular, assim como estudar para o Enem (ENTREVISTADO A). O ICES possui cursos de auxiliar administrativo que prepara o aluno para o mercado de trabalho, acho muito importante (ENTREVISTADO B). Sim além dos cursos de capacitação para o trabalho, temos orientações para o vestibular (ENTREVISTADO C). 13. Todos dominam o português escrito ou só a Libras? III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 944 Eu domino, mas estudei muito para aprender (ENTREVISTADO C). Eu tenho dificuldades quando por exemplo, uso o celular que é só para passar mensagem, aí quando recebo mensagem de algum ouvinte não entendo pois ele usa muita gíria, e me confundo acabo não entendendo (ENTREVISTADO B). Não muito, me confundo às vezes, porque misturo o vocabulário (ENTREVISTADO A). Inclusão social no mercado de trabalho 14. Você encontra ou encontrou dificuldades para conseguir emprego? Quais? Não sei como é o mundo lá fora pois sempre trabalhei no ICES, não tive dificuldade em empenhar minhas funções (ENTREVISTADO C). Sim, antes de trabalhar aqui no ICES eu procurei emprego em um escritório de contabilidade, fui com minha irmã que é ouvinte e a empresa falou que não contratava deficientes porque não tinham adaptações para surdos (ENTREVISTADO A). Sim, acho que para todo mundo há dificuldades, não é só porque sou surdo, acredito que as empresas tenham medo de não dar certo ter uma pessoa com determinada peculiaridade dentro do seu trabalho (ENTREVISTADO B). 15. Você acha que está no cargo atual porque é surdo ou poderia exercer alguma outra função? Acho que cada pessoa tem uma habilidade diferente da outra, eu gosto de digitar, de trabalhar com papeis, declarações, folhas de pagamento, mas claro que serviço de secretaria, como atender telefones é impossível para um surdo porque trabalhar com o público, o cliente externo, requer muita comunicação oral, para manter o elo entre a empresa e o cliente (ENTREVISTADO C) Eu gosto do que faço, acredito que estou nesse setor porque sou dedicado e gosto de aprender, mas depende da empresa também porque as vezes é ela que determina em que tipo de cargo e perfil a pessoa tem para a empresa (ENTREVISTADO B). Estou nesse cargo porque aprendi o que iria fazer, e se eu for para outro setor irei me dedicar mais ainda, não estou nele apenas porque sou surdo as pessoas me valorizam bastante (ENTREVISTADO A). 16. Quais as principais dificuldades encontradas no dia-a-dia do seu trabalho? III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 945 Trabalho com papeis, digitação, declarações de alunos, folhas de pagamento e matrícula, então como fiz cursos de informática, não sinto dificuldades (ENTREVISTADO A). Também não sinto dificuldades (ENTREVISTADO C). Sempre que tenho dificuldades, recorro a alguém que esteja disposto a me ajudar, e daí aprendo cada vez mais, no começo tinha muitas dúvidas mas sempre me esforcei para aprender hoje em dia me sinto mais capacitado (ENTREVISTADO B). 17. No seu trabalho há outros surdos ou outros deficientes? Há apenas surdos (ENTREVISTADO C). No antigo trabalho tinha cegos também, e pessoas com um atraso intelectual, mas atualmente somente surdos (ENTREVISTADO A). Somente surdos (ENTREVISTADO B). 18. Você enfrenta alguma dificuldade de relacionamento com as pessoas do trabalho? Como sempre trabalhei no ICES as dificuldades que enfrentei foram superadas facilmente pois a comunicação entre os funcionários ouvintes que sabem Libras torna o trabalho mais flexível e prazeroso (ENTREVISTADO A). Não, sempre foi tudo tranquilo, as pessoas que trabalham comigo sabem que sou surdo e tem paciência comigo (ENTREVISTADO B). Não, até agora não enfrentei dificuldades com as pessoas no trabalho (ENTREVISTADO C). 19. Há algum tipo de seleção de emprego para surdos? Não sei se há seleções por aí, mas aqui no ICES, me senti muito adaptada com minha função, pois já conhecia as pessoas ouvintes que trabalham aqui, aí foram muito pacientes comigo e logo me adaptei (ENTREVISTADO A). Quando trabalhei numa rede de mercantis na parte de auxiliar do caixa, fizeram uma prova para ver se eu era boa no português escrito, se eu era simpática, e depois fizeram um treinamento de adaptação de 2 meses, e consegui (ENTREVISTADO B) No ICES é oferecido cursos de capacitação e geralmente procuramos aquilo que já temos tendência ou gostamos, mas antes de entrar no meu trabalho fizeram apenas um treinamento comigo (ENTREVISTADO C). Analisando a entrevista do grupo focal percebe-se que a inclusão social para os participantes tem aspectos diferentes, em termos de cotidiano, educação e mercado de trabalho. A III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 946 Inclusão Social no cotidiano na visão dos discentes entrevistados, ainda está repleta de falhas, principalmente no quesito saúde, pois há escassez de profissionais intérpretes em hospitais, o que ocasiona insatisfação na comunidade surda, pois no caso de uma consulta médica, o próprio médico que não entende LIBRAS, ao passar a receita ao paciente surdo, escreve com letra ilegível, e para um surdo que sabe o português escrito já é complicado então para um surdo que não entende o português escrito fica mais complicado ainda. No que diz respeito à educação regular, sabe-se que a inclusão do aluno surdo no ensino regular é, portanto, determinante para o seu desenvolvimento enquanto participante de um contexto sociocultural, pois valida o comprometimento do real propósito escolar. Porém, de acordo com os resultados obtidos na entrevista, a maioria dos alunos surdos entrevistados, não teve bons rendimentos em escolas regulares, e também não aceitam a ideia de inclusão de surdos na educação convencional. Tal constatação causa surpresa, pois acredita-se que a inclusão não se limita a transpor barreiras arquitetônicas ou cognitivas, mas de relações sociais viabilizando, assim, a redução de preconceitos ou estigmas. No entanto, para os abordados, isso gera atraso no aprendizado e as escolas regulares não tem adaptações para fornecer resultados positivos no aprendizado deles, enfatizando também a falta de intérpretes nessas escolas. Identificou-se também unanimidade no fato deles não aceitarem o termo deficiente. pois, acreditam que deficiência, intitula várias categorias e classificações, então acabam se sentindo incomodados quando são chamados de deficientes, pois alegam que apenas nasceram surdos e fazem parte de uma cultura e comunidade diferenciadas. Quanto às pessoas ouvintes fora da escola, um aluno respondeu que sua comunicação com elas varia muito, pois algumas pessoas usam bastante mímica até porque depende também do desenvolvimento do surdo e o modo como ele se expressa. Um dos entrevistados expressou que sempre tentou ser simpático com as pessoas e já mostrando que é surdo para que as pessoas se acostumem com ele e também sejam simpáticas, já outro aluno quando usa serviço público de saúde sente muita dificuldade de entender os ouvintes pois eles não tem muita paciência para explicar e falar com calma já que ele faz leitura labial, e acaba levando a mãe que fez curso de Libras, ou um intérprete. A respeito da fila preferencial, a maioria respondeu que não usa, pois, tem vergonha e medo de alguém achar que estão se aproveitando já que muitos a maioria da sociedade espera sempre alguém com deficiência física e não apenas surdos. Além disso, as placas só apresentam o termo III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 947 deficiente e não especifica qual deficiência. Apenas um aluno faz questão de usar quando há placas indicativas. Na abordagem do preconceito, a maioria dos alunos respondeu que se sentiu muito magoado por não ter recebido auxílio de um intérprete ao fazer a prova do ENEM, pois por ordens da direção, o intérprete faria a tradução apenas de algumas palavras. Outros dois alunos respondeu que quando estão na fila de um banco, ou de alguma repartição pública, as pessoas olham diferente para eles ao se comunicarem por gestos, mas logo lançam um sorriso e ignoram. Foi questionado também se eles buscam informações sobre seus direitos e foram unânimes respondendo que além de procurarem seus direitos, imprimem e carregam dentro da bolsa para caso ocorra alguma eventualidade já tem como se defender, um dos alunos respondeu que acha muito falho os direitos dos surdos pois para tirar a Carteira Nacional de Habilitação, deveria ter um intérprete, como também quando vão ao médico da mesma forma, dentro dos Hospitais é muito difícil encontrar intérpretes. Na parte da educação, foi questionado se já estudaram em escola regular, e porque saíram, e apenas dois respondeu que sempre estudou no ICES, a maioria veio de escola regular e responderam que saíram pelo alto custo de despesas e pelas notas que variavam bastante pelo fato dos professores primeiro explicarem para a turma depois ficava perto deles fazendo leitura labial e desenhava na lousa, mas como isso demorava muito as vezes não dava tempo e ficavam sem entender a matéria, como os professores não sabiam Libras, acabava os passando de ano sem avaliar, e isso prejudicava. Verifica-se que ao questionar se são a favor de uma escola separada para surdos, todos foram unânimes ao afirmar pois alegaram que o ICES é melhor para eles pois a Inclusão gera muita confusão, porque quando estiveram numa turma regular com alunos ouvintes todos falavam muito e faziam chacota, chamando de burro, e no ICES se sentem bem melhor. Outro aluno respondeu que no ICES há uma pedagogia visual preparada para os surdos, coisa que nunca um colégio regular teria e que nas escolas regulares os professores tem pena dos surdos e acabam os passando para a série seguinte sem avaliar, e também as escolas regulares não possui intérprete. Foi levantada a questão dos cursos fora do ICES, se já cursaram ou não, todos foram unânimes, respondendo que sim, cursaram tanto fora do ICES como lá mesmo, cursos de computação, hardware, oficina de português, e curso de artes. Abordou-se o fato de a escola fornecer orientação para os alunos que desejam ingressar na universidade ou no mercado de trabalho, e todos os alunos III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 948 reconhecem a importância que o ICES possui em ter programas para auxiliar a entrada do aluno no vestibular, assim como estudar para o Enem, e possui cursos de auxiliar administrativo que prepara o aluno para o mercado de trabalho. Quando abordou-se o fato da escola possuir curso de Libras para a família do aluno surdo, a maioria respondeu que a família se esforça para aprender, mas acha muito difícil, ou não tem tempo. Quanto ao português escrito, a maioria respondeu que se esforça para aprender, um dos alunos falou que quando usa o celular que é só para passar mensagem e recebe mensagem de algum ouvinte, não entende, pois o ouvinte usa muita gíria, acaba se confundindo e misturando o vocabulário. Na questão dos objetivos, todos foram unânimes respondendo positivamente que desejam muito entrar numa faculdade e trabalhar, passar num concurso pois disseram que trabalho terceirizado não tem estabilidade e não compensa, outro aluno respondeu que quer estudar moda e trabalhar com corte de cabelo. No quesito mercado de trabalho, foi questionado se encontram ou encontraram dificuldades para conseguir emprego, e quais, apenas um aluno respondeu que como sempre trabalhou no ICES, não teve dificuldade em empenhar suas funções, outro entrevistado respondeu que antes de trabalhar no ICES procurou emprego em um escritório de contabilidade, foi com a irmã que é ouvinte e a empresa falou que não contratava deficientes porque não tinham adaptações para surdos, um dos alunos acha que para todo mundo há dificuldades, não é só porque é surdo, acredita que as empresas tem medo de não dar certo ter uma pessoa com determinada peculiaridade dentro do seu trabalho. Questionou-se se havia seleção de emprego para surdos, um aluno respondeu que não sabe se há seleções por aí, mas que no ICES, se sentiu muito adaptado com a função, pois já conhecia as pessoas ouvintes que trabalham lá, aí foram muito pacientes e logo se adaptou, outro entrevistado respondeu que quando trabalhou numa rede de mercantis na parte de auxiliar do caixa, fizeram uma prova para ver se ele era bom no português escrito, se tinha simpatia, e depois fizeram um treinamento de adaptação de dois meses, já outro aluno disse que no ICES é oferecido cursos de capacitação e geralmente procuram aquilo que já tem tendência ou gosta, mas antes de entrar no trabalho fizeram apenas um treinamento com ele. Quanto ao fato de estarem no cargo porque é surdo ou se podia exercer outra função, um aluno respondeu que cada pessoa tem uma habilidade diferente da outra, e que gosta de digitar, de trabalhar com papeis, declarações, folhas de pagamento, mas afirma que serviço de secretaria, como atender telefones é impossível para um surdo porque trabalhar com o público, o cliente externo, requer III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 949 muita comunicação oral, para manter o elo entre a empresa e o cliente. Já os demais responderam que gostava do que fazia e acredita que está nesse setor porque é dedicado e gosta de aprender, mas salientam que depende da empresa também porque às vezes é ela que determina em que tipo de cargo e perfil a pessoa tem para a empresa, um dos alunos respondeu que está nesse cargo porque aprendeu o que iria fazer, e se for para outro setor irá se dedicar mais ainda e que não está nele apenas porque é surdo as pessoas o valorizam bastante. Analisa-se que ao questionar as principais dificuldades encontradas no dia-a-dia do trabalho, todos foram unânimes respondendo que não sentem dificuldades. Um dos alunos respondeu que como trabalha com papeis, digitação, declarações de alunos, folhas de pagamento e matrícula, fez cursos de informática e não sentiu dificuldades, outro entrevistado respondeu que sempre recorro a alguém que esteja disposto a ajudar, e daí aprende cada vez mais, no começo tinha muitas dúvidas mas sempre se esforçou para aprender hoje em dia se sinto mais capacitado. Verificou-se que não há outros deficientes trabalhando com os entrevistados, apenas um respondeu que no antigo trabalho, tinha um cego também. Quanto ao fato de enfrentarem alguma dificuldade de relacionamento com as pessoas do trabalho um dos alunos respondeu que como sempre trabalhou no ICES as dificuldades que enfrentou foram superadas facilmente pois a comunicação entre os funcionários ouvintes que sabem Libras tornou o trabalho mais flexível e prazeroso, outros dois entrevistados respondeu que não, sempre foi tudo tranquilo, as pessoas que trabalham com eles sabem que são surdos e tem paciência. Verifica-se que os entrevistados se sentem bem ao falar do ICES, e que são dedicados, possuem sonhos de entrar numa faculdade, trabalhar, formar uma base para ter um futuro melhor. Portanto, nota-se que a inclusão social tem diferentes dimensões para os surdos entrevistados, cada esfera possui uma vantagem e desvantagem, mas no quesito educação, todos são bem positivos ao alegar que não se pode incluir uma parcela mínima de alunos surdos dentro de uma classe onde a maioria de ouvintes impera, pois isso causa o preconceito, o atraso de aprendizagem até porque para haver a inclusão na educação precisa haver também adaptações para isso, inclusive aumentar os concursos para os cargos de intérpretes nas escolas regulares. 6 Considerações finais III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 950 Os dados coletados por meio do grupo focal deixou evidente que os alunos surdos ainda sofrem com dificuldades de inclusão em serviços básicos do cotidiano, como no caso de atendimento à saúde e em escolas regulares, por exemplo. Tal realidade obriga que o surdo ande sempre acompanhado de um parente ou pessoa que domine LIBRAS. Tal realidade é no mínimo preocupante já que estas pessoas poderiam exercer outras atividades produtivas. O surdo não necessita ser dependente de alguém que o guie. O fato é que a sociedade impõem limitações estruturais que torna a surdez um problema, quando na realidade é apenas uma diferença. Embora oficialmente órgãos públicos devam favorecer o acesso e a permanência do deficiente, ainda é difícil encontrar espaços públicos que sejam coerentes com tal exigência. Usar de mímicas, desenhos ou similares são saídas arcaicas que apenas apontam o constrangimento que o surdo está submetido diariamente. O resultado é que para amostra abordada é mais interessante estar recluso a um ambiente próprio, pois não se sentem absurdos para a sociedade. Não demonstrar interesse em pertencer a ambientes mistos e preferir a escola própria para surdos além de trabalhar na própria escola por mais que cause surpresa é justificável considerando a realidade apresentada pelos participantes. Em contrapartida, há de se questionar até ponto manter-se recluso a um espaço limitado a estudantes surdos é de todo salutar, já que esta fase de suas vidas é temporária. Em breve, por exemplo, sentirão vontade e necessidade de cursar o ensino superior e não mais poderão esquivar-se do convívio que hoje preferem evitar por ser difícil. Saber como os discentes surdos encaram a própria inclusão no cotidiano social, na educação forma e no mercado de trabalho é relevante, já que políticas de inclusão são projetas em função deste público. A inclusão social ainda é muito conceitual no Brasil e precisa ser repensada a partir da compreensão de como diversos atores sociais a encaram. Os limites deste trabalho centram-se em ter sido abordado um único tipo de deficiência além dos participantes serem jovens, ou seja, possivelmente não apresentem dificuldades próprias de pessoas surdas em outras fases da vida, como na terceira idade, por exemplo. Acredita-se que outras pesquisas possam apresentar dados que se somados aos aqui III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 951 apresentados poderão suprir lacunas do conhecimento acerca da inclusão social de pessoas surdas. Referências BARNES, Colins. Understanding disability and the importance of design for all. Journal of Accessibility and Design for All. (CC) JACCES, 2011 – 1(1), p. 55-80. Disponível em http://www.jacces.org/jacces/ojs/index.php/jacces/article/viewArticle/56. Acesso em 21 abr 2012. BRADDOCK, D. L. PARISH, S. L. An institutional history of disability. In: ALBRECHT. G. L. SEELMAN, K. D. 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Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 953 TANAKA, E. D. O. MANZINI, E. J. O que os empregadores pensam sobre o trabalho da pessoa com deficiência? Rev. Bras. Ed. Esp., Marília, Mai.-Ago. 2005, v.11, n.2, p.273-294. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-65382005000200008. Acesso em 13 jan 2012. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 954 ACESSIBILIDADE DE ESTUDANTES SURDOS À UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ – UM ESTUDO DE CASO Joelma Soares da Silva20 Francisco Roberto Pinto21 Conceição de Maria Pinheiro Barros22 Jane Miqueline Magalhães Vieira23 Resumo O objetivo deste estudo é identificar as práticas desenvolvidas pela Universidade Federal do Ceará para a promoção do acesso e da permanência de estudantes surdos ao ensino superior. Para tanto, foi realizada uma pesquisa qualitativa e descritiva por meio de revisão teórica sobre o tema seguida de um estudo de caso na Universidade Federal do Ceará. Como técnica de coleta de dados foi realizada uma entrevista estruturada com um representante da Secretaria de Acessibilidade da referida universidade realizada em junho de 2013. Os resultados obtidos revelam que a universidade não atende ainda em sua totalidade às expectativas das políticas de acessibilidade no que diz respeito à promoção do acesso. A análise dos dados permitiu inferir também que no que diz respeito à promoção da permanência ainda há deficiências a serem supridas, embora já existam ações em andamento que consideram tal situação. Palavras-chaves: Acessibilidade, Deficiência Auditiva, Estudantes Surdos. Introdução A tendência mundial de inclusão de grupos de diversidade tem ganhado notoriedade por promover o atendimento das necessidades sociais dos considerados excluídos. Tal realidade concede ao tema acessibilidade o status de objeto de estudo, debates e inferências que subsidiam políticas públicas diversas. No intuito de promover real segurança em qualquer tipo de ambiente possível, incluir é, antes de tudo, igualar a prestação de serviço de forma ampla permitindo, assim, que as pessoas que necessitam de atendimento diferenciado tenham possibilidades reais de satisfazer suas necessidades. A acessibilidade é a possibilidade de 20 Universidade Federal do Ceará, (85) 8723-3959, [email protected] Universidade Estadual do Ceará, [email protected] 22 Universidade Federal do Ceará, (85) 8865-4694, [email protected] 23 Universidade Federal do Ceará, [email protected] (85) 3226-7149 21 III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 955 qualquer pessoa, independentemente das suas capacidades físicas, culturais ou sociais, ter acesso ao benefício de usufruir de uma vida em sociedade, incluindo serviços e informações, com um mínimo de restrições possíveis (NICHOLL, 2001). No vasto universo da diversidade, estão inseridos indivíduos com aspectos específicos variados como gênero, etnia, orientação sexual, idade, origem geográfica, crença religiosa, diferenças ou limitações físicas e mentais. Na concepção de Saraiva e Irigaray (2009) os grupos que diferem dos padrões tidos como normais merecem especial atenção, pois, não raramente, são encarados como diferentes e consequentemente, estigmatizados. A percepção contemporânea das diferenças individuais e suas implicações sociais iniciou-se ainda na década de 1960 nos Estados Unidos, quando, através da legislação, o governo coibiu práticas discriminatórias por parte das empresas (ECCEL; FLORESPEREIRA, 2008). Desde então, o debate em torno do tema tem avançado como elemento consolidado na pauta empresarial e acadêmica e numa visão mais contemporânea tem-se a inclusão instaurada como caminho definitivo para sanar diferenças individuais e sociais. Como aspecto fundamental da inclusão, a educação é sem dúvida, o marco dinamizador de oportunidades para diversos grupos incluindo as pessoas deficientes. Diante do exposto, elegeu-se como objetivo geral deste estudo, identificar as práticas desenvolvidas pela Universidade Federal do Ceará (UFC) para a promoção do acesso e da permanência de estudantes surdos ao ensino superior. Trata-se de uma pesquisa qualitativa e descritiva pautada em referências sobre deficiência e inclusão seguida de um estudo de caso na UFC. São apresentadas as considerações acerca dos achados e os autores que serviram de base para este estudo. 2 Aspectos fundamentais da deficiência auditiva Nos mais diversos períodos da história da humanidade, a deficiência sempre foi um assunto que despertou a atenção do homem por tonar visível o diferente. Nesse contexto não é incomum encontrar na literatura, tentativas de conceituar e classificar a deficiência em função daquilo que ela subtrai do homem. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 956 De acordo com Giordano (2000), a análise histórica do conceito de deficiência remete a uma estreita relação entre a concepção do fenômeno e a ação social perante o seu portador. Para o referido autor existem muitas concepções de deficiência e elas nada mais são do que pensamentos adquiridos ao longo da história. Na afirmativa de Carvalho-Freitas e Marques (2006) a visão de deficiência é emergente de um processo histórico de classificação de características que distingue pessoas ou grupos, tendo por parâmetro a interpretação construída historicamente e calcada em convicções individuais e sociais. Nesse sentido, ressalte-se que as definições e classificações oficiais nacionais são em sua grande maioria pautadas na condição orgânica e não social. Como exemplo mais abrangente destaca-se a definição da Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF), proposta pela Organização Mundial de Saúde (OMS) onde a deficiência é conceituada como uma mudança na estrutura ou função do corpo da pessoa, não estabelecendo uma relação de causa para a sua funcionalidade ou incapacidade. Em termos de definições legais nacionais, o Decreto nº 5.296, de 2 de dezembro de 2004 em seu artigo 3º segmenta a deficiência em três partes a saber: deficiência, deficiência permanente e incapacidade diferenciadas entre si, basicamente em função da redução motora que promove no indivíduo. Conforme o decreto nº 5296, de 2 de dezembro de 2004, a pessoa é considerada com deficiência pode se enquadrar em uma das seguintes categorias: auditiva, física, visual, mental ou múltipla (BRASIL, 2004). A deficiência auditiva é dividida em graus e classifica-se segundo a perda da audição. Segundo o Decreto nº 5.296 de 2004, deficiência auditiva é a perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas frequências de 500HZ, 1.000HZ, 2.000Hz e 3.000Hz. A deficiência auditiva é dividida em graus e classifica-se segundo a perda da audição (BRASIL, 1999). Deficiente auditivo é como se autodenominam os sujeitos que escutam parcialmente, ou seja, aqueles que apresentam uma perda moderada ou leve do grau da audição. De acordo com o grau de comprometimento da perda auditiva da pessoa, esta pode ser aferida por meio de testes que delimitem os limiares tonais chamados de Audiômetros. Esses limiares correspondem à menor intensidade de som que o indivíduo consegue ouvir. Sendo assim, os III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 957 indivíduos com níveis de perda auditiva leve, moderada e severa são chamados de deficientes auditivos, enquanto aqueles com níveis de perda auditiva profunda são chamados de surdos (MARTINEZ, 2000). Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 28 milhões de brasileiros possuem algum tipo de problema auditivo. Dados do último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2010, no Brasil cerca de 10 milhões de pessoas possuem alguma deficiência auditiva. Desse total, cerca de 2 milhões de pessoas apresentam deficiência auditiva severa, 1,7 milhões de pessoas tem muita dificuldade de ouvir sons, e aproximadamente 345 mil são surdas. Tem-se ainda que, por volta de 7,5 milhões de pessoas possui alguma dificuldade auditiva que possivelmente não se enquadram em nenhuma das descritas acima. Em conformidade com os padrões estabelecidos pela American National Standards Institute (ANSI) a deficiência auditiva é a diferença existente entre o desempenho do indivíduo e a habilidade normal para a detecção sonora. Considera-se, em geral a nível padrão, que a audição normal corresponde à habilidade para detecção de sons até 20 dB N.A (decibéis, nível de audição). Onde o Zero audiométrico - 0 dB N.A - refere-se aos valores de níveis de audição que correspondem à média de detecção de sons em várias frequências, por exemplo: 500 Hz, 1000 Hz, 2000 Hz e assim por diante. Martinez (2000) explicita que os limiares de audição ocorrem da seguinte maneira: De maneira geral, em termos médicos, no que se refere ao grau da perda de audição, compreende-se que esta é dividida em quatro modalidades: leve, moderada, severa e profunda caracterizadas respectivamente por: impedimento da percepção da palavra, uso de aparelho ou prótese auditiva, uso de metodologia para o entendimento da palavra e não aprendizado da fala. Ressalte-se ainda que os conceitos e as classificações apresentadas são unicamente orgânicas não pautadas em questões sociais. 3 Acessibilidade para os deficientes III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 958 No contexto da deficiência, o termo acessibilidade, numa visão ampla, significa a possibilidade de pessoas deficientes exercem sua cidadania com segurança, autonomia e independência (SILVA, 2010). É possível afirmar ainda que a acessibilidade é o meio que facilita o acesso de diferentes grupos sociais a produtos, serviços e espaços físicos, representando o fim de uma barreira efetiva, e dando a ideia de um mundo sem obstáculos para quem precisa se deslocar ou se comunicar com o meio externo. O tema acessibilidade surgiu como a partir de uma necessidade social que possibilita a todos desfrutarem das mesmas oportunidades, tais como educação, trabalho, moradia, lazer, cultura e tecnologias de informação e comunicação (AMENGUAL, 1994). Compreende-se ainda a acessibilidade como a possibilidade e condições de alcance para utilização, com segurança e autonomia, dos espaços mobiliários e equipamentos urbanos, das edificações, dos transportes e dos sistemas e meios de comunicação por pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida (BRASIL, 1994; 1998). No entanto, muitos destes direitos se chocam em barreiras arquitetônicas e sociais (MANZINI, 2003). Segundo Sassaki (1999) para que uma sociedade seja denominada acessível a todos é necessário que sejam feitas adequações sob 6 aspectos principais: arquitetônica, comunicacional, metodológica, instrumental, pragmática e atitudinal. Esta última engloba a eliminação dente outras coisas do preconceito e estereótipos discriminatórios. A acessibilidade torna-se, portanto, alternativa às organizações públicas e privadas de desenvolverem mecanismos que permitam mudar o quadro histórico do tratamento dispensado a grupos de diversidade e nestes encontram-se os deficientes auditivos. As organizações encontram hoje aparato legal para desenvolverem políticas de inclusão (e.g. BRASIL, 1989; 1999; 2002; 2004; 2010). Assim para atender às necessidades de acessibilidade na comunicação dos surdos é imprescindível que políticas de inclusão sejam ampliadas e se faça presente no dia-a-dia dessa comunidade para que estes possam viver com mais independência e autonomia dentro da sociedade. Nesse contexto destaca-se a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) respaldada na Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002 como língua materna das pessoas com deficiência auditiva e surdas. Acrescendo a isto destaca-se o III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 959 Decreto nº 5626, de 22 de dezembro de 2005, no qual insere a LIBRAS como disciplina curricular obrigatória na educação de alunos surdos, como também nos cursos de formação de professores. É certo que a legislação nacional busca hoje regulamentar o convívio social harmônico e a categorização da oferta de produtos e serviços para este público alvo. Para Fernandes e Orrico (2012) o objetivo maior está em superar dicotomias sociais calcadas em conceitos defasados sobre o assunto. Segundo Kunsch (1992) a universidade tem papel preponderante de transformação social. Em um movimento anacrônico, a educação superior em si é moldada por mudanças já que contingências sociais 4 Metodologia da pesquisa O presente trabalho é de natureza qualitativa, por não requerer o uso de métodos e técnicas estatísticas, e cujas informações não são quantificáveis. A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares, pois se preocupa com uma realidade que não pode ser quantificada (MINAYO, 1993). Assim, ela procura a raiz do problema que se propõe a estudar, e se aprofunda em causas e efeitos sobre os sujeitos que vivenciam a situação pesquisada (LIMA; COSTA, 2005). Quanto aos objetivos a presente pesquisa pode ser classificada como descritiva, onde, pois foi realizado o estudo, a análise e a interpretação dos fatos e o registro, tudo isso sem ter a interferência do pesquisador, ou seja, a finalidade é analisar os fatos sem entrar na parte do conteúdo. A estratégia de pesquisa adotada foi o estudo de caso como método que abrange planejamento, técnicas de coleta de dados e análise dos mesmos (YIN, 2005). A coleta de dados se deu por meio de uma entrevista com um representante da Secretaria de Acessibilidade da UFC Inclui, no dia 15 de julho de 2013, às 10 horas da manhã. A entrevista teve duração de 25 minutos e foi composta 12 perguntas abertas, que são aquelas que detalham o assunto, facilitando no levantamento de um determinado fato ou contexto. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 960 A análise dos dados se deu por meio de análise do conteúdo, considerando que ―A denominação análise de conteúdo é, portanto, sinônimo da perspectiva informacional- qualitativa de análise discurso‖ (GODOI, 2010, p.379). A entrevista foi gravada em áudio, transcrita a analisada pelos pesquisadores, conforme orientações de Oliveira e Freitas (2010). 5 Apresentação e análise dos dados Nesta seção apresentados e analisados os dados da pesquisa de campo. A Secretaria de Acessibilidade da UFC Inclui está vinculada ao gabinete do Reitor e instalada no andar térreo da Biblioteca do Centro de Humanidades, no Campus do Benfica, onde o atendimento ao público é feito de segunda a sexta-feira, de 8h às 12h e das 14h às 18h. Seus objetivos centram-se em definir políticas de inclusão para a UFC. Nessa entrevista abordaram-se vários pontos importantes relacionados à acessibilidade à UFC sobre as ações e políticas voltadas à promoção e permanência das pessoas com deficiência auditiva ou surdas na universidade. A seguir são apresentados os dados coletados por meio da entrevista seguidos de suas análises. 1. A Universidade Federal do Ceará (UFC) possui uma política própria oficializada de inclusão de grupos sociais, deficientes e surdos (alunos)? Tem, desde 2010 quando foi criada a Secretaria de Acessibilidade da UFC Inclui, já foi com a proposta de definir políticas de inclusão na UFC. E a política de inclusão abrange três segmentos, a de professores, servidores, técnico-administrativos, alunos e também pensando nas pessoas que vem de fora e que usufrui dos serviços em que a UFC trabalha. Então, a UFC tem uma política de acessibilidade, e temos uma cartilha no site, no portal da UFC. A política é voltada para todos os segmentos e também trabalhamos para atender as várias dimensões de acessibilidade, desde a relativa à atitudes, questões arquitetônicas, acessibilidade física, pedagógica e tecnológica, de acesso ao conhecimento e que abrange todas as dimensões (UFC INLUI, 2013). 2. Quais ações são desenvolvidas atualmente para a inclusão de alunos surdos na UFC? Na verdade, nós temos poucos alunos surdos até agora. Temos o registro de 3 alunos com deficiência auditiva e que nunca procuraram a secretaria de acessibilidade. Acredito que seja porque eles não têm surdez propriamente dita, devem usar aparelhos ou leitura labial. Mas a partir de agosto do próximo semestre, teremos 10 alunos surdos que vão entrar no curso de Licenciatura Letras/Libras. Então, para III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 961 esses alunos o que vamos oferecer é garantir que o curso seja bilíngue, com curso em LIBRAS, com professores concursados que sabem a língua de sinais. Como a turma é de ouvintes e de surdos, teremos uma formação bilíngue e sempre um intérprete mediando às interações. Quando o professor for ouvinte, vai falar em português e o intérprete irá transmitir para os alunos em Libras e vice-versa. Então, para esses alunos surdos as ações vão ser adotadas a partir do dia 22 de agosto, que será quando eles estarão entrando na universidade (UFC INLUI, 2013). 3. Em quais áreas/setores/níveis a UFC possui intérpretes de LIBRAS? Possui professores e/ou servidores técnico-administrativos tradutores de LIBRAS? Nós temos 3 professores surdos e eles estão lotados na Faculdade de Educação. Eles ministram a disciplina de LIBRAS para Licenciatura. E temos um servidor surdo que está lotado na Pró-Reitoria de Planejamento. Então, a Secretaria de Acessibilidade oferece e dá suporte com intérpretes para esses professores e servidores quando eles precisam. Quando tem seminários, reuniões, eles demandam/pedem um intérprete. E para os professores, os intérpretes estão sempre muito presentes, porque tem momentos que na disciplina de LIBRAS, principalmente no começo da disciplina que eles precisam dos intérpretes para dar orientações, fazer traduções de uma palestra, um tema específico que eles não possam entender em LIBRAS. E nesse caso quando os professores são surdos são os alunos que precisam de um intérprete (UFC INLUI, 2013). 4. Existe alguma campanha motivacional interna/externa voltada para a aceitabilidade do surdo por parte da comunidade acadêmica? Não só do surdo. Nós estamos planejando agora junto com a Coordenadoria de Comunicação e Marketing da UFC, e está quase fechada uma campanha interna desse tipo na universidade. Será uma campanha de divulgação, informação, de convite, para que as pessoas se envolvam nessas questões da inclusão de pessoas com deficiência e não só dos surdos, no aspecto geral. E isso vai ser desencadeado agora a partir de agosto (UFC INLUI, 2013). 5. Quais os principais desafios enfrentados pela UFC na promoção da inclusão? Se tomarmos as várias dimensões, podemos começar pelas questões ligadas aos aspectos de atitude, o modo como as pessoas lidam com as pessoas com deficiência e como respeitam ou não aquilo que é definido dentro da política de acessibilidade. Por exemplo, o uso dos espaços, reserva do estacionamento, hoje ainda tem gente que não respeita e para o carro na vaga de deficientes e sem precisar, então, isso é coisa relativa à atitude. E também convivemos com muitos desafios e dificuldades quanto as pessoas, professores e servidores, que não sabem lidar com as pessoas com deficiência, não sabem como agir, referir ou ajudar. Essas pessoas não tem conhecimento de lidar com as pessoas com deficiência porque não tem experiência, informação ou mesmo muitas vezes porque não tem interesse. Mas eu acredito, III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 962 aposto mais naquela ideia de não ter muita habilidade para lidar com deficiência porque não conhece, não sabe como oferecer ajuda, enfim, deve ser por causa de falta de informações a respeito do assunto. Por isso essa campanha é importante para dar essas informações. Então a UFC tem desafios relativos à atitude, e grandes desafios relativos à acessibilidade arquitetôtinica, pois a universidade tem prédios muito antigos, que na época que foram construídos há mais de 50 anos atrás, não se pensava nessas questões de acessibilidade. A acessibilidade é um debate muito recente, de uma década. Então, a UFC tem muitas demandas de adaptações físicas ainda para serem cumpridas. Mas no ano passado, em 2012, foi elaborado um plano grande de acessibilidade nos prédios da UFC, aqui na capital, e esse plano já começa a ser executado a partir do Campus do Pici, que é onde se tem mais dificuldades porque os prédios são muito afastados uns dos outros e não tem rotas de acessibilidade de um prédio pro outro. O aluno está no prédio de aula e quer ir à coordenação e não tem como, então todas essas questões ligadas à acessibilidade arquitetônica está sendo trabalhada e já vai começar a partir do Pici. Já está em licitação, o dinheiro, o recurso já chegou, e este é um recurso do Ministério da Educação (MEC). Então temos grandes desafios nessa área e também nos processos pedagógicos de ensinos de aprendizagem. Por exemplo, um aluno cego tem determinadas dificuldades em algumas disciplinas e o professor não sabe como lidar com ele, então fica difícil o acesso do aluno naquela disciplina. A UFC não tem um modelo, tudo é feito a partir de caso, então daí é feito um levantamento. Basicamente nessas 3 dimensões, atitudinal, arquitetônica e pedagógica é que são mais gritantes (UFC INLUI, 2013). 6. A UFC promove alguma capacitação para os professores, para que possam atender um aluno surdo? Não, ainda não, estamos fazendo a partir das demandas. Eu digo um não, mas não é totalmente verdade, pois todos os seminários e eventos de gestão que é oferecido pela Pró-Reitoria de Graduação ou pela Reitoria de Administração Superior da UFC, a Secretaria de Acessibilidade está presente em todos e participa informando, promovendo rodas de conversa, divulgando, tirando dúvidas, dando diretrizes, e estabelecendo contatos para ir informando. Agora não tem ação para fazer um seminário para professores e nem queremos fazer isso, pois numa campanha dessa todos que se mobilizem e a partir das demandas apareçam por conta própria. E as coisas acontecem muito a partir do aluno ou do servidor. O aluno quando precisa atender a uma determinada situação dele, ele vem na secretaria e diz que está com dificuldade e que vai trancar a matrícula, daí tentamos resolver a situação dele (UFC INLUI, 2013). 7. A UFC promove alguma capacitação para os servidores para que possam atender um aluno surdo? Sim, já oferecemos cursos de LIBRAS para os servidores. No ano passado foi oferecido a eles um curso de 180 horas de LIBRAS, que já dar um bom conhecimento da língua, não se torna proficiente mas já dá para se comunicar. Nós tivemos nesse curso: bibliotecários, servidores, técnico-administrativos e pessoas interessadas. E esse ano a partir do dia 22 de agosto vai começar um outro curso de LIBRAS também para servidores, dado também como capacitação. E estamos em III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 963 fase de organização, pois em agosto irá começar um curso que não é um curso, vamos pensar como seminários, módulos de atendimento de capacitação por segmentos. E vamos fazer um módulo preparando para acessibilidade, vigias, porteiros e pessoal do serviço. Também faremos módulos voltados para outros segmentos e isso está sendo organizado entre nós da Secretaria de Acessibilidade e a Pró-Reitoria da Gestão de Pessoas. Então tanto esse curso de LIBRAS quanto esse de capacitação da acessibilidade está sendo planejado e articulado. Não sabemos como vamos fazer isso envolvendo os professores, mas certamente iremos encontrar um modo de ir chegando, porque com o professor é mais difícil e não dá para agregar determinado horário, pois não sabemos como fazer e vamos pelas periferias das coisas, pela demanda do aluno. Pro servidor não, se vai ter um curso de LIBRAS e este acontecer nas terças e quintas à tarde, por exemplo, o gestor libera para o servidor fazer o curso, mas com o professor é mais difícil (UFC INLUI, 2013). 8. A UFC promove alguma capacitação para os alunos que possuem deficiência? Promove sim. Aqui na Secretaria já promovemos várias oficinas de capacitação. Por exemplo, para que os cegos aprendam a utilizar às tecnologias assistivas, a UFC oferece recursos de softwares. Alguns alunos cegos chegaram na UFC sem saber utilizar um ledor de telas, que é um software inteligente que dá essa possibilidade. O texto é digitalizado e o software ler para a pessoa. E assim vamos oferecendo outras oficinas, de como utilizar a biblioteca, como entrar no site e ter acesso aos periódicos, como fazer uma pesquisa bibliográfica de produções textuais dentro de determinadas áreas, e isso estamos fazendo sistematicamente. Abrimos para outros alunos também, principalmente para os bolsistas que trabalham conosco e que alguns deles não tem nenhuma deficiência, e eles passam a ser também promotores de outros eventos, e é uma coisa que vai se multiplicando (UFC INLUI, 2013). 9. O surdo tem alguma forma de ingresso especial na UFC ou é via Sistema de Seleção Unificada (SISU)? Via SISU. Todos eles com deficiência, cegos, surdos e outros. Agora para esse curso de Letras/LIBRAS, existe um decreto nº 5626 de 2005, que aponta pra essa indicação que o curso seja prioritariamente para surdos. Então nessa entrada agora de alunos surdos, a Pró-Reitoria de Graduação promoveu/garantiu 10 vagas para os alunos surdos que fizeram o SISU, foram classificados, mas não atingiram a média, então abriram-se 10 vagas, eram 30 vagas no total e o curso ficou com 40 vagas para garantir esse decreto e o que diz nele (UFC INLUI, 2013). 10. Existe alguma campanha para atrair esse público para a UFC? Qual? Não tem nenhuma campanha assim intencional. Uma coisa que participamos é da Feira das Profissões. Nessa feira estamos lá com stands da Secretaria de Acessibilidade e lá oferecemos mini oficinas de LIBRAS e de braile e a cartilha de acessibilidade. Os alunos chegam, visitam a feira e isso é um grande chamamento para a universidade. E nessa feira os bolsistas participam também, temos bolsistas com deficiência também. Sendo 2 deles cegos, 1 cadeirante e outro com deficiência física bem grave. Então eles vão para a feira e estão presentes lá e isso faz com que III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 964 os alunos vejam que eles podem e se interessam pela universidade. Os bolsistas fazem cartazes e ficam passeando pela feira divulgando o que a UFC oferece, quais os serviços nessa questão da acessibilidade (UFC INLUI, 2013). 11. Existe alguma ação de estímulo para combater a evasão do aluno surdo na UFC? Do aluno surdo não temos ainda não, vamos ter agora a partir de agosto, mas para os demais nós temos sim. Oferecemos serviços de digitalização para cegos e bolsistas para acompanhá-los, por exemplo. Damos um suporte para os alunos que chegam aqui na secretaria, dando assistência. E isso é um mecanismo de minimizar, de evitar essa evasão (UFC INLUI, 2013). 12. Como é feito o acompanhamento geral do discente deficiente hoje na UFC? Não temos uma ação maior no sentido de acompanhar todos, porque temos uma dificuldade muito grande que até pra cadastrar não é fácil. Nós fizemos um sistema de cadastramento no ato da matrícula, e lá abre uma janelinha perguntando se o aluno tem alguma condição de deficiência e pede para clicar e ele dar as informações, só que alguns deles não se cadastram, ou por não quererem se identificar ou por acharem que não precisam, não sabemos as razões deles. Então os que chegam na secretaria descobrem que podem ser ajudados e que tem suporte aqui para eles e começam a falar uns com os outros e se ajudam. Assim, nosso acompanhamento é mais para àqueles que estão vindo à Secretaria de Acessibilidade da UFC Inclui (UFC INLUI, 2013). As respostas à entrevista evidenciam primeiramente a preocupação da UFC com politicas de inclusão, pois a criação de uma secretaria própria para tratar do tema, por si só já constitui o passo preliminar para a institucionalização de um universo acadêmico norteado por ações inclusivas que superam diferenças. É certo, porém, que, como toda constituição colegiada, a secretaria perpassa pela necessidade de amadurecimento no que diz respeito principalmente nas políticas desenvolvidas. Os dados deixam evidente que não há uma política institucionalizada para acompanhamento de discentes surdos, pois na fala do representante, a secretaria apenas tem conhecimento que há 03 alunos nessa condição e que os mesmos nunca procuraram a secretaria. Há uma expectativa que o discente tome tal iniciativa. O que se observa neste aspecto são ações não sistematizadas e, nestas condições, podem não surtir o efeito duradouro e desejado. Ressalte-se também que não há um controle da evasão dos discentes surdos embora haja para os demais deficientes. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 965 As afirmativas sobre esta situação expõe uma fragilidade no processo não só de acompanhamento, mas ao que antecede: a promoção ao ingresso de cidadãos surdos à UFC. A UFC não possui política externa de estímulo dos cidadãos surdos ou deficientes auditivos a buscarem o ensino superior, considerando-se principalmente o pensamento de Kunsch (1992) acerca do papel da universidade na edificação de uma sociedade mais justa. Percebe-se que, mesmo existindo um curso próprio para o público em questão, as vagas não são preenchidas. É imperativo que uma instituição preponderante para o desenvolvimento local investigue as causas dessa realidade e contribua para transformações positivas. Há de se indagar os motivos pelos quais não há busca para os cursos específicos e a conclusões da realidade subsidiar ações de captação e manutenção destes cidadãos no meio acadêmico. O fato de existir docentes e discentes restritos a cursos de formação específica demonstra a limitação predominante na universidade. Pode-se afirmar que há o acesso ao ensino superior, porém a promoção do convívio social ainda é diminuta, há já vista, que, além do discente surdo não se integrar a outros considerados convencionais, a UFC não prepara os docentes de uma forma geral para recebê-los. É preciso considerar que a promoção da acessibilidade envolve não só o usufruto pleno e igualitário dos espaços físicos, mas também do convívio social. Este é, na realidade, o passo preliminar para o enfrentamento de preconceitos e desmistificações de concepções infundas conforme defende Carvalho-Freitas (2007). Nesse sentido, destaque-se que o curso de LIBRAS ofertado aos servidores técnicos administrativos. A iniciativa condiz com assertiva de Sassaki (1999) acerca da necessidade de ultrapassar a barreira comunicacional para se construir uma sociedade verdadeiramente acessível. Fomentar o convívio social harmônico entre os diferentes atores sociais requer clareza na compreensão do que realmente significa ser diferente em uma sociedade pautada pelo belo. Nestas condições é possível que, dominar a comunicação em LIBRAS, seja insuficiente já que não presume o respeito ao surdo. Essa realidade é confirmada na fala do III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 966 entrevistado já que os maiores desafios citados centram-se nas atitudinais. Para Sassaki (1999) esta é outra barreira ser transposta. Embora a instituição não oferte treinamento para os docentes e discentes, a inclusão obrigatória da disciplina de LIBRAS nas licenciaturas e como disciplina eletiva nos cursos de bacharelado constitui uma oportunidade para o alunato ter algum tipo de contato com este universo muitas vezes desconhecido. Ademais, formar graduandos com conhecimento prévio poderá facilitar no processo de inclusão do deficiente auditivo ou surdo à educação formal possivelmente ainda no ensino fundamental. Por fim, acredita-se que os desafios vivenciados hoje pela UFC para promover a inclusão do deficiente surdo são oriundos das percepções sociais sobre este grupo de diversidade. A universidade como instituição social está subjugada, mais do que qualquer outras organizações, às contingências culturais, sociais, pois por natureza sistematiza a universalidade do saber e da cultura sem diferenciação dos atores sociais envolvidos. 6 Considerações finais A inclusão social, apesar de ser um tema recorrente, ainda permanece muito no campo investigativo. A dificuldade de se transpor o campo teórico para o prático se deve, dentre outros fatores, à falta de informação, descaso, resistência, preconceito, entre outros. Diante dessa realidade, implantar políticas ou simplesmente executar ações que remetam à inclusão de qualquer que seja o grupo, torna-se uma tarefa, no mínimo difícil. O caso aqui investigado explicita claramente que a universidade tem consciência sobre o assunto e que este interesse perpassa o campo da obrigatoriedade oficial. Apesar de ações limitadas a Secretaria UFC Inclui é o setor interno responsável por desenvolver políticas de promoção da acessibilidade. Percebeu-se que apesar do esforço, ainda há carência de diversos aspectos, como falta de treinamento para os professores externos ao curso de LIBRAS e ausência campanhas educativas e motivacionais para atração da sociedade de uma forma geral. Como aspecto positivo pode-se ressaltar o curso de LIBRAS ofertado aos servidores técnico-administrativos III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 967 e o apoio a deficientes por meio de bolsas e serviços auxiliares, muito embora estes serviços não estejam disponíveis ao estudante surdo. É importante ressaltar que não há uma política sistematizada no intuito de promover e garantir a permanência do discente surdo ou deficiente auditivo. O que se tem de concreto são ações isoladas que suprem necessidades imediatas de um público específico. A inclusão social do deficiente auditivo ou do surdo só é possível mediante conscientização prévia do público interno externo da instituição. Conhecer como as pessoas encaram a deficiência poderá constituir passo preliminar para o desenvolvimento de políticas pontuais. Mudanças arquitetônicas ou adaptações físicas e tecnológicas representam parte do todo. Repousa sobre a temática a necessidade de se desmistificar que o diferente é inferior e que a subtração física em nada interfere em relações pessoais amigáveis. As limitações desse estudo centram-se na ausência de uma investigação holística que envolvesse também os discentes surdos ou não bem como professores, técnicoadministrativos, famílias, enfim, toda a toda a comunidade acadêmica. Os dados ora apresentados, explicitam aspectos importantes, mas, não conclusivos parciais da realidade inclusiva na UFC. Portanto, acredita-se que pesquisas posteriores poderão suprir esta lacuna investigativa. Referências BRASIL. Lei nº 7.853 de 24 de outubro de 1989. Dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - CORDE, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público, define crimes, e dá outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7853.htm. Acesso em 27 mar 2013 ______. Decreto nº 3.298 de 20 de dezembro de 1999. Regulamenta a Lei no 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, consolida as normas de proteção, e dá outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d3298.htm. Acesso em 27 mar 2013. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 968 _______. Decreto Nº 5.296 de 02 de dezembro de 2004. Disponível em http://www.planalto.gov.br. Acesso em ou jul 2013. _______. Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a língua Brasileira de Sinais – Libras, e dá outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br. Acesso em ou jul 2013. _______. Lei nº. 10.048, de 8 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras. . Disponível em http://www.planalto.gov.br. Acesso em ou jul 2013. CARVALHO-FREITAS, M. N. A Inserção de Pessoas com Deficiência em Empresas Brasileiras – Um estudo sobre as relações entre concepções de deficiência, condições de trabalho e qualidade de vida no trabalho. 2007. 30p. 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Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 970 ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI E A RESSOCIALIZAÇÃO: entre o legal e o real Lidianne Maria Dantas24 Joana D‘arc Lacerda Alves Felipe25 Kelry Dantas de Freitas26 RESUMO A problemática dos adolescentes em conflito com a lei não deve ser concebida de forma fragmentada, ou seja, apenas como sujeitos que praticaram ato infracional, é necessário compreendê-la numa totalidade de exclusão, desigualdade e negação de direitos, constituindo-se numa severa refração da questão social, seu enfrentamento expressa um conjunto de medidas complexas e ainda pouco eficazes. Analisar essa expressão da questão social partindo do pressuposto da negação e efetivação dos direitos, entendendo o não acesso desses sujeitos às políticas públicas efetivas ofertadas pelo Estado, como um dos fortes entraves ao processo de ressocialização dos mesmos é o objetivo do nosso texto. A construção da nossa discussão é motivada pelo estágio curricular desenvolvido no Centro Educacional-CEDUC na cidade de Mossoró/RN, instituição que tem por objetivo a ressocialização dos adolescentes infratores e na pesquisa bibliográfica de autores como: Oliveira e Silva (2011); VOLPI (1998; 2006; 2011), dentre outros, bem como a legislação pertinente a temática. Pela experiência do estágio e conforme a pesquisa bibliográfica, podemos constatar que, a compreensão dessa expressão da questão social, ganha visibilidade por meio da criminalização e culpabilização desses sujeitos e das suas famílias, impossibilitando a materialização do ECA e das políticas direcionadas ao seu enfrentamento. Dessa forma, podemos inferir que a concepção criminalizadora e culpabilizante tem como consequência a negação de direitos, uma visão fragmentada da problemática e, portanto uma grande ineficácia da política de ressocialização. Palavras-chaves: Direitos humanos, ressocialização, adolescentes em conflito com a lei. 1. INTRODUÇÃO A problemática em que os adolescentes em conflito com a lei estão inseridos é apresentada pela mídia em geral, com forte viés de culpabilização, em que o ato infracional é 24 Estudante de Serviço Social/UERN; Celular: (84)9926-2046. Email: [email protected] Prof. Esp. Adjunta do departamento de Serviço Social- UERN Email: [email protected] 26 Estudante de Serviço Social/UERN; Celular: (84) 9180-8412 25 III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 971 divulgado e discutido à revelia da totalidade que permeia a questão da criança e do adolescente, ou seja, não analisando os seus aspectos histórico-social, econômicos e políticocultural, apenas o seu aspecto de punição. O processo de reconhecimento das crianças e adolescentes como sujeitos de direitos pode ser compreendido como uma construção social, perpassando ―situação irregular‖ para ―prioridade absoluta‖ e ―proteção integral‖, tais conquistas não se deu de forma passiva, pois emergiu na década de 1980, por meio dos movimentos sociais e entre estes, o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR), estes reivindicaram e lutaram, até conseguirem levar para agenda governamental essa problemática. Essas conquistas são preconizadas na Constituição Federal de 1988 e no Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990. Estes desdobramentos permitiu reconhecê-los como sujeitos de direitos por meio dos marcos legais que subsidiam a garantia de seus direitos. Todas as legislações especificas brasileiras que são subsequentes a Constituição Federal 1988 deve ser subsidiada pelas prerrogativas inscritas nesta carta magna, ou seja, o ECA veio para especificar e ampliar os direitos das crianças e adolescentes, mas acima de tudo é apresentado em conformidade com o exposto pela CF 1988. Nesse sentido, o ECA traz em seus artigos prerrogativas que garantem a proteção integral e os direitos inerentes a toda e qualquer criança e adolescente, ademais, é mais do que isto, ele direciona as medidas especificas e legitimas que devem ser adotadas em caso de apreensão de adolescente autor de ato infracional. O trato com essa expressão da questão social, que está ancorado na ―criminalização‖ dos adolescentes em conflito com a lei é de relevância social, política e profissional, uma vez que esses mesmos adolescentes são um dos segmentos da sociedade brasileira mais afetados pelas novas configurações da questão social. Porém, o seu enfrentamento ganha visibilidade por meio da criminalização e culpabilização desses sujeitos e das famílias impossibilitando a materialização do ECA e das políticas direcionadas a essa problemática. Para subsidiar essa problemática temos a materialização dos direitos como elemento fundamental no processo de proteção integral e ressocialização do adolescente que está em III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 972 situação peculiar de desenvolvimento, e necessita de um aparato estatal com acesso a políticas públicas direcionadas a juventude brasileira, esta é sem dúvida, uma alternativa para superar ou minimizar a expressão da questão social evidenciada na vida dos adolescentes que praticaram um ato infracional. 2. O RECONHECIMENTO DOS DIREITOS INERENTES A SER HUMANO: lutas e conquistas da classe trabalhadora A luta em busca da defesa dos direitos humanos começa com o redimensionamento da concepção dos valores éticos em relação à materialização dos direitos básicos inerentes ao ser humano. Para ter essa concepção em defesa desses direitos, a humanidade passou por períodos de ―desumanização‖, mundialmente evidenciada principalmente a partir da 1ª e 2 Guerra Mundial, tais fatos assolaram o mundo inteiro por meio de inúmeros casos de: mortes, fome, intrigas, degradação humana, preconceito, etnocentrismo, destruição de território entre outros horrores, ou seja, um dos períodos mais obscuro da humanidade. Como forma de minimizar esses horrores propiciados pela I e II Guerra Mundial, foi criar mecanismos para normatizar e universalizar a concepção de direitos humanos, nesse sentido tem-se a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), como forma de controlar as nações por meio de normas e acordos. O primeiro passo da ONU foi a criação de uma declaração entre as nações, devido a necessidade das mesmas em reconhecerem e materializarem os direitos básicos ao ser humano, dessa forma institui uma Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948, em relação ao surgimento desta declaração encontramos descrito no Plano Nacional de Direitos Humanos 3 (PNDH3), o seguinte histórico: A Declaração Universal dos Direitos Humanos, lançada em 10 de dezembro de 1948, fundou os alicerces de uma nova convivência humana, tentando sepultar o ódio e os horrores do nazismo, do holocausto, do gigantesco morticínio que custou 50 milhões de vidas humanas em seis anos de guerra. Os diversos pactos, tratados e convenções internacionais que a ela sucederam construíram, passo a passo, um arcabouço mundial para proteção dos Direitos Humanos. (PNDH,2010 p.15) III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 973 Os direitos básicos preconizados nesta declaração, buscou–se uma padronização entre as nações, no reconhecimento e na luta pela dignidade humana, por meio da materialização dos direitos de forma igualitária e sem preconceito, assim como a liberdade, a justiça, e a paz mundial. Mas para a efetivação desses direitos fez necessário atribuir responsabilidade ao Estado na proteção, promoção e efetivação destes direitos. Este adquiriu uma responsabilidade maior em relação aos seres humanos, principalmente aqueles que estão em situação de vulnerabilidade social ou com o direito violado. Entre os artigos da declaração que traz a universalidade e igualdade podemos elencar Art. II: Toda pessoa tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. Art. VII: Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação (Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948) No entretanto, o Brasil no decorrer desse processo mundial de ―reconhecimento‖ dos direitos humanos, viu-se emergir a ditadura militar que veio de encontro ao exposto na Declaração Universal dos Direitos Humanos, em que a liberdade foi sucumbida por um Estado ditador, que se apoderou de maus-tratos, opressão e tortura, como forma de manter-se no poder, e seguindo a lógica inexorável do capital. Esse fato levou inúmeros brasileiros ao exílio e a morte, pois participavam de movimentos sociais que lutavam contra esse regime na busca incessante pela redemocratização do país: a liberdade e justiça social. Como marco dessas lutas e conquistas, encontra-se a Constituição Federal de 1988, que veio assegurar o respeito aos princípios fundamentais defendidos pela Declaração universal dos Direitos Humanos (1948), e principalmente para melhorar a ―aparência‖ brasileira perante os outros países. (...) os direitos humanos colocam-se como instrumentos de consolidação das diversas lutas históricas pela democracia, numa sociedade marcada pelas desigualdades em detrimento da lógica capitalista de acumulação (SCHMIT, 2011, p 27). O que estabelece como fundamental na Constituição Federal de 1988: III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 974 A Carta Constitucional inclui entre os fundamentos do Estado brasileiro a cidadania e a dignidade da pessoa humana, estabelecendo como objetivo primordial a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, além de comprometer-se com o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza, redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem-estar de todos, sem preconceitos ou discriminação de qualquer tipo. E obriga o país a reger suas relações internacionais pela prevalência dos Direitos Humanos (PNDH3, 2010, p. 16) Esse cenário configurou para o reconhecimento em defesa dos direitos humanos e social pelo Estado, com uma constituição que prima pelo o ―bem estar‖ da sua população e traz em sua normatização os princípios da promoção da dignidade humana e justiça social. 3. ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI: a construção social de negação de direitos e a busca pela efetivação do Estatuto da Criança e do Adolescente Uma breve retrospectiva da intervenção estatal no Brasil em relação ao enfretamento das expressões da questão social evidenciadas na vida das crianças e especialmente dos adolescentes. Notamos que esse enfretamento deu-se por meio da violação de direitos, criminalização da pobreza, em que esses segmentos eram considerados objetos e não sujeitos de direitos. Esse quadro permaneceu no país até o reconhecimento das crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, caracterizando-os como prioridade absoluta e de proteção integral, essa conquista deu-se com a luta da classe trabalhadora na busca da garantia dos direitos dessa categoria, ao pressionar o Estado a cumprir o seu dever de garantidor desses direitos. As principais normativas que traz essas conquistas são: Constituição Federal de 1988 e o ECA 1990. Vamos retroceder um pouco na história para podermos compreender a importância dessas conquistas no que tange a temática dos adolescentes em conflito com a lei. Somente a partir do século XX no Brasil é que se tem uma legislação especifica para ―tratar‖ as crianças/adolescentes que cometesse um ato infracional27, até então não existiam 27 [...] aquela conduta prevista em lei como contravenção ou crime. A responsabilidade pela conduta descrita começa aos 12 anos (VOLPI, 2011, p.15) III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 975 leis, normativas ou penas especificas que atendessem diferentemente as crianças/adolescentes dos adultos. Todos eram postos nos mesmos moldes e com as mesmas penalizações (OLIVEIRA E SILVA, 2011, p.72). A construção desse documento veio abordar a problemática de forma superficial e com várias negações de direitos, mas trouxe um elemento importante que é essa diferenciação penal direcionadas as crianças/adolescentes em relação aos adultos, trata-se do Código de Menores28 de 1927- ou mais conhecido como Código Melo Mattos29. Esse Código era de caráter higienista e repressor, serviu para retirar das ―vistas‖ da sociedade essas crianças e adolescentes que tivessem cometido ou não um ato infracional: ―o código de menores, norteava-se mais pela assistência social do que pela responsabilização penal, tanto que não foram dadas a crianças e adolescentes as garantias constitucionais atribuídas a adultos nos procedimentos penais‖ (OLIVEIRA E SILVA, 2011, p.81). Apesar disso, o instrumento legal apresentava algumas inovações como: o tratamento diferenciado, proibindo o internamento desses adolescentes em prisão comum, bem como a divisão por faixa etária nas unidades. Nesse mesmo contexto, destacamos a interferência do Governo de Vargas nos ―problemas‖ advindos da infância e adolescência brasileira, considerou-se que tal intervenção seguiu as mesmas bases de sua política, autoritária, paternalista, assistencialista e clientelista, com uma diferenciação, o uso da repressão e punição para os ―menores‖ que não estavam adequados às normas da sociedade. Segundo OLIVEIRA E SILVA [...] a política e a prática de atendimento, no governo de Vargas, a infância e a juventude foi construída, com todas as características do autoritarismo, assistencialismo, paternalismo e clientelismo que caracterizam as ações do Estado Novo. Mas foi com a instalação do Serviço de Assistência ao Menor (SAM) que o governo Vargas implantou uma política claramente definida com bases repressivas para o atendimento do ―menor problema‖ (OLIVEIRA E SILVA, 2011, p.83). 28 O termo ―menor‖ passa a ser utilizado pelos juristas para designar as crianças e adolescentes em situação de abandono e praticantes de ato infracional (MOURA. 2005 p.36) 29 Jurista José Candido de Albuquerque de Mello Mattos seria não apenas o seu idealizador, mas também o 1° juiz de Menores do Brasil, nomeado em 1924. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 976 É no Estado Novo que se explicita uma política de enfrentamento ao ―menor problema‖ de forte viés repressivo. Para operacionalizar a política foi instituído o Serviço de Assistência ao Menor (SAM) com o objetivo de prestar assistência às crianças e adolescentes desvalidos e que tinham ou não cometido um ato infracional, ou seja, os ―desajustados socialmente‖. Sua intervenção dava-se por meio do internamento em uma instituição que tinha com a finalidade de ―reeducação‖ e ―profissionalização‖. Essa concepção de enfretamento se expressa nos modelos arraigados que relacionavam os problemas sociais a pobreza e ao indivíduo. A intervenção objetivava o reajuste das crianças e adolescentes, por meio do trabalho30, as normas da sociedade capitalista. Com o esgotamento do SAM, na década de 1964 tem-se a criação da Fundação do Bem-estar do Menor (FUNABEM) que entre as suas prerrogativas estava a implementação a Política Nacional do Bem-estar do Menor (PNBEM), que se propunha a buscar alternativas para solucionar os problemas advindos das crianças e dos adolescentes. (OLIVEIRA E SILVA, 2011, p.83-84) Entre as ações dessa Política do Bem-estar do Menor, pode-se citar a criação da Fundação do Bem Estar do Menor (FEBEM), como alternativa para reeducar esses ―delinquentes‖, segundo LAZZANI APUD MOURA A FEBEM/SP, criada para atendimento dessas crianças e adolescentes, segui uma linha assistencialista, associado a internação com recuperação da delinquência da pobreza. A partir dos trabalhos de técnicos especializados, a instituição reforçou aquilo que se denomina de ―higiene pública‖ (2005, p.50) Nesse mesmo período, houve o enfraquecimento do Código de Menores de 1927 que foi substituído pelo Código de Menores de 1979, implantado no final do regime militar, mas arraigado ainda nos ideais militar de punição e repressão. 30 (..) estabelecendo uma cultura de que os filhos de pessoas pobres deveriam trabalhar, ―naturalizando‖ ideologicamente o trabalho infantil e dos adolescentes/jovens de classes pobres (OLIVEIRA E SILVA, 2011, pág.56). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 977 O novo Código de Menores direciona a percepção dos adolescentes em conflito com a lei a serem tratados como um problema de segurança nacional, caracterizados como grupo de ―menores em situação irregular‖. ―(...) a filosofia menorista antigarantista e o caráter assistencial, preventivo e curativo, de modo a introduzir claramente o paradigma da ―situação irregular‖31 (OLIVEIRA E SILVA, 2011 p.85). Este código teve curta vigência no país, devido ao processo de redemocratização e efervescência política na década de 1980. No Brasil, o interesse pela infância e adolescência não nasce com o objetivo de proteção, de direitos ou de diminuir as desigualdades sociais, mas com a concepção de mudar a situação que se apresentava naquele momento, pois essa etapa da vida do ser humano é considerada passível de mudança e as autoridades entendiam que podiam moldar esses indivíduos para viverem bem em sociedade. Essas ações na verdade almejavam obter ―controle social sobre a família pobre e buscar criar uma nação com povo dócil‖ (MELIM, 2005, p.3). As crianças recebiam medidas de caráter assistencialista de iniciativa privada e caritativa, estes ficavam a mercê dos cuidados da igreja. Muitos morriam devido às péssimas condições de vida as quais eram submetidas, legitimando dessa forma, a grave questão social que permeava a situação da criança e do adolescente, passando a exigir à intervenção do Estado, que apenas se preocupava em proteger a integridade da sociedade, não considerando a criança como sujeito de direitos. Essa concepção só começa a ser questionada na efervescência do Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR), que se sustentava na fervorosa crítica as leis e políticas implementadas para o enfrentamento da problemática da criança e do adolescente. De acordo com SALES (2007) esse Movimento nasceu em 1986, como uma Organização não governamental, e uniu-se a outros movimentos, essa articulação desencadeou o Fórum Nacional Direito da Criança e do Adolescente, em que pautou as 31 [...] a privação de liberdade surge como instrumento importante para a segregação de uma parcela de crianças e adolescentes declarada, previamente, incapaz em algum sentido – a base da doutrina da situação irregular (IPEA, 2006, p.8). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 978 reivindicações de diversos setores e movimentos no processo da Constituinte, na busca para garantir os direitos das crianças e adolescentes. Com essas reivindicações e discussões acerca da dimensão da garantia do direito que assisti crianças e adolescentes, temos a conquista por meio da Constituição Federal de 1988, especificamente nos artigos 227 e 228, que preconiza o dever da Família, da Sociedade e do Estado em tratar com prioridade absoluta as crianças e adolescentes, além de outras prerrogativas importantes, como a inimputabilidade para menores de 18 anos e sujeitos as normas específicas. O Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) nasce conforme as diretrizes da Constituição Federal 1988, mas, sobretudo para reforçar a materialização da Doutrina de Proteção Integral32 e da prioridade absoluta dos direitos da criança e adolescentes, sendo este o resultado também do anseio do conjunto das instituições internacionais33 que sempre estiveram nos movimentos na defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes. [...] nasce como fruto de correlações de forças sociais que disputam, no contexto, neoliberal, a produção e a reprodução da vida social, a sociedade e, nesse sentido, nasce também como resposta ao esgotamento histórico, jurídico e social do Código de Menores (OLIVEIRA E SILVA, 2011, p. 101). Esse Estatuto traz nos seus artigos descontinuidades dos outros Códigos de Menores como: nova concepção de infância e adolescência34; como proceder em caso de ato infracional de adolescentes; a adoção e aplicação das medidas socioeducativas visando à preservação dos direitos e do próprio adolescente, levando em consideração o seu processo peculiar de desenvolvimento; e principalmente, o reconhecimento dos mesmos como sujeitos de direitos. Esses são alguns dos inúmeros avanços trazidos por esse estatuto. 32 Adoção da Doutrina a Proteção Integral em detrimento os vetustos primados da arcaica Doutrina da Situação Irregular. Colocando na agenda do Estado a garantia do direito da criança e do adolescente (VOLPI, SARAIVA, 1998, p. 11) 33 Regras de Beijing, as Regras de Tóquio, as Diretrizes de RIAD, e as Regras de Havana, que regulamentam o sistema de responsabilização penal dos adolescentes que infringiu a lei (OLIVEIRA E SILVA, 2011, p. 89) 34 [...] é responsabilidade do Estado, da sociedade e da família garantir o desenvolvimento integral da criança e do adolescente (VOLPI, 2011, p.14) III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 979 3.1 ESTATUTO DA CRIANÇA E DOS ADOLESCENTES: entre o legal e o real De forma geral, o ECA foi uma das mais importantes conquistas relacionadas ao reconhecimento das crianças e dos adolescentes como prioridade absoluta e necessidade de ter uma proteção integral. Traz também a responsabilização do Estado, da família e da sociedade no que tange a prevenção, a proteção e promoção desses sujeitos de direitos, para que eles possam se desenvolver. O Art. 4º do ECA: É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, a saúde, a alimentação, a educação, ao esporte, ao lazer, a profissionalização, a cultura, a dignidade, ao respeito, a liberdade e a convivência familiar e comunitária. (BRASIL, 1990) Além disso, o Estatuto normatiza e diferencia as crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social e os que praticam ato infracional, essa foi uma ruptura com os outros códigos que homogeneizavam tais situações, colocando as mesmas penalizações para casos distintos. Neste sentido a autora afirma: ―[...] com sua ―nova‖ ordem jurídica, o ECA prescreve intervenções diferenciada para criança e adolescentes desprotegidos socialmente e os adolescentes autores de atos infracional.‖ (OLIVEIRA E SILVA, 2011, p.95). É visível que o índice de violência, principalmente em casos que envolvam jovens em atos infracionais, gera na sociedade um grande impacto e revolta, provocando inúmeros questionamentos no que se refere ao papel da família e do Estado na intervenção destes, no processo de desenvolvimento do adolescente que praticou esse ato infracional, e na maioria das vezes, se tem como uma solução errônea para esse problema a discussão que permeia o aumento de punição nos adolescentes, com base na redução da maioridade penal para 16 anos. A expressão ato infracional foi o termo criado pelos legisladores na elaboração do ECA: ―Art. 103: considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal‖. O ECA considera autores de infração apenas os adolescentes - 12 a 18 anos - e os jovens de 18 a 21 anos, nos casos expressos em lei (art. 2° do ECA). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 980 Pode-se questionar o senso comum, quando afirma que o ECA, é uma normativa somente de garantia de direito. Os direitos são preconizados como prioridade absoluta, mas existem também deveres e ―penalizações‖ nos artigos que descrevem as medidas socioeducativas, que conforme VOLPI: ―As medidas socioeducativas constituem-se em condição especial de acesso a todos os direitos sociais, políticos e civis.‖ (VOLPI, 2011, p. 14) Essas penalizações são judicialmente aplicadas pelos Juízes das Varas da Infância e Juventude, levando em consideração adoção das medidas socioeducativas previstas no Art. 120 do ECA: I- Advertência; II- Obrigação de reparar o dano; III- Prestação de serviços à comunidade IV- Liberdade assistida V- Inserção em regime de semiliberdade VI- Internação em estabelecimento educacional; VII- Qualquer uma das previstas no art. 101, I A VI 35 As medidas socioeducativas são direcionadas aos adolescentes que tenham cometido um ato infracional, e a aplicação da mesma leva em consideração a natureza desse ato. Por isso, são apresentadas algumas medidas, com o intuito de ―ressocializá-los‖. Portanto residindo ai seu caráter educativo, mesmo que seja por meio de uma medida de caráter punitivo como forma de propiciar o adolescente a repensar seu ato infracional a não mais praticá-lo. 35 Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas: I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; II - orientação, apoio e acompanhamento temporários; III - matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio a família, a criança e ao adolescente. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 981 [...] a finalidade das medidas socioeducativas não é a punição, e sim a educação, uma vez que argumenta que o cumprimento não é meramente de contenção, de punição, e sim pedagógico, ao reconhecer que sua finalidade é educativa [...] (OLIVEIRA E SILVA, 2011, p.169) As medidas socioeducativas de uma forma geral vem para desconstruir a imagem equivocada em que a maioria da sociedade brasileira faz em relação ao ECA, quando afirmam que ele é condizente com os atos infracionais cometidos por adolescentes. Dessa forma temse a ―necessidade de um sistema penal juvenil que venha mostrar que o adolescente é inimputável, mas possui responsabilidade penal‖ (FALEIROS, 2005, p.89). Faz-nos refletir sobre como o sistema capitalista, desempenha sua hegemonia por meio das ações do Estado para ―controlar‖ esses adolescentes. Usa-se para esse controle o ideário de reeducação e profissionalização, como ferramentas, imprescindível para ―recuperação‖ dos adolescentes infratores. Na realidade, O Estado capitalista globalizado se modernizou para responder socialmente ás demandas dos direitos infanto-juvenis, sua resposta foi reciclada mundial, e continua sendo pautada no âmbito do autoritarismo, do conservadorismo, da prevenção, da repressão e do controle social (OLIVEIRA E SILVA, 2011, p. 108). Compreende-se o adolescente em conflito com a lei com uma das mais severas expressões da questão social, segundo OLIVEIRA E SILVA. É neles que se expressam as mais contundentes das novas configurações da questão social, no inicio deste milênio: fazem parte do elevado índice dos desempregados, ―desvalidos‖ do desemprego estrutural, e suas condições de ultrapassagem desses limites são reduzidas, uma vez que não tem experiência profissional. Desse modo, estão fora do mundo do trabalho, em seu submundo ou no mercado ilegal de trabalho (OLIVEIRA E SILVA, 2011, p. 22-23). Mesmo quando esses adolescentes estiverem privados de sua liberdade e internados em uma instituição educacional. Devemos entender que esse momento peculiar não deve ser encarado como negação de direito [...] ―restrição a liberdade deve significar apenas limitação III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 982 o exercício pleno do direito de ir e vir e não de outros direitos constitucionais, condição para sua inclusão na perspectiva cidadã‖ (VOLPI, 2011, p.28) Precisam-se garantir os direitos dos adolescentes, tais como: preservar os direitos humanos como respeito, dignidade entre outros; direitos relacionados ao conhecimento e informação do seu processo judicial; condições adequadas para conseguir desenvolver-se por meio da escolarização e profissionalização; receber visitas dos familiares e correspondesse com eles; permanecer internado na mesma localidade próxima ao seu domicílio, estes são alguns dos vários direitos que devem ser assegurados a esses adolescentes (VOLPI, 2006, p.24-25). Nessa perspectiva, o Estado do Rio Grande do Norte criou em 1994 a Fundação Estadual a Criança e o Adolescente (FUNDAC), substituindo a Fundação do Bem-estar da Criança e do adolescente (FEBEM/RN), sendo vinculada a Secretaria do Trabalho, habitação e Assistência Social (SETHAS), tem-se como objetivo formular e executar políticas de proteção á criança e adolescente em situação de vulnerabilidade social. (FUNDAC, 2009) No caso de fomentar e propiciar o cumprimento de medidas socioeducativas de privação de liberdade, o plano de trabalho da unidade de privação de liberdade deve está vinculados as prerrogativas defendidas pelo ECA, ou seja, tem-se o objetivo de favorecer ao adolescente um momento de reflexão sobre sua própria história, dentro de um contexto sociopedagógicos estruturante que ofereça oportunidades e reconstrução dessa trajetória e de preparo e acompanhamento para a liberdade. (FUNDAC, 2009, p.4) A rede estadual de cumprimento de medidas socioeducativas de privação e restrição de liberdade possuem algumas unidades de atendimento, tais como: Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente- CIAD; Centro Educacional de Nazaré; Centro Educacional de Santa Catarina; Centro Educacional de Esperança; Centro Educacional de Santa Delmira; Centro Educacional de Pe João Maria; Centro Educacional de Pitimbu; Centro Educacional de Caicó; Centro Educacional de Mossoró. As unidades pertencentes á rede de atendimento ao cumprimento de medida socioeducativa de privação de liberdade devem ser de responsabilidade estadual e atender as III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 983 necessidades dos adolescentes que estejam em conflito com lei. Isto é, ―São de execução direta e exclusiva dos órgãos estaduais, preferencialmente de forma regionalizada, quando a demanda assim indicar, as medidas socioeducativas de privativas de liberdade‖ [...] (VOLPI, 2006, p.14). Os objetivos da aplicação da medida socioeducativa de privação de liberdade, a reinserção social e a possibilidade de reflexão sobre a infração cometida, somente serão atingidos se os adolescentes estiverem em um ambiente de novas referências para sua conduta. Em especial, os operadores das instituições responsáveis pela aplicação de medidas socioeducativas precisam ter consciência e preparo para entender que os jovens só valorizarão o respeito à sociedade, à legalidade e aos direitos de outrem mediante o respeito de seus próprios direitos (IPEA, 2006, p. 10). Como previsto no ECA e no SINASE os objetivos pretendidos pela adoção da medida socioeducativa de privação de liberdade deve ser a de possibilitar uma reeducação aos adolescentes e conflito com a lei, ou seja, oportunizando uma reinserção na sociedade. E aí, que se configura a verdadeira e mais difícil tarefa, que é propiciar aos adolescentes, apesar da privação de sua liberdade, um momento de reflexão, dando-lhes oportunidades de sair dessa situação de vulnerabilidade social e possibilitando uma não inserção no mundo da violência, como autores de infrações, mas sim conseguir desenvolver sua cidadania plena de direitos e deveres. 3.2 A PRIVAÇÃO DE LIBERDADE: negação ou ressocialização dos adolescentes? Faremos uma analise sobre a importância do ECA na interface de sua efetivação de direitos e muitas vezes de sua negação quando o assunto são adolescentes em conflito com a lei. Pois, como já foi discutido anteriormente, os adolescentes eram tratados como um problema social que deveria ser retirados da ―vista‖ da sociedade, como sendo um objeto ―fácil‖ de ser removido. Segundo SCHMIT (...) constata que antes da aprovação do ECA, um jovem privado de sua liberdade para ―sair das ruas‖ e parar de ―oportunar a ordem‖; hoje os jovens são privados de liberdade para se ―reeducá-los, ―protegê-los‖, ―ajudá-los‖, enfim para que as instituições executem que a família não fez (2011, p.26). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 984 A violação de direito em que os adolescentes privados de liberdade vivenciam perpassam as agressões físicas, psicológicas e de negligência. No mês de agosto o Programa Televisionado Fantástico36 divulgou uma reportagem em que dois funcionários agridem 06 adolescentes da Fundação Casa - São Paulo, enquanto outros funcionários apenas ―assistiam‖ tal violação de direitos humanos. Nesse sentido, SCHMIT retrata que essa é (...) a realidade vivenciada por centenas de adolescentes privados de liberdade em instituições que, criadas para ―ensinar‖ o cumprimento da lei, são as primeiras a descumpri-la por meio de constantes e graves violações de direitos (2011, p. 26) Nessa mesma percepção o resultado do Levantamento Nacional do Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a Lei ―apontou irregularidades relacionadas a graves violações de direitos, como ameaça à integridade física de adolescentes, violência psicológica, maus tratos e tortura, passando por situações de insalubridade, negligência (...)‖ (2009, p.9) Para coibir essas violações tem-se os objetivos pretendidos pelo PNDH 3, em relação aos adolescentes em conflito com a lei tem – algumas ações que podemos destacar são: Elaborar e implementar plano nacional socioeducativo e sistema de avaliação da execução das medidas daquele sistema, com divulgação anual de seus resultados e estabelecimento de metas, de acordo com o estabelecido no ECA. Desenvolver estratégias conjuntas com o sistema de justiça, com vistas ao estabelecimento de regras específicas para a aplicação da medida de privação de liberdade em caráter excepcional e de pouca duração. Promover a transparência das unidades de internação de adolescentes em conflito com a lei, garantindo maior contato com a família e a criação de comissões mistas de inspeção e supervisão. Desenvolver campanhas de informação sobre o adolescente em conflito com a lei, defendendo a não redução da maioridade penal. Estabelecer parâmetros nacionais para a apuração administrativa de possíveis violações dos direitos e casos de tortura em adolescentes privados de liberdade, por meio de sistema independente e de tramitação ágil. 36 Em uma unidade da Fundação Casa, a antiga FEBEM, na capital paulista, dois funcionários espancam seis adolescentes com muita violência. Programa exibido pela rede globo dia 18 de agosto de 2013: Rede Globo III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 985 As Unidades de internamento tem que ser subsidiado por esses objetivos, no que tange a aplicação de uma medida socioeducativa que perpasse a garantia dos direitos humanos e repeito a condição peculiar de adolescente em processo de desenvolvimento, neste caso a incumbência de proteção integral e de ressocialização dos adolescentes que praticaram ato infracional são fundamentais para sua avaliação da rede de proteção (...) respeito à condição peculiar de desenvolvimento, da garantia universal de acesso a direitos, de tratamento respaldado pelo princípio do respeito à dignidade humana, que se deve compreender a aplicação e execução das medidas socioeducativas. (HAMOY, 2007, p.37). Na realidade o que se percebe na aplicação dessa medida socioeducativa e as falhas no que concerne, o respeito aos direitos inerente ao ser humano, bem como o sucateamento das unidades de cumprimento de medidas socioeducativas limitando sua efetivação em contribuir para a ressocialização. Segundo Hamoy: Realizar a aplicação e execução dessas medidas é sempre ter a certeza do respeito aos direitos humanos. Infelizmente, muitos são os equívocos que permeiam a aplicação e a execução das medidas socioeducativas, muitas são as violações cometidas, que perpassam desde aplicações inadequadas, muitas vezes privilegiando a internação em detrimento de outras medidas e até mesmo medidas sendo cumpridas em locais desumanos e que ferem as condições mínimas de respeito à pessoa humana (2007, p. 39-40). O maior obstáculos na luta pela efetivação de direitos aos adolescentes em conflito com a lei, está na busca em reconhecê-los com sujeitos de direitos e portadores de todas as ações do Estado, quando o assunto for proteção integral e prioridade absoluta. As unidades devem ter como objetivo maior ―a finalidade maior do processo educacional, inclusive daqueles privados de liberdade, deve ser a formação para cidadania‖ (VOLPI,2011 p.30). Garantir os direitos humanos e sociais bem como oportunizar um processo de ressocialização adequado e articulado ás políticas públicas voltadas a esses adolescentes, é a forma mais eficaz na luta contra uma sociedade ―desumana‖ que perceber esses adolescentes, como sujeitos que devem ser descartados ou punidos mais severamente por seus atos. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 986 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS A compreensão dos adolescentes em conflito com a lei deve ir além dos seus atos infracionais, devem ser inseridos numa totalidade social que será expresso por meio da violação de direitos que tais sujeitos convivem cotidianamente. Com a desresponsabilização do Estado em implementar políticas publicas efetivas de educação, lazer, cultura, profissionalização entre outros voltadas a criança e adolescentes, isso é sem dúvida uma forma de evidenciar os rebatimentos das expressões da questão social na vida desses sujeitos. Quando se trata de defender os direitos dos adolescentes em conflito com a lei, parece ser mais árdua a luta, pois no seio social há uma descrença nesse sujeitos, por ele ser agentes de um ato de violência. Nesse sentido, a defesa dos direitos humanos e especificamente dos adolescentes enquanto sujeitos em desenvolvimento, que por isso necessitam de uma atenção maior por parte do Estado e da própria sociedade é fundamental para efetivação do ECA. Não obstante, a busca na materialização dos direitos aos adolescentes em conflito com a lei deve perpassar da garantia dos direitos inerentes aos ser humano, a situação peculiar de desenvolvimento, indo até sua efetivação na vida desses sujeitos com o processo de ressocialização, em que propiciará a inserção desses na sociedade. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Constituição Federal de 1988. Brasília, 1988. ______. Estatuto da Criança e do Adolescente- ECA. Brasília, 2010. ______. Plano Nacional de Direitos Humanos 3. Brasilia: SDH/PR, 2010 ______. SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS. Levantamento Nacional do Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a Lei. Brasília, 2009 III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 987 ______.Sistema Nacional CONANDA, 2006. de Atendimento Socioeducativo- SINASE. Brasília: DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS 1948. 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Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 989 ATUAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL NA BUSCA DA AMPLIAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DA CIDADANIA Área temática: Justiça, direitos humanos e inclusão social Maria José Augusto Correia Leite37 Alidiane Pereira da Silva Ribeiro38 Maria do Socorro Filgueira Lisboa39 Solange Oliveira Ferreira40 RESUMO: Este artigo tem como objetivo expor o debate acerca da ampliação e consolidação da cidadania, um dos Princípios Fundamentais do Código de Ética do Serviço Social, bem como da atuação do assistente social comprometido com seu projeto profissional na busca da efetivação dos direitos sociais, civis e políticos. Esse debate é perpassado pelo conceito de necessidades sociais na sociedade capitalista, tendo em vista que a noção de direitos sociais passa primeiramente pela noção de necessidadessociais. Abordamos ainda a relação do Serviço Social com a Seguridade Social posta pela Constituição Federal de 1988 e a Seguridade Social defendida pela categoria dos assistentes sociais. Palavras-chaves: Necessidades sociais; Projeto Ético Político do Serviço Social; Seguridade Social. 1. INTRODUÇÃO Entendemos que é de suma importância o debate sobre a atuação do Serviço Social na busca em ―alargar‖ as políticas sociais existentes, proporcionando à classe subalterna igualdade de condições, e não apenas de oportunidades, e na reflexão sobre necessidades sociais dentro do cenário contraditório em que somos inseridos, onde os assistentes sociais – pelo menos uma parte desses profissionais – irão buscar a consolidação do seu Projeto Ético 37 ([email protected]), (88)96137427, Faculdade Leão Sampaio ([email protected]), (88)96384981, Faculdade Leão Sampaio 39 ([email protected]), (88)97330600, Faculdade Leão Sampaio 40 ([email protected]), Faculdade Leão Sampaio 38 III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 990 Político da ABEPSS, tendo por base a Lei de Regulamentação da Profissão (8.662 de 07 de junho 1993), as Diretrizes Curriculares que norteiam a formação profissional e o Código de Ética (1993), esse embasado em princípios fundamentais, como à busca de liberdade; a defesa dos direitos humanos, da cidadania, da democracia, da justiça social; a eliminação de todas as formas de preconceito, entre outros. Para que isso ocorra, percebemos que é inegável o posicionamento dos assistentes sociais frente ao projeto neoliberal no que diz respeito às políticas públicas, consideradas fator primordial para efetivação da cidadania, uma vez que o Serviço Social busca a construção de um Estado de direito – apesar das dificuldades para a consolidação de tais direitos, sendo estas dificuldades determinantes de desigualdades econômicas e sociais. Tais questões implicam em inúmeras polêmicas em relação ao funcionamento das políticas públicas no cenário contraditório da sociedade capitalista, onde a riqueza existente é construída coletivamente pela maioria dos trabalhadores, que só possuem sua força de trabalho para vender, e apropriada privadamente por uma minoria que visa tão somente à obtenção de lucros cada vez mais elevados. Diante dessa realidade, o assiste social é desafiado a objetivar seu Projeto Ético Político comprometido com a efetivação de direitos que reduzam as desigualdades sociais e econômicas, proporcionando aos indivíduos a satisfação das necessidades sociais. 2. CONSOLIDAÇÃO DO PROJETO ÉTICO POLÍTICO NUM CENÁRIO CONTRADITÓRIO, OBJETIVANDO A CIDADANIA E A DEMOCRACIA DIANTE DAS “NECESSIDADES” HUMANAS Segundo Teixeira (2003), o projeto profissional da categoria dos profissionais de Serviço Social emerge em meio aos diferentes interesses de classes que determinam a nossa profissão, no entanto, se porta a favor da classe trabalhadora, defendendo a emancipação humana com o apoio da coletividade, entretanto, nós não concretizamos essa emancipação humana, pois todas as formas de discriminação ainda não foram eliminadas. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 991 Ainda segundo Teixeira (idem), o projeto societário dessa categoria tem como característica um caráter revolucionário e transformador – sendo que em toda sociedade que existe divisão de classe há projetos societários diferentes – esse propondo romper com o conservadorismo e tomando uma consciência política, tendo em seus princípios fundamentais, estes fincados no Código de Ética de 1993, a busca pela ampliação e consolidação da cidadania, como também salvaguardar o aprofundamento da democracia dentro de uma sociedade contraditória.Dessa forma, essa busca visa à garantia dos direitos civis, sociais e políticos da classe trabalhadora e a socialização no engajamento da política e da riqueza socialmente produzida. Segundo Netto (apud Azevedo e Sarmento, 2007), os projetos profissionais vêm dando respostas às alterações no sistema de necessidades sociais, essas sendo entendidas num contexto no qual o trabalho aparece como um meio de satisfação de necessidades, onde o trabalhador vende sua força de trabalho em troca de um mínimo para sua sobrevivência. O trabalho alienado, no entanto, dará condições apenas de satisfação de necessidades primárias como: comer, beber, procriar, vestir, morar em condições mínimas de higiene e bem-estar etc. Entretanto, concernente às necessidades alienadas próprias da sociedade capitalista, Heller(idem)irá diferenciar esse conjunto de necessidades. Numa visão mais crítica, ela passa a utilizar os termos ―necessidades existenciais‖, que diz respeito às necessidades primárias, e ―necessidades propriamente humanas‖, essas próprias de desejos e intenções de obtenção de objetos ou prática de uma ação. Dentro desse contexto, Heller afirma que as necessidades são fundamentais à vida dos indivíduos e que além de serem direcionadas à satisfação de necessidades, elas surgem historicamente, ou seja, tais necessidades diversificam-se de acordo com as objetivações humanas, onde a matéria natural pela ação material do sujeito é transformada. As necessidades identificadas por Heller portam valores, são pessoais e sociais, e na sociedade capitalista a força do dinheiro é que vai determinar a quantificação das necessidades. No entanto, podemos perceber que a riqueza socialmente produzida pela classe trabalhadora não se encontra nas mãos do trabalhador, e sim nas mãos da classe dominante, III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 992 onde dar-se a lei geral da acumulação capitalista41. Dentro deste contexto, podemos perceber que é de suma importância a consolidação dos direitos civis, sociais e políticos para a classe trabalhadora, sendo esses viabilizados pela categoria de profissionais de Serviço Social, juntamente com uma equipe multiprofissional das demais áreas de atuação. Porém, dentro da sociedade capitalista, as necessidades geram situações de desigualdades sociais e limitam o acesso dos indivíduos a determinadas necessidades básicas. Marcuse (idem) em sua visão sobre necessidades, não discordando de Hellermas apresentando diferenças em relação às suas abordagens políticas e metodológicas, vai tratar de necessidades como além de satisfações biológicas, vai destacar necessidades como précondicionadas, diferenciando-as assim como: ―necessidades falsas‖, sendo aquelas superimpostas ao individuo por interesses particulares, e ―necessidades verdadeiras‖, como aquelas que obedecem e acompanham o interesse social predominante. Segundo essa concepção, as pessoas se tornam um recipiente pré-condicionado pela imposição dos meios midiáticos. Marcuse vai preocupar-se na sua visão de necessidades como elas irão se manifestar no contexto da sociedade capitalista. Entrementes, essa discussão sobre ―necessidades‖ vai buscar dentro do cenário contraditório da sociedade capitalista a formulação e a viabilização de políticas sociais de distribuição de renda e a criação de programas de garantia de renda mínima, não se alargando para um entendimento de necessidades sociais, mas se restringindo ao provimento dos mínimos sociais. Os mínimos sociais, na visão de Sposati (idem), envolvem dois debates principais: o primeiro se relaciona a uma concepção reducionista, considerando os mínimos sociais como políticas com o objetivo de apenas cobrir carências; e o segundo está relacionado a uma visão mais ampliada, com os mínimos sociais tidos como um ―padrão societário de civilidade‖, com pelo menos cinco tipos de direitos assegurados: ―sobrevivência biológica, condição de poder 41 Entendemos por lei geral da acumulação capitalista que quanto mais à riqueza socialmente é produzida pelo trabalhador enriquecido os donos dos meios de produção/capitalistas, dar-se na mesma proporção o crescimento da miséria da população. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 993 trabalhar, qualidade de vida, desenvolvimento humano e necessidades humanas‖ (idem, p. 95). Segundo Potyara (2006), para alguns autores, o termo ―necessidades‖ soa de forma negativa, uma vez que é identificada como carência, define as políticas pelo ângulo das destituições dos sujeitos. Isso implica dizer que a utilização da categoria de necessidades no discurso teórico e político, dá a impressão de reforçar situações socialmente injustas e de definir políticas públicas a partir de um parâmetro empobrecedor. Na visão de Potyara, a ideologia individualista professada pela sociedade capitalista embasada no pensamento neoliberal, não admite a existência de necessidades como situação de fato, que exige políticas públicas para seu enfretamento. E ratificam que o reconhecimento da existência de necessidades sociais não passa de ―mistificação de quem quer impor o domínio do Estado sobre as liberdades individuais‖. O que isso nos faz entender é que não existem necessidades, mas desejos, expectativas e preferências particulares cuja satisfação não pode ser provida e garantida pelos poderes públicos porque estes massificam suas respostas políticas, passando por cima das escolhas pessoais. Com base nesse entendimento posto por Potyara, concluímos que só há uma instituição passível de atender com eficiência e eficácia as aspirações dos indivíduos: o mercado. Por essas perspectivas o conceito de necessidades humanas não teria correspondência com a cidadania e nem muito menos com as políticas públicas, cuja principal função é concretizar direitos sociais. Dentro desse contexto abordado anteriormente, o Projeto Ético Político do Serviço Social é configurado como um conjunto de valores e princípios construídos, legitimados e assumidos por parte da categoria profissional que se compromete com a efetivação dos direitos civis, políticos e sociais, bem como da satisfação das necessidades sociais. Esse projeto profissional, que rege a formação e a atuação dos assistentes sociais, é embasado no atual Código de Ética Profissional dos assistentes sociais (1993), na Lei de Regulamentação da Profissão (1993), nas diretrizes curriculares articuladoras da formação profissional e nos avanços e acúmulos da produção científica, do exercício profissional e da organização política da categoria dos assistentes sociais (...) (Azevedo, Sarmento; 2007; p.86). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 994 É certo que o Projeto Ético Político do Serviço Social depreende uma determinada escolha por parte dos profissionais, escolha essa que terá como resultado a ampliação e a consolidação da cidadania. Entretanto, é importante salientar que a efetivação do projeto profissional não depende apenas da escolha da categoria a favor da sua efetivação, é necessário que haja as condições propícias para isso, tendo em vista as limitações impostas pela sociedade de classes excludente e contraditória na qual estamos inseridos. Segundo Barroco (2001), a efetivação do projeto profissional se dá junto à coletividade, entretanto, enfrentará dificuldades em meio ao cenário contraditório, mas isso não impedirá que o profissional busque a emancipação humana, propondo estratégias visando uma transformação societária. O Projeto Ético Político do Serviço Social defende que as políticas sociais têm a ―capacidade efetiva de reduzir desigualdades econômicas e sociais, de constituir formas (ainda que limitadas) de socialização e redistribuição da riqueza, e de construir um sistema de direitos capaz de alargar e materializar a cidadania plena e democrática‖ (Boschetti, 2004, p. 111). Entretanto, para que isso se efetive, essas políticas devem ser assumidas como meios de garantia de direitos, e não apenas como meios de combater a pobreza extrema – como forma de políticas pontuais voltadas para os pobres, e não para toda a sociedade. Ainda segundo Boschetti (idem), sabe-se que o problema da pobreza e das desigualdades sociais não é apenas uma questão de má distribuição de bens e serviços, mas é uma questão estrutural, inerente à lógica capitalista, relativa à apropriação privada tanto dos meios de produção quanto da riqueza socialmente produzida. Por isso o Projeto Ético Político do Serviço Social defende a seguridade social42 como um meio de transição a uma sociedade mais justa e igualitária, sem dominação ou exploração de classe, etnia ou gênero, conforme defende o Código de Ética da categoria em 42 A seguridade social é o conjunto de ações e instrumentos por meio do qual se pretende alcançar uma sociedade livre, justa e solidária, erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e promover o bem de todos. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 995 seus Princípios Fundamentais. Esse processo de transição se inicia a partir do reconhecimento e efetivação de direitos na atual sociedade. O Serviço Social acredita que a seguridade social é capaz de caminhar na busca da instauração da ―cidadania social com direitos amplos, universais e equânimes‖ (idem, p. 121), assegurando ―todos os direitos sociais previstos na Constituição Federal (educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência e assistência social)‖ (idem), já que no modelo de seguridade social posto na Constituição Cidadã somente a Saúde é considerada universal (para todos sem distinção), e assistência fica para quem dela necessitar (os pobres em estado de vulnerabilidade social), e a Previdência se restringe aos que contribuírem, sendo excluídos os que estão fora do mercado formal de trabalho. Entretanto, mesmo em meio e essas limitações, para que se efetivem os direitos assegurados na Constituição, a seguridade social deve se orientar por alguns requisitos essenciais que o Projeto Ético Político do Serviço Social esquematiza, são eles: universalização com superação da lógica contratualista do seguro social; qualificação legal e legitimação das políticas sociais como direitos, pois só por este ângulo é possível comprometer o Estado como garantidor da seguridade social; orçamento redistributivo, com ênfase na contribuição de empregadores e no orçamento fiscal, de modo a desonerar aos trabalhadores; e estruturação radicalmente democrática, descentralizada e participativa (idem) É a partir do comprometimento da categoria com o seu Projeto Ético Político profissional, bem como da sua atuação junto à luta geral dos trabalhadores, que irá ocorrer o processo de ampliação e consolidação da cidadania, por meio do reconhecimento e efetivação dos direitos civis, sociais e políticos. É necessário considerar também que o Projeto Ético Político do Serviço Social requer uma qualificação profissional embasada em concepções teórico-metodológicas críticas, capazes de favorecer ao assistente social uma análise das relações sociais numa perspectiva de totalidade. O projeto profissional também irá exigir do assistente social comprometimento em um processo de constante (auto) formação, assim como na participação em movimentos sociais e em movimentos de outras categorias profissionais que partilhem dos mesmos III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 996 princípios do seu Código de Ética a favor da luta geral dos trabalhadores, como consta nos Princípios Fundamentais do referido código. 3. RESULTADO DA PESQUISA A nossa pesquisa de campo foi realizada no mês de março do corrente ano (2013), entrevistamos duas assistentes sociais que trabalham no âmbito público com o intuito de sabermos como se dá a efetivação ou não do Projeto Ético Político da categoria frente às limitações institucionais existentes. Houve divergências entre elas relativas à consolidação do projeto. Uma das assistentes sociais disse que não era fácil concretizar na prática o referido projeto profissional, porém buscava sempre propor estratégias que atendessem as demandas postas no cotidiano do seu trabalho. Buscava sempre se atualizar através de leituras e que embora não estivesse engajada em nenhum movimento social, apoiava aqueles que a procurava, orientando-os através de palestras. Com isso, percebemos no seu discurso um caráter crítico e transformador, e que embora não fosse fácil para ela a consolidação do projeto político,se empenhava para que isso ocorresse. A outra profissional entrevistada nos mostrou em seu discurso um caráter conservador, uma vez que os limites institucionais ainda impediam a realização do seu fazer profissional. A mesma não busca atualizar-sepor meio de leituras e nem de cursos, segundo as suas palavras ―não tem condições‖ para participar de eventos da categoria. Ela nos disse também que não está engajada em nenhum movimento social. Com isso percebemos que a mesma,pelas limitações impostas pelo seu ambiente de trabalho, não se esforça na busca por um melhor atendimento às demandas que chegam à instituição, e muitas vezes torna-se uma profissional descompromissada com o projeto profissional da sua categoria.Sabemos que os problemas trazidos pelos usuários dos serviços assistenciais não podem ser resolvidos de forma imediata, mas de acordo com as possibilidades do profissional em seu ambiente de trabalho, mas é importante que isso não seja motivo de acomodação por parte do mesmo e esse se desresponsabilize pela resolução de tal problema. Para tanto, é necessário a existência III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 997 de profissionais críticos, propositivos, transformadores, qualificados, criativos e comprometidos com a efetivação do seu projeto profissional. 4. CONCLUSÃO Em suma, os debates aqui traçados buscaram evidenciar a importância da atuação do assistente social comprometido com o seu projeto profissional, comprometimento esse que contribui em demasia para a ampliação e consolidação da cidadania e para a construção de uma nova ordem societária, mais justa e igualitária, sem exploração e dominação de uma classe sobre a outra. Para isso, deve-se considerar que o Projeto Ético Político do Serviço Social não se limita a ser um conjunto de valores e princípios que norteiam a formação e a prática profissional, mas um conjunto de mediações construídas diariamente pela categoria profissional a partir da realidade social em que se encontra. Sabe-se que existem muitas dificuldades para a efetivação do Projeto Ético Político do Serviço Social, principalmente a partir de 1990 com o enxugamento do Estado na área social em detrimento de investimentos na economia. Esse processo acarreta mudanças no âmbito da prática profissional, pois proporciona o surgimento de novas demandas e novos espaços de trabalho para o assistente social, que é instigado ainda mais a criar estratégias capazes de garantir os direitos à classe subalterna, na busca da consolidação da seguridade social pública e universal. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AZEVEDO, A. F.; SARMENTO, H. B. M. Projeto Ético Político, necessidades e direitos sócias. Revista Serviço Social e Sociedade, SP, nº 92, 2007. BARROCO, M.L.S. Ética e Serviço Social: fundamentos ontológicos. São Paulo:Cortez, 2001. p.186-189. BOSCHETTI, I. Seguridade Social e projeto ético político do Serviço Social: que direitos para qual cidadania? Revista Serviço Social e Sociedade, SP, nº 79, 2004. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 998 BRASIL. Código de ética do/a assistente social. Lei 8.662/93 de regulamentação da profissão. 9 ed. rev. e atual. Brasília: Conselho Federal de Serviço Social, 2011. CAMACHO, Fábio. Seguridade Social: conceito constitucionais e aspectos gerais.Site:http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigo_id=11212&revista_caderno=20. Acessado em 03/06/2013. POTYARA, A. P. Pereira. Políticas Públicas e Necessidades Humanas com Enfoque no Gênero.http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:KzuzisQDAYJ: revistas.ucpel.tche.br/índex.php/rsd/article/download/437/391+&cd=1&hl=PT&ct=clnk&gl= br.pdf. Acessado em 03/06/2013. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 999 DIVERSIDADE E MERCADO DE TRABALHO: A VISÃO ACERCA DO TRABALHADOR OBESO Área temática: Jstiça, direitos humanos e inclusão social Joelma Soares da Silva43 Francisco Roberto Pinto44 Conceição de Maria Pinheiro Barros45 Maria do Carmo Cavalcante Pinto46 RESUMO: A obesidade é reconhecidamente uma epidemia que atinge homens, mulheres e até crianças em todo o mundo. Sua amplitude não diferencia raça, sexo, idade ou nível social, repercutindo de várias formas na vida dos sujeitos obesos. O presente estudo tem como objetivo identificar a visão de uma amostra de profissionais acerca do trabalhador obeso. Para o alcance do objetivo foi feita, inicialmente, uma revisão de literatura com foco na diversidade e na empregabilidade das pessoas obesas. Em seguida foi realizada uma de entrevista estruturada com 4 alunos de pós-graduação lato senso da Universidade Federal do Ceará todos atuantes na área de assessoria executiva. Trata-se de uma pesquisa descritiva com abordagem qualitativa. A análise dos dados revelou os respondentes encaram de forma positiva o trabalho exercido por pessoas obesas embora reconheçam as dificuldades impostas pelo mercado de trabalho e pela sociedade de forma geral. Palavras chaves: diversidade, obesidade, mercado de trabalho. 1 Introdução Um dos maiores desafios enfrentando atualmente pelas empresas está relacionado à gestão estratégica de pessoas, onde os colaboradores são um importante diferencial competitivo. As pessoas, com seus talentos e competências, são as maiores responsáveis pelo 43 Universidade Federal do Ceará. (85) 8723-3959/[email protected] Universidade Estadual do Ceará. [email protected] 45 Universidade Federal do Ceará. (85) 8865-4694/[email protected] 46 Universidade Federal do Ceará. (85) 3226-7149 /[email protected] 44 III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1000 sucesso ou o fracasso de qualquer instituição. Quando uma empresa capta um colaborador, ela não está contratando apenas um recurso qualificado para ocupar um cargo disponível. A contratação é de um ser humano integral, com uma história de vida, pensamentos, emoções, sentimentos, medos, anseios e consciência. A realidade do mercado de trabalho atual exige, das organizações, a capacidade de lidar com uma maior diversificação da sua força de trabalho, em relação à raça, sexo, idade, nível social e deficiências. A adoção de políticas de inclusão nas organizações está muitas vezes relacionada a questões de gênero, deficiência ou condição social. A aplicação das normas e leis que visam a proteção dos postos de trabalhos das pessoas comumente classificadas como minorias não são suficientes para garantir oportunidades no mercado de trabalho. É importante ressaltar que cabe ao próprio indivíduo a responsabilidade de garantir a sua empregabilidade no mercado de trabalho, com o autogerenciamento de suas carreiras, desenvolvimento de suas competências adicionais e investimento no seu próprio desenvolvimento profissional e pessoal. Nesse contexto, este trabalho orienta-se pelo seguinte questionamento: qual a visão acerca do trabalhador obeso nas organizações? Tal questionamento se justifica pela existência de estudos que apresentam diferenciação no tratamento dispensado à pessoas obesas nas relações de trabalho (e.g. FELIPPE; SANTOS, 2004). A partir dos resultados obtidos pretende-se contribuir para uma reflexão e discussão mais profunda acerca do assunto. Acrescendo ao exposto, acredita-se que as pessoas obesas são economicamente ativas e que dependendo do nível de exigência física do cargo, muitas profissões podem ser exercidas por obesos sem que haja qualquer tipo de diferença na qualidade dos serviços caso fossem executadas por pessoas consideradas normais. É fato que, muitos postos de trabalho permanecem abertos e que poderiam ser preenchidos pelo referido público. Com o intuito de responder ao questionamento desta pesquisa, o presente estudo tem o objetivo geral O presente estudo tem como objetivo identificar a visão de uma amostra de profissionais acerca do trabalhador obeso. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1001 O presente estudo está divido em 06 seções incluindo esta introdução. A segunda e a terceira seções versam, respectivamente, sobre a diversidade e obesidade. A quarta seção trata da metodologia empregada na pesquisa de campo. Na quarta e quinta seções são apresentados os resultados da pesquisa de campo e as considerações finais. Por fim, seguem as referências que fundamentaram este trabalho. 2 Diversidade nas organizações A miscigenação da população brasileira é evidente no cotidiano. Além da diversidade racial, é possível apontar que, atualmente, diversas formas de diversidade se formatam no cotidiano social. Dados do último censo brasileiro do Instituto Brasileiro Geográfico e Estatístico (IBGE, 2010), que apontam que a população brasileira é formada por 49,2% de homens e 50,8% de mulheres. A raça majoritária é formada por aqueles que se declararam brancos (47,7%), vindo a seguir os pardos (43,1%) e dos pretos (7,6%). Ainda conforme dados desse censo (IBGE, 2010), cerca de 46 milhões de pessoas (24% da população total) possuem algum tipo de deficiência. Segundo Fleury (2000, p.20), diversidade é definida como ―um mix de pessoas com identidades diferentes interagindo no mesmo sistema social‖. Vale ressaltar que identidades são categorias pessoais como sexo, raça, nacionalidade, religião e idade, entre outras. Ainda de acordo com a citada autora, nesses sistemas sociais coexistem grupos de maioria e de minoria. A esse respeito, Faleiros (2001 apud FELIPPE; SANTOS, 2004) definem como minorias um conjunto social que se encontra, se sente e se representa como discriminados e oprimidos na sociedade, nas relações sociais estruturantes de classe, de gênero, orientação sexual, raça e cultura. Pereira e Hanashiro (2010) ressaltam que um grupo social é identificado como minoria, não por sua representação numérica, mas por se tratar de um grupo formado por indivíduos não dominantes, com menos poder e recursos dentro das organizações. Saraiva e Irigaray (2009) apresentam afirma que os grupos considerados minoritários e alvos de III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1002 discriminação são normalmente pessoas negras, com deformação facial, deficientes físicos, pessoas obesas, homossexuais, pessoas com problemas mentais e cegos. Cox (2001 apud PEREIRA; HANASHIRO, 2010) explica diversidade como a variação de identidades social e cultural entre pessoas que convivem no mesmo sistema, seja de trabalho ou outro qualquer. Para Spitzer (1956 apud PEREIRA, 2011) a diversidade expressa relações abstratas existentes entre os indivíduos, em relação à quantidade e ao grau de propriedades que os fazem diferentes entre si, tomando-se por referência o grau, a posição, o lugar, a situação, a ordem ou classe social que os indivíduos ocupam. Ainda segundo Hanashiro e Queiroz (2010, p. 2) ―O conceito de diversidade encontra-se em constante evolução‖. Hoje percebe-se que sua dimensão envolve questões sociais muito amplas de difíceis delimitações (HANASHIRO; QUEIROZ, 2010). De acordo com Fleury (2000, p. 21), a gestão da diversidade defendida com base na [...] criação de vantagem competitiva, o que, em tese, elevaria o desempenho da organização no mercado, tendo em vista a influência positiva de um ambiente interno multicultural, com membros de distintas experiências e habilidades. Alves e Galeão-Silva (2004) defendem ainda que a gestão da diversidade deve ser baseada no princípio da meritocracia, evitando, assim, que a admissão ou promoção de indivíduos dos grupos minoritários sejam percebidas como não merecidas. Pereira (2011) ressalta que ações que propiciam tratamento especial para determinado grupo social podem alimentar o preconceito e a discriminação social nas pessoas pertencentes a outros grupos não favorecidos pelas mesmas. Dessa forma, Pereira e Hanashiro (2010) afirmam que as organizações ao adotarem a gestão da diversidade não devem apenas introduzir ações que enalteçam a diversidade, mas conseguir que todos seus colaboradores se envolvam com elas, assegurando a aceitação e entendimento de que nem todos tem a mesma oportunidade nas organizações e que, portanto, ações de inclusão devem ser criadas e estimuladas. O desenvolvimento dessas ações pressupõe o reconhecimento por parte de todos dentro da organização de que há certos grupos III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1003 sociais de indivíduos que são mais vulneráveis a serem excluídos que outros (PEREIRA; HANASHIRO, 2010). FLEURY (2000) enfatiza que a gestão da diversidade não visa a resolução de questões como discriminação e preconceitos, mas a adoção de um enfoque organizacional holístico criando um ambiente organizacional que possibilite a todos o pleno desenvolvimento de seu potencial na busca do alcance dos objetivos da empresa. Em suma, gerenciar a diversidade implica o desenvolvimento das competências necessárias ao crescimento e ao sucesso do negócio. A globalização econômica e de mercados também ampliou as possibilidades de se trabalhar com equipes heterogêneas, quanto à nacionalidade, raça, hábitos e valores diferentes. Incorpora-se tudo isso, ao fato de as pessoas, hoje, estarem mais conscientes de suas diferenças e desejarem vê-las respeitadas e valorizadas. 3 Obesidade Reconhecida como uma epidemia que atinge homens, mulheres e até crianças em todo o mundo, a obesidade não diferencia raça, sexo, idade ou nível social. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) a obesidade pode ser definida como o excessivo acúmulo de gordura no organismo que apresenta um risco para a saúde (OMS, 2013). O principal padrão para calcular a obesidade em adultos é o Índice de Massa Corporal (IMC), que é definido como o peso da pessoa em quilogramas dividido pelo quadrado da sua altura em metros (kg/m2). A OMS define como obeso o indivíduo adulto que possui IMC maior que ou igual a 30 (OMS, 2013). A obesidade é considerada pela OMS uma doença não transmissível e que pode ser fonte de uma série de outras comorbidades, que são doenças que tem seu surgimento ou agravamento devido ao acúmulo de gordura no organismo, tais como: doenças cardíacas, AVC, infarto, diabetes, lesões de ossos e articulações, câncer, hipertensão, varizes e úlceras (OMS, 2013). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1004 Ainda segundo a OMS (2013) no ano de 2008 mais de 1,4 bilhões da população mundial adulta, com idade acima de 20 anos, estava acima do peso. Destes, mais de 200 milhões de homens e quase 300 milhões de mulheres eram obesos. Ou seja, mais de 35% da população mundial adulta estava acima do peso e 11% eram obesos (OMS, 2013). Até então, a obesidade era considerada um problema apenas dos países de alta renda, mas em 2011 a OMS publicou que 40 milhões de crianças menores de cinco anos estavam acima do peso, dessas 30 milhões de crianças viviam em países em desenvolvimento e 10 milhões em países desenvolvidos. Estudos apontam que a criança obesa tem maior chance de se tornar um obeso adulto, além de riscos de dificuldade de respiração, hipertensão, doenças cardiovasculares e problemas psicológicos (OMS, 2013). Segundo o Ministério da Saúde o número de brasileiros com excesso de peso (IMC>25kg/m²) passou de 43% em 2006 para 48,5% em 2011. No mesmo período o número de obesos (IMC>30/kg/m²) passou de 11% para 15,8% (BRASIL, 2012). Quanto aos números da obesidade no estado do Ceará, a pesquisa apresenta dados referentes à cidade de Fortaleza. Segundo dados divulgados, 54% dos fortalezenses pesquisados estão acima do peso. Fortaleza é a segunda capital brasileira com maior número de adultos com excesso de peso, perdendo apenas para Porto Alegre, que lidera o ranking com 55% (BRASIL, 2012). A pesquisa ainda revelou que 18% dos fortalezenses pesquisados são obesos, mesmo percentual encontrado em Manaus, Maceió, Campo Grande e Natal. Macapá é a capital brasileira com o maior número de obesos, 21% dos pesquisados (BRASIL, 2012). Os dados apresentados demonstram que o número de pessoas obesas em muito se distancia da noção de minoria numérica. Segundo Vergara e Irigaray (2007) os obesos fazem parte dos grupos sociais estigmatizados, juntamente com os negros, as mulheres, pessoas com deformação facial, deficientes físicos, retardados mentais, homossexuais e cegos. Ainda segundo as autoras, o individuo estigmatizado é alvo de discriminação e estresse, podendo desenvolver até sintomas de psicopatias. Felippe e Dos Santos (2004) reforçam esse III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1005 pensamento ao explanarem que os sujeitos obesos sofrem discriminação e preconceito que potencialmente prejudicam sua a inserção na disputa ou concorrência no mercado de trabalho. O preconceito contra os obesos ainda está muito arraigado no inconsciente social. Para muitos a obesidade é sinônimo de preguiça, de má aparência, de relaxamento, de desleixo, de fraqueza e de gula. Ferreira e Magalhães (2011) afirmam que a obesidade está associada no imaginário coletivo com a ideia de falta de saúde, desleixo, preguiça, falta de controle, falência moral e pobreza e as pessoas magras conotam felicidade, prestígio, sucesso pessoal, status, autocontrole e autodisciplina. As autoras ainda dizem que socialmente as pessoas obesas estão vinculadas ao desempenho de funções mais modestas, revelando que os estereótipos estão presentes, demarcando muitas vezes a condição social do indivíduo. É lícito afirmar que existe uma relação negativa entre a obesidade, a ocupação e participação dos obesos na força de trabalho no mercado. Conforme diz Morris (2007 apud TEIXEIRA; DIAZ, 2011) a obesidade diminui a probabilidade de emprego dos sujeitos obesos causando relevante impacto nas condições de salário e emprego. Para Ferreira (2010) as relações de trabalho, a garantia da manutenção de um lugar no mercado de trabalho e a empregabilidade dos sujeitos obesos são influenciadas pela perspectiva da aparência física e estética. Porém a empregabilidade está diretamente relacionada com o autodesenvolvimento das competências individuais, a fim de que os profissionais possam estar em condições de manterem-se aptos e atrativos para o mercado de trabalho. Saviani (1997) elenca as competências imprescindíveis para que um profissional tenha uma alta empregabilidade: criatividade, empatia, flexibilidade, extroversão, bom senso, liderança, visão geral do mundo, iniciativa, garra, domínio de outros idiomas, cultura global e o cultuar da inteligência emocional. As competências profissionais apresentadas pelo autor independem de força física, idade ou aparência. 4 Metodologia O presente estudo é natureza qualitativa e de caráter descritivo, pois os dados são coletados, analisados e interpretados sem que haja qualquer tipo de interferência ou III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1006 manipulação dos mesmos pelos pesquisadores e sem o emprego de dados estatísticos (OLIVERIA, 2001; ANDRADE, 2009). A amostra do presente estudo foi composta por quatro alunos de um curoo de pósgraduação lato senso da Universidade Federal do Ceará que atuam como assessores ou executivos, sendo dois atuantes na iniciativa privada e dois no serviço público. A coleta de dados se deu por meio de entrevista estruturada. De acordo com Marconi e Lakatos (1990) a entrevista é uma conversação efetuada face a face, proporcionando ao entrevistador a informação necessária. O roteiro contou com oito perguntas abertas acerca do tema proposta nesse trabalho. As entrevistas foram gravadas em áudio, as perguntas foram feitas uma de cada vez, sem interrupção, sugestão ou indução, conforme passos previstos por Andrade (2009). Logo após, os dados foram transcritos e analisados conforme apresentados na secção seguinte. Tais passos são fundamentais no que concerne ao rigor do método. Nenhum dos abordados é obeso, exceto uma das entrevistadas que se auto denominou ex-obesa. Ressalte-se que as condições declaradas não foram consideradas à luz de nenhum parâmetro oficial, apenas com base na autodefinição dos entrevistados. As entrevistas foram realizadas no mês junho de 2013 em dias e horários diferentes. 4 Apresentação e análise dos resultados Esta seção apresenta os resultados alcançados e a análise dos dados à luz da teoria sobre o tema proposto. Inicialmente foi abordado o perfil dos entrevistados e em seguida focalizou-se nas perguntas relacionadas diretamente ao tema. Foram entrevistados quatro alunos de pós-graduação lato senso da Universidade Federal do Ceará, sendo dois atuantes na iniciativa privada e dois no serviço público. Em relação à idade, uma entrevistada tem menos de 30 anos, dois estão na faixa etária de 20 a 30 anos e um possui idade acima de 40 anos. Quanto a formação acadêmica, uma entrevista é graduada em Administração de Empresas e três são graduados em Secretariado Executivo. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1007 Os entrevistados atuam como assessores executivos nos seguintes tipos de organizações: universidade pública localizada em Fortaleza; universidade pública localizada no interior do Ceará; organização privada multinacional; organização privada local. A seguir são transcritas as perguntas relacionadas ao tema e as respostas analisadas com base na teoria utilizada. A entidade na qual você atua propicia um ambiente favorável a prática da diversidade na sua força de trabalho (raça, sexo, aparência física, deficiência e orientação sexual)? A minha percepção quanto a prática da diversidade na entidade onde eu trabalho, até pelo objetivo da Universidade, que é integrar os povos de língua portuguesa, é uma coisa muito natural, que é muito difundida entre os servidores e os alunos, até porque essa convivência é muito forte. Pessoas de várias culturas, posições diferentes até por conta de serem países diferentes, então a Universidade já é muito bem adaptada e é preparada para lidar com isso (ENTREVISTADA 2). A empresa onde eu trabalho é super favorável a prática da diversidade. Na verdade, nós contratamos pessoas de todas as culturas, de todo lugar do mundo. É uma multinacional, existem dez filiais só na Europa. Então, não temos problemas com sexo, com cor, raça, principalmente a opção sexual. Isso não existe. Mostrando competência no trabalho é isso o que importa (ENTREVISTADA 3). Pude perceber que homens e mulheres conviviam de maneira harmônica, não percebi nenhum tipo de machismo, pelo contrário, vi que no setor em que eu atuava haviam subsetores em que as pessoas escolhidas para serem chefes eram mulheres. Quanto a aparência física existia um funcionário obeso que era super querido por todos. Quanto a deficientes, havia dois que sempre foram respeitados e não constatei nenhuma forma de preconceito com relação a eles. Portanto, no meu ambiente de trabalho pude perceber que todos eram muito amigáveis e o clima organizacional era muito agradável, todos eram tratados com respeito e consideração (ENTREVISTADA 4). De acordo com as respostas apresentadas, é possível verificar que, nas organizações onde as entrevistadas atuam, os grupos diversos possuem um convívio harmônico e há um tratamento de respeito da organização para com seus colaboradores e clientes. Essa prática propicia um clima organizacional favorável e consequente maximização dos resultados organizacionais. Os grupos diversos relatados estão de acordo com o que Fleury (2000 p. 20) III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1008 define como diversidade, ou seja, ―um mix de pessoas com identidades diferentes interagindo no mesmo sistema social‖. As entrevistadas que atuam em órgãos públicos destacaram que o fato do ingresso ser por concurso público não há como fazer um planejamento da diversidade nas entidades, salvo as cotas para os deficientes que são garantidas nos certames da lei. Por tratar-se de instituição pública a forma de ingresso na Universidade ocorre através de edital, de concurso. Então não há essa descriminação, se assim a gente pode dizer. Existe um percentual que é garantido por lei que um determinado percentual de vagas é para pessoas com deficiências (ENTREVISTADA 1). A entidade onde a Entrevistada 1 atua, preocupa-se com a situação das pessoas com deficiência de forma que as mesmas sintam-se incluída ao ambiente organizacional. Recentemente a Universidade implantou a Secretaria de Acessibilidade. Essa Secretaria tem simplesmente como meta, como objetivo facilitar a acessibilidade e a integração dessas pessoas com deficiência. Não só os alunos da graduação, mas trabalhar também com os professores, que são deficientes visuais, que são deficientes auditivos ou que são pessoas cadeirantes. É facilitar o acesso dessas pessoas à Universidade e fazer com que essa Universidade disponibilize um clima favorável e de respeito às limitações dessas pessoas com deficiência (ENTREVISTADA 1). Percebe-se que as ações de inclusão adotadas pela entidade pública acima referenciada pela entrevistada 1 estão coerentes com as ideias de Thomas (1996 apud FLEURY, 2000) ao enfatizar que a gestão da diversidade favorece nas organizações um ambiente organizacional que possibilite a todos o pleno desenvolvimento de seu potencial na busca do alcance dos objetivos da empresa. Ser favorável à prática da aceitação da diversidade é uma forma de garantir o exercício da cidadania, respeitando e aceitando o ser humano de forma integral, com toda a sua heterogeneidade, multiplicidade e pluralidade. Na entidade na qual você atua há pessoas consideradas obesas? Em caso afirmativo, qual a sua frequência de convívio com essas pessoas consideradas obesas? III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1009 Apenas duas entrevistadas afirmaram trabalhar e ter contato muito frequente com pessoas obesas, as outras duas entrevistadas não trabalham com pessoas obesas, embora convivam socialmente tal gripo de diversidade. A fala abaixo é relativa ao convívio profissional de uma entrevistada com obesos: Na empresa tinham pessoas obesas e eu convivia muito frequentemente com eles. Havia no setor que eu trabalhava uma pessoa considerada de fato obesa no que diz respeito a aparência física em si. Eu convivia frequentemente com ele, até porque como estagiária de secretariado tinha que me relacionar constantemente com todos, em detrimento das características e perfil da minha função. Mas a convivência com ele era maravilhosa, pois ele é uma pessoa fantástica, muito bem humorada, educada e não só eu, mas todos tínhamos uma convivência super saudável com ele. Falo por mim, não via nenhum problema no fato dele ser obeso, apenas me preocupava com a saúde dele, pois percebia que ele tinha um pouco de dificuldade para caminhar e possuía uma respiração bastante ofegante (ENTREVISTADA 4). Você acha que as pessoas obesas tem dificuldade em se relacionar com chefes, pares ou subordinados? As entrevistadas foram unânimes ao responderem que não acreditam que haja dificuldades de relacionamento por conta da obesidade, como pode ser destacado nas falas que seguem: Em geral não, mas depende do caso. Eu acho que o peso não é um motivo para não haver um bom relacionamento tanto com chefe como com colega de trabalho (ENTREVISTADA 3). Eu não acho que as pessoas obesas tenham essa dificuldade. Não considero que o desenvolvimento de relacionamentos interpessoais esteja atrelada a condição de obesidade que uma pessoa possa possuir, creio que as dificuldades em se relacionar esteja ligada às diferenças de personalidade, valores e princípios (ENTREVISTADA 4). As opiniões que foram obtidas nos dois questionamentos acima, demonstram que os obesos inseridos nessas organizações são pessoas habilidosas no relacionamento interpessoal, estando de acordo com Saviani (1997), que defende em sua obra que haja a desvinculação de empatia, extroversão, flexibilidade, da força física, idade ou aparência do profissional. As III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1010 respostas sugerem que os obesos são possuidores de competências que favorecem a existência de uma relação positiva entre os colaboradores e a própria organização. Você acha que as pessoas obesas sofrem preconceito e discriminação? Houve unanimidade ao afirmarem que não percebem discriminação dentro das entidades onde atuam, mas percebem que os obesos passam por diversas situações de preconceito e discriminação de uma forma generalizada: Acredito que sim, porque passam por muitas situações onde os ambientes e as pessoas não estão preparadas para receber e para lidar com pessoas com diferenças físicas, com diferenças culturais, com vários tipos de dificuldades. E os obesos não estão distantes disso. Fora das instituições, num lazer, você encontra dificuldade de acessibilidade ou da estrutura não estar preparada para receber esse tipo de pessoa (ENTREVISTADA 2). Sim, eu acho que as pessoas obesas sofrem preconceito e discriminação. Apesar de eu não ter percebido no setor onde eu trabalhava preconceitos contra obesos, vejo em outros ambientes em que frequento manifestação de desaprovação dos outros com relação a pessoas obesas. Já escutei comentários do tipo: ―como ela se deixou chegar a esse ponto?‖, ― é uma pena, é tão bonita‖, ―será que ele consegue ter uma vida normal como a gente?‖. As pessoas preconceituosas costumam relacionar alguém que seja obesa a imagem de uma pessoa descuidada em tudo, tanto na vida pessoal como na profissional (ENTREVISTADA 4). Já a entrevistada 3 ressalta outra forma de preconceito, que é o preconceito que o próprio obeso pode vir a ter consigo mesmo. Na empresa em que eu trabalho não vejo nenhum fato de discriminação ou preconceito contra obesos, contra pessoas de raça diferente, culturas diferentes, opção sexual diferente. Isso não existe na minha empresa, Graças a Deus! Mas, assim, na sociedade claro que existe, com certeza. A gente vê, às vezes, as pessoas falando na rua, apontando. Eu acho que sempre vai existir na sociedade, esse fato. E, assim, tem um ponto também que eu acho mais crítico ainda que é com relação a própria pessoa sentir preconceito dentro dela mesma. Às vezes o obeso deixa de se divertir, deixa de se relacionar por medo. É como se fosse um medo antecipado da discriminação que ele vai sentir que ele vai passar se fizer certo tipo de coisa (ENTREVISTADA 3). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1011 Sob esse aspecto, vale salientar a percepção de Vergara e Irigaray (2007) que incluem os obesos como parte dos grupos sociais estigmatizados, tornando-se é alvo de discriminação e estresse. Os obesos são estigmatizados pela sociedade e findam como vítimas de várias formas de preconceito e discriminação, conforme pode ser observado nas falas acima. A sociedade não é a única culpada pelo preconceito vivenciado pelos obesos, mas é legítimo afirmar que a sociedade favorece o consumismo imediato e a necessidade de prazer rápido, o que, consequentemente, favorece a obesidade. Essa mesma sociedade que favorece a obesidade simplesmente não tolera pessoas obesas, que findam sendo vítimas de discriminação e preconceitos. A teoria de Ferreira e Magalhães (2011) afirma que a obesidade ainda é vista como sinônimo de preguiça, desleixo, falta de controle, relaxamento, falência moral, má aparência, fraqueza e gula, podendo ser confirmada nas falas das entrevistadas. Isso pode levar a uma não aceitação de sua condição por parte do próprio obeso, desencadeado situações de isolamento social, baixa autoestima, insegurança e problemas psicológicos e sociais. Ser vítima do preconceito e discriminação fragiliza, leva a um isolamento social que pode ser entendido como uma forma de proteção, um escudo, uma defesa antecipada contra sofrimentos psíquicos e morais. Você acha que as pessoas obesas tem dificuldade em entrar ou se manter no mercado de trabalho? As entrevistadas foram unânimes em afirmar que existe dificuldade na inserção de pessoas obesas no mercado de trabalho, principalmente ao que se refere a perfis préestabelecidos de aparência física, especificamente nas empresas privadas, uma vez que nas empresas públicas o ingresso se dar por concurso público. Sim, eu acho que as pessoas obesas tem dificuldade de entrar e se manterem no mercado de trabalho. Creio que elas encontram dificuldades de entrar no mercado de trabalho justamente pela imagem que elas possam passar, de alguém descuidada profissionalmente (ENTREVISTADA 4). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1012 A entrevistada 1 aponta a profissão de Secretariado Executivo como uma profissão onde os obesos estão propensos a serem discriminados por sua aparência física e por isso tem dificuldade de serem inseridos no mercado de trabalho, conforme pode ser confirmado na sua fala a seguir: Percebo que a Universidade precisa intensificar, especificamente quando se diz respeito ao curso de Secretariado Executivo, a forma como a sociedade, como o mercado cobra o Secretário. Eles tem a ideia de que o Secretário Executivo tem que ser aquela pessoa esbelta, bem magrinha, e muitas vezem deixam de ver realmente o cunho profissional. Deixam de observar no curriculum dessa pessoa as qualidades que ela tem para oferecer para a instituição, para o mercado em si, para a empresa em si. Voltam o olhar pra ver se é uma pessoa de aparência boa, que se veste de forma adequada, se tem uma forma de cabelo como o mercado exige, na moda. Acho que a Universidade precisa trabalhar pra superar essa descriminação com relação ao perfil do Secretário Executivo (ENTREVISTADA 1). Também se faz de muita valia relatar a experiência vivenciada pela entrevistada 3, referente a sua inserção no mercado de trabalho como Secretária Executiva, ressaltando sua condição de ex-obesa: Bom, eu acho que o obeso tem sim dificuldade para entrar no mercado. Eu já passei por isso. Eu trabalhei em uma empresa no ramo de hotelaria por dez anos e quando sai fiquei meio perdida, mas fui procurar emprego em outras áreas. Eu fui numa empresa concorrente da empresa que eu trabalho e lá eu percebi que as pessoas enfatizavam muito esse fato de beleza, de aparência física e pouca idade também. Eu senti isso, pelo menos as funcionárias eram todas novinhas, magrinhas, estilo ―Barbie‖. E eu tinha o curriculum perfeito para o que eles estavam querendo: falava inglês fluente. Então tinha o curriculum perfeito. De algum modo, não sei o que aconteceu, nem resposta eu tive, nenhuma resposta eles me deram pra dizer se eu fui contratada ou não. Essa foi a sensação que eu tive. Por outro lado, depois dessa entrevista, eu consegui entrar nessa empresa que eu trabalho agora e foi completamente diferente. Inclusive na época eu pesava quinze quilos a mais do que eu estou agora, eu já era grau de obesidade II, que é o severo, e isso não teve dificuldade nenhuma. Pela minha competência, pelo meu curriculum, eu fui contratada logo depois da primeira entrevista. Significa que a empresa favorece a diversidade e é a favor também da inclusão. Esse fato de eu ser ainda mais gorda não dificultou em nenhum momento que eu fizesse parte da equipe (ENTREVISTADA 3). Elementos ligados à imagem corporal, como roupas, cabelos, idade, moda, foram apontados como fatores relacionados com o mercado de trabalho. Essas informações estão III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1013 consoantes com teoria defendida por Ferreira (2010) que aborda a influencia da aparência física e estética como variáveis determinantes para garantia da inserção e garantia de manutenção no mercado de trabalho. Nenhuma das entrevistadas apontou a limitação física do obeso como fator que possa influenciar sua contratação ou manutenção no emprego. A única característica apontada foi, de fato, a aparência física, confirmando a teoria de Felippe e Dos Santos (2004) ao afirmarem que a obesidade prejudica os sujeitos na disputa por uma vaga no mercado de trabalho. Em relação ao ambiente físico das organizações foi feito o seguinte questionamento: Você acha que o obeso precisa de um ambiente adaptado? Apenas uma entrevistada acha que não há necessidade de um ambiente adaptado, as demais concordam que os ambientes devem ser adequados à condição física dos obesos. A Universidade adequou sua estrutura, em relação a um birô, a uma cadeira mais confortável, de forma que essa pessoa não se sinta constrangida. No caso dos Secretários, as cadeiras de secretária que tem apoio (para os braços, ressalva nossa). Aquilo limita para uma pessoa obesa. Então, a Universidade hoje dispõe de dois tipos de cadeiras, de forma que essa pessoa não se sinta constrangida. Você percebe às vezes que está num local e chega uma pessoa obesa e ela observa se aquele local é confortável, se ela consegue adequar-se aquele espaço (ENTREVISTADA 1). O obeso precisa realmente de um ambiente adaptado para ele, isso não tem nem o que contestar. É uma questão de conforto. Se as empresas adaptam seu mobiliário, sua estrutura para o conforto dos funcionários, o obeso também é um funcionário, então ele precisa que o ambiente seja adaptado para ele também (ENTREVISTADA 2). Sim, eu acho que o obeso precisa de um ambiente adaptado com relação a cadeiras e mesas adaptadas para a condição que apresenta. Ambientes e salas um pouco mais amplos para facilitar a locomoção dos mesmos (ENTREVISTADA 4). Conforme pode ser observado nas falas acima, os obesos precisam de um ambiente estruturado e adequado às suas condições físicas, para que tenham um ambiente confortável e adequado para o desenvolvimento de suas atividades. Como você encara a produtividade das pessoas obesas? III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1014 Quando a produtividade, desempenho e comprometimento de pessoas obesas , eu acho que é igual a de qualquer outro profissional, pois essa é uma questão muito interna, muito psicológica da pessoa (ENTREVISTADA 2). Bom, eu acho que as pessoas obesas são tão capazes quanto as pessoas não obesas. Só que em alguns casos, como eu falei anteriormente, com relação ao preconceito, e que algumas delas tem preconceito com elas mesmas, em alguns casos elas tentam compensar essa falta da aparência física ―perfeita‖, fazendo algumas coisas diferentes. Elas tentam se sobressair, tentando fazer um algo a mais na empresa, tentando agradar mais os colegas, para poder ganhar amizade, justamente para poder compensar essa falta da aparência física que ela mesma sente discriminação (ENTREVISTADA 3). Você acha que contratar pessoas obesas influencia, de alguma forma, no clima e na imagem das organizações? As entrevistadas acham que a imagem das organizações é influenciada positivamente com a contratação de pessoas obesas, conforme segue: A empresa que contrata uma pessoa obesa você percebe que é uma empresa que não é preconceituosa, que é uma empresa que percebe, consegue ver, naquela pessoa, naquele profissional as qualidades dele nos sentido do que ele pode contribuir com a instituição. Uma empresa que coloca no seu quadro uma pessoa obesa, ela só vai ganhar com isso. Até porque ela precisa antes de visualizar sua aparência física, tentar ver, conhecer as habilidades profissionais da pessoa. Isso é que vai trazer um retorno para sua empresa. Isso sem falar que essa empresa vai ser vista de uma forma diferente, por ser percebida como uma empresa que não trabalha com preconceito (ENTREVISTADA 1). Eu acho que influencia de forma positiva. Aí você vai ter certeza de que a empresa contrata pessoas pela capacidades e não pelo tipo físico pré estabelecido (ENTREVISTADA 2). Eu acho que as empresas que são a favor da diversidade, que contratam obesos, que contratam raças, culturas diferentes, opções sexuais diversas, são bem mais vistas na sociedade. O público que vai procurar trabalhar dentro dessa empresa vai saber que vai ser bem tratado, não vai sofrer preconceito e descriminação lá dentro, vai poder mostrar o seu talento, vai poder ser verdadeiro. Não vai ter peso nenhum que impeça a pessoa de receber uma promoção, que chegue a um cargo de diretoria, Por outro lado a empresa leva vantagem, porque não ver a aparência física como impedimento prá conseguir reter os talentos, os melhores talentos do mercado. Tanto a sociedade sai ganhando, como a empresa sai ganhando (ENTREVISTADA 3). Influencia de maneira positiva, demonstrando que a empresa é desprovida de preconceitos ultrapassados e apoia a diversidade de um modo geral. O clima organizacional só será influenciado positiva ou negativamente dependendo do III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1015 comportamento apresentado pela pessoa obesa e não por sua condição física em si (ENTREVISTADA 4). De acordo com os relatos apresentados, a contratação de pessoas obesas ajuda a organização a construir uma imagem positiva junto a sociedade, conforme preconizado por Fleury (2000). Além de torná-las mais inclusivas, com um ambiente de trabalho receptivo a pessoas tradicionalmente discriminadas e estigmatizadas, a imagem da organização repercute nas suas relações com clientes, fornecedores e com a comunidade. Com a globalização, o mercado de trabalho passou a oferecer uma mão de obra mais diversificada em relação a raça, sexo, idade, nível social, deficiências, nacionalidades, religiosidade, opção sexual entre outras característica inerentes aos seres humanos. É urgente e necessário que as organizações desenvolvam a capacidade de lidar com essa diversidade, entendendo que se tratam de pessoas com talentos e competências que podem ser verdadeiros agregadores de valores e um importante diferencial competitivo. As pessoas, com seus talentos e competências são os maiores responsáveis pelo sucesso ou pelo fracasso de instituição. Um ambiente baseado na diversidade tende a ser mais estimulante e produtivo, favorecendo a elaboração de novos projetos e soluções. As organizações que favorecem a prática da diversidade tornam-se conhecidas como um bom lugar para trabalhar, com um ambiente aberto e inclusivo, e consequentemente serão procuradas pelos melhores talentos disponíveis no mercado. 5 Considerações finais A realização desta pesquisa possibilitou o delineamento de algumas reflexões sobre a inserção de pessoas obesas no mercado de trabalho, bem como sobre a imagem das organizações em relação a diversidade de sua força de trabalho. As teorias apresentadas foram de fundamental importância para o entendimento teórico da gestão da diversidade nas organizações, bem como possibilitaram uma melhor visualização da obesidade como fator de impacto na vida dos sujeitos obesos. Com a pesquisa de campo foi possível averiguar a III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1016 opinião de secretárias executivas atuantes em empresas públicas e privadas a respeito do tema proposto. Os resultados denotam que as organizações onde as Entrevistadas trabalham propiciam um ambiente favorável a inclusão de pessoas obesas, demonstrando respeito ao ser humano integral com todas as suas limitações, heterogeneidade, multiplicidade e pluralidade. A pesquisa demonstrou que a obesidade, por si só, não afeta o convício profissional dos obesos com outras pessoas dentro das organizações, sejam superiores, pares ou subordinados. Foi identificado ainda que o preconceito e a discriminação em relação a aparência física do obeso são fatores que podem ter impacto na sua colocação no mercado de trabalho, mais especificamente ao que se refere as organização privadas, uma vez que nas entidades públicas a contratação se dá por meio de concurso público. A profissão de secretariado executivo foi apontada como exemplo de profissão onde é exigido um padrão físico préestabelecido e estereotipado, sempre relacionado com a juventude, beleza, aparência e magreza. Foi percebido ainda que os obesos conseguem desenvolver suas atividades com a mesma produtividade e desempenho das pessoas não obesas, desde que, obviamente, as tarefas não exijam uma condição física específica. Também foi detectado que o obeso necessita de um ambiente adaptado a sua condição física, visando maior conforto e desenvolvimento de suas atividades. Assim, com base no exposto é possível inferir que a pergunta norteadora dessa pesquisa foram respondidas bem como o objetivo proposto foi atingido, uma vez que foi a possível captar a percepção dos entrevistados acerca da prática da diversidade dentro das organizações onde atuam, bem como suas percepções sobre a contratação de pessoas obesas. Referências ALVES, M. A.; GALEÃO-SILVA, L. G. 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In ENCONTRO DA ANPAD, 31, 2007, Rio de Janeiro. Anais. Disponível em http://www.anpad.org.br/diversos/trabalhos/EnANPAD/enanpad_2007/EOR/EORB214.pdf. Acesso em maio de 2013. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1020 EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS, SERVIÇO SOCIAL E INCLUSÃO SOCIAL Área temática: Justiça, Direitos Humanos e Inclusão Social Elvira Simões Barreto47 Katharinne Maria Cezario de Lima48 Mayra ferreira palmeira49 RESUMO: Pretende-se promover uma reflexão em torno dos Direitos Humanos, em particular a Educação em Direitos humanos – EDH-- no âmbito do serviço social. Concebe-se que a EDH é um eixo temático caro à prática profissional do/a assistente social, entretanto, este tema é periférico na formação profissional do/a assistente social. Tudo indica que é importante uma reflexão em torno do que se considera uma lacuna na formação profissional do/a assistente social, na medida em que o Serviço Social possui um Projeto Ético-Político que explicita um compromisso com a justiça social e com o enfrentamento de todas as formas de opressão existentes na sociedade, além de ser uma profissão que lida com a exclusão social em uma perspectiva crítica, que vislumbra a inclusão social e não a integração social, como maneira de favorecer a autonomia e minimizar as contradições existentes na sociedade capitalista, de forma que, todos/as tenham o mesmo nível de acesso aos direitos sociais e aos bens e serviços produzidos pela sociedade. Nesse contexto se situa a Educação em Direitos Humanos como suporte teórico e ético-político como mecanismo que subsidia a inclusão social dos desapropriados de bens materiais e imateriais, tendo uma importância a ser reconhecida na formação profissional. Palavras Chaves: Educação, Direitos Humanos e Inclusão Social. 47 Profª. Drª. da Faculdade de Serviço Social da Universidade Federal de Alagoas. [email protected]/ Contato: (82) 9930-9090 48 Bacharel em Serviço Social pela Universidade Federal de Alagoas no ano de 2013. [email protected] / Contato: (82) 9678-8318 49 Bacharel em Serviço Social pela Universidade Federal de Alagoas no ano de 2013. [email protected] /Contato: (82) 8819-2605 III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1021 Em questão: Direitos Humanos na formação e na prática profissional do/a assistente social A inquietação em torno do escasso debate da educação em direitos humanos na formação profissional do/a assistente social provoca várias buscas ao nos colocar frente às demandas postas no cotidiano da prática profissional nos mais distintos espaços socio ocupacionais. A questão é simples: o Serviço Social é uma profissão que lida com as expressões da questão social 50 nas quais estão intrínsecas as mais distintas exclusões ao acesso a bens – materiais e simbólicos – socialmente produzidos (exclusão social). Significa dizer que, em linhas gerais, o/a assistente social lida com a materialização das mais distintas manifestações de desrespeito aos princípios básicos dos Direitos Humanos. Através dessa compreensão nos voltamos a um estudo que é orientado pela premissa de que os Direitos Humanos, em particular a Educação em Direitos humanos, é um eixo temático caro à prática profissional do/a assistente social, entretanto, este tema é periférico na formação profissional do/a assistente social. Tudo indica que é importante uma reflexão em torno do que consideramos uma problemática, na medida em que o Serviço Social possui um Projeto Ético-Político que explicita um compromisso com a justiça social e com o enfrentamento de todas as formas de opressão existentes na sociedade. Ora, uma profissão que lida com a exclusão social em uma perspectiva crítica, vislumbra a inclusão social e não a integração social51 como maneira de 50 De acordo com Iamamoto (2001, p. 11), questão social é "indissociável do processo de acumulação (capitalista) e dos efeitos que produz sobre o conjunto das classes trabalhadoras (desemprego, fome, pobreza, emigração, etc.), que se encontra na base da exigência de políticas sociais públicas[...] expressa tanto disparidades econômicas, políticas e culturais das classes sociais, mediatizadas por relações de gênero, características étnico-raciais e formações regionais, pondo em movimento as relações entre amplos segmentos da sociedade civil e o poder estatal", como também "envolve simultaneamente uma luta franca e aberta pela cidadania". 51 A inclusão social constitui-se como um processo em que a sociedade se adéqua e encontra maneiras de envolver ―em seus sistemas gerais‖ os sujeitos que, simultaneamente, se preparam para assumir seus papéis na sociedade. Assim, a ―inclusão social constitui, então, um processo bilateral no qual as pessoas, ainda excluídas e a sociedade buscam, em parceria, equacionar problemas, decidir sobre soluções e efetivar a equiparação de oportunidades para todos‖ (SASSAKI, 1997,p. 3 apud, SASSAKI, 1999, p.18). No que concerne a Integração social, esta se refere a inserção dos sujeitos de maneira à adequar-se e preparará-los ao convívio em sociedade. Além de ―pouco ou nada exigir da sociedade em termos de modificação de atitudes, de espaços físicos, de objetos e de práticas sociais‖ (SASSAKI, 1997, p. 3 apud, SASSAKI, 1999, p.15). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1022 favorecer a autonomia e minimizar as contradições existentes na sociedade capitalista. Pretende defender que todos/as tenham o mesmo nível de acesso aos direitos sociais e aos bens e serviços produzidos pela sociedade. E entende que a inclusão social significa adequar a sociedade aos diferentes e que a integração social é a adequação dos sujeitos a sociedade é nesse contexto que se situa a educação em direitos humanos como suporte teórico e ético-político, enquanto mecanismo que incentiva a inclusão social dos desapropriados de bens materiais e imateriais, tendo uma importância a ser reconhecida na formação profissional. A Respeito da Educação em Direitos Humanos É impossível começar a falar sobre Educação em Direitos Humanos (EDH) sem um breve resgate sobre a origem dos Direitos Humanos (DH) e seu lugar na história da humanidade com vistas à defesa da dignidade e a liberdade do ser humano. Nesse contexto podemos destacar a Magna Carta Libertatum em 1215, na Inglaterra , que traz a limitação do poder do soberano durante o feudalismo, quando institui-se as mesmas leis a reger todos/as os indivíduos daquela ordem social, ou seja, tanto o soberano quanto os servos; o Habeas Corpus Act – Inglaterra 1679-- medida judicial destinada a garantir e proteger a liberdade de quem estivesse preso ou ameaçado de prisão; a Constituição Francesa que adveio após a revolução 1789 a defender a Igualdade, a Liberdade e a Fraternidade, resultando no fim da sociedade feudal como diminuição dos privilégios religiosos (COMPARATO, 2005). Podemos perceber que desde as primeiras leis que começaram a ser escritas, no mundo ocidental, já se falavam na defesa do ser humano, assim, a noção de direitos humanos não é algo novo. Contudo, estes direitos não impediram que durante o decorrer dos séculos os seres humanos estivessem livres de sofrer injustiças e/ou opressões, vários acontecimentos de barbárie e brutalidade violaram os direitos já constituídos para preservação da vida humana. Um dos lamentáveis exemplos dessa barbárie foi a 2ª Guerra Mundial (1939-1945), liderada pelo ditador nazista Adolf Hitler, que resultou na perseguição e morte de judeus, homossexuais e todos aqueles/as que fugissem do padrão da raça ariana (raça branca). Este III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1023 cenário tornou-se o estopim para que fosse reconhecida a necessidade de reconstrução do valor dos DH52, como paradigma e referencial ético a orientar a ordem internacional (PIOVESAN, 2003). Tal reconstrução tem como suporte institucional a Organizações das Nações Unidas (ONU), criada em 26 de junho de 1945, quando assinada a carta de São Francisco por representantes de 50 países, trazendo consigo os princípios fundamentais a promoção dos DH e liberdades Fundamentais. Posterior à criação da ONU, os países membros dessa organização sentiram a necessidade de ampliar e consolidar os DH; assim, em 1946 organiza-se a Comissão de Direitos Humanos para tratar dos direitos humanitários no âmbito jurídico, tendo em vista fazer valer e fiscalizar as leis através da criação de projetos e planos a nível internacional para promover e proteger a dignidade humana, sendo ela responsável por criar e globalizar a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) (CARVALHO, 1998). Com a Declaração dos Direitos Humanos a dignidade do ser humano foi posta como ponto central e fundamental para a garantia e preservação da sua liberdade e autonomia, estando nesta - dignidade - o alicerce dos seus princípios, que segundo Piovesan (2003, p.139): trata-se de um ―conjunto de direitos e faculdades sem as quais um ser humano não pode desenvolver sua personalidade física, moral e intelectual‖, ou seja, os DH têm seus princípios e direitos voltados para todas as necessidades do sujeito seja ela civil, política, econômica, cultural ou social para que se viva em plena estabilidade sem ter sua dignidade ameaçada. Para os DH todo indivíduo é detentor de direitos pelo simples fato de se enquadrarem na condição de seres humanos, independentemente da nação a qual pertençam, da etnia, da religião ou do sexo, afirmando que todos são iguais no alcance de direitos por serem cidadãos do mundo e não, seres descontextualizados; afirmação essa que pode ser observada no 52 De acordo com a perspectiva de Barroco(2008) a configuração moderna dos DH representa um grande avanço no processo de desenvolvimento do gênero humano, pois ao retirar os DH do campo da transcendência, os coloca no patamar da práxis, ou seja, das ações humanas conscientes dirigidas à emancipação. Ao adotar os princípios e valores da racionalidade, da liberdade, da universalidade, da ética, da justiça e da política, incorpora conquistas que não pertencem exclusivamente à burguesia: são parte da riqueza humana produzida pelo gênero humano ao longo de seu desenvolvimento histórico, desde a antiguidade (BARROCO) III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1024 preâmbulo da referente declaração, quando ―reconhece a dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis que constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo‖(DECLARAÇÂO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, 1948, p.1). Cabe destaque a Conferência Mundial de DH em Viena, no ano de 1993, momento em que os DH a internacionalização da sua disseminação e defesa, assumidas em documento aprovado por unanimidade, na ocasião, pelos países membros da ONU ali representados. No documento consta uma recomendação explícita para que os países membros da ONU, em suas respectivas nações, ―ponderem a oportunidade da elaboração de um plano de ação nacional que identifique os passos através dos quais esse Estado poderia melhorar a promoção e a proteção dos Direitos Humanos‖ (CONFERÊNCIA MUNDIAL DE DIREITOS HUMANOS, 1993 p. 26). No que concerne aos dispositivos de defesa dos DH, no Brasil, alguns planos foram elaborados para tal fim, como o Plano Nacional de Direitos Humanos – PNDH I (1996), II (2002), III (2009) e o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos I criado em 2003 e reformulado em 2006 (PNEDH). Tanto os dispositivos internacionais quanto os nacionais foram criados para suprir esta necessidade, de disseminação e defesa dos DH, e a forma mais assertiva para alcance deste objetivo foi encontrada na educação. Reconhece-se a educação como um direito fundamental e um caminho para politização, transformação e elevação do nível de conhecimento e consciência do ser humano. Podemos afirmar que, por a educação estar presente na DHUH e legitimada nas constituições federais, a Educação em Direitos Humanos (EDH) é forte aliada no processo de estruturação do sujeito social enquanto indivíduo crítico e propositivo. No documento final da Conferência Mundial de Direitos Humanos de Viena consta que a educação em direitos humanos deve incluir a paz, a democracia, o desenvolvimento e a justiça social, tal como previsto nos instrumentos internacionais e regionais de direitos humanos, para que seja possível conscientizar todas as pessoas em relação à necessidade de fortalecer a aplicação universal dos direitos humanos. Portanto, a EDH não se restringe a III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1025 mera transmissão de informações, mas propõe a transmissão de conhecimento de forma que os sujeitos envolvidos no processo educativo sejam capazes de decifrar a realidade social na qual está inserido, buscando sua autonomia através da luta por seus direitos e busca por sua concretização. A EDH, portanto, detém uma perspectiva de direitos que engloba fatores socioeconômicos e culturais, devendo ser orientada para a desmistificação e desnaturalização das diversas expressões de desigualdades sociais do capitalismo que rebatem, negativamente, nas totalidades sociais nas quais os sujeitos estão inseridos. A educação nessa perspectiva vislumbra conduzir e orientar o desenvolvimento e a transformação do indivíduo para que este tenha plenas condições para mudar seu meio social, favorecendo o desenvolvimento de suas potencialidades no âmbito do direito e da cidadania. Portanto, ―a educação em Direitos Humanos comporta processos socializadores de uma Cultura em Direitos Humanos, que a disseminem nas relações e práticas sociais, no sentido de capacitar os sujeitos (individuais e coletivos) para a defesa e promoção desta cultura‖ (SILVEIRA, 2007 p. 246). Podemos perceber que a EDH, enquanto estratégia de fortalecimento dos DH, é melhor definida e consolidada no Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos em sua versão final em 200653 consolidado como uma política pública, resultante da participação da sociedade civil, 53 Inicia-se o processo de elaboração do PNEDH em 2003, através do Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos – CNEDH—(Portaria n° 98/1993 da SEDH/PR), composto por especialistas, representantes da sociedade civil, instituições públicas e privadas e organismos internacionais. A primeira versão do PNEDH foi lançada pelo MEC e a SEDH no mesmo ano, para orientar a implementação de políticas, programas e ações comprometidas com a cultura de respeito e promoção dos direitos humanos. No ano seguinte –2004-- o PNEDH foi divulgado e debatido em encontros, seminários e fóruns em âmbito internacional, nacional, regional e estadual. No ano de 2005, investe-se na divulgação e disseminação do PNEDH, no sentido de obter contribuições de representantes da sociedade civil e do governo para aperfeiçoar e ampliar o documento. Desdobra-se na criação de Comitês Estaduais de Educação em Direitos Humanos que resulta na multiplicação de iniciativas e parcerias nesse âmbito. A versão final do PNEDH, em 2006, contou com a colaboração de uma equipe de professores/as e alunos/as de graduação e pós-graduação, selecionada pelo Centro de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (CFCH/UFRJ), instituição vencedora do processo licitatório simplificado lançado pela SEDH/PR, em parceria com a UNESCO. A equipe era formada majoritariamente de professores/as da área de Serviço Social --Escola de Serviço Social da UFRJ--, com as atribuições de ―sistematizar as contribuições recebidas dos encontros estaduais de educação em direitos III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1026 [...] fruto do compromisso do Estado com a concretização dos direitos humanos e de uma construção histórica da sociedade civil organizada. Ao mesmo tempo em que aprofunda questões do Programa Nacional de Direitos Humanos, o PNEDH incorpora aspectos dos principais documentos internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário, agregando demandas antigas e contemporâneas de nossa sociedade pela efetivação da democracia, do desenvolvimento, da justiça social e pela construção de uma cultura de paz. (2007, p. 11) O PNEDH apresenta uma proposta de ―projeto de sociedade baseada nos princípios da democracia, cidadania e justiça social; e reforça por meio deste instrumento, a PNEDH, a construção de uma cultura de direitos humanos‖. Norteada por eixos e princípios que englobam a: Educação Básica; Educação Superior; Educação Não-Formal; Educação dos Profissionais dos Sistemas de Justiça e Segurança Pública e Educação e Mídia. Intencionando por meio desse processo o sentido de cidadania ativa54 (PNEDH, 2007, p. 12-3). O plano em discussão apresenta, em sua estrutura, linhas gerais de ação que vão conduzir e estabelecer as ações de Educação em Direitos Humanos (EDH): o Desenvolvimento normativo e institucional; a Produção de informação e conhecimento; a Realização de parcerias e intercâmbios internacionais; Produção e divulgação de materiais; Formação e capacitação de profissionais; Gestão de programas e projetos; Avaliação e monitoramento. Faz-se importante exaltar a importância do sujeito social como promotor da EDH, tendo em vista que, sem a sua sensibilização e engajamento o PNEDH, não seria possível a democratização dos DH. Portanto, para que se alcancem os objetivos esperados, se faz humanos; apresentar ao CNEDH as propostas consolidadas; coordenar os debates sobre as mesmas, em seminário organizado no Rio de Janeiro, e formular uma versão preliminar do PNEDH, apresentada ao Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos‖ (PNEDH, 2007, p. 12). Comitê Nacional se encarregou de realizar a análise e a revisão da versão final do documento a ser submetido à consulta pública via internet e ao final da consulta, uma revisão definitiva do CNEDH, para gerar o documento final em 2006. 54 A cidadania ativa requer a ―participação popular como possibilidade de criação, transformação e controle sobre o poder ou os poderes‖. (BENEVIDES, 2007, p. 20). Por conseguinte, para a concretização da cidadania nesta perspectiva é fundamental o conhecimento dos direitos, a formação de valores e atitudes para o respeito aos direitos e a vivência dos mesmos. É neste cenário, tendo como foco a democracia e os direitos humanos, onde a formação cidadã encontra espaço para ampliar sua atuação e o exercício da cidadania. Em outras palavras, a cidadania ativa surge como ponto de apoio em um possível ciclo de avanços democráticos e de respeito aos direitos humanos (SILVA; TAVARES, 2011, p. 34). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1027 necessário um trabalho conjunto por parte dos profissionais envolvidos nos eixos da PNEDH, dos sujeitos aos quais se destinam, do poder público e das demais categorias profissionais que possam contribuir tanto para que o plano possa ser concretizado, quanto para que os sujeitos se enxerguem como principal motor de seus direitos. Sobre a inserção da Educação em Direitos Humanos na Formação e atuação Profissional do/a Assistente Social Visando expandir e disseminar as possibilidades resultantes da ação da EDH, vários profissionais, podem contribuir e executá-lo em seu fazer profissional cotidiano. Cabe aqui o destaque para o/a assistente social, sobretudo por que, entre outros aspectos, sua estruturação identitária está assim explicitada de acordo com a Lei 8662/93, que regulamenta a profissão de Serviço Social, em seu artigo 4º, expressa que constituem competências do/a assistente social: I - elaborar, implementar, executar e avaliar políticas sociais junto a órgãos da administração pública, direta ou indireta, empresas, entidades e organizações populares; II - elaborar, coordenar, executar e avaliar planos, programas e projetos que sejam do âmbito de atuação do Serviço Social com participação da sociedade civil; III - encaminhar providências, e prestar orientação social a indivíduos, grupos e à população; IV - (Vetado); V - orientar indivíduos e grupos de diferentes segmentos sociais no sentido de identificar recursos e de fazer uso dos mesmos no atendimento e na defesa de seus direitos; VI - planejar, organizar e administrar benefícios e Serviços Sociais; VII - planejar, executar e avaliar pesquisas que possam contribuir para a análise da realidade social e para subsidiar ações profissionais; VIII - prestar assessoria e consultoria a órgãos da administração pública direta e indireta, empresas privadas e outras entidades, com relação às matérias relacionadas no inciso II deste artigo; IX - prestar assessoria e apoio aos movimentos sociais em matéria relacionada às políticas sociais, no exercício e na defesa dos direitos civis, políticos e sociais da III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1028 coletividade; X - planejamento, organização e administração de Serviços Sociais e de Unidade de Serviço Social; XI - realizar estudos sócio-econômicos com os usuários para fins de benefícios e serviços sociais junto a órgãos da administração pública direta e indireta, empresas privadas e outras entidades. Explicita-se no exposto que o serviço social é uma profissão que pode contribuir para expandir o PNEDH, através da EDH, nas suas áreas de atuação por meio das políticas sociais - Saúde, Terceiro Setor, Sóciojuridico, Previdência, Assistência Social e Movimentos Sociais e Setor Privado -, por ser um profissional que se propõe a uma prática político pedagógica regida pelo compromisso com os direitos sociais dos indivíduos demandantes da sua ação profissional. Cabe salientar que tal como é proposto pelo PNEDH, o Serviço Social - através do Código de Ética Profissional - possui como um de seus princípios a defesa dos DH e a politização do sujeito social visando a sua inclusão na sociedade. Podemos a firmar que a EDH e o Serviço social têm princípios55 comuns e que ambos são ao mesmo tempo meios e fins para a conquista de direitos dos sujeitos sociais, fortalecimento de sua autonomia. Desta forma, ambos se constituem como meios necessários de inclusão desses sujeitos na sociedade. O perfil político pedagógico da profissão explicita a possível e necessária reciprocidade da EDH com o serviço social por meio, também, do seu Projeto Ético-Político Profissional, que tem como esteio os documentos legais que legitimam a profissão e que, a partir da década de 1990, passaram a embasar o direcionamento crítico da profissional, sendo eles: a Lei que Regulamenta a Profissão de 1993, o Código de Ética de 1993 e as Diretrizes Curriculares de 1996. Esses deram materialidade e estruturaram um perfil profissional voltado 55 Os cinco primeiros princípios apresentados no Código De ética Profissional do/a Assistente Social : 1. Reconhecimento da liberdade como valor ético central e das demandas políticas a ela inerentes - autonomia, emancipação e plena expansão dos indivíduos sociais; 2. Defesa intransigente dos direitos humanos e recusa do arbítrio e do autoritarismo;3. Ampliação e consolidação da cidadania, considerada tarefa primordial de toda sociedade, com vistas à garantia dos direitos civis sociais e políticos das classes trabalhadoras; 4. Defesa do aprofundamento da democracia, enquanto socialização da participação política e da riqueza socialmente produzida; 5. Posicionamento em favor da equidade e justiça social, que assegure universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais, bem como sua gestão democrática; III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1029 à defesa dos direitos socialmente conquistados, o compromisso com as lutas da classe trabalhadora e uma nova compreensão da realidade social sob a ótica da totalidade, que propicia a apreensão das raízes das desigualdades sociais56. O Código de Ética do Serviço Social de 1993, juntamente com a Lei que Regulamenta a Profissão de 1993 são de grande importância para subsidiar a prática dos/das assistentes sociais, uma vez que trazem os direitos e deveres, as atribuições e competências desse/a profissional na relação para com sua categoria, usuários/as e profissionais de outras áreas, na perspectiva de ―criar novos valores éticos, fundamentados na definição mais abrangente, de compromisso com os usuários, com base na liberdade, democracia, cidadania, justiça e igualdade social‖ (CFESS, 2012, p. 18), além da busca constante pela qualificação intelectual e dos seus serviços. As diretrizes curriculares de 1996 contribuíram dentro do ambiente acadêmico para a consolidação da nova fase para o Serviço Social, foi importante para o fortalecimento da formação crítica desse profissional buscando articular as demandas do mercado e dos usuários a sua formação profissional. A proposta das Diretrizes Curriculares para os cursos de Serviço Social apresenta como eixo central a ―questão social‖ compreendendo que ―a perspectiva é, então, aprofundar a compreensão da ‗questão social‘ como elemento que dá concretude à profissão, ou seja, que é ‗sua base de fundação histórico-social na realidade‘, e que nesta qualidade, portanto deve constituir o eixo ordenador do currículo.‖ (ABESS,1997,p.20-21), ou seja, a formação profissional tem como objetivo capacitar e orientar os profissionais para intervir nas expressões da ―questão social‖. Outra questão, que é materializada através das diretrizes é a consolidação da hegemonia da vertente de intenção de ruptura, que representa a fundamentação da orientação do projeto ético-político profissional (KONNO, 2005, p. 15) . Esses documentos são alicerce para um ―exercício profissional investigativo e formativo, possuidor de dimensões teórico-metodológica, ético-política e técnico-operativa‖ (BACKX, GUERRA e SANTOS, 2012, p. 18), sendo o conjunto dessas dimensões a base 56 A teoria crítica de Marx fundamenta essa compreensão crítica da realidade social, qual seja: as desigualdades sociais são fruto da lógica de exploração e dominação de classe intrínseca ao modo de produção capitalista, em que os proprietários dos meios de produção visam a obtenção da mais-valia – lucro-que só é possível através da exploração da força de trabalho daqueles/as que não são proprietários dos referidos meios . III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1030 para que o perfil profissional do/a assistente social configure-se como de natureza política e pedagógica. Política, pois está vinculado a classe trabalhadora e a um projeto societário que vai de encontro à sociedade capitalista e que tem como prioridade a defesa e politização da classe trabalhadora; pedagógico, pois refere-se a sua atuação direta com os/as usuários/as, exercendo […] uma ação eminentemente ―educativa‖, ―organizativa‖ nas classes trabalhadoras. Seu objetivo é transformar a maneira de ver, de agir, de se comportar e de sentir dos indivíduos em sua inserção na sociedade. Essa ação incide, portanto, sobre o modo de viver e de pensar dos trabalhadores, a partir de situações vivenciadas no seu cotidiano (IAMAMOTO, 2008, p. 40). O perfil político pedagógico do/a assistente social na atualidade assume um desvelar das expressões da questão social, tendo como desafio mais evidente a não efetivação plena dos direitos sociais, provocadas pelas constantes transformações capitalistas no contexto atual da contrarreforma57. Diante da realidade contemporânea, e o/a assistente social profissional vai encontrar na EDH uma estratégia de intervenção para sua ação educativo-política voltada para os sujeitos demandantes da intervenção deste/a profissional. A EDH subsidia uma ação que promova o desenvolvimento da autonomia do sujeito no processo de conquista de direitos e porque não dizer da (re) afirmação da dignidade humana, com vistas à inclusão social. A depender do direcionamento dado pelo profissional em sua atuação e intervenção na realidade social, pode conduzir o/a usuário/a desmistificar a sociedade em que vive e a adquirir autonomia em suas ações, deixando de lado o estigma da sociedade capitalista que dissemina a cultura do indivíduo oprimido e subalternizado que não tem força e nem intelecto para agir por sua própria vontade. Pensando nessa situação, a ideia aqui proposta é ampliar o horizonte no que diz respeito à garantia do acesso aos direitos políticos, econômicos e sociais – uma das 57 Denominadas contrarreformas pelo seu caráter regressivo do ponto de vista da classe trabalhadora. Na realidade, são as contra-reformas do Estado exigidas pelos programas de ajustes macroeconômicos propugnados pelos agentes financeiros internacionais. Behring (2003) utiliza este termo para tratar do processo de "desestruturação do Estado e perda de direitos‖ no Brasil a partir da década de 90 (BEHRING, 2003 apud CORREIA, 2013). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1031 atribuições dos/as assistentes sociais – e que estão garantidos nos DH e, assim, atingir algo muito mais amplo que incorpore a noção de ser humano enquanto sujeito que necessita, além das condições materiais, as condições subjetivas para que desperte e solidifique para algo que ele/a já é de fato – um ser humano dotado de integridade. Através de seu trabalho político educativo, tal profissional poderá proporcionar aos sujeitos demandantes de sua intervenção profissional, não apenas a possibilidade de acesso aos bens e serviços que de forma precária respondem a interesses imediatos, principalmente os de natureza material mas, também - por se tratar de uma necessidade da pessoa humana e que muitas vezes passa despercebida dos objetivos profissionais do/a assistente social atender as necessidades da alma, da subjetividade que levam ao desenvolvimento humano e a emancipação (ABREU, 2008, p. 33). Desta maneira, a função pedagógica do/a assistente social articulado a EDH é aqui reforçada como um recurso para transmitir uma cultura política de direitos para os/as usuários/as, de forma não fragmentada e não setorializada, mas de maneira que, independente da política em que sejam inseridos, esses indivíduos possam tomar consciência sobre a importância da sua participação na conquista de todos os seus direitos de forma íntegra e mobilizadora. É importante essa perspectiva na atuação pedagógica do/a assistente social, como já dito, por ser uma profissão que tem clara a sua posição política de compromisso de classe. Sendo uma profissão caracterizada pela não neutralidade, fica cada vez mais visível a necessidade de uma estreita ligação com a EDH. É notório que a proposta de EDH, no contexto atual, abrange além da educação não formal a educação formal, o que representa uma ampliação do seu espectro. Vejamos que Hoje a educação em Direitos Humanos admite muitas leituras e esta expressão foi se ―alargando‖ tanto que o seu sentido passou a englobar desde a educação para o transito, os direitos do consumidor, questões de gênero, étnicas, do meio-ambiente, etc.. Até temas relativos à ordem internacional à sobrevivência do planeta, de tal modo que pode correr o risco de englobar tantas dimensões que perca especificidade e uma visão mais articulada e confluente, terminando por se reduzir a um grande III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1032 ―chapéu‖ sob o qual podem ser colocadas coisas muito variadas, com os mais diversos enfoques (CANDAU, 2007, p. 403-4). Apesar da ampliação de sua perspectiva, seu alcance é ainda tímido no cotidiano da população brasileira. Destarte é importante registrar que em meados deste ano de 2013 iniciase um inédito processo de mobilização da sociedade civil até então não vista no Brasil, assumindo reivindicações por direitos sociais e políticos. Nesse sentido, não é demais ratificar que a EDH, para além da defesa e direitos não efetivados pelo Estado ou da defesa de mudança cultural no que se refere ao preconceito, deve também estar voltada para a transformação do pensar, do agir e do sentir, no sentido de que os seres humanos se reconheçam como semelhantes que devem ter oportunidades iguais para ampliar-se, tanto no aspecto intelectual quanto no social, político, econômico e cultural. Oportuno se faz destacar três pontos a serem considerados na materialização da EDH, tais como: ―primeiro, ser uma educação permanente, continuada e global. Segundo, estar voltada para a mudança cultural. Terceiro, ser uma educação de valores, para atingir corações e mentes e não apenas instrução, ou seja, não se trata de mera transmissão de conhecimentos‖ (BENEVIDES, 2007, p. 346). Essas três formas de abordar o conhecimento em DH devem se expandir, como frisamos anteriormente, nos espaços da educação formal sendo feita no sistema de ensino, desde a escola primária até a universidade e na educação informal sendo realizada através dos movimentos sociais e populares, das diversas organizações não-governamentais – ONGs – , dos sindicatos, dos partidos, das associações, das igrejas, dos meios artísticos, e, muito especialmente, através dos meios de comunicação de massa, sobretudo a televisão ( BENEVIDES, 2007, p. 347). A orientação de tal autora reforça a ideia que aqui se pretende defender, a de que a EDH precisa sair da periferia da formação profissional do/a assistente social e, consequentemente sair da margem de atuação dos/as profissionais do Serviço Social, em seus diversos campos, expandir-se para além da área educacional e procurar incluir a EDH em III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1033 todos os campos institucionais e nas diferentes políticas sociais em que estejam inseridos, ao ser os DH um dos fios que conduzem aos direitos constitucionalmente garantidos. É necessário deixar claro que a extrema conexão do Serviço Social com os DH acarreta na busca pela EDH como mais uma estratégia para sua atuação, já que é uma área profissional que conta com diversos documentos que sedimentam a sua prática profissional, como já citado, o Código de Ética Profissional, o PNEDH, a Constituição Federal (1998), e no plano ideal da profissão, o Projeto Ético-Político, que se articulam aos DH. São estes documentos que dão concretude para a promoção da EDH no espaço ocupacional desse profissional. A Constituição Federal de 1988, pois garante a legalidade dos DH e coloca o ser humano no centro de seus objetivos. O Código de Ética Profissional de 1993, pois seus princípios exaltam a cidadania e a liberdade dos indivíduos, além da defesa intransigente dos Direitos Humanos. O Projeto Ético Político do Serviço Social, que ―postula no plano ideal o dever ser profissional‖ (SILVA, 2004 p.199) que ―orienta à construção de uma sociedade humana digna e justa‖ (MARTINELLI, 2006, p. 15). E o PNEDH, pois fornece para os/as assistentes sociais e demais profissionais princípios e ações programáticas que dão algumas orientações de como trabalhar com a EDH. A soma desses documentos é imprescindível para os/as Assistentes Sociais, pois somos profissionais cuja prática está direcionada para fazer enfrentamentos críticos da realidade, portanto precisa-se de uma sólida base de conhecimentos aliada a uma direção política consistente que possibilite desvendar, adequadamente, as tramas conjunturais e as forças sociais em presença. Portanto, assim como precisa-se saber ler conjunturas, precisa-se saber ler também o cotidiano, pois é aí que a história se faz, aí é que nossa prática se realiza (MARTINELLI, 2006, p. 14). Com base nas pontuações apresentadas até o momento, não é demais afirmar que é importante ampliar, transversalizar e consolidar a promoção da EDH na formação profissional, no debate acadêmico e na prática cotidiana dos/as assistentes sociais no seu espaço ocupacional, por ser um recurso significativo para reforçar objetivamente o exercício de direitos dos sujeitos sociais, em particular aqueles que são destituídos de acesso a bens (materiais e simbólicos) e a serviços produzidos socialmente, próprio da lógica do capital. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1034 Com a reafirmação da assertiva acima, ratificamos que, com base na Lei 8662/9 que regulamenta a profissão de serviço social , o Código de ética do/a Assistente Social, o Projeto Político-Pedagógico, o Projeto Ético-Político da profissão, fica demonstrado que o serviço social é um lócus privilegiado para a disseminação e consolidação da cultura dos direitos humanos através da EDH. Para tal, é de suma importância a incorporação da educação em direitos humanos na formação profissional dos/as assistentes sociais através da transversalização dessa área temática no Projeto Pedagógico da Profissão. A título de reflexão final A EDH contribui de forma imediata para o auto-reconhecimento dos indivíduos como sujeitos com condições de possibilidade à integridade em situação justa de desenvolvimento enquanto sujeito social. Nesse sentido, indivíduos com direito de terem atendidas suas necessidades como seres humanos, não apenas material, mas também, cultural, intelectual e social e, quando esses virem, seus direitos sendo violados possam encontrar nos DH meios de denunciar e fiscalizar tais violações, podendo, desta forma, se defender e cobrar as devidas respostas. Em sendo o serviço social uma profissão-- de acordo com imaginário identitário profissional dos/as assistentes sociais-- como a de um profissional da justiça social e dos direitos humanos e não apenas como um tecnocrata, na construção de uma sociedade mais humana Faleiros (2012), pode-se deduzir a importância da EDH na formação profissional dos/as assistentes sociais e, consequentemente, na prática cotidiana dessa categoria profissional. Em suma, concebemos que a EDH é uma ponte para os esclarecimentos sobre as condições, as finalidades, os meios, os modos que permitirão a materialização do trabalho do/a assistente social (IAMAMOTO,2007), na medida em que , no nosso ponto de vista, um desafio superar : [...] o mero discurso, por mais elaborado e bem articulado que seja, para assegurar, conquistar ou ampliar direitos, assim como modos preconizado pelo Código de Ética atual — um documento cuja representação é destacada face ao III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1035 atual Projeto Profissional do Serviço Social brasileiro. Diante disso, é oportuno lembrarmos que abstrações nesse campo podem servir para obscurecer a desumanização tão presente, de várias formas, em nosso cotidiano. Essa compreensão nos torna clara a necessidade de não nos permitirmos ser conduzidos à ―armadilha‖ do discurso que proclama valores radicalmente humanistas, mas não é capaz de elucidar as bases concretas de sua objetivação histórica. (IAMAMOTO, 2007, p. 229) Reforçamos a compreensão e a importância do reconhecimento da EDH na formação profissional do/a assistente social, consequentemente na atuação dos/as profissionais do Serviço Social, em seus diversos campos. REFERÊNCIAS ABREU, Marina Maciel. Serviço Social e a Organização da Cultura: Perfis Pedagógicos da Prática Profissional. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2008. BENEVIDES, Maria Victoria. Direitos humanos: desafios para o século XXI. In: SILVEIRA, Rosa Maria Godoy, et al (ORG). Educação em direitos humanos: Fundamentos teórico-metodológicos. João Pessoa: Editora Universitária, 2007. Brasil.Código de Ética do/a Assistente Social. Lei 8.662/93 de regulamentação da profissão. -10ª. ed. rev. e atual. - [Brasília]: Conselho Federal de Serviço Social, [2012]. 60 páginas ―Atualizado em 13.3.1993, com alterações intraduzidas pelas Resoluções CFESS n.290/94, 93/94, 333/96 e 594/11. 1.ASSUNTO I. Título. _______. Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Ministério da Educação, Ministério da Justiça, UNESCO, 2007. BACKX, Sheila; GUERRA, Yolanda; SANTOS, Claudia Monica dos. A DIMENSAO TECNICO-OPERATIVA NO SERVIÇO SOCIAL: DESAFIOS CONTEMPORANEOS. Rio de Janeiro: UFJF, 2012. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1036 CANDAU, Vera Maria. Educação em direitos humanos: desafios atuais. In: SILVEIRA, Rosa Maria Godoy, et al (ORG). Educação em direitos humanos: Fundamentos teóricometodológicos. 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Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1039 ENTRE CAMINHOS EO DIREITO: PERSPECTIVAS EM DEBATE ACERCA DO FENÔMENO POLÍTICO-JURÍDICO DOS DIREITOS HUMANOS Maria Jovilene Pinheiro58 João Adolfo Ribeiro Bandeira59 RESUMO: Com intuito de debater questões pertinentes acerca da forma e estrutura da norma é que se constrói o objetivo do presente trabalho. Utilizando-se do paradigma contemporâneo de justificação e legitimação do Direito – os Direitos Humanos - questiona-se a maneira e repercussão da chamada questões social. Uma análise crítica dos Direitos Humanos, apoiando-se na vertente marxista, compreende que tal fenômeno de representação jurídica (dos Direitos Humanos) é oriundo da função do próprio Direito em manifestar-se como instrumento de manutenção de uma ordem pré-estabelecida e notadamente liberal. Para tanto, faz-se necessária à análise da gênese dos Direitos Humanos enquanto recuo do Estado Nacional, com intuito de proporcionar o desenvolvimento das atividades econômicas liberais, sob o codinome de liberdades individuais e assim, garantir a construção do espectro de cidadania. PALAVRAS-CHAVE: DIREITOS HUMANOS; POLÍTICA; CRÍTICA. INTRODUÇÃO Vive-se em uma cultura que almeja a justiça social baseada na igualdade e equidade de seus respectivos membros, destacando-se o acesso aos direitos que lhes são assegurados e que a seu turno, afirmam à condição de dignidade da pessoa humana por meio dos chamados direitos fundamentais. Essa justiça pode ser entendida como exigência ética da sociedade para que os indivíduos alcancem o bem estar por meio do trabalho e esforço realizados em coletividade. 58 Discente do curso de Direito da Universidade Regional do Cariri – URCA. Telefone (88) 9689-4337 e-meio: [email protected] 59 Docente do curso de Direito – Unidade Iguatu da Universidade Regional do Cariri – URCA. Telefone: (88) 9944-9943. e-meio: [email protected] III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1040 Sabe-se que o modelo jurídico acerca da proteção à justiça social existente é de caráter obrigacional por conta do sistema político e dos convencionais direitos positivos concretizados pelo Estado. Neste sentido, o presente trabalho buscar desenvolver os seguintes problemas: pode-se afirmar que tais direitos são efetivamente garantidos? Até onde o capitalismo interfere na prestação dos referidos? Neste panorama, não há como falar em justiça social sem abordar a questão dos Direitos Humanos, que configuram atualmente a base para a aplicabilidade das normas jurídicas do ordenamento jurídico, definidos por alguns como princípios que resumem a condição de uma existência digna, livre e igual de todos os seres humanos. Tais direitos – os Direitos Humanos – reafirmam-se como paradoxo a ser compreendido, alocados na superestrutura de onde parte os interesses econômicos de uma minoria detentora de poder financeiro e são utilizados por essa classe como uma forma de conter a massa populacional e defender os interesses financeiros da minoria. Diante dessas afirmações, esses direitos são uma garantia de justiça ou configuram um objeto de dominação a favor dos donos do capital? No mesmo sentido segue a inclusão social, está diretamente ligada à justiça social e aos direitos humanos na busca de uma melhor qualidade de vida dos cidadãos na atualidade. Buscando a igualdade material entre as pessoas, mas evidentemente respeitando às diferenças. Assim, o trabalho não tem como objetivo envolver-se com a problemática, mas discutir e induzir reflexões acerca da distância entre teoria e a prática efetiva por meio das políticas públicas na prestação dos direitos sociais, assim como analisar o verdadeiro objetivo dos Direitos Humanos, voltando o olhar sobre sua importância para o alcance da inclusão social. Além desta breve introdução, o texto contém mais cinco seções. Na segunda, apresenta-se uma breve observação das normas constitucionais que asseguram os direitos sociais, assim, como os problemas na atual sociedade voltando o olhar para a interferência do sistema capitalista nesse processo. Na terceira, mostram-se posicionamentos diferentes acerca dos objetivos dos Direitos Humanos. Na quarta, vê-se a questão da inclusão social, seus avanços, os problemas que persistem e dificultam o alcance de uma sociedade que III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1041 verdadeiramente aceite e respeite as diferenças, buscando a oferta de oportunidades no mercado de trabalho e realizações pessoais. E na última, apresentam-se as considerações finais referentes ao assunto. JUSTIÇA E O ABISMO ENTRE SUA TEORIA E PRÁTICA NA ATUAL SOCIEDADE CAPITALISTA Estão no centro da problemática trazida pela eficácia horizontal dos direitos fundamentais, a necessidade de se conformar o princípio da autonomia privada e os demais direitos fundamentais, quando estes são, ali, violados. É certo que não é legítimo, por exemplo, um indivíduo assumir, em contrato privado, a obrigação de doar a outrem todos os seus bens e toda a renda que venha a receber durante toda a sua vida (artigo 548 do Código Civil). Por outro lado, a liberdade contratual e de contratar protegeria o acordo em que essa mesma pessoa se obrigasse a doar apenas um de seus imóveis. No primeiro caso, há supressão substancial do mínimo existencial do contratante; no segundo, não. Sucede que a leitura de nossa Carta Constitucional e da Lei Civil é insuficiente para se extrair a abrangência exata do conteúdo do direito de propriedade, por exemplo. E esse não é um problema pontual. Decorre da adoção majoritária da corrente maximalista dos direitos fundamentais, que, por alargar seu conceito, pugna pela abertura do rol destes direitos. Mas essa ―fluidez conceitual‖ deve ser admitida com cautela, tendo em vista o perigo de se poder fundamentalizar todos os direitos. Por isso, ―não há que se confundir os direitos fundamentais reais com os quiméricos, porquanto a tentativa de uma interpretação muito elástica da fundamentalidade pode desaguar no rasgo dos mesmos direitos‖ (GONÇALVES, 2005, p. 344-345), levando, pois, a uma banalização dos direitos fundamentais. Diante disso, como então se dará a aferição daquilo que é realmente fundamental, se nem as normas constitucionais nem as infraconstitucionais delineiam os contornos mínimos III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1042 dos direitos fundamentais, de maneira tal que se possa pré-estabelecer o que é uma supressão intolerável ou não de um direito fundamental? Para responder este questionamento, é necessário recorrer aos estudos da teoria dos direitos fundamentais sobre o que ali se conhece por âmbito ou núcleo de proteção dos direitos fundamentais. Trata-se de conceito capaz de dissolver os indeterminismos e transformar standards abertos em seguros, especificando, com isso, os fins do direito e incrementando a possibilidade de protegê-lo. Sobre o conteúdo de âmbito de proteção, Gilmar Mendes (2007, p. 13): O âmbito de proteção de um direito fundamental abrange os diferentes pressupostos fáticos ( Tatbestanden) contemplados na norma jurídica( v. g., reunir-se sob determinadas condições ) e a consequência comum, a proteção fundamental. [...] o âmbito de proteção é aquela parcela da realidade (Lebenswirklichkeit) que o constituinte houve por bem definir como objeto de proteção especial ou se quiser, aquela fração da vida protegida por uma garantia fundamental. Alguns direitos individuais, como o direito de propriedade e o direito a proteção judiciária, são dotados de âmbito de proteção judiciária, são dotados de âmbito de proteção estritamente normativo [...]. O âmbito de proteção de um direito fundamental individual é, portanto, aquilo que o ordenamento jurídico reputa ser de importância nuclear para o bom desenvolvimento da vida humana, tanto que é objeto de proteção e regulamentação pelos legisladores ordinários, que conferem garantia e eficácia à norma constitucional. No conceito de âmbito de proteção, identificam-se dois outros: o âmbito de proteção de um direito (Schutzbereich) e o âmbito de garantia efetiva (Garantiebereich) (CANOTILHO, 2006, p. 346). O primeiro, o âmbito de proteção estritamente normativo, representa o recorte jurídico-constitucional ou jurídico-civil de determinado direito. Para tanto, à norma constitucional e à civil cabe definir a medida, a amplitude e a conformação dos direitos individuais, desenhando o conteúdo tradicionalmente extraído daquele bem jurídico. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1043 Paralelamente à definição dos direitos, o legislador promover-lhes-á, necessariamente, restrições, que evidenciarão o segundo contorno jurídico: o âmbito de garantia efetiva, que corresponderá àquilo que merece proteção fundamental, àquele núcleo mínimo inviolável que resta depois de todos os recortes licitamente promovidos pelo ordenamento jurídico. É certo que o processo de delimitação do âmbito de proteção de cada direito fundamental se submete a procedimento próprio, que se dará por um viés sistemático, tendo em conta outros direitos que compõem o rol de valores fundamentais. Todavia, pode-se já afirmar que tal delimitação passará por: a) a identificação dos bens jurídicos protegidos e a amplitude dessa proteção (âmbito de proteção da norma); b) a verificação das possíveis restrições contempladas, expressamente, na Constituição (expressa restrição constitucional) e identificação das reservas legais de índole restritiva (MENDES, 2007, p. 14-15). Observa-se do exposto, que essa delimitação de direitos, depois de sua paragem constitucional, é atribuição precipuamente legislativa: à lei é dado promover concretamente um bem previsto pela Constituição. Sucede que, como já foi afirmado, por vezes, depara-se com casos em que a lei é inadequada para resolver determinado conflito de direitos, ou casos em que ela simplesmente é silente no trato de determinado bem jurídico em jogo. Essa lacuna é então preenchida com o mesmo exercício de delimitação de direitos dirigidos ao legislador, o qual passa a ser útil também para a tutela judicial, quando o direito positivo for insuficiente. Vale dizer, mesmo nestes casos de insuficiência da ordem jurídica infraconstitucional, os mecanismos aqui expostos permanecem úteis. Deles, extrai-se que: o âmbito de proteção estritamente normativo é aquele constitucionalmente previsto, aliado à construção conceitual da teoria dos direitos fundamentais; e o âmbito de garantia efetivo, por seu turno, é o que resulta da promoção parcimoniosa de restrições a estes direitos. De posse, então, das construções conceituais doutrinárias da teoria dos direitos fundamentais e de limites lícitos dirigidos a tais direitos, o operador poderá solucionar os conflitos que a problemática dos direitos fundamentais apresenta: a conformação da III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1044 autonomia privada com outros bens jurídicos fundamentais sobre os quais os particulares transigem. Essa é, portanto, a primeira regra que se põe à determinação da medida em que os direitos fundamentais vinculam os particulares: há que se aferir o âmbito de proteção do direito fundamental da autonomia privada e o âmbito de proteção do outro direito fundamental conflitante (igualdade, dignidade, propriedade, liberdade de expressão, etc). Mas este primeiro critério não é bastante porque depende essencialmente de outro. Se para se chegar ao núcleo mínimo do direito (âmbito de garantia efetivo), há que se subtrair do âmbito de proteção estritamente normativo as restrições lícitas, mister saber que restrições são estas e a que limites elas obedecem. Deve-se analisar, portanto, no segundo momento, as restrições que podem ser promovidas no manejo de um direito fundamental, sem que interfira no seu âmbito de garantia efetiva. É, então, que se passa para o segundo parâmetro objetivo: o estudo dos ―limites dos limites‖ dos direitos fundamentais. Ao falar em justiça, logo se tem a ideia de recorrer ao judiciário para assegurar um direito inerente à pessoa humana. Na condição de representante do Estado, o Juiz age no sentido de aplicar a lei ao caso concreto, e velar pela dissolução do conflito de interesses entre pessoas e bens. Contudo, o conceito de justiça ultrapassa os muros do judiciário e mesmo a alternativa de Direito, essa é apenas parte do que se entende por justiça, é uma segurança para garantir a proteção do mesmo quando for violado. Falar em justiça é também falar em sociedade, em justiça social, ou seja, no compromisso do Estado de compensar as desigualdades que surgem no seio social e assim ofertar condições de desenvolvimento e melhorias na qualidade de vida das pessoas para que essas tenham ao menos suas necessidades básicas supridas. Sobre isso afirma Marcelo Alexandrino (2007, p. 215): Os direitos sociais constituem liberdades positivas de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por objetivo a melhoria das condições de vida dos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1045 Diante da realidade em que se encontra a sociedade brasileira, com o advento do neoliberalismo, um modelo capitalista onde a distribuição de renda ocorre de forma extremamente desigual, percebe-se consequências desastrosas sob o ponto de vista econômico, social, político e ecológico. Presenciam-se, com frequência, violações brutais aos direitos fundamentais em defesa de interesses particulares. Relembrando o posicionamento marxista, o qual se debruçou a estudar o capitalismo e suas consequências conclui que no processo de produção capitalista o homem se aliena ao passo que transfere sua força de trabalho ao capital, onde as relações passam a ser reificadas, ou seja, quantificadas por meio de mercadorias e valor monetário. Tendo como escopo a Constituição Federal de 1998, buscou-se como base para todo o ordenamento jurídico o respeito à dignidade da pessoa humana e a busca pela redução das desigualdades sociais por meio dos direito de segunda geração, principalmente, os direitos genéricos dispostos no artigo 6º da Carta Constitucional, sendo estes: educação, saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção a maternidade e à infância, ale, da assistência aos desamparados. Além desses, encontra-se como direitos sociais o disposto nos artigos 7º, 8º, 9º, 10 e 11. No tocante ao direito à educação, a constituição é clara ao falar em seu art. 205 que aquela é direito de todos e dever do Estado e da família. Já no art. 206 afirma serem alguns de seus princípios a igualdade na condição de acesso e permanência na escola, alem, da garantia no padrão de qualidade. Fazendo referência á prestação da saúde, encontra-se esse direito assegurado constitucionalmente por meio dos arts. 6º e 197, sendo um direito de todos e uma obrigação estatal. Nesse sentido se posiciona Pedro Lenza (2009, p. 758), ao afirmar que: A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido por meio de políticas sociais e econômicas que visem à redução de risco de doenças e outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços de sua promoção, proteção e recuperação. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1046 O direito ao trabalho encontra-se no art. 1º, III da Constituição Federal como fundamento da República Federativa do Brasil, assim, com os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, busca-se alcançar uma existência digna, considerando a possibilidade de desenvolvimento por meio do próprio trabalho, além disso, no inciso VII do art. 170 da constituição, vê-se que a ordem econômica tem como princípio reduzir as desigualdades regionais e sociais; o inciso VIII apresenta o princípio que protege a busca do pleno emprego. Quanto o direito a moradia, todos os entes federados tem competência para promover programas de construção e melhoria das condições habitacionais, direito que foi incorporado aos sociais com objetivo de garantir a dignidade da pessoa humana e uma habitação adequada. O direito ao lazer é encontrado entre os direitos sociais tendo como fundamento a prestação estatal que reflete nas condições de trabalho e qualidade de vida das pessoas. Sobre esse assunto trata também o artigo 217 § 3º da Constituição Federal onde estabelece ser dever do poder público incentivar o lazer como forma de promoção social. Entrega ao repouso e ao divertimento em que ambos exigem espaços apropriados para atingirem seu objetivo, a alegria. Outra prestação que deve ser realizada pelo Estado é a segurança pública, preservação da ordem pública e defesa da pessoa e do patrimônio, mais um direito no rol dos ditos sociais. Por fim, a proteção à infância e aos desamparados faz parte dos direitos sociais. Esta deve ser prestada a quem necessitar independentemente se há ou não contribui com a seguridade social por parte do cidadão, já que esse é direito de todos que deve ser respeitado e efetivado. Inegavelmente, a proteção aos desamparados e a busca pela efetiva justiça social, encontram-se previstos na legislação brasileira. Contudo, vivemos em uma sociedade capitalista, sistema que trouxe inúmeros avanços tecnológicos, mas a pobreza continua a existir, e os esforços que os Estados dizem fazer não estão sendo suficiente. A educação se torna universal ao passo que o analfabetismo e a evasão escolar caem vagarosamente. O atendimento a saúde e a população carente continuam falhos e precários. O número de favelas se multiplica e o desemprego só aumenta, ao passo deste a criminalidade também, pois se não possuem trabalho, expectativa de melhores condições de vida, se a assistência estatal não é III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1047 prestada, ou é, mas de forma insuficiente, procuram esse caminho encontrar uma maneira suprir suas necessidades ou mesmo por revolta diante das condições absurdas em que se estão. Percebe-se um grande abismo entre a garantia legal dos direitos sociais e sua efetivação na sociedade, principalmente em uma sociedade capitalista onde o acumulo de riqueza concentra-se nas mãos de pouquíssimas pessoas e que é repassado para o Estado à função de prestar direitos básicos que os baixos salários dos trabalhadores não são capazes de assegurar. DIREITOS HUMANOS: GARANTIA DE JUSTIÇA OU PRIVILÉGIO DE UMA CLASSE? Há divergência de posicionamento entre os estudiosos acerca da finalidade, do objetivo do surgimento dos Direitos Humanos. De um lado, encontram-se aqueles que defendem o caráter protetor dos referidos direitos, afirmam que estes possuem o objetivo de garantir a dignidade da pessoa humana e condições adequadas para sua existência. Contudo, de forma absolutamente diversa, vê-se aqueles que defendem que os Direitos Humanos surgiram para proteger os interesses capitalistas de uma minoria da população, aquela que detém o poder financeiro, além de conter os integrantes da base, ou seja, aquela maioria que não possui bens. DIREITOS HUMANOS COMO GARANTIA DE JUSTIÇA Os denominados direitos humanos às necessidades essenciais da pessoa humana, definidos como aqueles que determinam que o Estado assegure ao cidadão políticas públicas que afirmem a liberdade do indivíduo e torne mais forte a democracia. Nesse sentido, os direitos humanos foram declarados com o intuito de proteger os indivíduos contra a arbitrariedade do Estado, garantido a cidadania e o respeito na sociedade a qual pertencem. Pode-se definir Direitos Humanos como princípios que resumem a concepção de uma vida livre e igual para todas as pessoas. Com isso, muito se discute sobre a necessidade do respeito III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1048 e efetivação dos referidos direitos para garantir uma vida digna para todos os povos. Sobre isso Fleiner (2003, p.20) faz interessantes considerações: O mais elementar direito é o direito que cada indivíduo tem de viver, de desenvolver-se, residir, trabalhar, descansar, informa-se, conviver com outras pessoas, casar-se e educar os filhos, com todos os outros no lugar em que se encontra. Nesse sentido, Direitos Humanos seriam válidos para todos os homens, independente do contexto social estão inseridos. Estes tomam por base o homem e sua dignidade, são direitos não necessariamente definidos por norma jurídica, seria assim, os direitos morais, jurídicos e que se orientam por meio de experiências axiológicas, afirma Sampaio (2004, p.8) que: Assim, ―direitos humanos‖ seriam os direitos válidos para todos os povos ou para o homem, independente do contexto social em que se ache imerso, direitos, portanto, que não conhecem fronteiras nacionais, nem comunidades éticas específicas, porque foram afirmados – declarados ou constituídos a depender da visão dos autores – em diversas cartas e documentos internacionais como preceitos de jus cogens a todas as nações obrigar, tendo por começo exatamente a Declaração Universal de 1948(dimensão internacionalista dos direitos humanos). Também ―humanos‖ ou ―do homem‖ seriam aqueles direitos definidos não tanto por uma norma positiva de um tal ordenamento jurídico, interno ou mesmo internacional, mas sim pela concepção de ―homem‖ que se adote como fonte ou como valor, pelo seu referencial axiológico que se impõe a toda e qualquer ordem jurídica, imaginada pelos Modernos como ―direitos morais‖ e ―sedimentações da consciência e da experiência históricas, axiológicas e jurídicas do homem‖ que não há de fundamentar os sistemas jurídicos concretos (dimensão filosófica dos direitos humanos). Direitos Humanos seriam conquistas alcançadas ao longo das lutas populares e reconhecidas internacionalmente, sem necessidade de estarem ligados a uma ordem jurídica específica. São todas as necessidades básicas para o ser humano viver em sociedade e assim pressupõe uma indivisibilidade dos mesmos, ou seja, seria uma forma de pensar na integralidade dos direitos humanos, visto que não se pode falar em direito a participação ativa e de qualidade na política se o sujeito não teve acesso à educação, como falar em dignidade se III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1049 o individuo não tem moradia, saúde, possibilidade de se inserir no mercado de trabalho, com isso, não se pode alcançar uma vida verdadeiramente justa sem a integralidade desse direitos. Nessa linha de entendimento os direitos humanos são entendidos como universais, recorríveis por todas as pessoas, tratados igualmente e de modo justo de acordo com a realidade social de cada pais ou região. Comparato (2006, p.67) aduz: Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, independentes e interrelacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos globalmente, de modo justo e equitativo, com o mesmo fundamento e a mesma ênfase. Levando em conta a importância das particularidades nacionais e regionais, bem como os diferentes elementos de base históricos, culturais e religiosos, é dever dos Estados, independentemente de seus sistemas políticos, econômicos e culturais, promover e proteger todos os direitos humanos e as liberdades fundamentais. DIREITOS HUMANOS COMO PRIVILÉGIO DE UMA CLASSE Não há como estudar essa visão acerca dos Direitos Humanos sem avaliar o que dizia o filósofo Karl Marx sobre o assunto. Segundo ele, os direitos acima mencionados colaboram para assegurar o poder político e econômico nas mãos de uma minoria diante das liberdades individuais perante o Estado. Assim, fazem parte de uma superestrutura surgindo para controlar as classes desfavorecidas e defender os interesses dessa minoria. Essa seria a divisão entre as classes, ou seja, uma detentora dos meios de produção e do poder financeiro e outra que só possui a força do seu trabalho para vender, e ao passo que aliena seu trabalho, aliena-se também. A divisão entre as classes se dá por meio do capitalismo, sistema em que a burguesia, classe dominante, utiliza os direitos humanos como instrumento de conquista da emancipação política em que a liberdade de um indivíduo implica à limitação da liberdade de outros indivíduos. Com isso, o que houve foi uma mudança de nome, o que antes era chamado de privilégio passou a se chamar Direito. O Estado, nesse contexto, seria uma expressão dos interesses particulares e as normas jurídicas, a regra de conduta que surge da ideologia dominante e tem a função de controlar as ações da base, da infraestrutura, da grande massa populacional que enfrentam as dificuldades e as diferenças sociais geradas pelo atual sistema. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1050 Segundo o autor, o Direito é instrumentalizado, servindo como parâmetro de exigibilidade, se apossa da ideia de emancipação política sendo uma forma de maquiar sue verdadeiro objetivo que é a busca de maior liberdade do direito a propriedade. Por meio dessa forma de dominação as relações sociais passam a ser reificadas/coisificadas, ou seja, medidas através das relações econômicas, do capital, da produção. Portanto, a referida emancipação política não passa de interesses econômicos e os direitos humanos na verdade conduzem a falsa dignidade, a uma ilusão da mesma, pois a liberdade individual é limitada em nome da proteção a ordem social. Então, os direitos humanos não estariam diretamente ligados a ideias humanísticas, mas são medidas do capitalismo que buscam ampliar as forças desse sistema e maquiar as injustiças, assim fazem com que os cidadãos aceitem e respeitam os acima citados. METODOLOGIA Fez-se o cruzamento de duas linhas de pesquisa: a vertente jurídico-teórica ou epistemológica e a jurídico-dogmática. A abordagem se deu pelo método dedutivo, de tal modo que partiu de questões gerais para analisar questões dotadas de maior grau de especificidade. Usou-se o método interpretativo, para extrair o entendimento que a doutrina traz acerca do tema. O método histórico também albergou o entendimento às mudanças políticas e sociais, operadas desde o século XVIII, influenciaram na origem e na evolução do tema. A investigação se deu via pesquisa bibliográfica, documental e de legislação, buscando em materiais disponíveis para estudos, como manuais, obras teóricas e revistas especializadas, sítios na internet, e em leis e jurisprudências informações necessárias para que se alcançasse o fim deste trabalho. Além de utilizar-se do método dialético para induzir a críticas, reflexões e debates acerca do assunto em estudo. Já que se apresenta como um algo de relevante interesse e importância dentro da atual sociedade repleta de conflitos e desigualdades que acarretam problema e injustiça social. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1051 CONSIDERAÇÕES FINAIS Sabe-se que esse assunto é capaz de gerar inúmeras discussões e requer aprofundamento e estudo, contudo, conclui-se que o Brasil é um país de contrastes econômicos e sociais. Enquanto algumas regiões ou mesmo cidadãos vivem em uma condição de conforto e desenvolvimento econômico, a maioria da população enfrenta problemas absurdos, convivem com a miséria e falta de assistência por parte das políticas públicas, mesmo sendo sua obrigação às prestações positivas, não são efetivamente ofertadas a todas de forma igualitária. No referente aos Direitos Humanos, retomando ao questionamento feito na introdução, não se pode admitir que sua função, seu objetivo seja de dominação, conter a grande massa populacional e defender a ideologia da classe financeiramente dominante, mas vai além, surge nas relações de base, na convivência interpessoal e é o meio pelo qual se alcança a libertação humana, essa não é apenas uma liberdade de atuação perante o Estado, mas uma libertação da sua dominação, da imposição de uma vontade unilateral por meio do poder soberano em defesa dos interesses da classe detentora de poder econômico. Sendo assim, esses direitos podem ser considerados como possibilidade de alcançar uma existência pautada na dignidade da pessoa humana, e concretização de efetivo respeito às pessoas e assistência às suas necessidades buscando melhorar a qualidade de vida e beneficiar a sociedade como um todo. Não há dúvidas que o sistema possui uma distribuição de renda extremamente injusta e desigual, além de não possuir uma forma adequada de assistência à população, contudo, não se pode aceitar que o homem se faça vítima do sistema social e não aja em contradição ao mesmo, Ele deve ser levado à ação efetiva na realidade social ao passo que é convocado por meio dos movimentos revolucionários e reivindicatórios em busca da verdadeira justiça social, porém, não esperando que outros façam, acreditando ser papel apenas do Estado, mas agir diante da consciência dos erros, falhas e injustiças apresentados no atual contexto social. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1052 REFERÊNCIAS : ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito Constitucional Descomplicado. Rio de Janeiro: Impetus, 2007. BELLO, Enzo. (org.), Ensaios críticos sobre Direitos Humanos e Constitucionalismo. 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Acesso em set 2013. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1054 ETHOS MUNDIAL: PRINCÍPIO ÉTICO DA COLABORAÇÃO E SOLIDARIEDADE NO PROCESSO EDUCATIVO SEGUNDO O PENSAMENTO DE HANS KÜNG Teogenes Pereira de Brito60 RESUMO O interesse maior neste trabalho é apresentar a busca contínua e constante de sentido existencial pelo homem, a partir de uma abordagem sobre a importância de relacionamentos tolerantes, de consciência crítica diante da realidade social, onde predominam a mentalidade e a colonização do capitalismo, da globalização, na qual percebemos a forma como estes fenômenos influenciam no desenvolvimento social e psicológico da pessoa humana e, quais as consequências frente à religiosidade dos povos entre as mais diversas religiões universais. As civilizações ou grupos humanos se organizam em torno de um núcleo ético-mítico que se traduz em valores fundamentais do grupo. É exatamente essa realidade periclitante que torna urgente e necessária uma conscientização de todos para um caminho de comunhão e de comum-unidade entre as religiões. Por isso, receberemos muito do filósofo e teólogo Hans Küng, fundador do ―Projeto para uma Ética Mundial‖, a qual perpassa todos os contextos socioculturais e religiosos. A ideia é tecer uma autêntica reflexão no campo da Filosofia da Religião visando o despertar de ações de respeito e tolerância na vivência da religiosidade entre os povos e nações. Colocamos o real desafio da Educação em ser ponto de referência para o contínuo e constante diálogo entre as religiões e culturas diversas e mundialmente aceitas. A ética reúne em si o relacionamento social, o relacionamento cultural, o sócio-econômico e, também, e não menos importante, o relacionamento religioso. Palavras-Chave: Ética – Educação – Solidariedade – Religião – Filosofia. INTRODUÇÃO Respeito pelo homem! Respeito pelo homem! Eis o brado de alarme de Saint-Exupéry; mensagem imorredoura, mesmo depois de ter desaparecido na morte o seu autor. É sobre o 60 Graduação em Licenciatura em Filosofia pela Faculdade São Bento da Bahia. Professor da Escola Estadual de Educação Profissional Otília Correia Saraiva. E-mail: [email protected] III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1055 respeito pelo homem que se fundam todas as relações. Perdido este respeito pelo homem, perde-se as possibilidades de estabelecer relações; perde-se a única felicidade real que podemos gozar neste mundo; porque o ―verdadeiro prazer é o prazer de conviver‖. Sem o respeito e a consciência ética a humanidade transforma-se em alcatéia de lobos. Interessa-nos neste trabalho, colocar a importância de relacionamentos tolerantes, de consciência crítica diante da realidade social, onde predomina a mentalidade e a colonização do capitalismo; perceber de qual forma este influencia no desenvolvimento e quais as consequências frente à religiosidade dos povos entre as mais diversas religiões universais. As civilizações ou grupos humanos se organizam em torno de um núcleo ético-mítico que se traduz em valores fundamentais do grupo. Exatamente, isso que torna urgente e necessário uma conscientização de todos para um caminho de comunhão e de comum-unidade entre as religiões. Por isso, receberemos muito do filósofo e teólogo Hans Küng fundador do ―Projeto para uma Ética Mundial‖, a qual perpassa todos os contextos sócio-culturais-religiosos. Na primeira parte, situaremos sobre o que já foi dito, composto e validado no que tange a este projeto de uma ética que perpassa as religiões, possibilitando que estas conservem mais o que as une e descartem o que as separa. Na segunda parte, colocamos o real desafio da Educação em ser ponto de referência para o contínuo e constante diálogo entre as religiões. A ética reúne em si o relacionamento social e também o relacionamento religioso. Concretamente, importa a reflexão iniciada, pois vislumbra-se um caminho que se faz acreditando, dado que o processo para uma Ética Mundial é lento, mas jamais impossível. Esse respeito pela dignidade de cada ser humano encontra-se formulado, de maneira clássica, na clássica frase da Filosofia Medieval: volo ut sis - Quero que existas. Em três palavras, é resumida toda a nossa relação para com o próximo. Antes de falarmos em caridade (palavra que tantas vezes soa não sincera e falsa), devemos adotar a atitude básica de justiça. O direito primário de cada pessoa humana, direito que antecede todas as leis e que não é comunicado pelo país, pelo estado, pela sociedade ou pela Igreja, mas pelo próprio Deus: É o direito de existir. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1056 FONTES ECUMÊNICAS PARA O ETHOS MUNDIAL As grandes e rápidas mudanças pelas quais está passando a nossa sociedade, sobretudo nos últimos cinco anos, estão exigindo uma perspicácia filosófica, teológica e ética capaz de respaldar com adequação o ser humano hoje, diante dos novos desafios emergentes. Este processo tem larga e profunda repercussão no campo ético-moral, hoje debilitado quer por uma diluição de referenciais, quer por um fenômeno de fragmentação consensual. Isto compromete e fragiliza a existência de uma base comum de evidências coletivas para o convívio social. Cria-se, assim, uma situação de crise de paradigmas. Esta crise de paradigmas, analisadas em suas raízes ético-morais, revela-se capaz de nos desestabilizar em nossa base mais profunda, o ethos, onde justamente se tece a base comum de evidências primitivas em nosso modo próprio de viver. Desse fundo ―arqueológico-social‖ é que vai depender a base consensual para a percepção, avaliação e ação, necessárias para o bem viver. Hoje, nós vimos de fato uma ruptura da unidade primitiva, tanto no ser humano quanto na sociedade. Assim, os comportamentos assumidos não são mais um consenso. Imperativos diferentes, até contraditórios, tornam-se manifestos. Facilmente fazemos a experiência do arbitrário e duvidoso. Observando a sociedade em pleno momento de globalização, aparece-nos (este momento) como fruto de um sonho da modernidade de emancipação, o qual buscava uma sociedade mais justa, mais fraterna e mais igualitária. Isso faz-nos lembrar do tema central da Revolução Francesa (século XVII), o qual, paulatinamente, se espalhou por todo o mundo e de forma direta ou indireta teve grande importância e influenciou o conjunto das concepções ocidentais de sociedade e, por assim dizer, da convivência humana. Ao ―cantarolar‖ dos anos e, mesmo, dos séculos, não nos foi possível ver a concretização efetiva do ideal moderno. Pelo contrário, pudemos, sim, ver a proposta ser plenamente aniquilada nos anos 40, com a eclosão da II Guerra Mundial, com os campos de concentração e extermínio, sem falar da forma violenta e da brutalidade com que as pessoas – o(s) Outro(s) – eram eliminadas em nome de uma ideologia (conseqüência da ontologia), de ―a raça pura‖. Desse modo, damos a palavra a Marilena de Souza Chauí, no seu livro: Convite à Filosofia (2003), que nos indica, III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1057 ainda que dentro de uma síntese, o momento especial do século XIX, deixando assim uma inquietude para possível resolução no século seguinte. O século XIX produziu uma tradição filosófica que vem desde a antiguidade e que foi muito alimentada pelo pensamento cristão. Nessa tradição, o mais importante sempre foi a idéia do infinito, Isto é, a natureza eterna (dos gregos), o Deus eterno (dos cristãos), o desenvolvimento pleno e total da história ou do tempo como totalização de todos os seus momentos ou suas etapas (como na filosofia de Hegel, por exemplo). Prevalecia a idéia de todo ou de totalidade, da qual os humanos fazem parte e participam. No entanto, a filosofia do século XX tendeu a dar maior importância ao finito, isto é, ao que surge e desaparece, ao que tem fronteiras e limites. Esse interesse pelo finito apareceu, por exemplo, numa corrente filosófica (entre os anos 1930 e 1950) chamada existencialismo que definiu o humanismo ou o homem como ―um ser para a morte‖, isto é, um ser que sabe que é temporal e que termina, e que precisa encontrar em si mesmo o sentido de sua existência 61 O alarme sobre as dinâmicas mais perigosas e devassantes da nossa condição histórica remonta ao final da segunda guerra mundial, especificamente na tomada de consciência do potencial destrutivo mostrado não só nos acontecimentos bélicos convencionais, mas, também, no Holocausto e, sob outro ângulo, no bombardeamento atômico de Hiroxima e Nagasaki. Desde então impressionou, acima de tudo, a desproporção entre a forças destrutivas tecnologicamente disponíveis e a precariedade da consciência moral dos indivíduos, dos povos, dos governos, das religiões. ÉTICA MUNDIAL E COMPAIXÃO O debate sobre a existência e a validade de uma ética mundial vem se desenrolando há alguns anos e foi desencadeada pela Declaração sobre ética global62. Tal declaração nasceu do Segundo Parlamento das Religiões Universais, realizado em 1993 na cidade de Chicago com o objetivo de celebrar o centenário do Primeiro Parlamento e propiciar um encontro entre os representantes das religiões universais a fim de discutirem os problemas mundiais. 61 Marilena de Souza Chauí é professora de Filosofia na Universidade de São Paulo e uma das mais prestigiadas intelectuais brasileiras, com presença atuante no debate político nacional e na construção da democracia brasileira. São freqüentes os seus artigos na imprensa, bem como sua participação em congressos, conferências e cursos, no país e no exterior. 62 Declaração do Parlamento das Religiões do Mundo. (www.comitepaz.org.br/religiões). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1058 A Declaração sobre ética global, também conhecida como a Carta magna de uma ética universal da humanidade63, é o primeiro documento nesse gênero em toda a história das religiões. A Declaração nasceu das ideias esboçadas do filósofo e teólogo ecumênico Hans Küng e da consulta a mais de 20 peritos das várias religiões. É necessário dizer que as ideias se ancoravam no Projeto Ethos Mundial de Hans Küng e nas muitas contribuições e críticas que recebeu a partir de sua apresentação. Hans Küng nasceu em 1928, em Sursee, Suíça. Estudou Filosofia e Teologia de 1948 a 1955 na Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma-Itália. Recebeu a ordenação sacerdotal em 1954. Em 1955 estudou na Sorbone e no Institut Catholique, em Paris-França. Doutorouse em Filosofia e Teologia em 1957. De 1957 a 1959 trabalhou na pastoral na Hofkirche, em Lucerna. Em 1960 tornou-se professor da Universidade de Tubinga, assumindo a cátedra de Teologia Fundamental. O Papa João XXIII nomeou-o, em 1962, perito oficial do Concílio Ecumênico Vaticano II. É autor de muitos livros, co-editor de diversas revistas e Doctor Honoris Causa de vária universidades. Os pontos convergentes da argumentação de Hans Küng foram a íntima ligação entre ética global, direitos humanos e paz mundial. Ao associar os direitos humanos às religiões universais, Hans Küng foi duramente criticado, pois o humano fora instituído como critério ecumênico da verdade. O que na Declaração deixou transparecer tal fato foi a exigência básica feita por Hans Küng: ―Todo ser humano tem de ser tratado humanamente‖64. A questão dificultaria o diálogo entre as religiões porque, na visão de alguns representantes parecia que tal conceito de ética seria construído numa visão cristã ou ocidental, o que gerou a célebre frase de Hans Kung: ―Não há sobrevivência sem ética global. Não há paz global sem paz entre as religiões. Não há paz entre as religiões sem diálogo entre as religiões‖65. Dessa forma, a palavra diálogo passou a ser um conceito central da nova percepção das outras religiões. O que ocupava o lugar central não eram mais as disputas teológicas, mas a comum superação 63 HASSELMAN, C., ―Declaração sobre ética global de Chicago 1993‖, in CONCILIUM N. 292. DEZEMBRO DE 2001. 64 Declaração do Parlamento das Religiões do Mundo (cf. parágrafo 2). 65 HASSELMAN, C., ―Declaração sobre ética global de Chicago 1993‖, (pág. 31-32). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1059 dos problemas que unem as religiões. Em 1° de setembro de 1997, com a publicação da proposta de uma Declaração universal dos direitos humanos66 pelo Inter Action Council, a exigência de uma ética global encontrou eco. Tanto a declaração do Parlamento das Religiões como também a do Inter Action Council repousam sobre duas exigências básicas da condição humana, ou seja, toda pessoa, seja qual for o seu sexo, sua origem étnica, sua língua, idade, nacionalidade ou religião, tem o dever de tratar todas as pessoas humanamente; o que não quiseres que te façam, não faças também aos outros. O escopo da Declaração sobre ética global é o compromisso de todas as religiões de obedecer a um fundamento comum, cujo núcleo é constituído pelos quatro grandes mandamentos do gênero humano: 1. Não matar: uma cultura da não-violência e do respeito perante a vida; 2. não furtar: uma cultura da solidariedade e uma justa ordem econômica; 3. Não mentir: uma cultura da tolerância e uma vida na verdade; 4. Não fornicar: uma cultura da igualdade de direitos e da parceria entre homem e mulher. Assim, viveremos em harmonia e esperanças crescente de dias promissores para todo o gênero humano. Hans Kung afirma: ―Quem quer que deseje o mercado global tem que querer também uma lei da ordem política, uma ordem global do mercado. O fenômeno da globalização econômica torna claro que deve haver uma globalização também no tocante à ética. Qualquer um que deseje esta lei geral do mercado tem que querer também, ou mesmo que pressupor, uma ética global‖67. A questão da ética global não diz respeito só à economia, mas também a todas as esferas da vida humana (da genética à física atômica), que constituem, em seu todo, um desafio comum e urgente a todas as religiões universais. Essas religiões podem escolher caminhar em duas direções: continuará a, contínua e constante, disputa pelo poder entre si ou 66 KÜNG, H. ―Empresas globalizadas e ética global‖, in CONCILIUM N. 292(4), dezembro de 2001. Também conhecida como ―Declaração universal das responsabilidades humanas‖. 67 KÜNG, H. ―Empresas globalizadas e ética global‖, in CONCILIUM N. 292(4), dezembro de 2001. Também conhecida como ―Declaração universal das responsabilidades humanas‖. (cf. p. 110-111). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1060 então usar de sua sabedoria ética, complementando-se e apoiando-se mutuamente, e envolvendo também as pessoas sem religião. CAMINHAR PARA A SOBREVIVÊNCIA HUMANA Mais que o complemento de uma ética da dignidade humana, a compaixão deve ser o princípio norteador do agir ético. Não se pode deixar de considerar que a palavra compaixão, em nosso meio, está muito desgastada e tem forte conotação sentimental. Por esse motivo, somos chamados a reconstruir o verdadeiro sentido desse conceito. Se os animadores vocacionais fossem abrir mão de uma linha de trabalho só porque o conceito de vocação, ao longo dos anos e ainda hoje, ficou restrito a apenas um aspecto profissional ou a duas vocações específicas (presbítero e vida religiosa), todo desenrolar da atuação de tantos animadores e animadoras vocacionais da Igreja Católica no Brasil, no despertar e animar as várias vocações e ministérios, não estaria acontecendo. Esse paradigma, ora apresentado na Igreja Católica, aplica-se a tantas outras grandes religiões mundiais. O princípio da compaixão deve levar o ser humano, nesse tempo de globalização e de profundos avanços tecnológicos, a tratar ―o humano humanamente‖, em toda a abrangência de sua vulnerabilidade. Tratar o humano humanamente é postura que exige profunda mudança de mentalidade e das formas de relação que, hoje, são continuamente transformadas pela relação ser-objetoinstrumento. Os instrumentos exercem grande influência na cultura e esta acaba por ser delineada por eles, ou seja, pela tecnologia. O ser humano é o único capaz de manipular os objetos e instrumentos dando-lhes imensa gama de significados e interações, de modo que corre grande risco de instrumentalizar a si mesmo e os seus semelhantes. Para que tal necessidade seja colocada como foco principal de questões vindouras, O teólogo Hans Küng coloca-nos um forte e abrangente questionamento: Quem melhor do que as grandes religiões mundiais estaria hoje em condições de mobilizar milhões de pessoas para uma ética mundial? Mobilizar formulando objetivos éticos, apresentando idéias morais orientadoras e motivando racional e emocionalmente os homens para que as normas éticas sejam também vividas na III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1061 prática?68 Quando, no segundo Parlamento das Religiões Universais, buscou-se o consenso de um ethos global, um grande passo foi dado, pois assim as religiões universais não se puseram á margem das novas questões impostas pela tecnologia à teologia. A tecnologia criou novos sentidos e significados, e a Teologia elabora seu trabalho com base nesses dois elementos. Portanto, a teologia deve se debruçar na busca de nova interpretação de sua mensagem central: a compaixão de Deus. Se o labor teológico não se ancora na razão anamnésica, deixará de ser uma teologia com o rosto voltado para o mundo, como também correrá o risco de deixar de lado sua base, a tradição bíblica, anamnésia por excelência. É de fundamental importância que o debate aberto com a Declaração sobre ética global não fique restrito aos meios acadêmicos ou a alguns líderes religiosos. O debate poderá permear sempre mais o cotidiano e a vida do povo, proporcionando uma consciência crítica e sensível a ponto de poder viver no dinamismo de uma razão anamnésica que gere compaixão e vice-versa. A conseqüência natural será a transformação da realidade, como também o cosentir se radicará, ainda mais, como elemento constitutivo do discernimento vocacional, o qual é, também, parte constituinte da educação contemporânea. Se as religiões universais têm algo a dizer e a ―oferecer‖, fora de uma visão mercantilista, poderiam fazê-lo num contínuo processo de metanóia e diálogo interno, entre si e com a sociedade. Diálogo e união entre as religiões continuam a ser as palavras-chave e necessárias, neste novo século, na busca da ética global, para que o ser humano seja de fato humano e paute sua vida pela vivência dos mandamentos. Não como expressão fundamentalista da fé, mas como a visibilidade da comunhão com o mistério de Deus. A MISSÃO DA RELIGIÃO, DA TEOLOGIA E DA EDUCAÇÃO Toda e qualquer religião tem clareza que, para cumprir a sua missão, deve esforçar-se por conhecer as situações, em que se encontra o ser humano hoje; este conhecimento é, 68 KÜNG, H., Projeto de ética Mundial. Uma moral ecumênica em vista da sobrevivência humana. São Paulo, Paulinas, 1993. (p. 85). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1062 portanto, uma exigência imprescindível para a obra de evangelização, ou seja, a educação integral da pessoa humana. Não se trata do homem ‗abstrato‘, mas do homem real, ‗concreto‘, ‗histórico‘. Este homem é o primeiro caminho que a Igreja deve percorrer na realização de sua missão. Porém, deparamo-nos, hoje, com uma sociedade pluralista e policêntrica que não vive mais a unanimidade do passado, num quadro seguro e estável. A progressão e a mobilidade impulsionam cada vez mais os tempos atuais. E o ser humano, enquanto pessoa e sociedade, está aí imerso. Surge-nos uma grande questão: como acompanhá-lo com adequação? A tradição religiosa dos povos, que recolhe a sabedoria, a qual fora se acumulando e sedimentando através dos tempos, fornece certamente elementos de especial grandeza e contínua riqueza. Cabe à Teologia fazer este resgate no beber das fontes, tendo em Jesus Cristo a centralidade, dado este acrescido pela Revelação como um todo, apontando para os valores aí existentes. Porém, mesmo naquilo que há e persiste como valores permanentes e universais, faz-se sempre necessário procurar e encontrar a formulação mais adequada aos contextos culturais. Eis outra tarefa da Teologia, em especial da Teologia Moral, acompanhando o esforço do Magistério da Igreja. Diante da grande variedade de ciências hoje existentes, deparamo-nos, por um lado, com o fenômeno da fragmentação do saber e, por outro lado, com a riqueza que cada ciência tem a oferecer ao ser humano e à sociedade. Isto faz com que a Igreja sinta-se impelida a desenvolver constantemente não só a reflexão dogmática, mas também moral, num âmbito interdisciplinar, tal como é necessário especialmente para os novos problemas. Além disso, urge que a Educação saiba captar o emergente e, não raro, captar o que transita pelo marginal, haja vista a realidade hoje fraturada e em constante rearticulação. Isto implica em interlocutores novos no âmbito da própria Educação. O ser humano hoje mergulhado nesta realidade cambiante e multifacetária necessita de um respaldo da própria Teologia moral, que seja capaz de auxiliá-lo a realizar um discernimento nem sempre fácil. Por isso, permanece sempre viva, na Religião, a consciência do seu dever de investigar, A todo momento, os sinais dos tempos, e de interpretá-los à luz do Evangelho, ou seja, da Boa Nova aos povos diversos. Uma Religião que, perita em humanidade, se põe a serviço de cada III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1063 homem e do mundo inteiro. Para decifrar e compreender essa ―nova confusão dos discursos‖ consideramos necessário incluir no estudo o problema da religião, que certamente desempenhou um papel na modernidade, embora com vistas à sua eliminação, em vez de excluí-lo como fizeram muitos mentores do pensamento contemporâneo desde Heidegger até a Nova Esquerda passando por Popper (por certo, de uma maneira muito ―moderna‖). Queremos deixar claro que não falamos aqui da Religião como grandeza a-histórica e eterna e sim como expressão de uma realidade trans-histórica e trans-social cuja realização histórico-social está submetida a transformações. PRINCÍPIO ÉTICO DA COLABORAÇÃO E SOLIDARIEDADE Todos os seres são interdependentes porque vivem enredados numa teia de relações de cooperação e solidariedade que garante a existência e a sustentabilidade. Essa é a lei cósmica mais fundamental, sublinhada pelos físicos quânticos, pelos cosmólogos e pela etnobiologia. A própria lei da seleção natural de Darwim deve ser entendida no interior dessa perspectiva mais originária. Por ela, até os seres mais fracos sobrevivem e encontram seu lugar no processo biogênico. Em nível humano não vale a seleção pela vitória do mais forte, mas vale o cuidado que permite a todos, especialmente os mais fracos, ser inseridos e ter o seu lugar na família humana. Como bem afirma o teólogo brasileiro Leonardo Boff: Em momentos críticos como os que vivemos, revisitamos a sabedoria ancestral dos povos e nos colocamos na escola de uns e outros. Todos nos fazemos aprendizes e aprendentes. Importa construir um novo ethos que permita uma nova convivência entre os humanos com os demais seres da comunidade biótica, planetária e cósmica; que propicie um novo encantamento face à majestade do universo e à complexidade das relações que sustentam todos e cada um dos seres. 69 69 BOFF, L. Saber Cuidar: Ética do humano – compaixão pela terra. Petrópolis/RJ: Vozes, 2000. (p. 27). Boff é professor de teologia, filosofia, espiritualidade e de ecologia. Trabalhou mais de vinte anos como franciscano em Petrópolis com um pé na academia e outro no meio pobre. Dessa combinação nasceu a Teologia da Libertação, que, junto com outros, ajudou a formular. Assessora comunidades de base, dá cursos em universidade brasileiras e estrangeiras e escreve com assiduidade. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1064 Os seres humanos são, por excelência, seres de cooperação. Foi à cooperação de todos com todos que permitiu o salto da animalidade para a humanidade. Todos os primatas superiores, nossos parentes mais próximos (somente dois genes nos separam dos chimpanzés), vão à caça e comem individualmente sua presa. Nosso ancestrais homínidas saíam em busca de alimento e o traziam ao grupo para reparti-lo entre eles. Dessa cooperação e cuidado uns com os outros, surgiu a linguagem e a sociedade humana. Hoje é imperativo pôr a cooperação como o centro do projeto planetário humano. Se não houver cooperação na questão ecológica, não superaremos as disparidades, não poremos limites à voracidade do capital privatizante e deixaremos bilhões de pessoas na escassez e, eventualmente, no risco de graves conflitos e de morte. Ademais, é pela solidariedade de passa de geração em geração, que preservamos os direitos das gerações futuras, pois elas tem direito a herdar a beleza, riqueza e benefícios da natureza, suficientes e de qualidade para todos. ECUMÊNISMO E A BUSCA PELA CIDADANIA ÉTICA Sonhamos com um mundo ainda por vir, onde não vamos mais precisar de aparelhos eletrônicos com seres virtuais para superar nossa solidão e realizar nossa essência humana de cuidado e de gentileza. Sonhamos com uma sociedade mundializada, na grande casa comum, a Terra, onde os valores estruturantes se construirão ao redor do cuidado com as pessoas, sobretudo com os diferentes culturalmente, com os penalizados pela natureza ou pela história, cuidado com os espoliados e excluídos, as crianças, os velhos, os moribundos, cuidado com as plantas, os animais, as paisagens queridas e especialmente cuidado com a nossa grande e generosa Mãe, a Terra. O espaço onde se vive, onde se dá a relação da pessoa com a natureza, onde se tem consciência do mundo que existe como circunstância da vida humana. Assim afirma o filósofo e teólogo metodista Júlio de Santa Ana. No futuro, a credibilidade de todas as religiões, também das pequenas, vai depender em que medida acentuam mais aquilo que as une e menos aquilo que as divide. A humanidade pode cada vez menos dar-se ao lucro de nesta terra ver as religiões III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1065 incentivarem guerras ao invés de promoverem a paz, de praticarem fanatismo ao invés da reconciliação, de comportarem-se com superioridade ao invés de incentivar o diálogo.70 Complementando a afirmação com o belo e profundo pensamento do moralista Maciano Vidal: sem negar a crise moral do presente vou procurar ver a ética como um sinal de esperança em nosso mundo. O Papa João Paulo II pronunciou duas catequeses sobre os sinais de esperança que, em fins de milênio, aparecem tanto no mundo como na Igreja. Dentro desses sinais positivos acredito que se pode situar a dimensão ecumênica e ética da pessoa e da sociedade como um todo. Sobre a segurança da existência da sensibilidade moral repousa, em grande parte, a esperança da humanidade.71 A atitude é uma fonte, gera muitos atos que expressam a atitude de fundo. Quando dizemos, por exemplo: ―nós cuidamos de nossa casa‖ subentendemos múltiplos atos como: preocupamo-nos com as pessoas que nela habitam dando-lhes atenção, garantindo-lhes as provisões e interessando-nos com o seu bem-estar. Cuidamos da aura boa que deve inundar cada cômodo, o quarto, a sala e a cozinha. Zelamos pelas relações de amizade com os vizinhos e de calor com os hóspedes. Desvelamo-nos para que a casa seja um lugar de benquerença deixando saudades quando partimos e despertando alegria quando voltamos. Alimentamos uma atitude geral de diligência pelo estado físico da casa, pelo terreno e pelo jardim. Ocupamo-nos do gato e do cachorro, dos peixes e dos pássaros que povoam nossas árvores. Tudo isso pertence à atitude do cuidado material, pessoal, social, ecológico e espiritual. Precisamos garantir á pessoa humana um cuidado e uma responsabilização ainda maior que acontece no campo da compaixão, da cidadania e, por isso, da ética. 70 SANTANA, Júlio H. Ecumenismo e libertação. Petrópolis: Vozes, 1991, pp 17, 20. VIDAL, M. Dez palavras-chave em moral do futuro. (tradução de José Afonso Beraldin) São Paulo: Paulinas, 2003. (p. 50). 71 III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1066 CONSIDERAÇÕES FINAIS Chegando ao final de uma reflexão à cerca do tema: ―Ethos Mundial: princípio ético da colaboração e solidariedade no processo educativo segundo o pensamento de Hans Küng‖, nos deparamos, por mais contraditório que possa parecer, com vários questionamentos que se sobressaem e nos impulsiona a ir sempre mais adiante, buscando a fecundidade na busca do conhecimento da verdade e na certeza de que precisamos de propostas inovadoras, ou dedicarse às já existentes, para o cuidado de todo ser humano e do ser humano todo. Assim sendo, poderíamos dizer que esta parte do nosso trabalho trata-se mais de uma ―in-conclusão‖, pois é aquilo que ainda não é, ou seja, uma reflexão ainda não finalizada, mas que indica mais leituras, mais diálogos, mais pesquisas e mais responsabilidade com a conduta que oferece cada religião e o conjunto destas. É possível que das religiões possa vir uma contribuição para a construção da paz e a maturação de uma ética intercultural? É possível uma contribuição vinda da Teologia para melhor vivenciar as diretrizes de uma sociedade, particularmente, capitalista? Na procura do sentido autêntico da fé, no tempo presente, muitos teólogos tem reafirmado essa possibilidade, como os citados no decorrer do trabalho, entendendo-a, antes, como uma passagem obrigatória para o renascimento moral da humanidade. Assim, na evolução do pensamento teológico contemporâneo, tornou-se primordial a exigência de trabalhar por um mundo por fim reconciliado. O significado desse empenho deve estar situado num horizonte ecumênico e intercultural, só podendo haver reconciliação sob a forma de uma convivência afetuosa com todas as identidades religiosas, étnicas e culturais, até que se inaugure a paz com cada ser vivente. A reflexão do filósofo e teólogo Hans Küng é motivada essencialmente pela exigência de individuar qual estrada a humanidade deve seguir e percorrer para iniciar aquele processo de pacificação, universalmente invocado como indispensável. Todos os temas concernentes a este assunto estão reunidos e sistematizados no livro Projeto de Ética III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1067 Mundial72. De fato, sem dúvida, nem a formação da Sociedade das Nações após a primeira guerra mundial nem a formação da Organização das Nações Unidas (ONU) depois de 1945, mantiveram a promessa da construção de uma ordem mundial justa e pacífica. E ainda, pudemos entender que essas ocasiões da história assinalariam de qualquer modo o cumprimento da parábola da modernidade, de forma que para nós se abriria o pós-moderno como idade radicada na desordem, mas, ao mesmo tempo, rica de possibilidade. No interior do novo paradigma emergem sinais de esperança; o mais promissor deles é a transformação, em ato, de uma ciência, de uma tecnologia, de uma indústria sem ética para uma eticamente responsável, e para uma democracia participativa. Essas tendências do sistema de valores indicam uma direção de marcha, na qual, segundo Küng, é necessário prosseguir até chegar à definição orgânica e completa de um ethos que possa fundar uma convivência mais humana. A necessidade de uma ética é, portanto, afirmada sobre a base da convicção que, diante dos desafios da complexidade e da mundialização, só visões, ideias e valores podem permitir, se universalmente aceitos, a construção de uma ordem global mais justa e pacífica. O problema de como fundamentar uma ética mundial para o terceiro milênio é resolvido olhando para as religiões e para seu grande acúmulo de riquezas de valores e experiências. Portanto, ambiciona-se ter o quadro natural do agir humano e social, segundo o qual um ethos deve ser universal e incondicional. As Religiões e a Educação são as maiores forças históricas capacitadas a falar aos homens, chegando até eles com máxima responsabilidade e autoridade, tanto aos corações como às suas mentes, devido à virtude da oferta de princípios e de ideais altíssimos, unidos a exemplos sumamente convincentes. Portanto, a nosso entender, resta-nos perguntar se a tarefa da instauração de uma convivência pacífica está reservada apenas aos homens de fé, já que as três proposições, com 72 Como já acima citado: KÜNG, H., Projeto de Ética Mundial: uma moral ecumênica em vista da sobrevivência humana. São Paulo: Paulinas, 1993. (Coleção Teologia Hoje). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1068 as quais Küng resume e esquematiza o seu pensamento parecem orientar-se nesse sentido: ―não existe convivência humana sem um ethos mundial das nações. Não há paz entre as nações sem paz entre as religiões. Não há paz entre as religiões sem diálogo entre elas‖73. O projeto de uma ética Mundial acaba envolvendo, só por via exortativa, todos aqueles que consideram possível uma vida digna para todos; e revela aquele tom otimista-voluntarista que, informando todas as passagens da argumentação, constitui o tom dominante. Finalizamos com a certeza de que, em nenhum momento, tivemos a intenção de salvaguardar esta ou aquela religião, nem esgotar o tema em questão, dado o seu vasto horizonte, mas, sobretudo, socializar um pouco da nossa pesquisa, ora apresentada. Permanece o ímpeto de ir mais e mais em busca de um conhecimento mais profundo do que se refere à uma Ética Ecumênica e colocar-nos no trabalho de possibilitar que o desejo de uma autêntica ética mundial chegue e se instaure em muitos corações. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, D. Di Manno de (org.). Corpo em ética: perspectivas de uma educação cidadã. São Bernardo do Campo: UMESP, 2002, pp 20-21. BHOGAL, I. S.. Pluralismo e a missão da Igreja na atualidade. São Bernardo do campo: Editeo, 2007, (p. 44). BOFF, L. Saber Cuidar: Ética do humano – compaixão pela terra. Petrópolis/RJ: Vozes, 2000. (p. 27). CHALIER, Catherine. Lévinas, a utopia do humano. Lisboa: Inst. Piaget, 1993. (p.108). COMPÊNDIO DO CONCÍLIO VATICANO II: Constituições, Decretos e Declarações. São Paulo: Paulus, 2002. 73 Cf. KÜNG, H. Projeto de Ética Mundial... p. 174. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1069 COMPÊNDIO DE DOUTRINA SOCIAL DA IGREJA. Petrópolis/RJ: Vozes, 2006. Declaração do Parlamento da Religiões do Mundo. (www.comitepaz.org.br/religiões). FERREIRA, Franklin & MYATT, Alan. TEOLOGIA SISTEMÁTICA: uma análise histórica, bíblica e apologética para o contexto atual. São Paulo: Vida Nova, 2007. HASSELMAN, C., ―Declaração sobre ética global de Chicago 1993‖, in CONCILIUM N. 292. DEZEMBRO DE 2001. HAKER, H., ―Compaixão como um programa universal da cristandade?‖, in CONCILIUM n. 292(4), dezembro de 2001, p. 61. JOÃO PAULO II. ENCÍCLICAS. São Paulo: Paulinas, 1997. JOÃO XXIII, Encíclica ‘Princeps Pastorum’, 28 de novembro de 1959, n. 17 KÜNG, H. ―Empresas globalizadas e ética global‖, in CONCILIUM N. 292(4), dezembro de 2001. Também conhecida como ―Declaração universal das responsabilidades humanas‖. (cf. p. 110-111). KÜNG, H., Projeto de ética Mundial. Uma moral ecumênica em vista da sobrevivência humana. São Paulo, Paulinas, 1993. (p. 85). METZ, J. B., Opúsculo distribuído pelo professor Márcio Fabri dos Anjos no curso de Teologia e humanização da Teologia, primeiro semestre de 2004 na UNIFAI-SP. RICOEUR, Paul. O si-mesmo como um outro. Trad. Lucy Moreira César. Campinas: Papirus, 1991, (p 211). SANTANA, Júlio H. Ecumenismo e libertação. Petrópolis: Vozes, 1991, pp 17, 20. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1070 SANTOS, Luciano Costa. Pequeno roteiro do Deus vivo: religião e ética no pensamento de Emmanuel Lévinas. Revista Análise e Síntese. v. 1. n 2. Salvador: Edições São Bento, 2002. p. 109-126. SOUZA, Ricardo Timm de. Totalidade e desagregação, sobre as fronteiras do pensamento e suas alternativas. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1996. (p. 166). SUSIN, Luís Carlos. O Homem Messiânico: uma introdução ao pensamento de Emmanuel Lévinas. Petrópolis,RJ: Vozes, 19933. VIDAL, M. Dez palavras-chave em moral do futuro. (tradução de José Afonso Beraldin) São Paulo: Paulinas, 2003. (p. 50). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1071 IMPACTOS DA CRISE DO CAPITAL NA POLÍTICA DE ENFRENTAMENTO AO TRÁFICO HUMANO Área temática: Justiça, direitos humanos e inclusão social Milca Oliveira Clementino74 Flávia Jaiane Mendes75 Raiany Albuquerque76 Maria do Socorro Pontes Felix77 RESUMO: O presente artigo tem por objetivo tecer algumas reflexões sobre a crise do capital e a questão do tráfico humano, problemática que evidencia, a mercantilização da vida humana na forma de sociabilidade regida pelo capital Trata-se de um estudo bibliográfico e documental acerca dos impactos do capital na política de enfrentamento ao tráfico humano, no qual os dados foram coletados através de leitura bibliográfica e de documentos, bem como da análise dos relatórios dos direitos humanos. A aproximação com a temática resulta das discussões feitas na disciplina de gênero no Curso de Serviço Social da Universidade Estadual da Paraíba-UEPB, como também de reflexões construídas com membros do Grupo de Pesquisa, estudos e assessoria em Políticas Sociais (GEAPS), vinculado ao Curso. Palavras-chave: Tráfico Humano. Crise do Capital. Políticas Públicas. ABSTRACT: This article presents approximate reflections on the crisis of capital and the issue of human trafficking, which highlights problematic, more than ever, the commodification of human life in the form of sociability governed by capital. This is a descriptive study of the impacts of political capital in coping human trafficking, in which data were collected through reading literature and documents, as well as analysis of the reports of human rights. The article is the result of discussions on the subject of gender Course Social / UEPB and Research Group, studies and advisory services in Social Policy (GEAPS), linked to the Course. Keywords: Human Trafficking. Crisis of Capital. Public Policy 74 Graduanda em serviço social pela UEPB, ([email protected] Tel. (88) 91372189); Graduanda em serviço social pela UEPB, ([email protected] Tel.(83)87328416); 76 Graduanda em serviço social pela UEPB, Co-autor: Raiany Albuquerque ([email protected] Tel.(83)91651418); 77 Docente do curso de serviço social na UEPB, prof.orientador co-autor: Maria do Socorro Pontes Felix ([email protected] Tel.(83) 88938881) 75 III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1072 1.INTRODUÇÃO: Entender o mundo de hoje requer algumas reflexões sobre uma realidade social comprometida pela crise estrutural do capital. Conforme afirma Mészáros (2002), a crise estrutural do capital que hoje se apresenta é um fenômeno inédito na história da humanidade, pois se trata de uma crise que afeta: [...] a totalidade de um complexo social em todas as relações com suas partes constituintes ou subcomplexos, como também a outros complexos aos quais é articulada. Diferentemente, uma crise não-estrutural afeta apenas algumas partes dos complexos em questão, e assim, não importa o grau de severidade em relação às partes afetadas, não pode por em risco a sobrevivência contínua da estrutura global (p.797). Nesses termos, pela primeira vez na história, a crise estrutural afeta o conjunto da humanidade, impondo novas alternativas para a classe trabalhadora sobreviver, alternativas estas que degradam, ainda mais, as suas condições de sobrevivência Assim, para atingir seus objetivos o capital condiciona a vida humana à mais brutal forma de desumanização, exercendo o seu domínio através da exploração da força de trabalho, tratando os trabalhadores como mercadorias. É o que acontece no atual momento histórico, quando, de acordo com Mészáros (2002), enfrenta-se uma situação de crise estrutural do capital, com parcela significativa da população mundial vivendo em condições extremamente precárias. O desemprego estrutural reinante, o subemprego, os sistemas públicos de saúde e educação deficientes, a fome e a proliferação de favelas – apesar das promessas liberais de pleno emprego, progresso para todos e fim da pobreza – são algumas das consequências nefastas de tal crise. A crise estrutural do capital não atingiu apenas a esfera socioeconômica, mas todas as dimensões da vida em sociedade, visto que ―o capital não pode ter outro objetivo que não sua própria auto- reprodução, à qual tudo, da natureza a todas as necessidades e aspirações humanas, deve se subordinar absolutamente‖ (MÉSZÁROS, 2002 p. 127). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1073 Para Mészáros, (2002, p.800) se trata de uma crise que, também, ―afeta todo o processo de reprodução do sistema de valores do capital‖. Sendo assim, as instituições que contribuem para a reprodução dos valores burgueses como: a família, a igreja e as instituições de educação formal, também se encontram em crise. E para compreender isto em outra dimensão, neste caso aqui priorizado a questão do trafico humano, se faz necessário refletir sobre uma discussão bastante pertinente que é a relação dos valores, medidos através da atuação capitalista na vida social das pessoas. Esta articulação se relaciona bem com uma questão que nos é apresentada por Marx e por autores que, a partir de suas reflexões, nos apresentam possibilidades de pensarmos questões tão atuais de grande relevância social, quando compreendidas de forma contextualizada e em consonância com uma sociedade que segue os caminhos do sistema capitalista. Conforme Barroco (2010), Marx não teria elaborado uma ética e negado qualquer filiação filosófica, mas, compreendia que ―não seria através de reformas morais que a sociedade capitalista poderia superar seus problemas estruturais‖. A partir destas reflexões, do autor clássico da sociologia, atemporal, diga-se de passagem, a autora afirma que: A desigualdade e a impossibilidade de os valores se realizarem de forma universal, a riqueza de poucos em detrimento da miséria de muitos e a exploração de homens e mulheres através do trabalho e de outras formas de vida são situações que, segundo ele, só podem ser rompidas com a superação da sociedade capitalista como totalidade (BARROCO, 2010 p.113). 1.2 DESENVOLVIMENTO Explicitando a questão do tráfico humano e sua funcionalidade para o capital Diante da proposta apresentada é pertinente trazermos discussões que nos auxiliem a compreensão do tráfico humano no Brasil e sua correlação com o que é apresentado na declaração dos direitos humanos. Vale salientar que esta discussão parte de um viés teórico que pode ser questionado e a partir dai se possibilite a ampliação das discussões relacionados à temática para um maior entendimento sobre esta problemática. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1074 As práticas associadas ao tráfico de pessoas, como o trabalho forçado, a servidão por dívida, a exploração sexual e a prostituição forçada, entre outros, constituem graves violações aos Direitos Humanos que, segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, ―todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos, dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade‖. Nessa perspectiva, causa perplexidade constatarmos que, concomitante à consagração do discurso de defesa dos Direitos Humanos - no século XX - como a defesa da dignidade humana, integridade física, liberdade de ir e vir, dentre tantos outros, o tráfico de pessoas tenha se tornado, cada vez mais, um mercado lucrativo e complexo dentro de uma economia globalizada, situação esta, marcada pelos reflexos da realidade do capitalismo. A questão do tráfico humano em si, se mostra um pouco mais complexo que os demais temas de crime organizado, afinal, é um problema que já atinge a humanidade há vários século, tornando-se global e requer respostas de igual dimensão, para prevenir e controlar tanto a oferta quanto à demanda por serviços prestados pelas vítimas. Vale ressaltar que a globalização com o intensificado fluxo de informação, capital e pessoas apresenta oportunidades e riscos, possibilitando um ambiente onde as drogas, o crime e também o tráfico de pessoas podem avançar com mais facilidade. Nesse sentido, o tráfico de pessoas é considerado uma forma moderna de escravidão econômica e sexual – que se tornou um mercado mundial lucrativo, controlado por poderosas organizações criminosas. Segundo a convenção de Palermo Tráfico de Seres Humanos é definido como o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos de benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho forçado ou serviços III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1075 forçados, escravaturas ou práticas similares a escravaturas, a servidão ou a remoção de órgãos. O enfrentamento ao tráfico de pessoas é hoje uma questão que ocupa lugar de relevância na agenda política brasileira. Sua abordagem ganhou força no âmbito das políticas públicas, a partir de 2006, como desdobramento de iniciativa do governo brasileiro através da construção da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Reconhecer o acúmulo de experiência e reflexão neste tema por parte das organizações da sociedade civil, o governo brasileiro iniciou um amplo processo de consulta e, de forma participativa, logrou elaborar a Política Nacional, promulgada por Decreto Presidencial nº 5.948, de 26 de outubro de 2006. (ABRAMO, 2013 ) Para além da criminalização em nível internacional, o tráfico de pessoas impressiona pela complexidade de relações envolvidas e pelas somas robustas que giram em torno dele. Estimativas da Organização Internacional do Trabalho (OIT) apontam que o crime chega a movimentar cerca de US$ 32 bilhões de dólares por ano, montante que só não supera em números o comércio ilegal de drogas e o contrabando de armas. A metade desse lucro é gerada em países industrializados, sendo que isso representa globalmente uma média de lucro de 13 mil dólares anuais por pessoa traficada78. Trata-se, portanto, de atividade ilegal altamente lucrativa. É nesse âmbito que situamos a política de enfrentamento do tráfico humano em relação à funcionalidade do capital, tendo em vista, que o tráfico humano é constituído como uma das manifestações da questão social, e dessa forma como expressão direta das relações vigentes na sociedade, localizando a questão no campo de relações constitutivas num padrão de desenvolvimento capitalista, extremamente desigual, em que convivem acumulação e miséria. Nesse sentido, o capitalismo em tempos de barbárie, tem uma estreita relação entre o desemprego estrutural e o tráfico humano. Esse desemprego constitui um complexo social que 78 Organização Internacional do Trabalho. Uma aliança global contra o trabalho forçado. Relatório Global do Seguimento da Declaração da OIT sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, 2005. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1076 desencadeia uma série de consequências para a ―população excedentária‖ do sistema social vigente, pois muitos indivíduos que não possuem oportunidades de trabalho se sujeitam às diversas formas indesejáveis de sobrevivência, dentre elas, o tráfico humano. Possibilidades e limites das políticas públicas de enfrentamento ao tráfico humano O tráfico de pessoas começa a ser tratado como política pública no Brasil após o Congresso Nacional aprovar, por meio do Decreto Legislativo nº 231, de 29 de maio de 2003, o texto do Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças. Outra iniciativa importante foi à implantação do Programa Global de Prevenção e Combate ao Tráfico de Seres Humanos, apoiado pelo Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (UNODC), para execução em quatro estados (Ceará, Goiás, Rio de Janeiro e São Paulo) e a recente aprovação da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, nos termos do Decreto Presidencial publicado em outubro de 2006. (MANUAL de Tráfico de Seres Humanos para Fins de Exploração Sexual e Comercial, Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão da Procuradoria Geral da República) Dado o seu caráter multifacetado e transnacional, o enfrentamento ao tráfico de pessoas requer ações conjuntas. Nos últimos anos, um esforço coordenado entre o governo federal e governos estaduais, organismos internacionais e diversas organizações da sociedade civil tem procurado trazer à luz medidas preventivas e repressivas necessárias para fazer frente ao fenômeno, bem como as de caráter assistencial e de proteção às vítimas. As principais iniciativas do governo federal estão sintetizadas no Relatório de Atividades do Governo Federal desenvolvidas no Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (20032006) no qual, faz referência à contribuição de várias instâncias públicas no que refere ao combate as práticas de violação de direitos humanos como: o Ministério da justiça Secretaria Nacional de Justiça (SNJ), Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), Departamento de Polícia Federal (DPF), Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH), Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), Ministério da educação (MEC) III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1077 Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), Ministério da saúde, Ministério do Desenvolvimento Social e combate à fome (MDS), MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO (MTE), MINISTÉRIO DO TURISMO (MTUR), MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO AGRÁRIO (MDA), MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES (MRE) e suas 4 (quatro) esferas: multilateral (Organização das Nações Unidas), esfera regional (Organização dos Estados Americanos e Mercosul), esfera bilateral, esfera nacional. ONGs trabalham em conjunto, tratam das necessidades específicas das vítimas, resguardando seus direitos e atuando em campo na prevenção a novos casos de aliciamento. Outros organismos internacionais se concentram no tráfico humano, mas não do ponto de vista da justiça criminal. Por isso, o UNODC oferece cooperação em projetos que buscam enfrentar esse crime em diversas frentes, unindo a perspectiva da justiça criminal à proteção aos direitos humanos, inclusive com prevenção às doenças sexualmente transmissíveis como o HIV/ AIDS. (BRASÍLIA: Ministério da Justiça, 2007). Nessa perspectiva e considerando que a OIT (Organização internacional do trabalho), também, tem papel de fortalecer as políticas públicas concernentes à sua área de atuação, esteve presente em todos os momentos importantes da construção da política nacional e participa, na forma que a compete, das atividades do plano nacional. As atividades dos projetos da OIT, dentre eles o Projeto de Combate ao Tráfico de Pessoas (TIP), Programa Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil (IPEC), Igualdade de Gênero e Raça, Erradicação da Pobreza e Geração de Emprego (GRPE) e Trabalho Escravo, estão em perfeita consonância com a Política Nacional de Enfretamento ao Tráfico de Pessoas em reconhecimento ao pioneirismo e importância na integração das políticas, prevenção e repressão ao crime. (BRASÍLIA: Ministério da Justiça, 2007). Embora observassem que as chamadas ―políticas públicas‖ não contemplam a todos cidadãos são necessárias políticas sociais para garantir os direitos básicos aos que não estão contemplados no projeto capitalista neoliberal. Hoje esses direitos sociais estão afirmados na Constituição Federal de 1988 (Art. 6º): ―educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados.‖ Os III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1078 governos especificamente o brasileiro têm interesse em combater o tráfico internacional, mas concentram esforços nas questões domésticas. Sendo o tráfico de pessoas uma questão complexa, com diferentes facetas e diversas causas, é necessário um maior aprofundamento dos estudos atualmente existentes. Essa temática ainda é relativamente nova e pouco estudada, sobretudo quando se trata da ligação deste novo paradigma com o crime organizado internacional. Esse tema é geralmente estudado e pesquisado por juristas ou forças estatais, não sendo muito aberto ao público em geral por opção dos governos ou por falta de interesse mais amplo. Assim, as circunstâncias envolvendo este problema geram desemprego, criminalidade, crises diplomáticas e etc. O combate a este problema se torna de suma importância, uma vez que seus impactos sociais, econômicos e políticos são imensos e quando percebidos publicamente já estão gravemente avançados. Segundo a convenção dos direitos humanos, o que se constata, é que a ONU não se encontra numa posição política suficientemente forte para coordenar uma resposta internacional ao tráfico de seres humanos. Isso acontece por que os Estados não conferem a ela autoridade, autonomia e recursos políticos, legais e técnicos para efetuar essa coordenação. Sem condições adequadas para poder enfrentar o tráfico de pessoas, a UNODC fica limitada a processos educacionais e pedagógicos, tentando conscientizar as autoridades envolvidas, dos malefícios e consequências causadas por este problema. Contudo, o contrabando de pessoas causa sérios impactos sociais, em todo o percurso de países envolvidos e este crime, tem conseguido lucros cada vez maiores em diversos segmentos sociais. Vale salientar que o aumento da pobreza e das desigualdades sociais enquanto uma questão estrutural, se refletem no aumento de seres humanos que vem sendo traficadas . Cabe destacar a necessidade de um maior investimento em políticas publicas eficazes diante do crescimento de tal problemática. Percebe-se que, as políticas públicas voltadas a população, no contexto da crise do capital são excludentes, não conseguindo beneficiar a todos em igualdades de condições. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1079 1.3 CONSIDERAÇÕES FINAIS Algumas das ações de enfrentamento ao tráfico de pessoas previstas no decreto presidencial nº 5.948/2006, já estão em curso no Brasil há algum tempo, além do apoio constante da sociedade civil e dos investimentos feitos por meio de projetos de cooperação técnica internacional, considerando o aprofundamento de tal problemática. No entanto vale ressaltar que para enfrentar o tráfico de pessoas, é preciso considerar questões estruturais mais amplas como: prostituição, exploração, imigração e, sobretudo, o aumento do desemprego, levando alguns indivíduos a se submeterem ao tráfico humano. Para o enfrentamento de tal problemática, cabe um maior compromisso por parte do Estado e um maior investimento em políticas públicas que possibilitem uma diminuição do tráfico humano, necessitando que este seja visto como uma questão social, que influencia na dinâmica e nos processos das relações sociais. Desta forma, não acreditando estar esgotada as nuances inerentes ao tema, vale reforçar a magnitude do pensamento de Karl Marx a respeito do capitalismo: ―O dinheiro é a essência alienada do trabalho e da existência do homem; a essência domina-o ele adora-a‖ (Karl Marx, 1970.p.372). REFERÊNCIAS ABRAMO, Lais. Diretora da OIT/Brasil adverte para situação de desigualdade entre segmentos da sociedade. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/emprego/a-questao-dopleno-emprego-discutível-diz-lais-abramo-diretora-da-oit-no-brasil9865913#ixzz2euSf01XE[1]©1996-2013 >. Acesso em 15 jun. 2013. Entrevista concedida a Globo.com. BARROCO, M. L. S. Ética: fundamentos sócio-históricos. São Paulo, Cortez, 2010. BRASIL. Decreto n° 5.948, de 26 de outubro de 2006 – Aprova a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Disponível em: http://www.planalto. gov.br /ccivil_03/ _Ato2004-2006/ 2006 /Decreto/ D5948. htm. Acesso em: 10 abr. 2013. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1080 ______ Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Brasília: Ministério da Justiça, 2007. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998. COMBATE ao Tráfico de Pessoas e ao Contrabando de Migrantes no Brasil. UNDOC (Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crimes). http://www.unodc. org./ Brasil/ PT/ projects_S_35. html #antecedentes. Acesso em 30 abr. 2013. DIREITOS Humanos e Tráfico de Pessoas: um manual. Aliança Global contra Tráfico de Mulheres (GAATW). Rio de Janeiro, 2006. GOMES, Luiz Flávio. Definição de crime organizado e a Convenção de Palermo. Disponível em: http://www.lfg.com.br. Acesso em: 06 maio 2009. IAMAMOTO, M. V. questão social no capitalismo. In: Praia Vermelha, n. 8, primeiro semestre. 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Declaração da OIT sobre os princípios e direitos fundamentais. Genebra: OIT, 1998. PANIAGO, M. C. S.(org) et al MARX, MÉSZAROS e o Estado. São Paulo: instituto Lukács, 2012. POLÍTICA Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. Brasília: Ministério da Justiça, 2007. YAZBEK, M. C.; GIOVANNI, G. A política social brasileira no século XXI: a prevalência dos programas de transferência de renda. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2011. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1082 LEI MARIA DA PENHA E AS RELAÇOES SOCIAIS DE GÊNERO: Refletindo conceitos Quelvia Karina Silva Maia79 Elinadja Fonseca Silva80 Francisca Priscilla Mesquita Nunes81 Fernanda Marques de Queiroz82 RESUMO O fenômeno da violência contra a mulher não é algo isolado do contexto histórico em que vivemos, mas é fruto do sistema patriarcal-capitalista vigente em nossa sociedade. O presente trabalho visa socializar aspectos do projeto de extensão Capacitação sobre a Lei Maria da Penha e relações sociais de gênero para profissionais da rede de atendimento às mulheres em situação de violência no município de Mossoró-RN. objetivo proporcionar uma reflexão crítica sobre as desigualdades socialmente construídas, em especial as de gênero, na realidade contemporânea. Palavras-chave: Violência contra a mulher. Gênero. Lei Maria da Penha. ABSTRACT The phenomenon of violence against women is not something isolated from the historical context in which we live, but the fruit of capitalist-patriarchal system prevailing in our society. The present work aims at socializing aspects of the extension project on Training Maria da Penha Law and social relations of gender to the professional service network for women in situations of violence in the Mossoró-RN. intended to provide a critical reflection on the socially constructed inequalities, particularly gender, in the contemporary reality. Keywords: Violence against women. Gender. Maria da Penha Law 79 Graduando do 7º período de serviço social pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Telefone: (84) 9692-4450; E-mail: [email protected] 80 Graduando do 5º período de serviço social pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Telefone: (84) 9926-6799; E-mail: [email protected] 81 Graduada em filosofia pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Telefone: (84) 96665499; E-mail: [email protected] 82 Doutora em serviço social pela Universidade de Pernambuco (UFPB), professora adjunta da Faculdade de serviço social da Universidade do Estado Rio Grande do Norte (UERN). Telefone: (84) 9648-0219; E-mail: fernandamarquesdequeiroz @gmail.com III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1083 INTRODUÇÃO O presente artigo busca socializar alguns aspectos do projeto de extensão que se encontra em andamento intitulado: Capacitação sobre a Lei Maria da Penha e relações sociais de gênero para profissionais da rede de atendimento às mulheres em situação de violência no município de Mossoró-RN83. Tal ação é desenvolvida pelo Núcleo de Estudos sobre a Mulher, da faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio grande do Norte. O referido projeto tem como objetivo proporcionar uma reflexão crítica sobre as desigualdades socialmente construídas, em especial as de gênero, na realidade contemporânea. O público-alvo são profissionais da rede de atendimento às mulheres em situação de violência no município de Mossoró-RN que trabalham nas instituições públicas, municipais e estaduais. A violência é um dos principais fenômenos existentes na sociedade moderna e está presente no nosso cotidiano como um elemento estrutural, provocando efeitos sobre as pessoas e o convívio com a sociedade. Tal fenômeno se impregna no tecido social, prejudicando as relações de sociabilidade e corroendo a qualidade de vida de homens e mulheres. As violências exercidas contra a mulher são multiformes, pois englobam as diversas formas de violência como, por exemplo, a física, a sexual, a psicológica e a social. Dessa forma, caracteriza-se como a expressão mais cruel dessa superioridade e demonstra a urgência em evidenciá-la, como forma de combatê-la. Por esse motivo a temática da violência vem assumindo uma centralidade político-estratégica na maioria das reivindicações do movimento feminista, assim como nas políticas públicas e ações governamentais na esfera federal, estadual e municipal (QUEIROZ 2005). Essa iniciativa insere-se num esforço coletivo de superação da lacuna existente na compreensão de muitos (as) profissionais que atendem as mulheres em situação de violência 83 O referido projeto de Extensão tem financiamento do IES (MEC) conta com seis bolsistas de iniciação científica, duas profissionais, sendo uma de Serviço Social e outra de Direito além da coordenadora do projeto. Estamos na fase final da estruturação do curso que capacitará 60 profissionais da rede de atendimento à mulher em situação de violência na cidade de Mossoró-RN. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1084 acerca das desigualdades, discriminação, opressão e machismo como fruto de uma cultura patriarcal e sexista que tem na violência sua face mais perversa. Ademais, a não incorporação dessas categorias é um aspecto a mais nos desafios para a materialização da Lei Maria da Penha, visto que a base material do patriarcado não foi destruída (SAFFIOTI, 2004), e para entender o sujeito mulher e consequentemente os desafios que são colocados é fundamental compreender a dinâmica social, histórica, política e cultural no qual se processam as diferenças entre o ser homem e ser mulher e como estas são transformadas em desigualdade em detrimento do sexo feminino. Como parte desse processo, é que enfatizamos a importância de ações que venham promover um espaço de discussão, reflexão e fundamentalmente de desconstrução de valores que se impregnam no senso comum e se expande nas instituições, e no caso específico, no cotidiano profissional dos sujeitos que lidam com as várias expressões da violência contra a mulher. Para tanto, utilizaremos uma metodologia participativa que prevê a realização de oficinas interativas, exibição de vídeos-debates e filmes, bem como exposições dialogadas acerca do conteúdo proposto. A avaliação das ações desenvolvidas se dará de forma contínua ao final das atividades realizadas, mediante a aplicação de um instrumento avaliativo escrito sem identificação dos sujeitos a fim de garantir o sigilo e a espontaneidade do processo avaliativo. Será realizada concomitante a este processo uma avaliação pela equipe de trabalho desenvolvido apontando limites e possibilidades, levando em consideração os aspectos apontados pelo (a) cursistas. 2. A relação sexo/gênero como um dos eixos explicativos das desigualdades entre homens e mulheres As relações sociais de gênero vêm historicamente sendo discutida pelos grupos sociais e pela academia na perspectiva de compreendê-las como uma construção social, baseada nas relações desiguais de poder, autoridade e prestígio entre homens e mulheres. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1085 Mas como essas desigualdades se desenvolveram? por que elas existem? quem as criou? Do ponto de vista biológico o que nos diferencia é a presença ou não do cromossomo sexual X ou Y, apenas um único cromossomo, contudo, essa característica é suficiente para determinar uma serie de diferenças entre os sexos. Ademais, é bastante óbvio que existem distinções entre os sexos, assim como tais diferenças são transformadas em desigualdades em detrimento das mulheres nas mais variadas instâncias da sociedade, e a intensidade dessas desigualdades varia de uma sociedade para outra. Nesse sentido fica patente à necessidade de fazer uma distinção entre sexo e gênero no intuito de elucidar como essas diferenças são estabelecidas. Nesse sentido, Rodrigues aponta, Ainda que sejam biologicamente diferentes, as peculiaridades anatômicas não explicariam as inúmeras outras diferenciações sociais entre os sexos: sejam elas de hierarquia, de status, de poder, de posição na divisão do trabalho, de personalidade, de comportamento e nem mesmo de seus trejeitos corporais (2011. p.29). Então, o que seria sexo? o que seria gênero? sexo pode ser definido como o conjunto dos aspectos biológicos e físicos do macho e da fêmea de cada espécie. Nos seres humanos a fêmea é geralmente identificada pela presença da vagina, enquanto que os machos possuem o pênis. Essas diferenças já nascem com cada um de nós e ao longo da vida vão se acentuando e nos diferenciando, definindo principalmente quando os seres humanos entram na puberdade, fase que tem seu início em momentos diferenciados para cada um, mas que geralmente acontece entre os 11 aos 14 anos de idade (SUPLICY, 1988). Portanto, é algo que vai além do nosso domínio, simplesmente nascemos com os órgãos de um ou do outro sexo. Gênero seriam as diferenças que existem entre homens e mulheres, sendo essas socialmente construídas, são por assim dizer, o conjunto de ideias que cada sociedade cria sobre o que é ser mulher e/ou homem (CAMURÇA; GOUVEIA, 2004). Vale ressaltar que é a partir dessas ideias, que se atribuem certos ―papéis sexuais‖ que devem ser assumido por cada gênero na sociedade. Tais papéis definem desde os comportamentos físicos até psicológico de cada gênero. Por exemplo, as III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1086 características/comportamentos atribuídos às mulheres na sociedade são de meiguice, delicadeza, enquanto que para o homem a força, virilidade, liderança, etc. Faria e Nobre (1997) defendem que, essa categoria veio para explicar como se dá a opressão das mulheres e apontar caminhos para superação desse problema, além de construir a identidade de gênero em cada pessoa. Dessa forma, podemos afirmar que, gênero é uma teoria que veio para desmitificar a ideia de que homens e mulheres são diferentes, levando assim a conclusão de que os papéis sociais desses sujeitos são construídos socialmente de acordo com o sexo de cada um deles. Ainda nessa perspectiva Faria e Nobre (1997): As pessoas nascem bebês machos e fêmeas e são criadas e educadas conforme o que a sociedade define como próprio de homem e de mulher. Os adultos educam as crianças marcando diferenças bem concretas entre meninas e meninos. A educação diferenciada dá bola e caminhãozinho para os meninos e boneca e fogãozinho para as meninas [...] ( p.9) É importante ressaltar que apesar dos avanços na perspectiva da superação da histórica marca do machismo que se expressa em vários espaços da sociedade ainda nos deparamos com diversas barreiras que precisam ser ultrapassadas em busca de um mundo igualitário do ponto de vista de gênero, dentre eles a violência contra a mulher. Segundo Safiotti (2004), a violência contra a mulher é inerente ao padrão das organizações desiguais de gênero que, por sua vez, são tão estruturais quanto à divisão da sociedade em classes sociais, ou seja, o gênero, a classe e a raça/etnia são igualmente estruturantes das relações sociais. Assim, fruto das diferenças que são transformadas em desigualdades, é que se dão as várias expressões do poder dos homens sobre as mulheres, sendo, a nosso ver, a violência exercida contra a mulher, a face mais cruel deste poder. 2.1 Da visibilidade da violência contra a mulher à lei Maria da Penha III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1087 A problemática da violência contra a mulher passa a ser reconhecida como um problema de ordem pública em virtude das mobilizações protagonizadas pelo movimento feminista84. Segundo Sarti (2004) foi no final dos anos 1970 e no inicio dos anos 1980 que se ampliaram com mais força a luta contra a violência sobre a mulher. Neste sentido, a construção e implementação de políticas públicas de prevenção e punição da violência contra as mulheres e de atendimento especializado às mulheres em situação de violência, é uma demanda que o movimento feminista tem trazido para a agenda pública nas três últimas décadas. Uma das primeiras conquistas foi a criação dos grupos SOS Mulher 85. Os SOS reuniam representantes de diferentes grupos feministas, ligados a distintas correntes ideológicas e posições políticas. Posteriormente, em 1986, surgiram as Delegacias Especializadas de Atendimentos às Mulheres (DEAMs), conquista esta resultante das pressões exercidas pelo movimento feminista junto aos poderes públicos. Todavia, o estado brasileiro somente passa a desenvolver uma ação mais efetiva em relação à violência contra a mulher, compreendendo-a como uma violação dos direitos humanos a partir de 2001, quando o país é responsabilizado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos por ter negligenciado e se omitido diante da violência sofrida por Maria da Penha Fernandes86. Por intermédio da Comissão Interamericana de Direitos Humanos não somente o caso de Maria da Penha teve um desfecho, mas uma série de recomendações foram feitas ao 84 O feminismo se constitui em um movimento social e político cuja ação visa a construção da igualdade entre os gêneros por meio do fortalecimento e organização política das mulheres visando a sua autonomia, liberdade e emancipação, impulsionando e contribuindo para mudanças sociais, políticas e culturais e sobretudo, provocando mudanças de valores na nossa sociedade. 85 Por volta dos anos 1970 são criados no Brasil grupos de apoio para mulheres em situação de violência física, sexual, psicológica. O SOS Mulher é uma ONG criada pela sociedade civil para atender uma demanda da população que não era oferecida pelo Estado. 86 A Lei 11.340/06, conhecida com Lei Maria da Penha, ganhou este nome em homenagem aos vinte anos luta para ver seu agressor preso depois da formalização da denuncia junto a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (OEA), que, pela primeira vez, acatou uma denúncia de violência doméstica. Viveiro só foi preso em 2002, para cumprir apenas dois anos de prisão. O processo da OEA condenou o Brasil por negligência e omissão em relação à violência doméstica. Além de punir o Brasil com recomendações para que fosse criada uma legislação adequada a esse tipo de violência. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1088 governo brasileiro dentre elas a criação de leis que tratassem exclusivamente da violência doméstica contra a mulher, para que assim, fosse garantida a integridade da mulher e punições mais rígidas aos seus agressores. Esse momento histórico de punição do estado brasileiro por negligência foi um marco decisivo na busca pelo fim da impunidade, e pela criação tempos depois da Lei n° 11.340 em 07 de agosto de 2006, denominada Lei Maria da Penha que tem como intuído coibir a violência doméstica e familiar contra as mulheres e limitar o poder dos homens. Assim, de acordo com o art.2 desta Lei: Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes á pessoa humana, sendo lhe asseguradas às oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social. A Lei Maria da Penha classifica a violência doméstica e familiar contra a mulher como: violência psicológica, física, sexual, moral e patrimonial, sendo, A violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda a integridade ou a saúde corporal da mulher; a violência moral, expressa na calúnia, difamação ou injúria, a patrimonial, na perda ou destruição de documentos, bens pessoais, instrumentos de trabalho e outros recursos materiais; a sexual, que abrange as situações relacionadas à relação sexual forçada, bem como condutas que obrigam por coação e chantagem a mulher ao matrimônio, gravidez, aborto ou à prostituição e ainda a violência psicológica, que ocorre quando agressor tenta controlar o comportamento da mulher por meio de ameaças, humilhação e isolamento (Queiroz 2005, p. 04) Vale salientar que a violência psicológica acompanha todas as demais, contudo, a lei brasileira por não se tem muita clareza sobre a extensão de seu efeito sobre as vítimas, demorou muito tempo para reconhecer esse tipo violência, inclusive a própria vitima tem dificuldades de compreender esse tipo de violência. Outra justificativa para isso esteja no fato da violência psicológica ser mais difícil de detectar, pois ao contrário da violência física e sexual, esta não deixa marcas visíveis. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1089 A criação da lei tem como fundamentação não só punir, mas prevenir e erradicar a violência contra mulher. Além disso, a Lei traz inovações no que se refere à rede de atendimento a mulher vitimada no espaço domestico e familiar como uma maneira de oferecer suporte jurídico, social e psicossocial. Nessa perspectiva, o Artigo. 35º possui medidas de assistência social como: I – centros de atendimentos integral e multidisciplinar para mulheres na respectivos dependentes em situação de violência doméstica e familiar; II – casas-abrigos para mulheres e respectivos dependentes menores em situação de violência doméstica e familiar; III – delegacias, núcleos de defensoria pública, serviços de saúde e centros de perícia médico-legal especializados no atendimento á mulher em situação doméstica e familiar; IV – programas e campanhas de enfrentamento da violência doméstica e familiar; V – centros de educação e de reabilitação para os agressores Apesar dos avanços em relação às punições da violência contra a mulher, ainda temos um longo caminho a percorrer na busca da efetivação da Lei Maria da Penha. Segundo dados do Instituto Patrícia Galvão de 2012, o Brasil possui mais de 5.500 municípios e somente 190 Centros de Referência (Atenção social, psicológica e orientação jurídica), 72 casas Abrigo, 466 delegacias especializadas de atendimento à mulher. Como observado à maioria dos municípios brasileiros não possuem nem as políticas básicas como delegacias especializadas no atendimento de mulheres vítimas de violência. Mesmo os municípios que possuem esses serviços à rede de atendimento a mulher em situação de violência ainda é muito incipiente, as DEAMS não funcionam à noite e nem nos finais de semana assim como, faltam casas-abrigos, Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, centro de educação e de reabilitação para os agressores e capacitação para os (as) profissionais. Portanto, para ações que visem coibir esse tipo de violência é fundamental uma maior articulação da rede de apoio, mais delegacias, profissionais capacitados (as), ampliação dos centros de referência, casas abrigo, etc. 2.1 O movimento feminista e a luta pela igualdade de direitos das mulheres III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1090 O movimento feminista surgiu na Europa no século XVII, a princípio reivindicando a participação política para as mulheres, além do acesso a educação e ao trabalho para que assim, homens e mulheres alcançassem de fato a igualdade, liberdade e fraternidade preconizada pela Revolução Francesa no ano de 1789. Contudo, a luta pelo reconhecimento dos Direitos Humanos, com a Declaração dos Direitos do Homem e do cidadão deixa de fora as mulheres o que causa inúmeras formas de resistência das mulheres protagonizada principalmente por Olympe de Gouges que anos depois escreve a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã (1791), remetendo a declaração à Assembleia Nacional, com o pedido de que fosse decretada como fundamento da Constituição do país. O movimento feminista francês influenciou vários países inclusive o Brasil que entre outras coisas reivindicava a participação política para as mulheres, além do acesso a educação e ao trabalho para que assim, homens e mulheres alcançassem de fato a liberdade e a igualdade. A luta pela ampliação dos direitos políticos e civis para as mulheres percorreu um longo e penoso caminho. O movimento sufragista87 do século XIX alcançou mulheres de várias partes do mundo. Esta foi uma luta específica que abrangeu mulheres de todas as classes, demandando enorme capacidade de organização política e uma infinita paciência. Em países como os Estados Unidos e a Inglaterra, prolongou-se por setenta anos. No Brasil, por 40 anos, a contar da Constituinte de 1891. No Brasil, o movimento feminista ganha grande repercussão por volta dos anos 1970. Em meio a uma crise da democracia e sobre o domínio do governo autoritário militar. O movimento feminista nesse período se caracteriza pela a aliança com outras forças na busca da democratização e liberdade de expressão. Destacamos aqui, a luta do movimento feminista pela visibilidade da violência contra a mulher no Brasil a partir do início da década de 197088 contra o assassinato de mulheres 87 O movimento sufragista surgiu na Europa no século XIX e tinha como objetivo a ampliação dos direitos políticos e civis para as mulheres. 88 Nesta época os movimentos feministas lançaram dois slogans que simbolizaram a luta pelo fim da violência e publicização da mesma: ―Quem ama não mata‖ e ―O silêncio é cúmplice da violência‖. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1091 ―por amor‖ e ―em defesa da honra‖, lutas que se ampliarão, no início dos anos 1980, para a denúncia de espancamentos e de maus-tratos conjugais impulsionando a criação das primeiras Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher (DEAM) em 1985. Nesta época os movimentos feministas lançaram dois slogans que simbolizaram a luta pelo fim da violência e publicização da mesma: ―Quem ama não mata‖ e ―O silêncio é cúmplice da violência‖. Referimo-nos principalmente à Lei 9.099/95, cuja pena para os agressores eram não restritivas de liberdade, causando uma enorme sensação de impunidade para as mulheres em situação de violência. Vale salientar que com o advento da Lei Maria da Penha não se aplica mais a Lei 9.099/95, conforme prevê o art. 41, para os crimes de violência doméstica e familiar. Nesse sentido, observamos que a história o feminismo é permeada pela preocupação em questionar o papel atribuído às mulheres na sociedade tentando desnaturalizar o ser mulher, isso se evidencia nas bandeiras de lutas incorporadas pelo movimento como: o controle da sexualidade feminina, a criminalização do aborto, o trabalho doméstico, a invisibilidade do estrupo no casamento e a violência contra a mulher. Portanto, a história do feminino é marcada pela luta contínua contra as culturas machistas, sexistas, racistas, classista e desigual do ponto de vista de gênero que segrega a mulher e retira–lhes o direito de vivenciar verdadeiramente a sua liberdade. 3 CONSIDERAÇOES FINAIS Compreendemos que desenvolver, a partir da desconstrução de ideologias, um novo pensamento em relação à mulher como vítima histórica de desigualdade em relação ao homem é desafiador. É um processo que leva tempo, onde estão envolvidas diversas questões que se apresentam solidificadas na identidade de cada um. Como também se torna perceptível a urgência em que se coloca a atualização constante dos profissionais que atuam diretamente com as mulheres em situação de violência. Pois o cotidiano de violência ao que ambos estão expostos – a mulher que sofre a agressão e quer denunciar/profissional que se ‗acostuma‘ a ouvir tantos relatos de violências, muitas vezes reincidentes - acaba por naturalizar essas agressões. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1092 Em tempos de globalização, esta luta assume um caráter estratégico, pois as mudanças ocorrem cada vez mais rápidas e a informação atinge um número cada vez maior de pessoas. Entende-se que a desigualdade de gênero é uma construção socialmente criada, ela pode ser recriada novamente, mas, desta vez, de forma igualitária, colocando homens e mulheres como seres humanos biologicamente diferentes, mas com um potencial a ser explorado por ambos, com liberdade de escolha, sem que sejam previamente determinadas. É importante destacar o protagonismo dos movimentos feministas, que trouxe para o espaço público a problemática da violência contra a mulher, que até então era tratada como uma questão privada e, portanto, não se deveria envolver. Ademais, a violência contra a mulher tanto é um problema de saúde pública, como uma negação dos direitos humanos, devendo ser, portanto, enfrentada pelos poderes executivo, legislativo e judiciário, assim como pelos movimentos sociais e a sociedade como um todo. Nessa perspectiva a Lei Maria da Penha, se configurando num importante instrumento para o enfrentamento à violência contra a mulher, contudo, a Lei por si só não garante a efetivação das ações para punir e erradicar a violência contra a mulher no nosso país, e preciso que as políticas públicas que preconizam a lei sejam realmente efetivadas que o estado garanta as condições necessárias para que as mulheres sejam atendidas de maneira digna e que vejam assegurados seus direitos a uma vida livre de toda forma de violência. É acreditando nessa reeducação, que o projeto visa conseguir alcançar seus objetivos, aproximar a rede de enfrentamento a violência contra a mulher cada vez mais da problemática das relações desiguais de gênero, como também sensibilizar esse profissional que está diretamente ligado ao atendimento e consequentemente ao desfecho que cada denuncia irá tomar. 4. Resultados finais Como resultado do projeto de Capacitação sobre a Lei Maria da Penha e relações sociais de gênero para profissionais da rede de atendimento às mulheres em situação de violência no município de Mossoró-RN, foi construída a Rede Integrada de Atendimento a III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1093 Mulher em Situação de Violência do Município de Mossoró – RIAM, o objetivo principal da rede é fazer com que todos os serviços de atendimento as mulheres em situação de violência se articulem e hajam de forma eficaz, para que isso aconteça são realizadas reuniões mensais para se pensar e melhorar articulação da mesma. REFERENCIAS BRASIL. Lei 11.340/06. Senado Federal, Brasília-DF, 2006. FARIA, Nalu e NOBRE, Miriam. Gênero e desigualdade. São Paulo: SOF, 1997(Coleção Cadernos Sempre Viva). GURGEL, Telma. Feminismo e Luta de Classe: história, movimento e desafios teóricopolíticos do feminismo na contemporaneidade. Fazendo Gênero 9. Agosto de 2010. QUEIROZ, Fernanda Marques de. Violência contra a mulher: O ―Pessoal é Politico‖. Pernambuco. 2005 QUEIROZ, Fernanda Marques de et al. Políticas públicas no contexto de desconstrução de direitos: desafios á materialização da Lei Maria da Penha. Mossoró: Serviço social na contra - corrente: lutas, direitos e políticas sócias, Edições UERN, 2010. RODRIGUES, Maysa. Sociologia, nº. 33, p. 27 a 37, Fevereiro. 2011. SARTI, Cynthia Andersen. O feminismo brasileiro deste os anos 1970: revisitando uma trajetória. Florianópolis: Revista Estudos Feministas, 2004. SAFFIOTI, Gênero, patriarcado e violência. São Paulo. Editora Fundação Perseu Abramo, 2004. SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para análise histórica. Tradução: Cristiane Rufino Dabat e Maria Betânia Ávila. New York: Columbia University Press, 1990. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1094 SUPLICY, Marta. Sexo para adolescentes: O Amor, homossexualidade, masturbação, virgindade, anticoncepção, AIDS. São Paulo, FTD, 1988. p.20 e 21. http://www.agenciapatriciagalvao.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1 975&catid=36 acesso em: 25/06/2012 III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1095 O DEFICIENTE DA ANTIGUIDADE A ATUALIDADE: CONQUISTAS DE DIREITOS E SUAS DIFICULDADES DE LEGITIMAÇÃO. Emília Daiana de Souza Moura89 Ana Luiza Pereira Dantas90 Gilcelia Batista de Gois91 RESUMO Nesse espaço pretende-se discutir e analisar sobre o/a deficiente na sociedade, como este/a era inserido na antiguidade assim como na atualidade, para isso remonta-se uma trajetória associada aos direitos desses indivíduos enquanto cidadãos que enfrentaram e ainda enfrentam constantemente as dificuldades de inserção no meio social como sujeitos, sempre destacando que também existiram ganhos nesta caminhada. Assim o presente artigo tem como objetivo compactuar com as analises que envolvem a temática, assim como para a defesa desses sujeitos, tendo em vista as problemáticas que estes/as tem que superar cotidianamente, tanto com relação a deficiência em si e mais ainda com relação a seu espaço na sociedade, este que por vezes é negado. Para que se fosse possível à realização do trabalho se fez necessário um estudo detalhado e abrangente ao mesmo tempo sobre o tema, assim como auxilio acadêmico e vivências cotidianas e concretas que nos mostram todos os dias a negação de direitos aos quais esses sujeitos vivem emersos. PALAVRAS-CHAVE: deficiência; direitos; inclusão social. INTRODUÇÃO: O devido artigo se constitui em um estudo voltado para analise sobre as pessoas na sociedade, objetivando, pois, instigar uma discussão acerca de como viveram e vivem esses indivíduos em sociedade, mais que isso, promover uma produção (mesmo que ainda necessite 89 Email: [email protected]; Telefone: (84)96909796 Email: [email protected]; Telefone: (84) 96066255 91 Professora Doutora . Email: [email protected]; Telefone: (84) 99278339 90 III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1096 de novos elementos) de conhecimento, que analise essa vivência as fragmentações e dificuldades de legitimação dos direitos desses sujeitos. Portanto, se fez necessário historicizar esse tema, trazendo em cada sociedade como estas lidavam com os sujeitos em destaque, como eram tratados, assim como a ausência da defesa pelos seus direitos, como dar a proteção desses indivíduos na atualidade e por fim, com é o seu convívio em sociedade, principalmente na família e logo no mercado de trabalho. Para que fosse possível tal analise, foram utilizados suportes teóricos na perspectiva de uma amplitude de conhecimento. Para tanto recorremos a referências e contribuições dadas por autores sobre o tema em questão assim como orientações docentes que foram pertinentes para a elaboração do artigo. PESSOAS PORTADORAS DE NECESSIDADES ESPECIAIS NO ENFRENTAMENTO A EXCLUSÃO SOCIAL: DA ANTIGUIDADE A ATUALIDADE A inicio é de grande valência perceber que as pessoas com necessidades especiais sempre enfrentaram e ainda enfrentam até os tempos atuais, grande dificuldades de adaptação, convívio (não por estes, mas como a sociedade as concebem) ao meio social, dificuldades essas não somente pela sua deficiência, seja ela física ou mental, além desse fator, o deficiente encontra barreiras no que diz respeito à aceitação e respeito das pessoas. Com base nisso, como eram as relações entre o portador de necessidades especiais e a sociedade nos tempos da antiguidade? Como essa sociedade tratava os indivíduos deficientes? E mais, como as relações vêm se modificando ao longo do tempo e como são percebidas na atualidade? Nas sociedades primitivas a exemplo, em decorrência dos povos serem nômades e dependerem da natureza para sua sobrevivência, tarefa que se era necessário usar da força e agilidade, não se constava lugar para os considerados na época ―fracos‖, para aqueles que não tivessem capacidade suficiente para colaborar de forma efetiva nas atividades produtivas. ―Assim, frequentemente, sem qualquer sentido de culpa, eram abandonados ou eliminados, as pessoas com algum tipo de deficiência.‖ (BIANCHETTI, 1998). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1097 Na civilização Grega, por sua vez, as pessoas destacavam bem as ―virtudes heroicas‖, sendo essas, constatadas através de trabalhos físicos e espirituais, assim sendo o objetivo era se alcançar força, vigor e saúde, como também a harmonia e perfeição do ser. Nessa perspectiva, o individuo que possuía algum tipo de deficiência, se distanciava desse ―padrão‖ exigido pela sociedade grega; por não conterem em si, todos os aspetos exigidos, estes não eram dignas de conviver com os demais, já que não eram uteis a Polis. Um exemplo importante a ser citado diz respeito ao tratamento dado ao deficiente logo ao nascer, nas sociedades antigas é na literatura filosófica antiga, onde se havia uma forte tradição (principalmente em Esparta) de cuidados com as crianças, mesmo antes de nascerem, logo no período da concepção e gestação. Porém as crianças que fossem consideradas defeituosas, ―identificadas pelas comissões de mulheres nos tempos de Llithya (deusa dos partos)‖ (MARTINS, 1993), eram sacrificadas. ―Isso ocorria em virtude de serem vistas como uma expressão de ira dos deuses ou de espíritos malignos‖ (AMARAL, 1994). Engana-se quem pensa que essa repudia as pessoas deficientes, ocorreu apenas nesse período mencionado, as deficiências por muito tempo foram consideradas como desarmonia ao homem protegido por Deus, que apesar de difundido na antiguidade, perpassou por muito tempo. Essa visão em relação aos portadores de deficiência começou a se alterar com a propagação do cristianismo, onde aos poucos começam a ser consideradas/os como filhos de Deus, mais que isso as práticas exercidas antes pela civilização grega e pela literatura filosófica antiga, agora eram condenadas, e tudo graças à propagação do cristianismo com relação ao amor o próximo, a compaixão por aqueles menos favorecidos. Seguindo a linha de pensamento com relação ao tratamento dado aos deficientes, agora estes eram recolhidos em igrejas, conventos e demais localidades, é importante que se destaque que esses indivíduos eram isolados e excluídos do restante da sociedade, juntamente com os velhos, pobres e doentes, isso para que a sociedade cumprisse seu dever de ―amar ao próximo‖ e ao mesmo tempo não necessitar de conviver com seres tão ―antissociais‖. Portanto III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1098 não se havia preocupações e cuidados com essas pessoas, eram apenas permitidas de viver, a qualidade dessa vida era o que menos importava. Há ainda um ponto a ser destacado, que apesar desses indivíduos agora não serem condenados à morte, ainda eram vistos como espíritos malignos, muitas vezes eram vitimas de cerimônias de exorcismo, graças as causas sobrenaturais atribuídas a sua deficiência, mais que isso, em várias ocasiões eram condenados a morte na fogueira durante a inquisição católica. Bianchetti (1998, p.32-33) menciona essa pratica ao assinalar: ―... A queima de alguém que trouxesse no seu corpo uma deficiência considerada não normal (...) era justificado por estar ‗associado a um suposto consorcio com o demônio (...), devendo essa alma ser purificada pelas chamas‘‖. Geralmente essas deficiências não normais citadas pela autora eram as metais que eram consideradas doenças espirituais. Constata-se, pois que parte considerável da sociedade estabelecia uma exclusão e massacre aquelas manifestações de crueldade cometidas com os deficientes, estas faziam parte da normalidade e costumes sociais sem, portanto se aterem a consciência moral ou política dos que a praticavam e dos que as consentiam. Com o passar dos tempos esses ―costumes normativos‖ foram sendo analisados e refletidos como processos excludentes, já que esses indivíduos foram afastados do convívio social, muitas vezes impossibilitados não somente pela deficiência em si, mas pela incapacidade perceptível da sociedade percebe-los como indivíduos integrantes e participantes do meio social. Carvalho (2004, p.47), fala desse processo excludente e sua ressignificação quando assinala: Talvez uma das possibilidades de se reverter, definitivamente, os processos excludentes seja a de ressiginificar de fato e em nós, a ideia que temos nossa própria ―normalidade‖ e, dentre seus corolários, o que nos leva a supor que por sermos ―normais‖, somos seres completos, já que não nos faltam os sentidos, a inteligência, a capacidade motora, locomotora. [...] III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1099 Trazendo o debate para os tempos atuais e contextualizando-o com a garantia de direitos que visa à diminuição dessas exclusões percebidas diante do apontado, constatamos que a constituição de 1988 assim como as políticas sociais nesse âmbito em consonância com o tratado dos direitos humanos assinado pelo Brasil contribui para a inclusão dessas pessoas, ainda de forma lenta, porém gradual. A Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, aprovada em 1999 e a denominada lei de Acessibilidade, sancionada em 2004 pelo Decreto 5.296 vem a contribuir e reforçar a sanção da constituição, uma vez que esta: [...] estabelece ser de responsabilidade dos órgãos e entidades do poder público garantir possibilidades às pessoas com deficiência para o pleno exercício de seus direitos básicos decorrentes da Constituição e de outras leis, sobretudo, para o objetivo de promover o bem-estar pessoal, social e econômico dessa parcela da população. Sendo assim, é imprescindível que as pessoas percebam a pessoa com necessidades especiais como um individuo que também possui suas potencialidades, e que precisa que os demais o perceba como alguém que seja capaz de superar uma dificuldade que tem, e que saiba que ele tem lugar em todos os espaços sociais, que não possua medo e vergonha de viver como tal, uma pessoa que assim como as demais possui diferenciações, limites e potencialidades. O Decreto-Legislativo n. 186 de 09 de julho de 2008 e do Decreto de Promulgação n. 6949, de 25 de agosto de 2009, constatam a asseguração desses indivíduos, uma vez que traduzem a importância de aceitar estes como parte integrante da sociedade. A CHEGADA DE UMA CRIANÇA A UM NÚCLEO FAMILIAR: A IMPORTÂNCIA E COMPROMISSO DA FAMÍLIA, JUNTO ÀS INSTITUIÇÕES COMPETENTES Considerando todos os aspectos que envolvem o crescimento e desenvolvimento da personalidade do individuo como também sua adaptação aos diferentes âmbitos da sociedade III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1100 ao qual vivemos, podemos afirmar que a família exerce um importante papel dentro desse processo de formação no que diz respeito à dinâmica de relacionamento e convivência. A família dependerá de todos os seus membros e das relações que eles tiverem, tanto frente aos problemas internos vivenciados no lar, como os externos com as demais pessoas, para que haja harmonia e boas condições de desenvolvimento para todos que nela fazem parte. Quando se espera a chegada de um filho é inegável que todos imaginam que ele seja saudável, bonito e inteligente e muitas vezes quando o núcleo familiar se depara com uma criança deficiente a primeira reação muitas vezes é de frustração. Daí em diante há vários processos para que se ―ajuste‖ essa criança a família, e que a aceite como ela é, daí a importância do acompanhamento dessas famílias com profissionais, uma vez que o sentimento de rejeição em alguns casos dura mais que o esperado e muitas das vezes nem se acaba e a criança por sua vez necessita, diante de sua fragilidade, de cuidados e ajuda extra familiar que venha a trazer um bem estar a este sujeito. Pensando nessa dificuldade de integração e de acolhimento da criança deficiente em sua família, o Ministério da Educação, juntamente com a secretaria de Educação Especial (2010-46), intitula no art. 23 (Respeito pelo lar e pela família) que: Os Estados Partes assegurarão que as crianças com deficiência terão iguais direitos em relação a vida familiar. Para a realização desses direitos e para evitar a ocultação, abandono, negligência e segregação de crianças com deficiência, os Estados Partes fornecerão prontamente informações abrangentes sobre serviços e apoios a crianças deficientes e suas famílias. O decreto do artigo 23 é de suma importância pelo fato da negligência ser constante na vida do deficiente, não só a negligência como a superproteção e isso pode resultar em um impedimento de que a criança progrida conviva normalmente (dentro de seus limites) na sociedade, dai a importância de fornecer informações sobre os serviços disponibilizados como também à informação passada de profissionais que venham a orientar os familiares, para que suas ações venham a garantir resultados positivos na vida dessa criança. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1101 Faz-se necessário um aprendizado que fortaleza a estrutura familiar, agregando todos no mesmo segmento, sabendo como interagir com a criança especial, desse modo ela aprende o que é o mundo, interagindo e sentindo-se parte dele. A GARANTIA DO DIREITO PARA O DEFICIENTE NA INSERÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO Em todos os ambientes da vida social o deficiente sofre com sua inserção nestes, no mercado de trabalho a realidade não é diferente, com base nessa dificuldade o artigo 27 (Trabalho e emprego), o Ministério da Educação e a secretaria de Educação especial intitulam que: Os Estados partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência ao trabalho, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas. [...] Promover oportunidades de trabalho autônomo, empreendedorismo, desenvolvimento de cooperativas e estabelecimento de negocio próprio [...] assegurar que adaptações razoáveis sejam feitas para pessoas com deficiência no local de trabalho. O Ministério Público do Trabalho assim como o da educação, também tem somado esforços na inserção das pessoas com necessidades especiais no ambiente do trabalho, esses esforços resultaram na lei brasileira, que estabelece a fixação do direito de livre expressão, de ir e vir, de votar e ser votado, bem como os direitos sociais de educação, habitação, trabalho e saúde, porem denota-se uma dificuldade de falta de adequação do direito e de estruturas físicas nas cidades como também nas empresas, além do que a ignorância sobre as competências das pessoas deficientes torna-se mais um obstáculo, impedindo o seu acesso e a garantia de seus direitos. Segundo Ricardo Tadeu Marques da Fonseca, em seu texto a revista da Educação especial, (agosto de 2006, p.20), considera que: O direito do trabalho veio como primeiro instrumento jurídico que tratou da igualdade substancial, visto que o confronto direto entre capital e trabalho evidenciou a insuficiência da mera afirmação que todos são iguais perante a lei. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1102 A citação acima trás a tona a critica e a contradição inserida ao trabalho, no qual a lei trás afirmações de igualdade, porém a contradição é algo inerente ao sistema capitalista, que é a disparidade entre a classe trabalhadora e classe capitalista, que só visa o lucho e consequentemente ainda por heranças passadas alguns ainda enxergam as pessoas com necessidades especiais como totalmente incapazes e improdutivas e por isso ainda as querem excluir do sistema produtiva o que gera uma serie de preconceitos em volta disto. O artigo 37º, inciso VIII, da Constituição Federal, determina que ―A lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão‖. Com isto aos poucos através das leis está se observando uma maior inserção das pessoas com deficiência no mercado de trabalho, porém ainda devido a alguns tabus e preconceitos essa inserção ainda é lenta. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao longo das discussões aqui pautadas, percebeu-se que o sujeito deficiente na antiguidade era constatado como algum tipo de expressão demoníaca, para tanto o deficiente era utilizado como instrumento para ritos e celebrações obscuras. Ao decorrer do tempo, foi se tendo uma noção de aceitação só que pautada na religião e com bases a negligencia e abandono destes. Percebe ainda que na atualidade, apesar de leis como o tratado dos direitos humanos que defendem esses sujeitos na verdade eles muitas vezes não se legitimam ou se efetivam, pois é perceptível nos locais públicos a falta de acessibilidade, assim como o desrespeito e a desvalorização das pessoas com o deficiente, graças muitas vezes a falta de educação e esclarecimento como também o determinante histórico. Não obstante, é preciso considerar a relevância dessa elaboração cientifica, já que esta tem como intuito primeiro compactuar uma analise histórica e atual sobre a deficiência e o tratamento dado ao deficiente com o tempo, para então se compreender os ganhos obtidos como também a falta de legitimação das políticas. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1103 Sendo assim, percebe-se que o assistente social em especial deve estar preparado para essas demandas, de modo a promover a educação e esclarecimento ao quais as pessoas se mostram tão carentes, e até mais, de forma a exigir e criar estratégias que visem confrontar o abandono do Estado e por consequência garantir que o direito desses cidadãos seja de fato concretizado. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMARAL, Ligia A. Pensar a diferença/deficiência. Brasília. Coordenadoria Nacional para a integração da pessoa portadora de Deficiência, 1994. BRASIL, Ministério da Educação e Secretaria de Educação Especial. Marco políticolegais da educação especial na perspectiva da educação inclusiva. Brasília, 2010. ______. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF. 1988. ______. Decreto n. 3.289 de 20 de dezembro de 1999. Dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa com Deficiência, consolida as normas e dá outras providências. 1999. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D3298.htm>. Acesso em: 16/06/2013. AMARAL, Ligia A. Pensar a diferença/deficiência. Brasília. Coordenadoria Nacional para a integração da pessoa portadora de Deficiência, 1994. BIANCHETTI, Lucídio. Um olhar sobre a diferença Interação, Trabalho e Cidadania. Campinas: Papirus, 1998. BUSCAGLIA, L. Os deficientes e seus pais. Um desafio de aconselhamento. Rio de Janeiro, 1993. CARVALHO, Rosita Edler. Educação inclusiva: com os pingos nos is. Porto Alegre, 2004. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1104 FONSECA, Ricardo Tadeu Marques. Os direitos humanos e a pessoa com deficiência no mercado de trabalho. Revista da Educação Especial, Paraná, 2006. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1105 O Sistema Penitenciário Cearense e o Núcleo de Assistência ao Preso Provisório e às Vítimas de Violência – NUAPP, da Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará: a materialização da Lei N° 7.210 de 11 de Julho de 1984? Nayara Alinne Soares Mendonça92 Resumo O presente artigo se propõe a, através do esboço de um panorama geral da situação do sistema penitenciário cearense, com informações quali e quantitativas, principiar uma problematização das condições de cumprimento da privação provisória de liberdade no Estado do Ceará, bem como objetiva ainda oferecer reflexões críticas a respeito das atribuições e das ações desenvolvidas pela Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará - DPGE, implementada em âmbito nacional a partir da Lei Complementar n° 80, de 13 de janeiro de 1994, e, em território cearense, a partir da Lei Complementar n° 06, de 28 de Abril de 1997, pelo fato da DPGE constituir-se como instituição respaldada legalmente enquanto instrumento para a garantia dos direitos constitucionais da população condenada e interna no sistema penitenciário. Somando-se a isto, pretendemos realizar uma exposição do trabalho sócio jurídico desenvolvido pelo Núcleo de Assistência ao Preso Provisório e às Vítimas de Violência - NUAPP, órgão integrante da Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará, que teve seu surgimento atrelado à crise da segurança pública no estado, que teve seu ápice entre os anos de 2007 e 2008 – embora tenha, daí então, apenas iniciado um ciclo que não foi rompido até os dias atuais - devido aos graves problemas relacionados ao tratamento dispensado aos indivíduos privados provisoriamente de liberdade que ainda encontravam-se reclusos nas delegacias de polícia devida à ausência de vagas no sistema penitenciário ou que acabavam por cumprirem suas penas ali mesmo, por conta da insuficiência da assistência jurídica pública e gratuita. Palavras chave: Defensoria Pública. Núcleo de Assistência ao Preso Provisório e às Vítimas de Violência. Sistema Penitenciário. 1. Introdução A temática da segurança pública se apresenta como algo de grande pertinência na contemporaneidade brasileira, não sendo, portanto, diferente no contexto sócio histórico próprio do estado do Ceará. Tendo em vista a sensação de violência que está presente na 92 Mestrado Acadêmico em Políticas Públicas e Sociedade – Universidade Estadual do Ceará – UECE. Telefone: (85) 9731.0785 E-mail: [email protected] III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1106 vivência coletiva dos cearenses, vez que periodicamente são divulgados os índices do aumento crescente da criminalidade. Informações constantes do Mapa da Violência 2012 – Crianças e Adolescentes do Brasil, de autoria de Julio Waiselfisz, demostram que o Ceará ocupava, até o ano de 2010, o 7º lugar no ranking de estados brasileiros com altas taxas de homicídios contra crianças e jovens com idade entre 1 e 19 anos. De 2000 a 2010, a taxa está em 148,8. O Ceará está acima da média nacional. Fortaleza é a 3ª capital em assassinatos por arma de fogo. O Ceará, o 5º estado. A violência aumentou 175,9%. O documento Mapa da Violência 2013 – Mortes Matadas por Armas de Fogo, do mesmo autor, baseado nos registros do Subsistema de Informações sobre Mortalidade – SIM, desenvolvido pelo Ministério da Saúde, traz informações que afirmam que, entre 1980 e 2010, perto de 800 mil cidadãos morreram por disparos de algum tipo de arma de fogo. Nesse período, as vítimas passam de 8.710 no ano de 1980 para 38.892 em 2010, um crescimento de 346,5%. Salientando que, nesse intervalo, a população do país cresceu 60,3%. Mesmo assim, o saldo líquido do crescimento da mortalidade por armas de fogo, descontando o aumento populacional, ainda impressiona. Entre os jovens de 15 a 29 anos esse crescimento foi ainda maior: passou de 4.415 óbitos em 1980 para 22.694 em 2010: 414% nos 31 anos entre essas datas. O alto crescimento das mortes por armas de fogo foi puxado, quase exclusivamente, pelos homicídios, que cresceram 502,8%, enquanto os suicídios com armas de fogo cresceram 46,8% e as mortes por acidentes com armas caíram 8,8%. Nesse sentido, dado o vertiginoso crescimento dos índices de criminalidade, temos de considerar também o impacto que isto tem no conjunto dos sistemas de segurança pública e de acesso à justiça, mais propriamente no tocante ao reforço do aparato preventivo e combativo à prática de crimes, com a sua consequente e devida criação de vagas no sistema penitenciário cearense, bem como o alargamento da possibilidade da oferta de assistência jurídica pública e gratuita aos indivíduos que comprovem tal necessidade. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1107 Apesar dos elevados investimentos estatais no aparelhamento da polícia militar nos últimos anos, sobretudo quando da implantação, em novembro de 2007, do Programa Ronda do Quarteirão, com a aquisição de veículos, contratação de um efetivo policial que reforçou sobremaneira os quadros policiais em todo o Ceará, os índices de criminalidade não diminuíram, pelo contrário, vem aumentando. Com isso, menos que iniciar a busca de razões para o fenômeno do aumento dos índices da prática de crimes e compreender os significados dessa situação social, nos propomos a refletir seus impactos, sobretudo no que se refere ao sistema penitenciário cearense. Como as unidades prisionais cearenses se apresentam na atualidade? Como se dá o trabalho desenvolvido pela Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará - DPGE, através do Núcleo de Assistência ao Preso Provisório e às Vítimas de Violência – NUAPP, no tocante à assistência jurídica ao preso provisório? A referida instituição tem conseguido cumprir com as disposições e atribuições que lhes são conferidas legalmente? Em quais sentidos o reforço ao ―combate à criminalidade‖ através do aumento do efetivo policial não estaria a impactar o trabalho desenvolvido pela DPGE? 2. Características e Problemáticas do Sistema Penitenciário Cearense O estado do Ceará, segundo a Secretaria de Justiça do Estado do Ceará através de dados divulgados referentes ao mês de dezembro de 2012, tem em torno de 17.657 pessoas em privação total ou parcial de liberdade, cumprindo regime aberto ou semi-aberto, recolhidas em presídios, cadeias públicas e demais estabelecimentos prisionais (Casa do Albergado, Colônias Agrícolas, Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico e Casas de Privação Provisória de Liberdade). Nas casas de privação provisória de liberdade da zona metropolitana de Fortaleza aguardam julgamento aproximadamente cerca de 4.554 pessoas. O sistema penitenciário do Ceará é constituído por 134 cadeias públicas municipais, 05 penitenciárias (Instituto Penal Paulo Sarasate, Instituto Penal Feminino Auri Moura Costa, Penitenciária Francisco Hélio Viana de Araújo, em Pacatuba, Penitenciária Industrial Regional do Cariri e Penitenciária Industrial de Sobral), 08 presídios (Instituto Presídio III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1108 Professor Olavo Oliveira I e II, Casa de Privação Provisória de Liberdade Desembargador Francisco Adalberto de Oliveira Barros Leal (CPPLDFAOBL), Casa de Privação Provisória de Liberdade Agente Luciano Andrade Lima (CPPLAPLAL), Casa de Privação Provisória de Liberdade Professor Clodoaldo Pinto (CPPLPCP) e Casa de Privação Provisória de Liberdade Professor Jucá Neto (CPPLPJN), Casa de Privação Provisória de Liberdade Agente Penitenciário Elias Alves da Silva e Complexo Penitenciário de Aquiraz), 02 complexos hospitalares (Hospital Geral e Sanatório Penal Professor Otávio Lobo e Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes), 02 colônias agrícolas (Colônia agrícola do Cariri e Colônia agropastoril do Amanari), perfazendo um total de 151 estabelecimentos penais. Entre os anos de 2011 e 2012, foram inauguradas a Penitenciária Francisco Hélio Viana de Araújo, localizada no município de Pacatuba, com capacidade para 525 presos e que, segundo dados da Secretaria de Justiça do Estado do Ceará, em dezembro de 2012 contava com a presença de 486 detentos, além do Complexo Penitenciário localizado no município de Aquiraz com capacidade para 150 presos e que contava com a presença de 136 detentos. Além disto, no ano de 2013, estão previstas a construção e a inauguração de outras unidades prisionais. De acordo com estes dados, podemos perceber como a construção das referidas casas de privação provisória de liberdade no Estado do Ceará foi algo relevante para o cumprimento dos dispostos legais referentes ao recolhimento dos presos provisórios, que anteriormente à construção dessas unidades prisionais, tinham que aguardar o julgamento por juiz competente, por um período superior a trinta dias, tendo que submeter-se a situações de violação de seus direitos fundamentais, a exemplo das constantes violências a sua integridade física e moral, condições insalubres de habitação e ausência de possibilidades de trabalho e educação no momento da execução da pena, algo que poderia até ser utilizado para sua progressão de regime, pois de acordo com a Lei de Execuções Penais (Lei 7.210/1984), a cada três dias de trabalho ou de estudo, um dia da pena é reduzido. Entretanto, apesar da existência de avanços em relação às formas de recolhimento dos indivíduos em privação de liberdade, fazendo-se cumprir as disposições legais referentes ao III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1109 assunto, temos de mencionar o fato de que a adesão à política de encarceramento, em que se compreende como solução para a problemática do crescimento dos índices de criminalidade a construção desenfreada de unidades prisionais, não resolve a situação. O Estado, enquanto garantidor legal das condições materiais de existência dos indivíduos: educação, saúde, assistência social, previdência, cultura e lazer, deve ser pioneiro, em parceria com a sociedade civil, da elaboração e implantação de políticas públicas voltadas à prevenção da criminalidade, bem como da reintegração social dos indivíduos egressos do sistema prisional. 3. A Defensoria Pública do estado do Ceará como Instrumento Legal de Defesa dos Direitos Constitucionais A Constituição Federal do Brasil, a partir da sua promulgação em 05 de Outubro de 1988, trouxe consigo uma gama de princípios e garantias fundamentais. Dessa forma, ―está, pois, o Estado submetido a uma ordem constitucional com o fim específico e democrático de promover o bem-estar da coletividade. (BARRETO, 2007, p. 161). O acesso à justiça constitui-se como uma das garantias constitucionais trazidas pela Constituição de 1988, e também como possibilidade de efetivação de outros direitos assegurados legalmente, tendo em vista que é, concomitantemente, um direito fundamental e uma garantia dos demais direitos fundamentais. A referida autora, ao conceituar a temática do acesso à justiça afirma que esta: [...] não implica apenas acesso ao Poder Judiciário, mas e, principalmente, significa isonomia formal e material, importa em igualdade de oportunidades no exercício da cidadania e na adoção de uma postura de transformação social das desigualdades‖ (BARRETO, 2007, p. 179). Chuairi (2001), ao tecer considerações acerca dos objetivos da garantia de acesso às funções jurisdicionais do Estado, destaca que: O acesso à justiça apresenta duas finalidades básicas: a primeira é que os sujeitos podem reivindicar seus direitos e buscar a solução de seus problemas sob o patrocínio e a proteção do Estado, e, portanto, o sistema jurídico deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos; e a segunda corresponde ao III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1110 fim último do sistema jurídico no Estado Democrático de Direito, que é o de garantir o acesso à justiça igualmente a todos. (p.127) A Defensoria Pública surgiu no Brasil como instituição essencial ao Estado, a partir da promulgação da Constituição de 1988 (art. 134), fica estabelecido que a Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado,incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5°, LXXIV27‖. A Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios foi criada a partir da Lei Complementar n° 80, de 13 de janeiro de 1994, que tem como objetivo a organização desta instituição no país e em seus demais estados. As finalidades e princípios institucionais da Defensoria Pública da União podem ser inferidos nos art. 1, 2 e 4 da referida legislação nos seguintes termos: Art. 1º. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe prestar assistência jurídica, judicial e extrajudicial, integral e gratuita, aos necessitados, assim considerados na forma da lei. Art. 2º. A Defensoria Pública abrange: I - a Defensoria Pública da União; II - a Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios; III - as Defensorias Públicas dos Estados. [...] Art. 4º. São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras: I - promover, extrajudicialmente, a conciliação entre as partes em conflito de interesses; II - patrocinar ação penal privada e a subsidiária da pública; III - patrocinar ação civil; IV - patrocinar defesa em ação penal; [...] VIII - atuar junto aos estabelecimentos policiais e penitenciários, visando assegurar à pessoa, sob quaisquer circunstâncias, o exercício dos direitos e garantias individuais; IX - assegurar aos seus assistidos, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, o contraditório e a ampla defesa, com recursos e meios a ela inerentes; X - atuar junto aos Juizados Especiais de Pequenas Causas; [...] III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1111 A Defensoria Pública do Estado do Ceará foi criada a partir da Lei Complementar N° 06, de 28 de abril de 1997 para exercer o papel de: [...] instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe prestar gratuita e integral assistência jurídica, judicial e extrajudicial aos necessitados, compreendendo a orientação, postulação e defesa de seus direitos e interesses, em todos os graus e instâncias, compreendido entre estes, o juízo das pequenas causas, na forma do inciso LXXIV, do art. 5º, da Constituição Federal‖. (Art. 2). No que se refere à relação entre a criação da Defensoria Pública e a garantia dos direitos constitucionais assegurados à população carcerária, podemos estabelecer ligações fundamentais de grande relevância entre esses dois fatores, tendo em vista, sobretudo, a constituição do sistema prisional brasileiro, especialmente o cearense. O Formulário Categoria e Indicadores Preenchidos, consolidados através do InfoPen Estatística (2010), órgão do Departamento Penitenciário Nacional, integrante do Ministério da Justiça, responsável pelo registro de indicadores gerais e preliminares sobre a população carcerária do país, traz dados e informações que auxiliam a compreensão acerca do sistema penitenciário cearense. Segundo o referido documento, a população carcerária é constituída, fundamentalmente, por indivíduos que necessitam da assistência jurídica da Defensoria Pública por se encontrarem, em sua maioria, em situação de vulnerabilidade social, acarretada pelas condições sociais e econômicas em que se encontram; notadamente a baixa escolaridade e a renda insuficiente. No que se refere à faixa etária dos indivíduos em privação de liberdade, o referido documento explicita que a população carcerária do Estado do Ceará é formada, em grande parte, por jovens entre 18 e 29 anos de idade, tal parcela representa 46,2% do total de indivíduos reclusos, ou seja, 6.838 pessoas encontram-se nessa situação. No que tange à escolaridade, dos 14.796 indivíduos em privação de liberdade no Estado do Ceará, 1.072 são analfabetos, o que equivale a 7.24%; outros 2.907 são apenas alfabetizados, representando o percentual de 19,6%, enquanto outros 4.635 têm o ensino fundamental incompleto, cujo total de 31,3%. Vale salientar que 3.867 detentos não tiveram seu grau de escolaridade informado, totalizando 26%. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1112 Podemos auferir que a compreensão da interface entre a criação da Defensoria Pública e sua importância para a efetivação dos dispositivos constitucionais assegurados aos indivíduos em privação de liberdade, está no fato de que Bessa (2007, p. 40), ao mencionar Karam (2005, p. 170), destaca que ―os Censos, periodicamente realizados pelo Ministério da Justiça, têm classificado como absolutamente pobres entre 90 e 95% dos internos no sistema penitenciário brasileiro‖, o que demonstra a necessidade de atuação da Defensoria Pública enquanto forma de garantir o acesso à justiça aos encarcerados. A garantia de uma Defensoria Pública verdadeiramente atuante junto às demandas da população carcerária e de seus familiares é algo de grande relevância para a efetivação das disposições constitucionais que versam sobre a mais variada gama de direitos fundamentais. A assistência jurídica constitui possibilidade real e legal para a materialidade dos direitos constitucionais de todos os indivíduos, além de ela mesma já ser um direito fundamental. É imprescindível, portanto, que os estabelecimentos prisionais contem com profissionais independentes, sem vinculações de qualquer ordem com a direção do estabelecimento (mormente empregatícias, como nos casos de terceirização ou privatização de presídios), nem com os governantes, a fim de que possuam a isenção necessária para efetuar as denúncias citadas e movimentar a máquina judicial para albergar os direitos fundamentais dos encarcerados (BESSA, 2007, p. 191-192). A priorização das demandas dos indivíduos em privação de liberdade, no tocante à assistência material, à saúde, social e jurídica, bem como as de seus familiares que, em alguns casos, desconhecem os trâmites legais que se referem aos procedimentos judiciais e penais, através da garantia de assistência jurídica integral e gratuita a todos que não tiverem condições financeiras favoráveis é um imperativo que se faz presente em nossa sociedade. 4. O Núcleo de Assistência ao Preso Provisório e às Vítimas de Violência – NUAPP, da Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará – DPGE e a materialização da Lei n° 7.210/1984? III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1113 O Núcleo de Assistência ao Preso Provisório e às Vítimas de Violência - NUAPP é uma criação de representantes da Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará, com aprovação e financiamento do Ministério da Justiça, e que se encontra em funcionamento desde junho de 2008. A equipe profissional do NUAPP é composta por defensores públicos, assistentes sociais, psicólogos e estagiários das áreas mencionadas. No tocante ao funcionamento, o NUAPP atende em sistema de plantão de 12 horas, com Defensores Públicos que dão assistência jurídica aos presos desde o momento da lavratura do auto de prisão em flagrante, contando com a atuação conjunta dos defensores públicos já lotados nas varas criminais e no Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, quando da tramitação dos processos criminais. Através desta ação, a Defensoria Pública favorece o fluxo normal nas Delegacias de Polícia, garantindo a correta aplicação da lei em favor de presos em situação irregular, possibilitando a liberdade a quem já tem direito. A ideia de criação desta unidade surgiu como fruto de inquietações perante a verificação de dois grandes problemas de segurança pública no Estado do Ceará que afetavam àquele período histórico, mas que persistem até os dias atuais: a forma de repressão das ações criminosas e a atuação do poder público frente às pessoas envolvidas em um conflito de natureza penal (o autor da infração, a vítima e os familiares de ambos). A sociedade cearense, até meados do ano de 2008, sofria com graves problemas relacionados ao tratamento dispensado aos indivíduos privados de liberdade, mas que ainda não haviam sido julgados pelo suposto delito cometido, ou seja, os presos provisórios. Entretanto, o Governo do Estado do Ceará, sobretudo a partir do fim dos anos 90 e a primeira década dos anos 2000, vinha dispensando a estes indivíduos, longas permanências em delegacias policiais, a fim de aguardarem o julgamento necessário para a soltura dos indivíduos absolvidos das acusações ou ainda para o surgimento de vagas no sistema prisional, quando da sua condenação por juiz de direito. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1114 Os primeiros interesses do referido projeto voltaram-se a diagnosticar este grave problema na área de segurança pública que acaba por gerar na própria população um sentimento generalizado de medo, revolta e insatisfação. Os fundamentos para a implantação do Núcleo de Assistência ao Presos Provisório e às Vítimas de Violência - NUAPP versavam a respeito da busca de soluções para o crescimento dos índices de criminalidade. Daí então, o Governo do Estado do Ceará adotou um modelo de segurança pública baseado no incremento do ―Estado Polícia‖, investindo maciçamente em policiamento e encarceramento. Em decorrência, surgem novas crises, atinentes ao crescente grau de aprisionamento em locais sem a destinação específica para receber pessoas em situação de reclusão: as delegacias de polícia. Dessa forma, até então as delegacias de polícia em todo o Estado do Ceará recebiam os presos provisórios e eram responsáveis pela segurança e guarda dos mesmos, muitas vezes, em locais não apropriados, pois tal espaço é destinado para a atuação investigativa frente às denúncias recebidas ou os flagrantes policiais. O tempo de permanência de um indivíduo acusado da prática de delitos, e ainda não julgado, em uma delegacia de polícia deveria ser de, no máximo, trinta dias, pois muitos xadrezes apresentam instalações precárias, ambiente reduzido e inseguro para os trabalhadores e policiais das delegacias e até mesmo para o próprio detento que não tem seus direitos básicos de integridade física preservados. Segundo as Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros, os presos não julgados devem ser mantidos separados dos presos condenados e os mesmos devem ser orientados a dormirem sozinhos, ou seja, em quartos separados, dentro dos limites compatíveis com a ordem dos estabelecimentos prisionais. A Lei de Execuções Penais, em seu artigo 84, determina que o preso provisório deva manter-se separado dos indivíduos já condenados, tendo em vista as diferentes situações jurídicas dos mesmos. O artigo 104 da LEP dispõe que o estabelecimento destinado aos presos provisórios deve observar em sua construção as exigências mínimas como ser alojado em cela individual que contenha dormitório, aparelho sanitário e lavatório, além de possuírem os seguintes III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1115 requisitos básicos: salubridade do ambiente e ser localizado afastado do centro urbano, mas que não prejudique sobremaneira a visitação de amigos e familiares aos internos. Tais recomendações eram prejudicadas em sua efetivação por parte das autoridades ligadas à Secretaria de Segurança Pública que é responsável por zelar pela ordem pública, coordenando, controlando e integrando as ações da Polícia Civil do Ceará, da Polícia Militar do Ceará, do Corpo de Bombeiros Militar do Ceará, dos Institutos de Polícia Científica (Médico Legal, Criminalística e Identificação) e da Corregedoria Geral dos Órgãos de Segurança Pública e Defesa Social, bem como pela Secretaria de Justiça que tem como missão institucional promover o pleno exercício da cidadania e a defesa dos direitos humanos inalienáveis da pessoa humana. Compete ainda à SEJUS executar a manutenção, supervisão, coordenação, controle, segurança e administração do Sistema Penitenciário do Ceará, além de garantir o cumprimento das penas e zelar pelo livre exercício dos poderes constituídos, bem como superintender e executar a política estadual de preservação da ordem jurídica, da defesa, da cidadania e das garantias constitucionais. Segundo Torres (2001), o grau de violações dos direitos humanos da população carcerária que está no sistema de segurança pública é significativamente maior. Dado que estas carceragens não se prestam para o cumprimento de pena, os presos ficam desassistidos em suas necessidades básicas: material, saúde, condições de higiene, educação, trabalho, assistência judiciária, banhos de sol e alimentação adequada, não tendo condições mínimas de habitabilidade e convivência. Na maioria das cadeias, homens e mulheres estão confinados em péssimas instalações, em condições insalubres, expostos a inúmeras moléstias de contágio contínuo, além de estarem submetidos a situações de violência, corrupção e arbitrariedades por parte dos agentes de segurança do Estado. O segundo foco crítico analisado na gênese do NUAPP é a postura eminentemente punitiva do Estado, antenada em tratar com correção e privação de liberdade o indivíduo acusado da prática de atos delituosos, sem lhe oferecer assistência jurídica, psicológica e social necessárias e, em consequência disto, as reduzidas possibilidades reais de que este sujeito retorne ao convívio social de forma a lograr êxito em sua integração em um meio III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1116 social mais justo e com maiores chances de conseguir um trabalho digno que lhe oportunize sair da criminalidade. No fato de o Estado manifestar-se apenas como ente punitivo, sem garantir qualquer expectativa de reincorporar aquele indivíduo a um ambiente de respeito às normas, bem como o tratamento dirigido à vítima do crime, relegada ao papel de testemunha no processo penal, sem orientações referentes ao ressarcimento do dano sofrido e à ausência, quase que total, de atenção aos cuidados para com a família dos indivíduos em privação provisória de liberdade, como se o suposto crime e, consequentemente, a punição dirigida ao acusado devesse também ser aplicada aos seus familiares, como se estes fossem uma extensão do mesmo. Assim, o NUAPP se propõe a contribuir para a devida aplicação da assistência jurídica aos presos em situação de privação provisória de liberdade, além de apoio social e psicológico para estes sujeitos e suas famílias, como também para as vítimas da ação violenta, com um caráter interdisciplinar direcionado aos indivíduos que demandam pelos serviços gratuitos da Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará. 5. Conclusão Tendo em vista a amplitude do fenômeno da criminalidade em todo o Brasil, assim como no estado do Ceará, podemos considerar que as ações executadas pela Defensoria Pública Geral do Estado do Ceará – DPGE, através do Núcleo de Assistência ao Preso Provisório e às Vítimas de Violência – NUAPP, no sentido de oportunizar o acesso á assistência não apenas jurídica, como também psicológica e social aos indivíduos que se encontram em privação provisória de liberdade, constitui-se como uma tentativa exitosa de materialização da Lei 7.210/1984 (Lei de Execuções Penais). E a sua relevância não se limita somente aí. A Defensoria Pública torna-se um baluarte da defesa e da materialização da possibilidade de um acesso mais facilitado ao sistema de justiça. Com isso, torna-se necessário ainda salientar que somente as ações desenvolvidas pela Defensoria Pública não serão capazes de tornar real, efetiva e eficaz a materialização absoluta III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1117 dos preceitos da Lei de Execuções Penais, entretanto constitui-se como um instrumento poderoso na prevenção e no combate às situações de violações de direitos dos sujeitos privados provisoriamente de sua liberdade. Referências Bibliográficas BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. 3. Ed. Rio de Janeiro: Editora Revan: Instituto Carioca de Criminologia, 2002. BARRETO, Ana Cristina Teixeira. 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Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1120 PROGRAMAS DE TRANSFERÊNCIA DE RENDA CONTINUADA: O CASO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, 2004-2009 Área temática: Justiça, direitos humanos e inclusão social Elaine Carvalho de Lima93 Calisto Rocha de Oliveira Neto94 RESUMO: A ampliação das políticas de transferência de renda para a região Nordeste do Brasil, nos últimos anos, suscita vários debates para o entendimento do maior dinamismo da economia dessa região. Desse modo, o presente trabalho objetiva fazer uma análise das transferências de renda no estado do Rio Grande do Norte, investigando a diminuição relativa dos pobres e sua relação com o aumento dos repasses dos programas Bolsa Família e PETI, no período de 2004 a 2009. Em termos metodológicos, foi realizada uma revisão da literatura, buscando fazer uma melhor análise do conhecimento da área. Aplicou-se também uma Regressão Linear Múltipla, tendo o número de pessoas abaixo da linha de pobreza como a variável resposta e os recursos dos programas de transferência como variáveis independentes, foi adotado um nível de significância de 5%. Conclui-se que tais programas contribuíram positivamente para a saída de pessoas abaixo da linha de pobreza no estado do RN, no entanto, há outros fatores externos que também podem explicar melhor o modelo proposto, tais como, as políticas de salário mínimo. Palavras-chave: Transferência de Renda Condicionada; Programa Bolsa Família; Rio Grande do Norte. INTRODUÇÃO Nos últimos anos, os programas de transferência condicionada de renda tem suscitado grande interesse em vários países, por serem uma estratégia de proteção social e utilizadas para promover o desenvolvimento econômico e social. O Brasil implantou vários programas de transferência de renda, entre estes, o Programa Bolsa Família (PBF), que foi concebido com o objetivo de possibilitar o acesso à rede de serviços públicos, tais como, saúde e 93 Mestranda em Economia (PPECO/UFRN). Universidade Federal do Rio Grande do Norte – CCSA/UFRN. Telefone: (84) 8838-7299 / E-mail: [email protected] 94 Mestrando em Economia (PPECO/UFRN). Universidade Federal do Rio Grande do Norte – CCSA/UFRN. Telefone: (84) 8888-7633 / E-mail: [email protected] III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1121 educação; promoção da segurança alimentar e nutricional; e o combate a pobreza. De modo geral, busca-se investir em capital humano, a partir da associação da transferência de renda com educação e serviços de saúde. Apesar do termo ―pobreza‖ possuir diferentes interpretações e manifestações, para Barbosa et al (2008), a pobreza é vista como produto do funcionamento do sistema, em que comporta relações de dominação social que gera desigualdades, desemprego e exclusão. Assim, para que o pobre possa melhorar sua condição, se faz necessária uma assistência indefinidamente ou mudanças no funcionamento da sociedade para inseri-lo na vida ativa. Como o sistema não se transforma sozinho seria preciso movimento social e / ou político. No relatório das Nações Unidas/PNUD, a pobreza humana é multidimensional, pois envolve desde a falta do que é necessário ao bem-estar material, como também a negação de oportunidades de uma vida saudável e digna. Assim a pobreza não estaria apenas relacionada a falta de renda. Para SEN (1999), a pobreza está entre as privações de liberdade, esta é central na análise do autor para o processo de desenvolvimento. A pobreza teria duas perspectivas conceituais: pobreza como inadequação de capacidade; pobreza como baixo nível de renda. Os dois modos de conceituação, apesar de distintos se complementam, pois a renda permite a obtenção de capacidades e vice-versa. Desse modo, a discussão sobre a pobreza aparece como um tema recorrente, pois abarca vários estudos que buscam fazer uma avaliação sobre suas consequências, bem como há políticas públicas que buscam combater a pobreza e suas diferentes formas de perpetuação na sociedade. Neste sentido, o presente trabalho tem como objetivo geral, fazer uma análise dos Programas de Transferência de Renda Condicionada (PTRC), com destaque para o Programa Bolsa Família (PBF) e o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), no estado do Rio Grande do Norte. Buscando investigar as relações entre a redução da pobreza e os PTRC, no período de 2004 a 2009 para esse estado. O presente trabalho está estruturado em quatro seções, além da introdução. Na III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1122 primeira seção, é apresentado uma fundamentação teórica sobre as transferências de renda. Na segunda seção, destaca-se a metodologia utilizada para obtenção e análise dos dados, e por fim, as considerações finais. 2- BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO TEÓRICA: O CASO DAS TRANSFERÊNCIAS A implementação da Constituição brasileira de 1988 possibilitou um grande passo no processo de descentralização financeira, em que os estados e municípios da federação ganharam uma maior autonomia fiscal. Uma das principais vantagens está na implementação de políticas públicas, que se dá em um contexto de maior conhecimento do governo local da realidade de sua região. A Constituição de 1988 consolidou algumas leis importantes, como a legislação do Sistema Único de Saúde; o Estatuto da Criança e do Adolescente, ECA; e posteriormente, a Lei Orgânica da Assistência Social, a Loas. Contudo, a maior descentralização pode gerar um quadro de desigual distribuição da carga tributária, tendo como consequência um desequilíbrio nas contas de despesa e receitas nas esferas governamentais. Um modo de tentar reverter esse problema são as transferência intergovernamentais, que são utilizadas para tentar diminuir as desigualdades regionais. Nos últimos anos, o Governo Federal tem destinado uma série de recursos para atenuação das disparidades regionais, destacam-se os programas de transferência de renda, aposentadorias e pensões. As desigualdades regionais é um objeto de estudo presente desde os primórdios da Economia Regional. As semelhanças e diferenças entre os diversos espaços suscitam a necessidade de políticas públicas que atendam as especificidades regionais. No caso brasileiro, as transferências de recursos são fortemente valorizadas para o desenvolvimento de regiões periféricas, como a região Nordeste. O gráfico 1 ilustra o PIB per capita nas cinco regiões brasileiras, é possível constatar que no período de 2004-2009, as disparidades entre as regiões ainda é um processo que persiste na realidade do Brasil. Os dados indicam que o PIB per capita do Centro-Oeste e III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1123 Sudeste chegava a ser aproximadamente três vezes maior do que o apresentado no Nordeste em 2005. Gráfico 1 Produto Interno per capita (2004-2009) – Regiões do Brasil (Em R$ mil de 2000) Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do IPEADATA (2012) 2.1 Os Programas de Transferências de Renda Condicionada no Brasil Os Programas de Transferência de Renda Condicionada (PTRC), ou ainda, Conditional Cash Transfer (CCT), como é conhecido na literatura estrangeira, são programas que possuem dois objetivos primordiais: alívio imediato da pobreza e a diminuição da perpetuação da pobreza entre as gerações, através de investimentos na saúde e educação das crianças das famílias beneficiadas. Nos últimos anos, tais programas foram bastante difundidos pelos países da América Latina, Ásia e África, especialmente pela abordagem institucional que possibilita uma facilidade de aplicação e atuação em conjunto com outros benefícios sociais. Apesar dos PTRC possuírem especificidades quanto o modo de estruturação e III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1124 aplicação nos diferentes países. A literatura evidencia pontos em comum entre esses programas, segundo Draibe (2009): 1- são programas que se constituem como um auxílio monetário assistencial; 2- o auxílio é geralmente entregue a progenitora, por possuírem um compromisso familiar maior, os homens só recebem quando são a única referência da família; 3- há uma série de responsabilidades que as famílias devem cumprir para a continuidade do benefício, relacionadas a educação e saúde das crianças e nutrizes. Para Mocelin (2010), os programas de transferência condicionada de renda se justificam através do pressuposto de que para famílias pobres manterem seus filhos na escola, incorrem em custos elevados, pois a renda é baixa e instável, desse modo há necessidade de recorrer ao trabalho infantil como forma de sobrevivência da família. Senna et al (2007) destaca outro argumento que é a baixa escolaridade dessas famílias, assim há uma tendência por baixas remunerações pelos serviços, afetando o padrão de vida dessas pessoas. No cenário brasileiro, os PTRC ganham um maior destaque em meados dos anos 1990. O país passou a adotar esses programas com o objetivo de minimizar a pobreza, dissipando o trabalho infantil e elevando a escolaridade de crianças e jovens. No entanto, apenas no decorrer dos anos 2000 é que os programas de transferência de renda ganham uma maior relevância, tais como a implementação da Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, entre outros. E mais recentemente, o Programa Bolsa Família (PBF), Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), Benefício de Prestação Continuada (BPC) e Aposentadorias Rurais (AR). No caso do BPC, são recursos destinados as pessoas com mais de 65 anos, os incapazes para o trabalho e pessoas com deficiência. Esse benefício corresponde a 1 salário mínimo mensal, e não pode ser acumulado com outros programas sociais. O PETI foi instituído em 2001 pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Tem como público alvo as famílias com renda per capita de até meio salário mínimo. A gestão e o financiamento do programa estão sob a responsabilidade das três esferas de poder. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1125 2.2 O Programa Bolsa Família Considerado o maior programa de transferência de renda condicionada, o Programa Bolsa Família (PBF), lançado em 2003 e incorpora outros programas federais pré-existentes, entre eles, o Bolsa Alimentação, Auxílio Gás e Bolsa Escola. O Programa trabalha com famílias que tenham uma renda até R$ 140,00 per capita por família. O PBF tem um importante peso entre os demais programas, pois possibilita uma maior cobertura das famílias mais vulneráveis economicamente. Alguns autores acreditam que a utilização das famílias como unidade de intervenção pode ter melhores resultados nas condições de vida da população mais necessitada, atingindo o público alvo que são as crianças e os adolescentes. O PBF integra o Programa Fome Zero e tem três dimensões: minimizar a pobreza no curto prazo por meio da transferência direta de renda; possibilitar o exercício de direitos sociais básicos nas áreas de saúde e educação, através do cumprimento das condicionalidades; coordenação de programas complementares que objetivem o desenvolvimento das famílias. Para a seleção das famílias, estas devem está cadastradas no Cadastro Único (CadÚnico), que serve como instrumento de identificação das famílias de baixa renda. É importante salientar que o cadastramento não implica em entrada imediata da família nos programas sociais, pois a concessão do benefício fica sob a responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome (MDS), selecionando as famílias que serão contempladas com o programa a cada mês. Neste contexto, cada município fica responsável pelo cadastramento das famílias e pela veracidade das informações sobre as unidades familiares. As famílias beneficiárias devem assumir alguns compromissos que são denominados ―condicionalidades‖, entre os principais estão: as crianças devem está matriculadas no ensino fundamental e terem um frequência mínima de 85% da carga horário mensal; acompanhamento da saúde e aspectos nutricionais dos integrantes da família, como também a III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1126 assistência ao pré-natal e vacinação de crianças até os sete anos. As informações do CadÚnico são atualizadas a cada dois anos, com dados mais recentes sobre emprego e informações socioeconômicas sobre cada família. Tais informações são organizadas pelos serviços sociais locais, o benefício poderá ser suspenso se houver qualquer irregularidade nas informações, bem como o não cumprimento das condicionalidades. Os repasses do PBF tem uma maior concentração na região Nordeste do Brasil, que historicamente apresentou indicadores de atraso socioeconômico frente às demais regiões do país. Desse modo, justifica-se uma maior prioridade de políticas públicas que possam reverter esse quadro de disparidade regional. Gráfico 2: Distribuição regional do recursos do PBF entre as regiões em 2011 Fonte: elaborado a partir dos dados do MDS Alguns estudos mostram que as políticas públicas, especialmente as políticas sociais, tem o acesso em maior medida pelas famílias menos pobres do que pelas famílias pobres ou extremamente pobres. Isso é consequência do desenho institucional dos serviços públicos, que são baseados em um modelo de espera que só fornecem os serviços e benefícios aos grupos que os demandam. Pressupondo que aqueles que não demandam os benefícios não necessitam III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1127 deles (MDS, 2008). Isso reflete a dificuldade encontrada pelas famílias de maior pobreza em acessar os benefícios sociais que tanto necessitam, muitas vezes a dificuldade se dá no acesso a informação da existência das várias modalidades de programas sociais. 2.3- O Programa Bolsa Família no estado do Rio Grande do Norte O estado do Rio Grande do Norte é formado por 167 municípios, de acordo com o Censo 2010 a população total residente no estado é de 3.168.027 milhões de pessoas, sendo que 77,8 % residem em situação de domicílio urbana e 22,2% em domicílios rurais. A capital do estado, a cidade de Natal possui uma população de 803.739 mil habitantes. O valor médio do repasse do PBF por família no estado do RN foi de aproximadamente R$ 98,00 por família em 2010, sendo que neste ano aproximadamente 338.424 famílias foram beneficiadas nesse estado. O gráfico 3 mostra o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do Rio Grande do Norte, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Em 2009, o PIB atingiu aproximadamente R$ 28 bilhões, representando um crescimento de aproximadamente 40% se comparado ao ano de 2005. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1128 Gráfico 3: PIB estadual do RN, 2004-2009 (Em R$ mil de 2000) Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do IPEADATA (2012) Se comparados o total recursos transferidos do PBF a informações tais como: a Receita Disponível do estado, compreendida pelos recursos de impostos e das transferências constitucionais; o total das transferências federais para o SUS; o total da transferência federal, Fundo de Participação dos Municípios (FPM); e o total da transferência estadual a título do ICMS. Teríamos: Tabela 1: Participação dos recursos do PBF sobre a receita e transferências para o estado do RN em 2010 Bolsa Família / FPM 38% Bolsa Família / Receita Disponível 9% Bolsa Família / SUS 77% Bolsa Família / ICMS 60% Fonte: elaboração própria a partir dos dados do MDS e FINBRA. 3- METODOLOGIA E FONTE DE DADOS Como metodologia para elaboração desse estudo, utilizou-se, levantamento de III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1129 informações secundárias sobre o Programa Bolsa Família para o estado do Rio Grande do Norte. Para obtenção dos Gastos dos Programas Sociais do Governo Federal foram utilizados dados da Controladoria Geral da União (CGU), disponíveis no Portal da Transparência. Como variáveis, que compuseram os indicadores, foram utilizados os seguintes bancos de dados: IPEADATA, PNAD-IBGE. Para os dados dos Gastos Sociais por Funções do Governo Federal, foi utilizado o banco de dados Finanças do Brasil (FINBRA)- Estados e Municípios do Ministério da Fazenda- (STN). Buscando investigar os fatores que levaram a uma diminuição do número de pobres e suas possíveis associações com os programas de transferência de renda, foi estimada uma regressão linear múltipla entre o período de 2004 a 2010. Segundo Gujarati (2000), a ideia da análise de regressão é a dependência estatística de uma variável em relação a um conjunto de outras variáveis. De modo generalizado, o modelo de regressão múltipla pode ser apresentado da seguinte forma: Y 1 2 X 2 ... k X k u Em que γ é a variável dependente, X2 e Xk são as variáveis explanatórias (ou regressores) e, u é o termo de erro estocástico. Nessa equação 1 é o intercepto, e os coeficientes 2 e k são os coeficientes parciais da regressão. Os dados foram operacionalizados, utilizando os seguintes softwares: ―Eviews 5.0‖; ―Statistic Package for Social Science‖ (SPSS) 17.0; e Microsoft Excel. 4- RESULTADOS Houve a presença de multicolinearidade no modelo devido a correlação entre as variáveis explicativas, foi estimado um modelo em log para atenuação desse problema. Houve um melhora no modelo, e os parâmetros estimados ficaram estatisticamente significantes ao nível de 5%. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1130 Tabela 2: Sumário da regressão múltipla Variable Coefficient Std. Error t-Statistic Prob. LOG(PBP) LOG(PETI) C -0.738272 -0.014652 28.82136 0.086230 0.027689 1.860520 -8.561697 -0.529179 15.49102 0.0033 0.0433 0.0006 Fonte: Resultados da pesquisa A partir das informações obtidas, observa-se que tanto o Programa Bolsa Família (PBP) quanto o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI), estão de acordo com a interpretação econômica esperada, isto é, para cada real transferido para os programas, há uma redução dos indivíduos que estão abaixo da linha de pobreza e extrema pobreza para o estado do RN. No caso do PBF, cada 1% transferido ao programa, a pobreza é reduzida em aproximadamente 0,73 pontos, enquanto que em relação ao PETI, essa queda corresponde a 0.0147 pontos. Em relação a significância das variáveis analisadas (adotando 5% como significância estatística), observa-se que a variável PETI possui significância estatística (0.0433). Da mesma forma, o PBF está na margem de significância (0.0033). Isso quer dizer que a transferência de renda, via PBF, explica com melhor consistência a queda da pobreza. Todavia, analisando conjuntamente, os dois parâmetros são significantes estatisticamente. Por fim, utilizando o R², que representa a qualidade do ajustamento entre variáveis explicativas, encontra-se o valor de 0.965227. Isso quer dizer que 96,5227% da redução do número de indivíduos pobres são explicadas por essas duas transferências de renda, efetuadas pelo Governo, para os programas PBF e PETI. 5- CONCLUSÃO Diante dos resultados obtidos constatou-se que as transferências de renda para o estado do Rio Grande do Norte vêm se consolidando como um mecanismo socioeconômico dinamizador da região, auxiliando no combate da pobreza, especialmente o programa Bolsa III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1131 Família. Com isso, as transferências federais são ferramentas essenciais para a diminuição do ―gap‖ da região do Nordeste com relação ao restante do país. Contudo, salienta-se que as ações dos programas sociais, por meio de políticas públicas, podem superar o clientelismo, como a indicação política para o recebimento do benefício sem a utilização de critérios preestabelecidos, pois para ser beneficiário de tais programas há uma série de condicionalidades legais para receber os repasses. Assim, algumas evidências empíricas mostram que não houve apenas uma melhoria das condições de vida da população pobre, mas também há um forte relação com a segurança alimentar e nutricional, tendo impactos na redução da desnutrição infantil, pois os beneficiários tem acesso a produtos de consumo básico, que melhoram a condição de vida dos familiares. Consequentemente poderá dinamizar economias locais, principalmente em regiões mais pobres, aumentando as vendas do comércio, tendo repercussão em outros setores econômicos. REFERÊNCIAS BARBOSA, J. F. P; CORDEIRO, L. M. C; RODRIGUES, L; FIALHO, T. M. M (2008). O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA, COMO MEDIDA DE COMBATE À POBREZA: UMA ANÁLISE DE ALGUNS DE SEUS IMPACTOS NO MUNICÍPIO DE MONTES CLAROS-MG. BRASIL/MDS.MINISTÉRIO DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE Á FOME. Dados do Bolsa Família: relatório por município. Brasília. Disponível em:<http://www.mds.gov.br> Acesso em: 02 setembro de 2013. __________MINISTÉRIO DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE Á FOME. Legislação do Bolsa Família. Brasília. Disponível em:<http://www.mds.gov.br> Acesso em: 30 agosto de 2013. CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO. Transferências de Recursos. Disponível em: <http://www.portaldatransparencia.gov.br/>. Acesso em: 25 de outubro de 2012. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1132 DRAIBE. Sonia. Programas de Transferências Condicionadas. América Latina – Desafios da Democracia e do Desenvolvimento. Políticas Sociais para além da crise. Editora Campus. p. 103-143. Rio de Janeiro (2009). FORMIGA, M. C. C; et al. Redução da pobreza e transferências governamentais: um estudo de caso para o estado Rio Grande do Norte na região Nordeste brasileira. XVII Encontro Nacional de Estudos Populacionais (ABEP), Caxambu/MG, 2010. GUJARATI, D. N. Econometria Básica / Damodar Gujarati; tradução de Maria José Cyhlar Monteiro. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. IBGE, Censo Demográfico 2000-2010. Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílio. Disponível em: <www.ibge.gov.br.> Acesso em: 25 agosto de 2013. INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA-IPEA. Dados macroeconômicos e regionais. 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Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1134 PROSTITUIÇÃO E EXPLORAÇÃO SEXUAL: DISCUTINDO CONCEITOS PARA COMPREENDER O TRÁFICO DE MULHERES NO CEARÁ Área temática: Justiça, direitos humanos e inclusão social. Tatiana Raulino de Sousa95 Alano do Carmo Macêdo96 RESUMO: O tráfico de pessoas em geral, e de mulheres em particular, vem provocando um grande interesse das instituições internacionais, organizações não governamentais e mais recentemente, dos Estados, dos meios de comunicação, e também por parte da academia. A maior visibilidade dada a essa problemática tem trazido muitas questões a serem discutidas. Por essa razão, trazer elementos que suscitem esse debate, principalmente àqueles relacionados à confusão entre tráfico de mulheres e prostituição, é um grande desafio. Neste estudo há um esforço inicial de realizar a discussão sobre a interface entre prostituição e tráfico de mulheres para fins de exploração sexual comercial, trazendo, inclusive, elementos acerca das diversas organizações dos países sobre a regulação dessa prática enquanto atividade profissional e a especificidade do tráfico de mulheres no Ceará, de forma a contribuir com esse debate. O referido estudo é parte do conteúdo da dissertação, em fase de conclusão, intitulada Tráfico de mulheres para fins de exploração sexual: a política de atendimento no Ceará. Palavras-chave: Prostituição. Exploração Sexual. Tráfico de Mulheres. Introdução Quando se discute sobre a prostituição, as mulheres que estão diretamente envolvidas raramente são escutadas acerca das suas condições e do contexto que estão inseridas. Na maioria das vezes, não têm oportunidade para apresentarem opiniões, propostas e discordância sobre projetos, leis e políticas que se propõem realizar uma intervenção junto as mesmas. Esse segmento, como todos os outros segmentos oprimidos na sociedade, também tem divergências internas sobre determinados conceitos, embora, a luta pelo respeito, 95 Universidade Estadual do Ceará. Mestrado Acadêmico em Serviço Social, Trabalho e Questão Social. Bolsista Funcap. [email protected] / (85) 8785-4686 96 Universidade Estadual do Ceará. Mestrado Acadêmico em Serviço Social, Trabalho e Questão Social. [email protected] / (85) 8500-8585 III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1135 dignidade e contra as diversas formas de discriminação e violência sofridas, seja uma pauta comum. Do mesmo modo que há aquelas que reclamam o reconhecimento enquanto ―trabalhadoras autônomas‖, exigindo a regulamentação de suas atividades enquanto exercício profissional e recusando assim qualquer associação que as considere vítimas. Existem também aquelas que não percebem garantias efetivas nesse processo de profissionalização, acreditando, inclusive, que a regulamentação aumentará as formas exploração do seu trabalho por outras pessoas, casas de prostituição, boates e saunas. No centro desse debate, percebemos que todas as mulheres em situação de prostituição desejam o fim do preconceito e violências por elas vivenciadas, sofrimento este que parece invisível para a maioria das pessoas. Como observa Goldman: A prostituição tem sido, e é, um mal bastante espalhado, e, não obstante, os humanos têm continuado a seguir adiante, inteiramente indiferentes aos sofrimentos e aflições das vítimas da prostituição. (GOLDMAN, 2011, p.247) Os discursos vigentes que justificam o tráfico de pessoas estão relacionados especialmente a três temáticas: o crime organizado transnacional, a migração internacional e a prostituição. A predominância, no primeiro evento, ajusta-se na percepção do tráfico de pessoas enquanto uma ação criminosa e por isso, o seu enfrentamento está diretamente associado aos instrumentos jurídicos. O discurso daqueles que determinam o tráfico como um problema de migração não documentada fortalece as propostas para o uso de estruturas legais mais restritas no controle de processos migratórios, medidas. Estes procedimentos, na maioria dos casos, são deliberados pelo emprego de critérios discriminatórios e xenófobos. O terceiro, intrinsecamente ligado ao tráfico de mulheres e sobre o qual esse trabalho discorrerá, perpassa por uma visão conservadora que não distingue o tráfico de mulheres para fins de exploração sexual comercial da prostituição. Desse modo, ignora também a diferença existente entre a prostituição como escravidão sexual e prostituição enquanto atividade sexual. Esta visão tem sido veementemente contestada pelos movimentos organizados, embora a discussão sobre a regulamentação e sua legalização, ou não, enquanto trabalho profissional ainda seja uma das questões mais tensas na abordagem sobre o tráfico de mulheres. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1136 Portanto, consideramos importante trazer as diferentes posições que envolvem o tráfico de mulheres para fins de exploração sexual e a prostituição, de forma a contribuir com a compreensão dessa problemática. Bem como, é de nosso interesse apreender as nuances existentes entre os significados colocados no uso desses termos, seja nos discursos ou nas práticas de enfrentamento ao tráfico de mulheres. Destarte, penetrar na discussão sobre a prostituição e o tráfico de mulheres, em que pese suas complexidades, é um desafio importante. 1. O que falar sobre a prostituição? A diferenciação das mulheres entre àquelas que são objeto do prazer masculino e a esposa zelosa prolongou-se por muitos séculos sendo, inclusive, na contemporaneidade permeada por resquícios desta lógica. Até bem pouco tempo a intimidade entre o marido e a esposa deveria ser suficientemente contida. Às mulheres-esposas eram negados os momentos de prazer, porque uma relação sexual entre o casal deveria ter como fim a reprodução. Do contrário, essa exaltação carnal poderia fazer dessa mulher uma prostituta, justificando assim a proibição às mulheres do livre exercício da sua sexualidade. É também importante considerar, ao adentrar na discussão sobre as mulheres, que em nenhum momento da história houve o reconhecimento do seu trabalho, seja no espaço doméstico seja nos espaços públicos. No século XIX, com as grandes inovações tecnológicas, as mulheres foram discriminadas mesmo quando ativas em ocupações fabris e relegadas a objeto de dominação masculina, principalmente de cunho sexual, fortalecendo a imagem da mulher enquanto objeto de prazer masculino e, consequentemente, estabelecendo uma estreita relação com a prostituição. Como nos refere Goldman: Em nenhum lugar a mulher é tratada de acordo com o mérito de seu trabalho, mas apenas como sexo. Portanto, é quase inevitável que ela deva pagar por seu direito a existir, a manter uma posição, seja onde for, com favores sexuais. Assim, é apenas uma questão de grau se ela vende a si mesma, a apenas um homem, dentro ou fora do matrimônio, ou a vários homens. Quer os nossos reformadores o admitam ou não, a inferioridade econômica e social da mulher é a responsável pela prostituição.[...] Em vista desses horrores econômicos, é de se admirar que a prostituição e o tráfico de escravas brancas tenham se tornado fatores tão dominantes?. (GOLDMAN, 2011, p.249) III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1137 A posição da igreja católica sobre a prostituição, em muitos momentos da história, transitou entre a condenação e a tolerância. Tolerância essa geralmente mediada pelos tributos e impostos pagos pelos serviços dessas mulheres. Nas situações em que se atribuía à prostituição a responsabilidade de ―conter o fogo masculino‖, para que os homens não procurassem as mulheres de boa família, chegou a ser considerada uma instituição social de serviço público, sendo tolerada e regulada pelo Estado. Os moralistas estão sempre prontos para sacrificar metade da espécie humana em nome de alguma instituição miserável da qual não podem escapar. Na verdade, a prostituição não é a salvaguarda da pureza do lar, nem as rígidas leis são uma salvaguarda contra a prostituição. [...] No entanto, a sociedade não tem uma palavra de condenação para o homem, ao passo que nenhuma lei é tão monstruosa que não possa ser posta em ação contra a vítima indefesa. (idem, ibidem, p.256) A regulação vigorou durante boa parte do século XIX em quase todos os países europeus, mas implicava para as prostitutas no seu registro, exames médicos obrigatórios custeados por elas sem ajuda do Estado e a internação compulsória quando constatada alguma doença venérea. Aos homens, na qualidade de clientes, não havia nenhuma cobrança. Mesmo nos casos que envolvia doenças, ficavam isentos de qualquer responsabilidade, tendo em vista que a raiz de todo o mal, no caso a sífilis, estaria nas mulheres. Incitado pelas feministas, que consideravam a prostituição uma forma de escravatura humana, teve início na Europa no fim do século XIX o movimento contra a regulamentação. Josefine Butler, uma feminista da Federação Abolicionista Internacional que participava do movimento, afirmava em 1875: Se a prostituição é uma necessidade social, uma instituição de saúde pública, então os ministros, os prefeitos da polícia, os altos funcionários e os médicos que a defendem, faltam a todos os deveres, não lhes consagrando as suas filhas. (SANTOS, 1982, p.21) Essa ideia de "mal necessário" era questionada porque representava uma desigualdade entre mulheres e homem, uma vez que os homens eram isentos da reprovação e censura enquanto as mulheres carregavam todos os estigmas. As campanhas de caráter abolicionistas conseguiram reunir milhares de mulheres. No entanto, vertentes moralistas e higienistas aproveitaram o momento para aliar-se. Ainda nesse III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1138 cenário, emergiam posições feministas diferentes. Dessa forma, surgiu um primeiro cenário público de debate entre as mulheres em torno da sexualidade e dos seus direitos neste campo. A intervenção do Estado sobre a prostituição apenas pretendia a limpeza sanitária imposta policialmente às prostitutas e não a melhoria das suas condições sociais. Foi esta política discriminatória que motivou uma crescente mobilização feminista em torno deste problema. (TAVARES, 2006, p.02) Importante salientar que para o movimento abolicionista, no início de suas mobilizações, a prostituição fere com a dignidade das mulheres, sendo estas consideradas naquele momento ―vítimas‖, que necessitariam de ações que possibilitassem outra condição de vida fora da prostituição. A emergência da sociedade de mercado trouxe consigo uma disciplina social imposta pela burguesia. Com base na família nuclear patriarcal, a nova disciplina determinou mudanças de comportamento de cunho moralizador, com ênfase nos pobres. Nesse sentido, as restrições e perseguições às prostitutas se intensificaram, sendo estas consideradas um empecilho para assegurar o modelo familiar burguês. Portanto, com os rumores da Primeira Guerra e a consequente onda moralista desse momento, as prostitutas foram as primeiras vítimas das ações de controle do Estado, sob a égide da degradação moral por elas provocadas. Com o fim da guerra, as perseguições às prostitutas diminuíram e assim permaneceu por um bom tempo, em virtude de outros problemas que se apresentavam tornando a prostituição uma questão secundária. Voltando a pauta das preocupações somente no período da segunda guerra mundial e nos movimentos de clandestinidade dos governos nazifascistas de Hitler e Mussolini97. Destaque-se, que em meados do século XX, a vida das prostitutas em todos os lugares do mundo era tomada por dificuldades e perigos, permanecendo assim até os dias atuais. A perseguição às prostitutas e as propostas de regulamentação nos países estão sempre presentes, tendo ápices em determinados momentos históricos e especificidades conforme o país, mas sempre trazendo consigo um grande debate na sociedade e nos movimentos feministas. 97 Importante ressaltar que esse período foi muito difícil não só na vida das prostitutas, mas de todos os segmentos estigmatizados. Não havendo maiores registros históricos sobre a vida das mulheres nesse período. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1139 Discutir sobre a prostituição de mulheres não é uma tarefa fácil, exige um olhar mais profundo sobre todas as suas nuances e construções, mas, sobretudo, determina uma disposição de ultrapassar o aparente numa perspectiva de desmistificar tabus, estigmas, discriminações e preconceitos que formam os complexos controversos desse tema. Essa questão perpassa pela discussão sobre a violência sexual, pobreza, mercado sexual, exploração e autodeterminação das mulheres. Desse modo, é necessário revisar preconceitos e pré-noções, se a intenção é fazer um diálogo responsável sobre o assunto, mesmo que este não esteja isento de conceitos teóricos-políticos. Corroborando, com Teixeira (2004 a), o fenômeno da prostituição traz no seu interior diversas modalidades materializadas por características diferenciadas, sugerindo o uso do termo prostituições, em face dessa multiplicidade de peculiaridades. Essas diferenciações de sujeitos e histórias de vida compõem o mundo da prostituição, gerando olhares, nomenclaturas e entendimento distintos, que a sociedade e elas têm de si e da atividade que desenvolvem. Essas diferenciações também podem representar um hierarquia classificatória que demarcar tanto o comportamento quanto o termo utilizado para se auto-definirem. Existe uma distinção entre as prostitutas de luxo e baixa prostituição. A classificação hierárquica geralmente associada à imagem, ao corpo e como desenvolve as atividades, ou seja, entre as que trabalham nas ruas, dentro de boates ou através de agências. Sobre estas últimas, geralmente intituladas garotas de programa ou acompanhantes, Morais observa: Para continuar no mercado, as garotas precisam diferenciar-se por atributos físicos e sociais. É necessário vestir as roupas da moda, conhecer os lugares da moda. O culto à beleza e a preocupação com os ditames da moda fazem parte do cotidiano dessas mulheres. Em uma sociedade em que "ser bonita" e "estar bem vestida" são quase sinônimos de realização pessoal, sucesso e felicidade fugir a esses padrões é uma ameaça às possibilidades de trabalho. (MORAIS, 1995, p. 06) Muitas mulheres exercendo a prostituição não concordam com o uso do termo ―prostituta‖ por considerá-lo depreciativo, associando-o àquelas mulheres que trabalham na rua por pouco dinheiro, à pobreza, a marginalidade e ao uso de drogas. Nesse sentido, parecenos comum a divisão em grupos, seja por predicados físicos, de idade, financeiro e/ou cultural. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1140 Sobre o aspecto financeiro, Beauvoir traz uma importante reflexão o significado do dinheiro, sua força e influência, no universo da prostituição. Por outro lado, também assinalou as condições de poder e violência que permeiam o universo que envolve muitas mulheres no mundo, de forma a desnaturalizá-lo. A autora, também analisou as chamadas vedettes, compreendendo que estas optavam pela prostituição para se autopromoverem. Dessa forma ―é uma decisão de carreira e nesse caso, a profissão passa pelo corpo, obstáculo ou força, mas sempre intermediário: a mulher é seu corpo.‖ (BEAUVOIR apud SWAIN, 2004, p. 55) Nesse sentido, as vedettes utilizavam o argumento de prostituição como escolha e estratégia para autopromoção. Mas a inserção das mulheres na prostituição nem sempre significou, ou ainda significa, autopromoção ou glamour. Para muitas mulheres a prostituição significa ―prostitutas pobres para clientes pobres‖ (MARQUÉZ, 2005), correspondendo à humilhação e preconceito. Quiçá, por não se tratar, na maioria das situações, de um processo exclusivo de escolha, envolvendo questões como a pobreza e falta de opção dentro de um sistema econômico desigual. Portanto, o discurso sobre a autodeterminação e prazer das mulheres pode existir em alguns casos, no entanto, ―a regra não deve ser norteada pela exceção‖ (VIANNA, 2002). Na concepção de Carole Patemam (1993), a prostituição é a sujeição do corpo das mulheres pelo domínio unilateral masculino, não sendo o ato sexual uma relação prazerosa entre iguais. Destarte, a prostituição seria apenas uma relação comercial e, nesse sentido, com um comprador que leva vantagens, haja vista que é o detentor do dinheiro e, consequentemente, determinador das circunstâncias. A prostituição legitima a exploração das mulheres através da mercantilização dos seus corpos dentro de uma lógica perversa do capitalismo onde tudo se transforma em mercadoria passível de compra e venda. Serve, ainda, para reforçar a dominação masculina por meio da satisfação de suas necesssidades. Ao concordar com essa reflexão, não se compreende a análise apenas pelo viés estritamente econômico, ou mesmo de desconsiderar as condições de trabalho das mulheres, sendo estas as condições costumeiramente mencionadas. Contudo, não se pode relevar que as desigualdades econômicas impactam cruelmente sob a vida das mulheres, impossibilitando muitos acessos, ocasionando privações das mais diversas, possibilitando a ―saída‖ pela prostituição. Ainda, de acordo com Patemam (1993, p. 289), ―as prostitutas são o exemplo III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1141 mais contundente do direito patriarcal que personifica essas mulheres como seres sexuais, atribuindo a condição de mercadoria na sociedade capitalista‖. A designação enquanto profissionais ou trabalhadoras do sexo, costumeiramente usado, pode ter o propósito de camuflar suas contradições e naturalizar a prática, como sugere Legardinier: A questão ética levantada pela prostituição, que envolve a violação dos direitos humanos é dissolvida na vicissitude do vocabulário, substituído pela conotação ―trabalhador‖, que legitima a ideia superficial de uma profissão como qualquer outra. (LEGARDINIER, 1998, p.01). Desse modo, fica clara a intenção de dissimular uma aparente escolha a partir do livre consentimento do uso do corpo, atrelando conceitos como liberdade e pertencimento para esvaziar os aspectos de violência, marginalização e preconceitos que constituem esse universo. Igualmente, o contexto de estigmas e moralismo que envolve essas mulheres reforça o complexo de negligências a que estão submetidas, subvertendo, por vezes, o sentido de dominação em que as mulheres estão condicionadas ao longo da história. Consequentemente, o Estado se desresponsabiliza de desenvolver políticas públicas que incidam qualitativamente na vida dessas mulheres sob o argumento de que perpassam pela regulação ou não desse sistema. Prostituição e sistemas jurídicos. Atualmente existem três sistemas estabelecidos, embora nos últimos anos, pela influência da posição dos países nórdicos sobre a prostituição, há quem já mencione um quarto sistema. Considerando a prostituição um crime a ser erradicado, o sistema proibicionista condena todas/os as/os envolvidas/os: prostituta, cafetão e cliente. Permanece forte nos Estados Unidos da América, China e países do leste europeu. Esse modelo é considerado o mais conservador dentre os sistemas jurídicos. As principais críticas feitas a ele perpassam pela avaliação de que além de não eliminar a prostituição, favorece a clandestinidade, expõe as mulheres a situações de violência e, por vezes, as coloca em risco nas mãos de redes que também têm associação com crimes. São os setores mais conservadores e puritanos da sociedade que defendem. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1142 Apoiado por algumas correntes do feminismo, o sistema abolicionista considera a prostituição uma expressão da violência contras as mulheres. Não sendo para a maioria uma questão de opção, entende que a prostituição impacta na liberdade e dignidade das mulheres. Nessa perspectiva as prostitutas seriam vítimas de um processo de exploração e, nesse caso, a alternativa perpassa pela reintegração dessas mulheres à sociedade através de outros trabalhos. A condenação, nessas circunstâncias é para aquelas/es que exploram a prostituição e praticam o rufianismo. O Brasil e a maior parte dos países da Europa enquadram-se nesse sistema. A crítica feita é que as feministas, ao defender ao modelo abolicionista acabariam, mesmo a contragosto, unindo-se com outras posições moralistas de setores conservadores da sociedade. O modelo regulador considera a prostituição é um fenômeno irreversível e inerente à vida de algumas mulheres na sociedade e, por essa razão, deve ter suas consequências diminuídas para evitar maiores danos. Portanto, acredita que sendo regulamentado pelo Estado haveria o cumprimento das regras. A prostituição seria uma atividade comercial entre a prostituta que presta os serviços, o cliente que demanda e paga por ele, contando com a possibilidade de negócio agenciado. Não há penalização de nenhuma das partes envolvidas, desde que os limites sejam cumpridos. Áustria e Grécia são alguns exemplos de países que têm esse modelo numa versão considerada mais tradicional, tendo o controle do estado mediante algumas determinações, inclusive os registros e obrigações de exames periódicos. A variação compreendida como mais moderna institui um enquadramento legal, estabelecendo-lhes direitos e também deveres, acessam as políticas públicas como a saúde e a seguridade social, pagando também impostos. A Holanda e a Alemanha praticam esse sistema. A crítica feita a essa proposta, perpassa pela análise de que a prostituição não é uma escolha para a maioria das mulheres, sendo esse formato, um fomentador da exploração das mulheres e de suas imagens como objetos sexuais do prazer masculino. Mais recentemente fala-se de um novo sistema, o "novo abolicionismo do século XXI". Suscitado pela Suécia, esse modelo propõe a erradicação de todo o sistema que sustenta a prostituição com a condenação dos agenciadores da exploração sexual comercial e penalização dos clientes. Esse sistema visibiliza a figura os clientes, sob a compreensão de que se eles não demandassem os ―serviços‖, não haveria a prostituição. Por tratar-se de uma proposta mais recente, ainda não se tem uma avaliação mais precisa sobre essas medidas, III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1143 contudo, os críticos a esse modelo afirmam haver um aumento da clandestinidade, ocasionando sérias implicações e riscos para as mulheres, além da procura por prostituição noutros países. 2. Prostituição e tráfico de mulheres, mais do mesmo? Atualmente vivenciamos um processo crescente de ampliação do chamado comércio sexual, dentre suas múltiplas consequências, o tráfico de mulheres para fins de exploração sexual comercial tem sido uma das mais graves. Submetidas a condições análogas à escravidão, as mulheres em situação de tráfico passam por um processo de violação de direitos, donde o consentimento ou a prática da prostituição não deveriam ser condicionantes para a criminalização. Em 1998, um Relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) recorreu para o reconhecimento econômico da indústria sexual como estratégia de controle do crime organizado e dos abusos praticados. Este relatório foi duramente atacado com os argumentos de que essa legitimação induziria os governos a não investir em trabalhos dignos para as mulheres, além de fortalecer a concepção das mulheres como objeto sexual e reforçar as desigualdades de gênero. Com o avanço da tecnologia, as redes sociais, o acesso a passagens e a mundialização do capital, o comércio internacional de mulheres para fins de prostituição se ampliou. Além disso, o turismo para fins sexuais nos países pobres também é uma realidade, facilitando as condições para a prática do tráfico de mulheres para esse fim. Também em países europeus, o mercado sexual é uma atividade crescente. Estima-se que na Holanda cerca de metade das mulheres que vivem da prostituição em Amsterdã sejam estrangeiras, advindas, principalmente, da América Latina e leste europeu. A ligação entre tráfico de mulheres e prostituição existe. Segundo a Organização Internacional do Trabalho quase 80% das mulheres traficadas são destinadas à prostituição, embora nem todo o tráfico de pessoas seja para esse fim. Ainda que prostituição e tráfico de pessoas sejam fenômenos diferentes, no que se refere às mulheres, têm intrínseca relação, exigindo uma discussão aprofundada sobre onde se complementam e se distinguem. Fato é que os movimentos de mulheres e feministas têm dificuldade de tratar sobre essas questões com a profundidade que elas necessitam. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1144 Conforme Kampadoo (2005), a indústria do sexo mundial realiza a exploração sexual do corpo das mulheres por meio de trabalho escravo, violando a integridade corporal e os direitos das mulheres, submetendo-as a uma espécie de escravidão sexual. A mulher se torna reconhecida como mercadoria, sendo então comercializada. É importante ressaltar que, neste caso, ―não se trata de prostituição, mas sim, da exploração do corpo feminino para o mercado internacional do sexo‖, conforme as palavras de Agustín (2005). O tráfico de mulheres para fins de exploração sexual é uma realidade em expansão e sobre a qual ainda pouco sabemos. Tratando-se de um crime velado, principalmente nessa circunstância, envolve preconceitos e moralismos. Não se trabalha com um número preciso de vítimas, muito menos de redes e sua dinâmica. Todavia, encontram-se vítimas, ou alguém que conhece uma, facilmente. E assim percebemos que já não é tão oculto assim. De acordo com Piscitelli (2008), uma das dificuldades encontradas por quem se aventura a pesquisar a temática do tráfico humano, especialmente o de mulheres, está nas diferentes definições do tráfico de pessoas. Isto porque: a formulação, harmonização e implementação de normativas legais relativas ao tráfico de pessoas têm lugar num cenário de embates políticos, nos quais há desencontros e articulações entre as lógicas normativas que orientam ações de diferentes grupos de interesse. (PISCITELLI, 2008, p. 34). Levando em conta a dificuldade apontada pela autora, consideramos o conceito de tráfico utilizado atualmente pelas normativas internacionais, a partir do Protocolo de Palermo, que define o tráfico de pessoas da seguinte forma: O tráfico de pessoas é o recrutamento, transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração.(PALERMO, 2000) Uma das questões polêmicas nesse Protocolo foi a discussão do consentimento para mulheres e homens adultas/os, haja vista que para menores de 18 anos tal consentimento é irrelevante para configuração de crime de tráfico. O crime de tráfico só é imputado quando a vítima sofre alguma forma de ameaça, coerção, fraude, abuso de poder ou situação de III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1145 vulnerabilidade bem como a oferta de vantagens para quem tenha autoridade sobre outrem. (CASTILHO, 2008, p. 11) O Protocolo de Palermo aponta, também, que os países membros têm a obrigação de garantir serviços de assistência às vítimas do tráfico para fins de exploração e mecanismos de denúncia. Mas, na prática a segurança da vítima só é garantida quando esta se dispõe a testemunhar contra o tráfico, caso contrário, a matéria prevê muito pouco para garantir os direitos humanos das pessoas traficadas que não aceitam testemunhar. O Protocolo de Palermo (2000) foi promulgado no Brasil por Decreto Presidencial em 12 de março de 2004 e serve de referência legal para o enfrentamento do tráfico de pessoas para fins de exploração. Por conta disso, apresenta-se a necessidade de que todo material envolvendo a problemática do tráfico de mulheres defina sob quais conceitos tratará as questões relativas à prostituição, de forma a evitar que incorra no risco constante de se confundir o caso de mulheres que migram voluntariamente com a finalidade de exercer a atividade de prostituição em outros lugares (no próprio país ou no estrangeiro) com casos de tráfico. Ainda em virtude do dissenso existente entre os movimentos de mulheres e feministas sobre os temas tráfico de mulheres, exploração sexual e prostituição forçada, bem como da dificuldade da legislação em definir alguns conceitos, usaremos para fins desse estudo a abordagem da questão do tráfico no mercado do sexo a partir da conceituação usada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre o trabalho escravo: Toda forma de trabalho escravo é trabalho degradante, mas o recíproco nem sempre é verdadeiro. O que diferencia um conceito do outro é a liberdade. Quando falamos de trabalho escravo, falamos de um crime que cerceia a liberdade dos trabalhadores. Essa falta de liberdade se dá por meio de quatro fatores: a apreensão de documentos, a presença de guardas armados e ―gatos‖ de comportamento ameaçador, por dívidas ilegalmente impostas ou pelas características geográficas do local que impedem a fuga. (SAKAMOTO, 2007) Nesse sentido, acompanhamos o pressuposto de que não existe uma relação automática entre a indústria do sexo e o tráfico de mulheres para fins de exploração sexual, muito embora seja necessário reconhecer que há maior vulnerabilidade entre as prostitutas, sobretudo daquelas que migram para o exterior, para serem alvo desse tipo de crime. Além disso, ainda existe uma dupla estigmatização: a ilegalidade do processo migratório e às III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1146 questões relativas à prostituição. Por essa razão é necessário fazer essa discussão tanto no campo político, quanto na sociedade. Do contrário poderemos correr o risco de revitimizar as mulheres. 3. “No Ceará não tem disso não”? As condições de vida da população do Ceará, um dos estados mais pobres do Brasil e com recente processo de industrialização, são marcadas pela precariedade advinda da falta de oportunidades de emprego. Esse fato tem gerado há décadas significativos processos migratórios para as regiões economicamente mais desenvolvidas ou em expansão, respectivamente o caso do Sudeste e Sul, mas também de nichos de prosperidade no Norte do país. Em período recente, quando assumiu o governo local uma fração moderna do empresariado – tendo como liderança o atual senador Tasso Jereissati, que foi governador em três momentos (1987-1990, 1995-1998 e 1999-2002) – tentou-se superar esse quadro de pobreza por meio de estímulos à industrialização, ao agronegócio e ao setor de serviços, com concentração no turismo. Neste último caso, o próprio governo cearense investiu amplamente em propagandas no exterior, com ênfase nos atrativos recursos naturais dessa região com extenso e belo litoral, mas também ressaltando nas campanhas publicitárias a beleza das mulheres cearenses. Tudo isto, combinado, foi determinante para a constituição e progressiva expansão de vasto mercado sexual, em cuja ponta dá-se o aliciamento de mulheres para fins de tráfico de pessoas. Construiu-se no Ceará, nesse cenário dos últimos anos vinte anos, uma ideologia da publicidade, que era estimulada por órgãos governamentais e agências privadas de viagens, que colocava o corpo da mulher como elemento de destaque, quando não o principal, no apelo de atração do turista. Significa dizer que o próprio Estado, isoladamente ou corroborado por empresas particulares, incentivou a formação de uma imagem do país associada ao servilismo feminino e à permissividade erótica; no limite, passível à conivência com abusos, isto é, com a exploração sexual da prostituição de crianças e adolescentes e o tráfico de mulheres para o exterior. O direcionamento da publicidade atraiu, então, para cidades como Fortaleza, em número muito mais expressivo, homens solteiros e de meia idade, ávidos por sol, praia, diversão e, evidentemente, mulheres todos os dias. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1147 Nesse contexto do turismo com fins sexuais, constata-se, portanto, a incidência de uma gama diversificada de fatores que contribuem para o seu alastramento e, desse modo, dificultam, sobremaneira, a repressão por parte dos organismos estatais e não estatais. A repressão e mesmo a prevenção dessa realidade tornam-se, evidentemente, mais difíceis, quando é o próprio poder político que a estimula por meio de uma irresponsável propaganda para incentivar o turismo98. O quadro socioeconômico aqui apresentado perfaz um relevante fator criminógeno, uma vez que fornece o material humano para um bem sucedido aliciamento engendrado por agentes ligados ao turismo para fins sexuais. De outra parte, a prostituição, no caso em que os turistas são os clientes, é uma atividade extremamente mais rentável e de incessante demanda, em comparação às minguadas opções de lazer, trabalho e renda que estão disponíveis às mulheres e adolescentes das periferias pobres das cidades. Somado tudo isso à força do apelo da sociedade de consumo e aos sonhos e desejos de uma vida melhor, constata-se que essas jovens são mais facilmente atraídas para a rede do tráfico de mulheres. Não obstante, frente a tais processos de alienação e exploração, as pessoas ainda encontram formas de inserção no cenário socioeconômico, mesmo se deparando apenas com brechas deixadas pela lógica excludente. Dessa forma, a discriminação entre mulheres e homens, a marginalização das culturas locais, a precarização das relações de trabalho acabou por criar realidades nas quais mulheres, sobretudo, as mulheres pobres encontram estratégias de inclusão através do mercado de sexo. O Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em especial mulheres e crianças, conhecido como Protocolo de Palermo, foi ratificado pelo governo brasileiro em 2004. O país comprometeu-se em seguir as recomendações internacionais de enfrentamento ao tráfico de pessoas e àquelas relativas a todas as formas de exploração e 98 Um dos marcos que contribuiu para dar visibilidade à exploração sexual foi a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Exploração Sexual Infanto-juvenil, do Congresso Nacional, que realizou depoimentos e diligências em todo o país no período de maio de 1993 a junho de 1994. O resultado desta CPI apresentou um quadro de exploração sexual de mulheres e crianças com envolvimento de parte do trade turístico. O enfrentamento a essa questão tornou-se prioridade a partir da pressão exercida pelos movimentos de defesa dos direitos das crianças e adolescentes que no início trabalhavam isoladamente, mas que se organizaram em rede nacional, em seguida, para atuar de forma mais efetiva; em 2001, em parceria com organismos governamentais, impulsionaram a Pesquisa sobre o Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para fins de Exploração Sexual -PESTRAF/2002. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1148 violência, a exemplo das recomendações do Comitê supervisor da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres – CEDAW e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, ―Convenção de Belém do Pará‖, de 1994. Em 2003 a Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça e o UNODC realizaram uma parceria com o fim específico de implementar o Programa Global de Prevenção ao Tráfico Internacional de Mulheres para fins de Exploração Sexual. Tal projeto teve vários objetivos, sendo um deles a instalação em quatro Estados brasileiros – Ceará, Goiás, Rio de Janeiro e São Paulo, escritórios regionais no sentido de prevenir o tráfico de pessoas e assistir às vítimas deste tipo de crime. Houve uma grande preocupação com a conjuntura do Estado do Ceará, fato este que levou à realização, em 2003, da Pesquisa sobre a Exploração Sexual Comercial de Crianças e Adolescentes no Estado do Ceará. A pesquisa revelou que em todos os municípios existe a exploração sexual comercial de crianças e adolescentes. Essa problemática no Ceará também aparece em 2004, no relatório da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CMPI) da Exploração Sexual no Brasil. Desde a realização da PESTRAF em 2002, até a aprovação da Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas – PNETP em 2006, muitos ainda são os desafios para uma efetiva atuação do Estado no enfrentamento ao tráfico de pessoas, ao turismo para fins sexuais e o reconhecimento dessas problemáticas enquanto pautas importantes. Por ser um estado com histórico de turismo para fins sexuais e exploração sexual de mulheres, crianças e adolescentes, situação correlata ao tráfico de pessoas no Ceará foi inaugurada, em abril de 2005, o Escritório de Enfrentamento e Prevenção ao Tráfico de Seres Humanos, como parte do Programa Global de Prevenção e Combate ao Tráfico de seres Humanos no Estado brasileiro. Em 2011, após incorporação às ações do Plano Nacional e adequações necessárias, foram transformados em Núcleos de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. O entendimento acerca do tráfico de pessoas para fins de exploração sexual, principal modalidade do crime em nosso estado, deve ser pautado a partir dessa dicotomia de classe, não se trata de um universo de opções, no qual há escolhas. As várias refrações da questão social comungam para que esse caminho se torne a única via de ascensão social e econômica III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1149 de mulheres que já sofrem com o preconceito de classe, raça/etnia, gênero, diversidade sexual e geração. É nessa dimensão que deve ser entendido o tráfico para fins de exploração sexual no Ceará: um estado com forte potencial natural, econômico e de mercado em expansão, mas, com um alto índice de desigualdade social e pobreza. 4. Considerações finais e não conclusivas A prostituição se consolida em um sistema secular de dominação masculina sobre as mulheres, reforçando as desigualdades de gênero. Nos dias atuais é uma questão ainda mais complexa, considerando a diversidade de pessoas que a exercem e as múltiplas questões que perpassam por esse universo. O Brasil é uma referência no movimento pendular paradoxal que envolve a prostituição entre a regulamentação e a criminalização. De um lado os governos têm subsidiado as ações juntos as ―profissionais do sexo‖, por outro, se referencia na perspectiva abolicionista no intuito de eliminar as práticas de prostituição. O tráfico de mulheres para fins de exploração sexual comercial permanece enquanto um fenômeno obscuro, tanto por abranger a exploração das mulheres, quanto pelo fato de envolver o sexo, assunto oportunamente não tratado na sociedade. Assim, o tráfico para fins de exploração sexual correlacionado com as práticas de turismo para fins sexuais e a exploração das mulheres representa um grave problema, seja pelos índices, seja pela complexidade que o mesmo se apresenta no território cearense. Não obstante, também soa como alternativa às populações em situação de vulnerabilidade social e pobreza e chega a movimentar milhões no mercado interno brasileiro. Haja vista que em muitos casos amplia significativamente o poder de consumo das famílias de mulheres traficadas e movimenta o comércio das cidades turísticas. A grande reflexão é qual o preço, pobres, mulheres, negras, travestis, transexuais e crianças e adolescentes, precisam pagar para que sejam garantidos direitos básicos que são de responsabilidade do Estado. Segundo os dados da Organização Internacional do Trabalho, o número de mulheres brasileiras traficadas para o exterior tem aumentado, como também o Brasil tem sido destino para mulheres de países da América Latina. Conforme se constatou por meio do acesso às mulheres que foram traficadas, a maioria viajou enganada com promessas de trabalho III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1150 supostamente legais, infelizmente esta realidade não se comprovou. Foram obrigadas a se prostituir, a jornadas abusivas de trabalho e a viver em condições miseráveis. (JESUS, 2003) É real que parcela importante das mulheres que viajam sabe que irão se prostituir e essa consciência e, consequente consentimento, provoca uma grande discussão em termos jurídicos trazendo uma delicada situação no que se refere ao enfrentamento. Contudo, é preciso considerar que independente de exercerem a prostituição no Brasil, ou mesmo de saber que se prostituirão no exterior, as mulheres desconhecem as diversas situações de exploração e violência a que estarão submetidos, pois se as conhecem, com certeza, não haveria consentimento algum. As abordagens sobre o tráfico de pessoas, em especial as mulheres, são muito diferentes e trazem questões complexas necessitando, inclusive, de um discernimento mais nítido sobre as condições e vulnerabilidades que envolvem as mulheres nessa situação. Esses pontos precisam ser tratados com a profundidade, a delicadeza que a problemática requer, de forma a possibilitar não só o entendimento, mas uma atenção efetiva por parte do Estado. Referências AGUSTÍN, Laura. Trabajar en la indústria del sexo, y otros tópico migratórios. Tercera Prensa, Donosti, 2005. ANTUNES. Flávia. 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Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1154 PROTEÇÃO SOCIAL À PESSOA IDOSA NO BRASIL: trajetórias da Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa. Área temática: Justiça, direitos humanos e inclusão social Sandra Maria Pontes Maia99 Carlos Alberto da Silva100 RESUMO: O processo de envelhecimento populacional e a proteção legal para o segmento idoso são aspectos sociais relevantes que merecem destaque na análise da atual conjuntura brasileira. A proteção social à pessoa idosa apresenta um cenário e uma trajetória nacional peculiar, refletida em um marco legal que representa a formatação de um fenômeno histórico e social.Dentre as publicações recentes mais relevantes na temática, ganha destaque a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (PNPSI), sobre a qual o presente estudo ancora uma releitura da sua trajetória histórica tomando como base o marco legal de maior expressividade, construído principalmente pelas Políticas de Saúde e de Assistência Social no Brasil, juntas, tais políticas, representam as principais ferramentas de inclusão social da pessoa idosa no Brasil. Palavras-chave: Proteção Social. Política Pública. Idoso. Introdução O processo de envelhecimento populacional e a proteção legal para o segmento idoso são aspectos relevantes que merecem destaque na análise da proteção social a pessoa idosa no Brasil. Dentre as publicações recentes mais relevantes identifica-se a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (PNPSI), sobre a qual ancoramos uma releitura da trajetória histórica tomando como base o marco legal de maior expressividade para a temática. No campo de proteção social ao idoso no cenário mundial foram instituídos importantes dispositivos legais os quais iluminaram a legislação brasileira no tocante aos direitos sociais para a pessoa idosa, no Brasil fazemosreferência à importância das garantias conquistadas na Constituição Federal de 1988. Há um roteiro histórico precedente à instituição da PNSPI, onde passamos a identificar o percurso legal e seu entrelace até sua publicação, realizando uma revisão das principais 99 (Universidade de Évora, +55 (85)87373009, e-mail [email protected]) 100 (Universidade de Évora, (+351) 966717190, e-mail [email protected]) III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1155 iniciativas de base legal que propiciaram e originaram a referida política. Reconhecemos que embora a legislação brasileira apresente-se como avançada, ainda há dúvidas quanto à sua efetividade na prática. É primordial compreender que ter garantias legais não assegura, necessariamente, a efetivação de uma política pública. A proteção social à pessoa idosa apresenta um cenário e uma trajetória nacional peculiar, refletida em um marco legal que representa a formatação de um fenômeno histórico e social na realidade brasileira. A portaria 2.528 de 19 de outubro de 2006, que aprovou a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa afirma ter por finalidade recuperar, manter e promover a autonomia e independência dos indivíduos idosos, por meio da aplicação de medidas coletivas e individuais de saúde, coerentes com os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde. (BRASIL, 2006b) A PNSPI representa atualmente um instrumento que reafirma a necessidade de superar diversos desafios que incluem desde a escassez de estruturas, de cuidados, de suporte qualificado até a necessidade de implementação de redes de assistência ao idoso. Passamos a apresentar os principais marcos legais subjacentes à implantação da PNSPI. Trajetórias da proteção social à pessoa idosa nas Políticas de Saúde e de Assistência Social do Brasil Dentre as publicações recentes mais relevantes na temática no Brasil, ganha destaque a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (PNPSI), sobre a qual o presente estudo ancora uma releitura da sua trajetória histórica tomando como base o marco legal de maior expressividade, construído principalmente pelas Políticas de Saúde e de Assistência Social no Brasil, juntas, tais políticas, representam as principais ferramentas de inclusão social da pessoa idosa no Brasil. Iniciamos a discussão com o recorte histórico acerca do marco legal fazendo um enfoque no cenário internacional. Em 1978 foi realizada na cidade de Alma-Ata a Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde. Tal conferência focalizou a necessidade da promoção da saúde de todos os povos do mundo, entendendo saúde não como ausência de doenças, mas como um direito humano fundamental de completo bem-estar físico, mental e social. (OPAS/OMS, 1978). III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1156 A Declaração de Alma-Ata traz contribuições significativas para a conceituação dos cuidados primários em saúde, deixa explícita a necessidade da intervenção nos problemas de saúde como uma condição inexorável para o desenvolvimento social e econômico dos povos mundialmente. Em 1986 na cidade de Ottawa, Canadá, foi realizada a I Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde a qual originou uma Carta de Intenções, denominada de Carta de Ottawa. A definição de promoção da saúde na Carta de Ottawa enfocou a conceituaçãoda saúde em sentido amplo, como um recurso para a vida. Neste sentido considera-se fundamental o conceito conforme a seguir: ―Promoção da Saúde é o nome dado ao processo de capacitação da comunidade para atuar na melhoria de sua qualidade de vida e saúde, incluindo uma maior participação no controle deste processo. Para atingir um estado de completo bemestar físico, mental e social os indivíduos e grupos devem saber identificar aspirações, satisfazer necessidades e modificar favoravelmente o meio ambiente. A saúde deve ser vista como um recurso para a vida, e não como objetivo de viver. Nesse sentido, a saúde é um conceito positivo, que enfatiza os recursos sociais e pessoais, bem como as capacidades físicas. Assim, a promoção da saúde não é responsabilidade exclusiva do setor saúde, e vai para além de um estilo de vida saudável, na direção de um bem-estar global.‖(CARTA DE OTTAWA, 1986) Com esta Conferência ficou claro o conceito de promoção de saúde enquanto condições de proporcionar os meios para melhoria da saúde e exercer controle sobre ela, tendo como principais requisitos a paz, educação, moradia, alimentação, renda, ecossistema estável, justiça social e equidade para a consecução da saúde. As discussões e o conteúdo da Carta de Ottawa utilizaram como pressupostos as recomendações da Declaração de Alma-Ata. A Carta de Ottawa reforça a necessidade de atuação do setor saúde com outras áreas, instalando a necessidade de construção de políticas públicas saudáveis. Assim configura-se que a promoção de saúde vai além dos cuidados primários de saúde, anteriormente afirmados em Alma-Ata. Então, pode-se afirmar que saúde está para além do setor saúde e que as políticas públicas de saúde somente alcançam êxito quando observadas e executadas juntamente à outras políticas públicas. O Plano de Ação Internacional sobre o Envelhecimento, aprovado na I Assembléia Mundial sobre o envelhecimento, realizada em Viena, ―orientou o pensamento e a ação sobre III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1157 o envelhecimento durante os últimos vinte anos, na formulação de iniciativas e políticas de importância crucial‖ (ONU, 2003) Em 2002 foi realizada em Madri a II Assembléia Mundial sobre o Envelhecimento. As deliberações da Assembléia foram substanciais para o reconhecimento da pessoa idosa como sujeito de diretos, destacando o caráter decisório de adotar um Plano de Ação Internacional sobre o Envelhecimento, com ―três direções prioritárias: idosos e desenvolvimento, promoção da saúde e bem-estar na velhice e, ainda, criação de um ambiente propício e favorável.‖ (ONU, 2003) Ainda no Plano de Madri, além de uma declaração política, fazem-se recomendações para adoção de medidas para pessoas idosas e desenvolvimento, temas propostos em 2002 que são ainda atuais e fazem parte do contexto do processo de envelhecimento, dentre os quais envolvem:a participação ativa de idosos na sociedade, no emprego, no desenvolvimento rural, no acesso ao conhecimento, a solidariedade intergeracional, a erradicação da pobreza e a proteção social. No Plano de Madri de 2002 reafirma-se a contribuição histórica de eventos anteriores, visto que as I e II Assembléias Mundiais sobre o envelhecimento foram eventos importantíssimos para a população idosa do mundo inteiro, ao servir de bases para a elaboração de marcos legais posteriores, incluindo-se aqui a PNSPI. (MAIA, 2010) No marco legal nacional faz-se um recorte cronológico com a Constituição Federal de 1988. Em seu Título VIII, da Ordem Social, Capítulo II, da Seguridade Social, o artigo 194 determina que ―a seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os diretos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.‖ (BRASIL, 1988). As três áreas, saúde, previdência e assistência social são integrantes do que se denomina o tripé da seguridade, que devem ser organizados com objetivos definidos nos termos da lei e, em linhas gerais, de modo a garantir a universalidade, equivalência da população urbana e rural, seletividade e distributividade, equidade de custeio, caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, a participação da comunidade, especialmente de trabalhadores, empresários e aposentados.(BRASIL, 1988). A responsabilidade do poder público para com a saúde do cidadão reafirma a primazia do Estado. Esta preconização é de suma importância para a compreensão da temática da saúde III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1158 como um bem que é de responsabilidade do indivíduo e da sociedade, não um bem enquanto dádiva, mas como um direito revestido de obrigatoriedade pública do Estado. (MAIA, 2010) Conforme a Seção II, da Constituição de 1988, no artigo 196 a saúde é determinada enquanto ―direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.‖ (BRASIL, 1988). No artigo 197 da Constituição de 1988 é determinado que as ações e serviços públicos de saúde são de relevância pública, e que a regulamentação, fiscalização e controle cabem ao Poder Público. Neste sentido a implantação e manutenção do Sistema Único de Saúde - SUS e de acordo com os preceitos deste instrumento, traz para o Poder Público a primazia da responsabilidade do Estado pela saúde da população. (BRASIL, 1988) A Lei nº 8.080 de 19 de setembro de 1990 regulamentou o Sistema Único de Saúde (SUS)que dispõe sobre as condições para o sistema de saúde em todo o território nacional. Conforme o artigo 5º, da Lei nº 8.080 são objetivos do Sistema Único de Saúde (SUS): identificar e divulgar os fatores condicionantes e determinantes da saúde, formular políticas de saúde para promover condições que assegurem o acesso universal e igualitário à saúde, e assistir a população com a realização integrada das ações assistenciais e preventivas. (BRASIL, 1990) As diretrizes do SUS correspondem à: descentralização, atendimento integral e participação da comunidade, as quais foram estabelecidas no artigo 198 da Constituição Federal de 1988. Neste sentido as ações e serviços e saúde, desde a definição constitucional, devem estar orientados para a integração da saúde em uma rede regionalizada e hierarquizada. Ressalta-se que em 1986, a VIII Conferência Nacional de Saúde em 1986, contou com as idéias do movimento sanitarista vivenciado no Brasil desde a década de 1970, colaborando para a garantia na Constituição de 1988 na instituição do SUS, o qual só foi regulamentado dois anos depois, prazo elástico, considerando-se a efervescência dos movimentos sociais evidenciados naquela época. (MAIA, 2010) A Constituição de 1988 considera que a Assistência Social será prestada a quem dela necessitar, sendo política não contributiva, considerando seus objetivos a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência, à velhice. (BRASIL, 1988) III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1159 Somente em 1993, foi aprovada a Lei nº 8.742, a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) que traz em seu artigo 1º que ―A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas.‖ (BRASIL, 1993). A LOAS garante o pagamento mensal de um salário mínimo à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que não tenham meios comprovadamente de prover sua manutenção própria ou por seus familiares. O benefício denominado de Benefício de Prestação Continuada (BPC) concedido mensalmente compõe a proteção social básica, com atendimento direto ao público beneficiário. O BPC deverá passar por um processo de revisão a cada dois anos, para verificar as condições do beneficiário, para a manutenção ou suspensão do mesmo. Embora tenha sido aprovada em 1993, cinco anos após a promulgação da Constituição Federal de 1988, foi um instrumento fundamental na efetivação de direitos para os idosos no Brasil. Vale ressaltar também que embora a garantia legal, os primeiros pagamentos do benefício só iniciaram em 1996. É indiscutível a importância do BPC para a vida das pessoas idosas no Brasil, e também, para suas famílias. É um direito que garante ao idoso uma melhoria na condição de vida dessas pessoas e da redução da vulnerabilidade e risco social desse segmento. Aprovada pelo Conselho Nacional de Assistência Social, em plenária datada dos dias 15 e 16 de dezembro de 1998 a Política Nacional da Assistência Social (PNAS) se constitui em arcabouço de proteção e inclusão social da população idosa, garantindo em seus termos o acesso a bens e serviços emanados das políticas públicas. A PNAS propõe ―princípios, diretrizes e estratégias que norteiam as ações de enfrentamento à pobreza, que visam à redução das desigualdades sociais e das disparidades regionais fortemente presentes na história de nosso país.‖ (CNAS, 1998, p. 8). Um fator determinante da importância da PNAS é a definição dos seus destinatários. Dentre eles estão incluídas as pessoas idosas, reconhecidas como prioridade por estarem em conformidade com: ―a) condições de vulnerabilidade próprias do ciclo de vida, que ocorrem, predominantemente, em crianças de zero a cinco anos e em idosos acima de sessenta anos; III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1160 b) condições de desvantagens pessoal resultantes de deficiências ou incapacidades, que limitam ou impedem o indivíduo no desempenho de uma atividade considerada normal para sua idade e sexo, face ao contexto sócio-cultural no qual se insere.‖ (CNAS, 1998, p. 56). A PNAS constitui um elemento importante na análise da conjuntura do marco legal de proteção ao idoso porque reafirma, primeiramente, os preceitos constitucionais e reforça a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), além de apresentar a perspectiva de articulação de políticas sociais e econômicas com vistas ao desenvolvimento integrado dos seus beneficiários, aqui incluídos as pessoas idosas. Com a PNAS destaca-se a afirmação de um novo paradigma da assistência social centrado na cidadania, observando a complexidade dos fatores que envolvem os seus destinatários, as ações da assistência social devem ser integradas com as demais políticas públicas, obedecendo às funções de inserção, prevenção, promoção e proteção voltadas para os destinatários, superando o caráter culturalmente determinado do assistencialismo e clientelismo da assistência social, reafirmando-a como política pública e no enfoque de direitos. A PNAS pode destacar-se a partir de seus objetivos com: a inclusão dos destinatários da assistência social com garantia de acesso aos bens e serviços sociais básicos; a matricialidade da família como principal referencial para o desenvolvimento integral dos destinatários; a contribuição para a melhoria das condições de vida e de cidadania das populações excluídas; e o estabelecimento de diretrizes que orientem planos, benefícios, serviços programas e projetos de assistência social com a afirmação dos valores democráticos implícitos na Política. Em 2003 foi instituído o Estatuto do idoso destinado a regular os direitos assegurados às pessoas idosas, com idade de sessenta anos ou mais. Em seu artigo 3º, o Estatuto do Idoso define que: ―É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, a dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.‖ (BRASIL, 2003). O Estatuto reafirma o idoso como sujeito de direitos de cidadania, sendo este da III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1161 responsabilidade da família, da sociedade e do estado, além de rejeitar toda forma de discriminação e marginalização, o considera como sujeito de relações e único, levando a cabo que programas e serviços devem obedecer a critérios próprios às dimensões do processo de envelhecimento. A publicação do Estatuto do Idoso causou uma repercussão positiva na sociedade brasileira, tanto que o dia do idoso passou a ser comemorado no dia 1º de outubro, em homenagem à data da aprovação do referido Estatuto. Além de ocorrer o reconhecimento por parte da sociedade brasileira, o próprio idoso também estabeleceu uma relação de intimidade e de valorização do instrumento legal, o que se interpreta como indicativo de legitimidade do Estatuto do Idoso junto à população idosa. (MAIA, 2010) Para além dos avanços significativos do Estatuto do Idoso no que diz respeito ao reconhecimento social e cultural do idoso como sujeito de direitos, também foi relevante o corte cronológico para a concessão do BPC. Na Lei nº 8.742, a LOAS, foi considerado o critério de 70 anos de idade, mas a Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, o marco cronológico para pagamento do BPC foi reduzido para 65 anos de idade. Vale ressaltar que o país conta hoje com o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) que inegavelmente representa avanços na consolidação de direitos dos beneficiários da assistência social, e aponta o idoso como público prioritário, em busca da inclusão social e da cidadania deste público.Para trazer com precisão temos: ―O SUAS, cujo modelo de gestão é descentralizado e participativo, constitui-se na regulação e organização em todo o território nacional das ações socioassistenciais. Os serviços, programas, projetos e benefícios têm como foco prioritário a atenção às famílias, seus membros e indivíduos e o território como base de organização, que passam a ser definidos pelas funções que desempenham, pelo número de pessoas que deles necessitam e pela sua complexidade. Pressupõe, ainda gestão compartilhada, co-financiamento da política pelas três esferas de governo e definição clara das competências técnico-políticas da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, com a participação e mobilização da sociedade civil, e estes têm o papel efetivo na sua implantação e implementação.‖ (BRASIL, 2005). Em 2006 temos uma publicação extremamente importante: ―Pacto pela Vida, em Defesa do SUS e de Gestão‖ onde preconiza a atenção à Saúde do Idoso como uma das ações prioritárias. Este instrumento foi fruto de discussões e reflexões envolvendo as diversas áreas do Ministério da Saúde e Conselhos de gestores, sendo aprovado no Conselho Nacional de III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1162 Saúde em 2006. No Pacto pela Vida são referidas as diretrizes sob as quais as ações e serviços de saúde para a pessoa idosa devem ser desenvolvidos, entre elas: a promoção do envelhecimento ativo e saudável, com atenção integral e integrada, estímulo às ações intersetoriais, acolhimento da pessoa idosa, provimento de recursos capazes de assegurar as diversas ações, além de toda a logística que requer o desenvolvimento adequado do trabalho, incluindo capacitação, divulgação e informação, formação profissional e promoção de estudos e pesquisas. (BRASIL, 2006a) A partir da aprovação do ―Pacto 2006‖ foi elaborada a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (PNSPI), através da portaria nº 2.528, em 19 de outubro de 2006, três anos após a instituição do Estatuto do Idoso. Em sua justificativa, para aprovação da Política,expõem-se três fatores: primeiro a necessidade do setor saúde dispor de uma política atualizada com relação à saúde do idoso, segundo por considerar a aprovação do Pacto pela Saúde 2006, e, por fim, devido a pactuação da Política na reunião da Comissão Intergestores Tripartite e a aprovação pelo Conselho Nacional de Saúde. (BRASIL, 2006b) A finalidade da Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa em seu texto corresponde a: ―recuperar, manter e promover a autonomia e a independência dos indivíduos idosos, direcionando medidas coletivas e individuais de saúde para esse fim, em consonância com os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde. É alvo da Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa todo cidadão e cidadã brasileiros com 60 anos ou mais de idade‖(BRASIL, 2006b) Como justificativas principais a PNSPI assinalam dois pontos primordiais: o primeiro refere-se ao grande desafio do envelhecimento populacional em condições de desigualdades sociais e de gênero, o segundo ponto diz respeito à contextualização da necessidade de oferecer resposta às demandas das pessoas idosas mais frágeis dentro da população de maior risco de vulnerabilidade. As Diretrizes da PNSPI correspondem nas linhas gerais às orientações constantes no Pacto pela saúde 2006 quanto à prioridade à saúde do idoso. Na PNSPI cada alínea abaixo citada é delineada e orientada em pormenores, facilitando o entendimento, traçando linhas III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1163 norteadoras da implantação e reorientação das ações e serviços para a pessoa idosa em todo o território nacional: ―a) a promoção do envelhecimento ativo e saudável; b) atenção integral, integrada à saúde da pessoa idosa; c) estímulo às ações intersetoriais, visando à integralidade da atenção; d) provimento de recursos capazes de assegurar qualidade da atenção à saúde da pessoa idosa; e) estímulo à participação e fortalecimento do controle social; f) formação e educação permanente dos profissionais de saúde do SUS na área de saúde da pessoa idosa; g) divulgação e informação sobre a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa para profissionais de saúde, gestores e usuários do SUS; h) promoção de cooperação nacional e internacional das experiências na atenção à saúde da pessoa idosa; i) apoio ao desenvolvimento de estudos e pesquisas.‖ (BRASIL, 2006b). Considerações finais A legislação brasileira avançou significativamente no campo da proteção social ao segmento idoso. Garantias afirmadas pela Constituição Federal de 1988 foram consolidadas com a Lei Orgânica de Assistência Social, com o Estatuto do Idoso, com a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa. Estas, entre outras publicações, estabelecem no cenário nacional prerrogativas legais que asseguram ao idoso tratamento enquanto ser de responsabilização e beneficiário do Poder Público, portanto, alvo de políticas públicas que possibilitem minorar as dificuldades e melhorar as condições de vida desta população. Inegavelmente a legislação brasileira é avançada no que se refere à população idosa, porém não se tem a mesma certeza quando se refere à execução, à prática. Levanta-se um questionamento sobre a confluência ou a dicotomia da base legal com a concretização dos direitos da pessoa idosa nas práticas das políticas de saúde e de assistência social, entre outras políticas públicas no Brasil. Com base no cenário nacional podemos apontar que a ausência de um sistema de informações, uniforme e sistematizado, além danão obrigatoriedade de dotação orçamentária para ações voltadas para a pessoa idosa nas esferas de governo nas três esferas de governo, indicauma dificuldade estrutural para estabelecer,minimamente, uma coerência interna de serviços e ações, principalmente, porque o trabalho realizado em unidades administrativas distintas, conforme necessidades específicaspodem ocorrem sem a articulação necessária. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1164 Estes aspectos, associados ou isoladamente, constituem impeditivos para o desenvolvimento satisfatório de políticas públicas capazes de atender às reaisnecessidades da população idosa. Esta realidade vivenciada nos municípios brasileiros favorece a improvisação de ações, o estabelecimento de processos ou ações sobrepostos ou desarticulados entre si, ou ainda a não realização das ações específicas necessárias ao atendimento da população idosa. Fundamental neste processo de construção da proteção social a pessoa idosa no Brasil, constitui-se a sensibilização e capacitação para a ação de profissionais que compõem equipes multidisciplinares, tais como em: Centros de Referência de Assistência Social (CRAS), Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS), Unidades Básicas de Saúde, Estratégia Saúde da Família (ESF), Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), Centros de Apoio Psicossocial (CAPS) entre outros. A proteção social a pessoa idosa, diante deste cenário, desta trajetória nacional e da elaboração de um marco legal, representa a formatação de um fenômeno histórico e social, construído a partir de embates e consensos entre grupos que, diuturnamente, constroem, reconstroem e operacionalizam, principalmente, a Política de Saúde e a Política de Assistência Social no Brasil. REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988. ______. Conselho Nacional de Assistência Social. Política Nacional da Assistência Social. Brasília. 1998. ______. Portaria do Gabinete do Ministro de Estado da Saúde de n° 1395, de 9 de dezembro de 1999, que aprova a Política Nacional de Saúde do Idoso e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, n° 237-E, pp. 20-24,., seção 1, 13 dez 1999. ______. Ministério da Saúde. Estatuto do Idoso / Ministério da Saúde. –1. ed., 2ª reimpr. – Brasília: Ministério da Saúde, 2003. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1165 ______. Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Política Nacional de Assistência Social. Brasília, 2004 ______. Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Brasília, 2005 ______. Ministério da Saúde. Diretrizes operacionais dos Pacto pela Vida, em defesa do SUS e de Gestão. 1. Ed. Brasília, 2006a. ______ . Ministério da Saúde. Portaria 2.528 de 19 de outubro de 2006. Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa. Brasília, 2006b. MAIA. Sandra Maria Pontes. Avaliação da Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa na Gestão Municipal de Fortaleza-CE. Universidade Federal do Ceará. UFC. Dissertação de Mestrado, Fortaleza, 2010. NAÇÕES UNIDAS. Plan de Acción Internacional sobre el Envejecimiento. Madrid, Espanha, 2002 (Resolución 57/167). NAÇÕES UNIDAS. Plan de Acción Internacional sobre el Envejecimiento. 2003. OPAS/OMS. Declaração de Alma-Ata. Conferência Internacional sobre Cuidados Primários em Saúde. 1978. Disponível em: http://www.opas.org.br. Acesso em: 12 abril. 2013. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1166 RECURSOS PEDAGÓGICOS PARA O ACESSO À LECTOESCRITA POR ALUNOS COM DEFICIÊNCIA VISUAL: PERSPECTIVAS DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA Thaisa da Silva Fonseca101 Ellayne Karoline Bezerra da Silva102 Nadja Carolina de Sousa Pinheiro Caetano 103 RESUMO: O presente artigo analisa a produção científica sobre a utilização de recursos pedagógicos para o acesso à lectoescrita por alunos com deficiência visual, como um meio de empoderar os profissionais que diretamente ou indiretamente atuam com estes sujeitos, de forma a efetivar as políticas públicas direcionadas aos mesmos. Os dados analisados orientam para o aprimoramento destas políticas e para a ampliação dos direitos humanos, transpondo a histórica perspectiva excludente e estigmatizadora para então concretizar o Estado Democrático Brasileiro. PALAVRAS-CHAVE: Alfabetização. Deficiência Visual. Políticas públicas. 1 INTRODUÇÃO A escola constitui-se um espaço amplo de socialização que busca favorecer experiências e a produção de conhecimento para a vida, integrando crianças e jovens às principais redes sociais importantes para sua formação (Conselho Federal de Psicologia, 2013). Dentro do contexto escolar, a alfabetização apresenta-se como um momento importante no desenvolvimento infantil, pois a partir do acesso à lectoescrita (leitura e escrita), a criança passa a ter um maior domínio pelo ambiente em que vive e, conseqüentemente, propicia autonomia e o aperfeiçoamento de demais habilidades. Diante disto, o professor possui um importante papel para o desenvolvimento destas habilidades que levarão ao acesso e domínio da lectoescrita. Com a implantação de políticas públicas de ampliação ao processo de escolarização, oriundos dos movimentos sociais mundiais e nacionais de melhoria da qualidade de vida, as pessoas com deficiência passaram a ter garantido por direito o acesso ao estudo na rede regular de ensino. O movimento pela educação inclusiva, garantia de acesso à educação às pessoas com deficiência e grupos considerados minoritários, reorganizou o cenário da 101 Graduanda do curso de Bacharelado em Psicologia pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI). Bolsista do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – PIBIC/UESPI. Telefone: (86) 8874-4714. E-mail: [email protected]. 102 Assistente Social graduada pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Mestranda em Políticas Públicas na Universidade Federal do Piauí (UFPI). Telefone: (86) 8808-6726. E-mail: [email protected]. 103 Psicóloga, Professora do Curso de Psicologia da Universidade Estadual do Piauí (UESPI). Doutoranda e Mestre em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Telefone: (86) 99879099. Email: [email protected] III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1167 educação e orientou para uma nova realidade (MENDES, 2006). O professor deparou-se com dificuldades acerca do atendimento a essa demanda, principalmente no que diz respeito ao direcionamento de suas práticas. Um dos caminhos propostos pela literatura é o foco na utilização de estratégias que facilitem o acesso dos alunos com deficiência ao currículo escolar. Neste artigo apresenta-se os recursos pedagógicos utilizados por alunos com deficiência visual. 2 ALFABETIZAÇÃO A alfabetização corresponde ao processo de desenvolvimento da capacidade de ler com fluência e compreender globalmente o sentido do texto, localizar informações, fazer inferências e formular hipóteses sobre o conteúdo do texto, por exemplo, escrever de forma legível e compreensível um pequeno texto (ROSA NETO; XAVIER; SANTOS, 2013). A alfabetização possibilita à criança um maior domínio do ambiente em que vive, e consequentemente, uma maior autonomia, o que é de extrema valia para o desenvolvimento infantil. No entanto, é necessário o desenvolvimento de habilidades que culminem à alfabetização, sendo oportuno, também, que o meio e os profissionais que atuem neste processo forneçam as condições necessárias, de modo que se retirem as barreiras existentes, físicas e atitudinais, e juntamente a isto, efetive-se as políticas públicas direcionadas a este público, como uma forma de superar a estigmatização social. A aprendizagem da lectoescrita em crianças vem sendo amplamente estudada por pesquisadores de diversas áreas do conhecimento, tendo em vista que ler e escrever são habilidades compostas por múltiplos processos interdependentes, geralmente representados por modelos de processamento de informações, tais como memória, atenção, percepção, dentre outros. Além disto, o ensino-aprendizagem na alfabetização envolve habilidades cognitivas e motoras que exigem dos alunos o uso dos componentes sensório-motores e perceptivos, ou seja, a capacidade de decodificação das palavras e a ação motora adequada no ato de escrever (ROSA NETO; XAVIER; SANTOS, 2013). O processo de alfabetização apresenta-se diferenciado quando diz respeito a crianças com deficiência devido às especificidades que cada deficiência apresenta. A implantação de políticas públicas orientadora para o acesso de pessoas com deficiência à rede regular de ensino e ao currículo escolar chamou a atenção do mundo para a necessidade de adequação curricular e utilização de estratégias que possam garantir esse direito. O conhecimento destas políticas públicas e utilização de recursos pedagógicos no processo de alfabetização do aluno III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1168 com deficiência visual podem ser elementos essenciais para garantir o empoderamento do professor que atua com esse público. 3 POLÍTICAS PÚBLICAS E INCLUSÃO ESCOLAR Inicialmente, faz-se necessário entender o conceito de políticas públicas para só então adentrar aos avanços das políticas públicas direcionadas à inclusão escolar. A definição de políticas públicas não é única, nem tampouco exclusiva. No entanto, entende-se como mais pertinente o conceito de Mead (1995) como um campo dentro do estudo da política que analisa o governo à luz de grandes questões públicas. E acrescenta-se ainda como sendo a política pública uma soma das atividades dos governos, que agem diretamente ou através de delegação, e que influenciam a vida dos cidadãos (PETER, 1986). Assim, as políticas públicas funcionam como um campo do conhecimento que buscam colocar o governo em ação, ou analisar as ações do governo de modo a proporem mudanças e intervenções no rumo dessas ações, quando houver necessidade. Historicamente, as políticas educacionais foram perpassadas por práticas e teorias excludentes, principalmente quando se relacionava às pessoas com deficiência. Este público era tido como incapazes e passíveis de medidas de assistencialismo e caridade, e não como sujeito de direitos, sendo segregados do sistema educacional, bem como de outros setores da sociedade (BRASIL, 2001). As pessoas com deficiência, e mais especificamente, os alunos com deficiência eram obrigados a adequarem-se as condições das escolas, ou ainda a frequentarem escolas e classes especiais, separando estes sujeitos dos demais considerados ―normais‖. Fator que gerava exclusão, afirmação do preconceito e discriminação dessas pessoas; além de restringir a convivência com os demais membros da sociedade. Desse modo, houve necessidade de reestruturar as políticas voltadas às pessoas com deficiência, na perspectiva da construção de uma política efetivamente inclusiva, com o intuito de transpor as barreiras e qualificar o ensino para atender todo o público, respeitando suas diversidades. As políticas inclusivas trouxeram importantes avanços e conquistas resultantes das lutas travadas pelos movimentos sociais em busca da democratização da sociedade, bem como da construção de espaços sociais menos excludentes. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1169 ―Dentre todas as possibilidades de participação social consideramos a inclusão educacional um importante fator a ser agregado na luta dos direitos e por uma sociedade mais digna e justa‖ (PETRECHEN, 2006, p.23). A perspectiva da inclusão escolar propõe transformar as escolas e classes especiais em centros especializados e salas de recursos, não mais como espaços que substituem o acesso a escolas e classes comuns do ensino regular (segregação escolar), mas como espaços para o atendimento educacional especializado (ALVES; BARBOSA, 2006). A inclusão escolar consiste em uma concepção políticopedagógica que desloca a centralidade do processo para a escolarização de todos os alunos nos mesmos espaços educativos (SAMPAIO; SAMPAIO, 2009). Uma escola pode ser considerada inclusiva apenas quando estiver organizada para atender com flexibilidade didático-pedagógica, ajustando o ensino às características de cada aluno, independente de etnia, sexo, idade, condição social ou qualquer outra condição. (CAPELLINI, 2004). Assim sendo, as pessoas com deficiência devem possuir acesso às mesmas condições educativas que os demais alunos, uma vez que um ambiente e uma intervenção adequada podem melhorar significativamente o desenvolvimento destas crianças. As estratégias inclusivas não podem apenas ser feitas na forma discursiva, mas na realização de experiências em que as possibilidades de cada um possam ser manifestadas. Deve-se levar em consideração que a inclusão escolar não é um processo rápido e fácil, mas requer uma preparação adequada e mudanças atitudinais de todos que atuam neste processo. Dessa forma, necessita-se de um ensino que trabalhe as diferenças, bem como, que valorize as potencialidades de cada um (BISCHOFF; SANTOS; MUNCINELLI, 2006). Desta maneira, a proposta de inclusão escolar colabora na retirada da idéia de deficiência como sendo algo inerente à pessoa, em que, na maioria das vezes, mostrava a deficiência como uma barreira para a realização de diversas atividades, sendo que as barreiras encontravam-se no ambiente em que a pessoa estava inserida e/ou nas pessoas que lidavam com estes indivíduos que não encontravam meios e recursos de desenvolver as potencialidades dos mesmos. 4. O ALUNO COM DEFICIÊNCIA VISUAL III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1170 Conforme Mena-Berbegall; Viñas (2011), a deficiência visual é a perda total ou parcial, congênita ou adquirida da visão, podendo ser dividida em duas ―categorias‖, a de crianças cegas e a de crianças com baixa visão: Criança cega: ―indivíduo com menos de 16 anos e tem uma agudeza visual com correção óptica no menor olho inferior a 5%‖ (MENA-BERBEGALL, VIÑAS, 2011). Criança de baixa visão: ―indivíduo de menos de 16 anos e que tem agudeza visual com correção óptica no menor olho inferior a 30% mas igual ou maior a 5%‖ (MENA-BERBEGALL, VIÑAS, 2011). A agudeza visual é a capacidade visual que a pessoa tem em comparação com o parâmetro da normalidade. Aliado a isto, é importante mencionar que os processos visuais são evolutivos e adquiridos pela aprendizagem e amadurecimento da criança, sendo que as crianças cegas passam pelas mesmas etapas evolutivas que as que vêem, embora com um atraso significativo, atraso este que é atribuído a dois fatores principais, que são o grau de agudeza visual e o momento da perda visual (MENA-BERBEGALL; VIÑAS, 2011). A baixa visão é classificada quando o indivíduo tem a capacidade prejudicada por fatores que limitam a visão em alguns aspectos ou em vários, de tal modo, a criança parcialmente cega se educa através da visão. Por sua vez, a cegueira se classifica como a perda total da capacidade de ver, logo, a criança cega se educa através de práticas dos outros sentidos (SÁ, 2009). Conforme Brasil (2002, citado por Santos; Galvão; Araújo, 2009), o Ministério da Educação, fazendo referência às crianças com deficiência visual, afirma que estas, devido à sua privação sensorial ocasionada pela ausência ou baixa visão, deverão ter mais tempo para elaborar a noção de objeto permanente; para se desligar da figura materna; para se adaptar à escola; além do que alguns movimentos corporais de repetição não deverão ser entendidos como deficiência mental, mas como forma de manifestar tensão, agitação e diversos sentimentos como alegria e ou tristeza. Diante disto, enfatiza-se a necessidade de que ao invés de uma categorização e de que estas informações sirvam como um dificultador no processo educacional e alfabetizador, que os profissionais e familiares envolvidos em tal processo utilizem seus conhecimentos e os III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1171 recursos de maneira que proporcione uma melhor qualidade de vida a estas crianças, levando também em consideração as singularidades das mesmas. Para Brumer e colaboradores (2004, citado por Carvalho, 2011), ―a falta ou redução da visão não é o principal obstáculo para a inclusão dos deficientes visuais como cidadãos, consciente dos direitos e deveres, desde que lhe seja ofertado condições necessárias para a sua aprendizagem e meios de desenvolver e aplicar suas habilidades‖ (p.321). Destarte, enfatiza-se o pressuposto de que um ambiente adequado juntamente com profissionais capacitados promoverão o desenvolvimento das potencialidades do aluno com deficiência, não se atribuindo, de tal forma, à ausência total ou parcial da visão como sendo empecilho na alfabetização, posto que profissionais capacitados e recursos pedagógicos adequados auxiliarão neste importante processo. Então, diante desta nova realidade, a utilização de recursos pedagógicos e tecnológicos mostra-se como aliados ao professor no direcionamento de suas práticas e na aquisição da lectoescrita por partes dos alunos com deficiência visual, seja ela parcial ou total, posto que ―a visão é o sentido integrador dos inputs sensoriais, e, assim, sua perca ocasiona atrasos nos demais aspectos evolutivos‖ (MENA-BERBEGALL; VIÑAS, 2011, p. 499). 5 RECURSOS PEDAGÓGICOS PARA ALFABETIZAÇÃO DO ALUNO COM DEFICIÊNCIA VISUAL É de extrema valia uma melhor atenção aos recursos pedagógicos utilizados na alfabetização de crianças com deficiência, para que o professor possa expandir práticas que promova o desenvolvimento da pessoa em direção à autonomia no exercício de suas atividades, melhorando os meios e condições disponíveis para sua aprendizagem, levando em consideração a heterogeneidade das mesmas, ou seja, que cada criança possui ―particularidades‖ e dificuldades diferentes. Neste caso, especificar-se-á os recursos utilizados para alunos com deficiência visual. A operacionalização de uma pedagogia inclusiva implica a necessidade de se criar e de se garantir condições que oportunizem o acesso e a permanência de todos os alunos na escola, sendo necessário contemplar o uso de novos recursos e de tecnologias que favoreçam a apropriação dos conhecimentos (GIROTO; CASTRO, 2011). A criança com deficiência visual não necessita de adaptações significativas no currículo, contudo precisa de recursos III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1172 específicos, tempo, modificação do meio, procedimentos metodológicos e didáticos, além de avaliação adequada. É relevante, também, que os conteúdos sejam tratados de maneira que a criança com deficiência visual possa participar ativamente de todas as atividades e tarefas desenvolvidas pelos demais alunos (SANTOS; GALVÃO; ARAÚJO, 2009). Para Raposo e Carvalho (2011, citado por Carvalho, 2011), o aluno com deficiência visual em qualquer fase do ensino pode utilizar recursos e estratégias que apóiam o desenvolvimento de suas atividades educacionais, pessoais, profissionais e sociais. Os recursos didáticos assumem grande importância na educação de pessoas com deficiência visual, posto que um dos problemas básicos destas, em especial o cego, é a dificuldade de contato com o ambiente físico, além do que a carência de material adequado pode conduzir a aprendizagem da criança com deficiência visual a um mero verbalismo, desvinculado da realidade. Assim, alguns recursos podem suprir lacunas na aquisição de informações pela criança deficiente visual (CERQUEIRA; FERREIRA, 2000). Espera-se que as crianças escolarizadas dominem o processo de lectoescrita até os seis ou sete anos de idade. Porém já entram em contato com elementos básicos desde o ingresso na escola. Geralmente, as crianças com deficiência visual apresentam um atraso cognitivo e uma maior lentidão no desenvolvimento das tarefas escolares, bem como um atraso na leitura de aproximadamente dois anos em relação às videntes da mesma idade. Esse comprometimento pode ocorrer uma vez que a visão é o principal sentido orientador humano, a sociedade é orientada para a aquisição de conhecimento por estimulação visual, o que pode provocar atrasos na aquisição de repertório de nomeação, categorização e generalização. Entretanto deve-se levar em consideração o tipo de deficiência visual (parcial ou total), bem como as estratégias utilizadas para facilitar a qualidade de vida deste aluno, tanto na escola, bem como a estimulação precoce por parte da família realizada no decorrer do seu desenvolvimento. A literatura aponta que a habilidade de ver enquanto processo aprendido é de extrema valia no processo educacional (MENA-BERBEGALL; VIÑAS, 2011). No que se refere ao acesso ao material escolar, no período da educação infantil (3 a 6 anos) costuma-se integrar dentro da programação atividades mais vivenciais que consideram outros canais de entrada de informação, levando em consideração que a criança com deficiência visual, principalmente a criança com deficiência visual total, utilizará outros inputs sensoriais para o acesso às informações. Assim, o material de trabalho deve ser III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1173 colorido, contrastado, além de se trabalhar lâminas com a criança e lhe fazer perguntas sobre o que vê, lhe pedindo que aponte, para que o professor assegure-se do nível perceptivo dela (MENA-BERBEGALL; VIÑAS, 2011). Desta forma, dispõe-se de recursos técnicos que otimizam o sentido do tato e da audição tanto para alunos cegos como para alunos de baixa visão. No caso dos alunos cegos, os recursos são livros braille; instrumentos de desenho; máquina de escrever em Braille; ábaco; gráficos táteis; livros e calculadoras falados. Já no caso dos alunos com baixa visão, prioriza-se o aproveitamento dos restos visuais com as ajudas de que necessite, pois estes utilizam como acesso à lectoescrita principalmente o código tinta, assim, recomenda-se, na impressão de textos, que se utilize letras simples e sem adornos; fonte 12 ou 14; com utilização de letras maiúsculas em palavras curtas, preferencialmente em títulos, sinais; espaço entrelinhas de aproximadamente 20 a 30% do tamanho; além de um contraste entre a cor do papel e a cor da tinta (MENA-BERBEGALL; VIÑAS, 2011). De acordo com Gonçalves; Vianna; Santos (2009), o sistema Braille de escrita consiste num código que utiliza combinações de pontos para representar as letras do alfabeto, os números, os símbolos matemáticos, físicos, químicos e os sinais de pontuação, sendo que os pontos se imprimem no papel manualmente com um punção e reglete (instrumento utilizado para permitir que o aluno cego escreva) ou são datilografados numa máquina Perkins Braille ou ainda impressos por meio da impressora Braille, de modo que permita a leitura dos pontos de relevo por meio do tato por parte dos alunos com deficiência visual total. De acordo com Mena-Berbegall; Viñas (2011), ao longo do período letivo, introduzem-se as ajudas à medida que elas tornem-se necessárias para que se possa administrar a informação de que o aluno precisa para ter acesso aos conteúdos curriculares. Assim, as ajudas para o acesso ao currículo podem ser óticas, as quais são utilizadas somente para alunos com restos visuais (deficiência visual parcial); e não óticas: Ajudas óticas: permitem ao usuário com pouca visão ter acesso à informação escrita e são recomendadas a partir dos nove ou dez anos, ou quando há necessidade para ter acesso às partes do currículo, tais como: binóculos (permitem ao aluno realizar tarefas à distância, utilizando a ampliação angular); óculos com microscópio (são armações que dispõem de lentes que aumentam o objeto mediante a diminuição da distância); lupas (permite ver de perto e funciona também como um suporte secundário que pode ser complementado com outras ajudas) (MENABERBEGALL, VINÃS, 2011). Ajudas não óticas: atril ou mesa reclinável (ajuda a aproximar o texto escrito III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1174 dos olhos do aluno sem que este tenha que curvar excessivamente as costas); computador falado; agendas eletrônicas com sintetizador de voz; leitores de tela (são verificadores de tela que permitem o aluno deficiente visual trabalhar em ambiente virtual oferecendo uma resposta de voz e/ou braille); magnificadores de tela (permite aos deficientes visuais terem acesso à leitura da informação que aparece na tela de seus computadores (MENA-BERBEGALL; VIÑAS, 2011). O avanço tecnológico proporcionou recursos valiosos para o processo ensinoaprendizagem, tais como a utilização softwares providos de recursos para a ampliação de caracteres, permitindo sua leitura em computadores e impressão (CERQUEIRA; FERREIRA, 2000). O uso do computador através de programas como o DOSVOX (auxilia o deficiente visual a utilizar microcomputadores, através do uso de sintetizador de voz, posto que o sistema realiza a comunicação oralmente, em língua portuguesa, com o deficiente visual, sendo dispensável a utilização do mouse) e o JAWS (oferece uma voz sintetizada em ambiente Windows, para acessar os softwares, aplicativos e recursos na internet, sendo também dispensável o uso do mouse) permite aos alunos com deficiência visual o acesso a internet, digitação de textos que poderão ser impressos em tinta, consulta de textos, realização de provas (GONÇALVES; VIANNA; SANTOS, 2009). Neste caso, pode-se perceber que este recurso auxilia o deficiente visual com baixa visão no acesso ao currículo escolar, levando em consideração a autonomia preconizada por todos os indivíduos. Segundo Ferreira (2011), os desafios e dificuldades da inclusão nem sempre é percebido pelo aluno que foi incluído na escola. Assim, é importante que o educador planeje as aulas de maneira que não reforce a dificuldade do aluno, mas que facilite a participação e execução das atividades. Assim sendo, é importante a utilização de recursos didáticos e tecnológicos bem como adaptações curriculares, pois são facilitadores no processo de aquisição da lectoescrita por parte das pessoas com deficiência visual, de modo a refletir diretamente na aprendizagem destas. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS As pessoas com deficiência devem possuir acesso às mesmas condições educativas que os demais alunos, uma vez que um ambiente e uma intervenção adequada podem melhorar significativamente o desenvolvimento destas crianças e um melhor acesso ao currículo escolar. Dentro deste contexto, as políticas públicas apresentam-se como uma III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1175 ampliadora dos direitos humanos, de modo que se transpõe a histórica perspectiva excludente e estigmatizadora para então concretizar o Estado Democrático Brasileiro. Assim, ressalta-se a importância de que, ao se conhecer as dificuldades das pessoas com deficiência e dos profissionais que lidam com tais, pode-se potencializar o desenvolvimento das mesmas, e, consequentemente, promover uma melhor qualidade de vida a este público. É dentro desta perspectiva que se discutiu a utilização dos recursos pedagógicos para o acesso à lectoescrita por alunos com deficiência visual, sendo que estes recursos mostraram-se como aliados aos professores no direcionamento de suas práticas, bem como proporcionaram aos alunos um melhor acesso ao currículo escolar, auxiliando, de tal forma, o processo de inclusão escolar e o atendimento às necessidades dos alunos, e por conseqüência, a efetivação de seus direitos. 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SÁ, Marcelo Torreão. Exclusão das crianças cegas da prática de ensino da alfabetização espacial em um contexto de escola inclusiva. Educação inclusiva, deficiência e contexto social: questões contemporâneas. Salvador: EDUFBA, 2009. SAMPAIO, Cristiane Teixeira; SAMPAIO, Sônia Maria Rocha. Cultura escolar e inclusão: Convivendo com a diversidade: a inclusão escolar da criança com deficiência intelectual. Salvador: EDUFBA, 2009 III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1177 SANTOS; GALVÃO; ARAÚJO. Deficiência visual e surdocegueira. Educação inclusiva, deficiência e contexto social: questões contemporâneas. Salvador: EDUFBA, 2009. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1178 RESGATE SÓCIO-HISTÓRICO DO CENTRO DE SEMILIBERDADE DE JUAZEIRO DO NORTE-CEARÁ EM INTERFACE COM A PSICOLOGIA E POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO SOCIAL Sâmya karoliny Peixoto Bacurau104 RESUMO O presente artigo retrata o percurso sócio-histórico do Centro de Semiliberdade de Juazeiro do NorteCe, e a insersão do Psicologo na Instituição; o centro tem como missão o planejamento de ações que promovam a ressocialização e a reinserção de adolecentes em conflito com a lei em meio a sociedade de acordo com a Lei Federal de nº 8.069/ de 13 de julho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA, que traz como principio a proteção integral de crianças e adolescentes no Brasil. Através de analises bibliograficas e documentais, retrata-se a historicidade da instituição, a atuação do Psicólogo na mesma,e as políticas de desenvolvimento social desenvolvidas ao longo dos anos. O artigo tem como finalidade apresenta dados que sejam relevantes no contexto regional, e para população acadêmica de maneira geral. Surge diante da necessidade de elencar dados que sirvam como fonte de pesquisa nas mais diversas areas , portanto, é de imensa importância analisar aspectos ainda não aprofundados, dando ênfase ao que envolve as chamadas instituições totais, articulando a teoria com as características que definem as instituições de medida socioeducativas de semiliberdade, as leis que as regem e a psicologia institucional e social. Expõe-se por fim como conclusão que desde a fundação da instituição, o profissional de psicologia está inserido no espaço social, atendendo assim aos parâmetros exigidos por lei. Palavras-chave: Resgate Historico. Centro de Semiliberdade. Psicologia Institutional e Social ABSTRACT This article portrays the route sociohistorical Centro de Semiliberdade de Juazeiro do Norte-Ce, and insertion of the Institution Psychologist's; the center's which has mission the planning of actions that promotes the rehabilitation and reintegration of adolescents in conflict with the law through society in accordance the Federal Law n º 8069 / July 13, 1990, statute of children and adolescent-ECA, which has as principle the full protection of children and adolescents in Brazil. Through analysis of bibliographical and documentary portrays the historicity of the institution, and the work of the Psychologist in it. The article aims to present data that are relevant in the regional context, and the academic population in general. Appears before the necessity to list of data that serve as a source of research in psychology, therefore, it is of immense importance to analyze aspects yet not thorough yet, emphasizing what involves what is called total institutions, linking theory with the characteristics that define the rule institutions semiliberty of socio, the laws that govern institutional and psychology socio. Finally exposes himself as a conclusion that since the founding of the institution, the professional psychology is embedded in space socio, thus meeting the parameters required by law. 104 Graduada em psicologia pela faculdade de ciências aplicadas doutor leão sampaio, e aluna de especialização na universidade regional do cariri – urca. [email protected], telefones: 9647.3363 ou 8866.0140 III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1179 Keywords: Rescue Historical. Semiliberty center. Institutional psycholog and socio105 1 INTRODUÇAO O presente artigo propõe um resgate histórico e institucional do Centro de Semiliberdade de Juazeiro do Norte-ce, que está no Nordeste do Brasil, no interior do Ceará; analisando a inserção do Psicólogo na mesma; A pesquisa vem retratar a historicidade da instituição, que por sua vez tem como parâmetro principal planejamento e execução de programa sócioeducativo para adolescentes infratores em regime de semiliberdade, conforme coloca a Lei de nº 8.069 de 13 de julho de 1990, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA. Nasciutti (2008) enfatiza o termo instituição fazendo uma análise diante da psicossociologia por vários autores, designado o que instituição, no entanto diz ser tudo que se estabelece no meio social, de forma a refletir sobre o que faz parte de um sistema social global, analisando sua constituição, seja material ou social e como essas instituições se organizam cotidianamente e interagem com os mais diversos contextos, seja ele social, político ou econômico. Goffmam (2008) destaca instituição como um estabelecimento social, correlacionando o termo de modo a mostrar que, é um local onde o indivíduo desenvolve suas atividades. Dando ênfase a este aspecto, a instituição que será analisada neste artigo, é de privação de liberdade para menores, que tem como parâmetro o sistema de semiliberdade no meio social. Diante do processo institucional de reclusão, pode-se ressaltar o campo político, que se utilizava desses meios institucionais para prender antigos opositores do regime utilizando-os como forma de poder e no meio administrativo das cidades prendendo mendigos e indigentes, sendo utilizada também para retirar das ruas crianças e adolescentes como forma de limpeza social. O papel da instituição prisão diante da sociedade lembra reclusão, onde quem desobedece às regras não se enquadra dentro dos padrões exigidos, devendo assim ser excluído da convivência social. Dessa forma, visa-se elencar dados que comprovem a história da instituição de semiliberdade de Juazeiro do Norte-Ce, com objetivo de comprovar a atuação do Psicólogo na 105 Graduada em Psicologia [email protected] pela Faculdade de Ciências Aplicadas Doutor Leão Sampaio- III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1180 mesma, e desenvolver uma análise diante de suas atribuições em meio a instituições de privação de liberdade para adolescentes. A pesquisa terá como base o materialismos histórico que possibilita enfatizar a dimensão histórica dos processos sociais; tendo como fonte um material bibliografico e documental que foi trabalhado baseado na amostragem por acessibilidade ou por conveniência diante da analise de 165 documentos. Os dados foram analisados e interpretados diante do cunho quanti-qualitativo, que por sua vez tem caráter descritivo (GIL, 2009). As fontes consultadas são de grande relevância para este artigo. Foram utilizadas bibliografias relevantes à temática como Goffman (2008), Foulcaul (2011), Bleger( 1984), Gil (2009), Lakatos e Marconi (2010), Guiradi (2012), Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo- SINASE (2006), Conselho Federal de Psicologia- CFP, Código Melo Mattos Lei de nº 17.943-A, Código de Menores Lei de nº 6.697/79 de 1979 e a Lei de nº 8.069/90 de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA; e ainda utilizando pesquisa em artigos de sites como Crepop, Google Acadêmico, Scielo e BVS-Psi. O interesse pela a temática em questão surgiu a partir de uma vivência no espaço, onde se percebeu a necessidade de resgatar a historicidade da instituição, dando ênfase aos processos históricos, trazendo assim a importância da atuação do Psicólogo em instituições de privação de liberdade, que tem como parâmetro o sistema socioeducativo de semiliberdade para adolescentes em conflito com a lei. No entanto visa contribuir de forma significativa no âmbito científico trazendo discussões que envolvam acadêmicos em psicologia e outras profissões, de forma que venha despertar o interesse de mais pesquisadores sobre o assunto que ainda é pouco discutido no ambiente acadêmico, dentro de uma perspectiva social e de inclusão, mostrando uma visão mais ampliada do que é um sistema socioeducativo. Este artigo se dividiu em cinco etapas; primeiro ele traz uma visão voltada para as Instituições totais diante da visão de Goffman (2008) e Foulcault (2011); faz menção ao processo histórico das antigas e atuais leis que regem as instituições para menores, diante dos direitos e deveres de crianças e adolescentes no Brasil, trazendo assim a caracterização de instituições para menores, ressaltando a equipe interdisciplinar mais especificamente a atuação do Psicólogo na visão de Bleger (1984) e Guiradi (2012), por fim os III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1181 resultados,analises e discussões que foram construídos diante de dados coletados através de documentos institucionais. Partindo desse pressuposto, o estudo desta problemática buscou subsídios que comprovem a história do Centro de Semiliberdade de Juazeiro do Norte-Ce, possibilitando assim um entendimento sobre a atuação do profissional de Psicologia em questões que envolvem políticas de desenvolvimento social. Os resultados do estudo realizado servem como base para comprovar dados relevantes institucionais, que por sua vez comprova a inserção do profissional de psicologia desde os primeiros atendimentos feitos na instituição a partir do ano de 2003, tendo uma continuidade no decorrer dos anos até os dias atuais, totalizando assim a passagem de seis profissionais no decorrer de nove anos, que pautam seu trabalho diante do que estabelece o ECA, e o Código de Ética Profissional de Psicologia. 2 INSTITUIÇOES TOTAIS NA PERSPECTIVA DE FOUCAULT E GOFFMAN O termo instituição se caracteriza pelo ato de instituir, estabelecer algo novo, fundar, nomear ou declarar, em termos gerais seriam os príncipios fundamentais de um estado ou sociedade (ROCHA,1996). Em termos gerais, o ser humano está cotidianamente entrelaçado com vários tipos de instituições seja ela familiar ou de trabalho. Estas muitas vezes influenciam na personalização do sujeito, como traz Goffman (2008) e Foucault (2011), autores que serão relevantes para a contextualizaçao do tema proposto. No livro ―Manicômios, Prisões e Conventos‖, podemos analisar que Goffmam traz as características mais comuns das chamadas instituições totais, contudo destaca a prisão e define instituição total com os seguintes termos: ―como uma espécie de escola ou instituição de bons modos, que tem parâmetros menos refinados que serve para moradia e trabalho tendo como padrão um aglomerado de pessoas isolados da sociedade‖, por um período de tempo, que vivem em um sistema fechado cumprindo normas e padrões pré estabelecidos (GOFFMAN,2008, grifo nosso). Goffman (2008) analisa e divide as instituições totais em cinco grupos, classificandoas em instituições criadas para cuidar de pessoas que não conseguem cuidar de si mesmos, como asilos, manicômios e hospitais. As que protegem a sociedade de atos intencionais, que III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1182 tem características de fechamento, como as prisões. Instituições como escolas, quartéis e colônias e por fim instituições que tem características peculiares como os conventos e claustros. Entre essas instituições, ressalta-se a prisão, que se configura no grupo das instituições organizadas com o objetivo de proteger a sociedade contra perigos intencionais, onde o bem-estar das pessoas isoladas não constitui o problema imediato, mas sim proteger a sociedade dos mesmos. Segundo Goffman (2008), há muito tempo em nossa sociedade, punir é, exclusivamente, sinônimo de privação da liberdade. É a prisão que revela as formas de poder de punir pela destruição da liberdade, ou seja, paga-se a dívida do crime em meio à sociedade, em tempo de liberdade estabelecida, e como medida disciplinar para a transformação individual e pessoal do sujeito. Na prisão, busca-se através de diversas normas, homogeneizar os sujeitos, iniciando pelo processo de recepção, por meios de rituais conhecidos como "boas vindas", onde a equipe de supervisão procura deixar de forma bem clara a sua situação inferior, ao grupo de internados, que está entrando, caracterizando assim como a primeira perda das relações sociais (GOFFMAN, 2008, grifo do autor). O mesmo faz uma relação da institucionalização, voltando para aspectos entre o mundo interno e o mundo externo e ressalta a mutilação do eu ao adentrar neste espaço, caracterizada por proibições de visitas, relações sociais e privilégios, tratando todos iguais, tendo como característica principal o total impedimento da vida anterior, causando com isso a ruptura das relações, e a perda dos papeis anteriores, ressaltando assim a mortificação do eu. Fazendo uma analise sobre a mortificação do eu na visão Goffmam (2008), percebe-se que o eu do individuo é aniquilado, ou seja, destruído, surge como algo que não existe mais no meio social (GOFFMAM, 2008). No entanto ele faz uma análise ainda mais aprofundada das consequências as quais está sujeito o individuo institucionalizado e diz, ―A mortificação e a mutilação do eu tendem a incluir aguda tensão psicológica para o individuo, mas para um individuo desiludido do mundo ou com sentimento de culpa, a mortificação pode provocar alivio psicológico‖ enfatizando assim sua dimensão psíquica (GOFFMAN, 2008, p. 49). Goffmam (2008) retrata de forma peculiar as características que permeiam as instituições totais de maneira geral, classifica cada uma dentro de sua especificidade, III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1183 aproximando assim o leitor de uma realidade, que por sua vez é pouco conhecida e nem sempre é exposta de maneira clara dentro da sociedade. Esta é uma das posições de Foucault (2011), em seus estudos sobre as Prisões. Os historiadores, como os filósofos e os historiadores da literatura, estavam habituados a uma história das sumidades. Mas hoje, diferentemente dos outros, aceitam mais facilmente trabalhar sobre um material "não nobre". A emergência deste material plebeu na história já data bem de uns cinquenta anos. Temos assim menos dificuldades em lidar com os historiadores. Você não ouvirá jamais um historiador dizer o que disse em uma revista incrível, Raison Présente, alguém, cujo nome não importa, a propósito de Buffon e de Ricardo: Foucault se ocupa apenas de medíocres (FOULCAULT, p. 129). Foucault (2011) traz adiante que em meados do século XVIII e no fim do século XIX foi o período em que se percebeu ser, através da economia do poder, seria mais eficaz e rentável vigiar e controlar os indivíduos do que punir, no entanto diz ser uma época onde começa a surgir ―um novo tipo de exercício de poder‖ (FOUCAULT, 2011, p. 130, grifo nosso). O autor traz dentro de uma visão dialógica as relações de poder diante dos aparelhos existentes na época e consegue passar de forma clássica como essas relações se davam tanto em nível de hierarquia quanto de aparelhos políticos. Foucault (2011) coloca que todos conhecem as grandes alterações, e a importância dos reajustes institucionais que provocaram as modificações do regime político, o modo pelo qual as representações do poder no auge do sistema estatal foram transformadas. Contudo o autor coloca ―Mas, quando penso na mecânica do poder, reflito em sua forma capilar de existir, no ponto em que o poder encontra o nível dos indivíduos, atinge seus corpos, vem se inserir em seus gestos, suas atitudes, seus discursos, sua aprendizagem, sua vida quotidiana‖ (FOUCAULT, 2008, p. 131). É um dos primeiros estudiosos a estudar sobre elementos que muitos consideravam como material ―não nobre‖ e enfatiza que, os organismos de poder na sociedade não foram muito aprofundados diante de estudos, pois se dava mais ênfase às pessoas que detinham o poder do que aos instrumentos de poder (FOULCAULT, 2011). Foucault (1987), afirma que; III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1184 A prisão é menos recente do que se diz quando se faz datar seu nascimento dos novos códigos. A forma-prisão preexiste à sua utilização sistemática nas leis penais. Ela se constituiu fora do aparelho judiciário, quando se elaboraram, por todo o corpo social, os processos para repartir os indivíduos, fixá-los e distribuí-los espacialmente, classificá-los, tirar deles o máximo de tempo, e o máximo de forças, treinar seus corpos, codificar seu comportamento contínuo, mantê-los numa visibilidade sem lacuna, formar em torno deles um aparelho completo de observação, registro e notações, constituir sobre eles um saber que se acumula e se centraliza. A forma geral de uma aparelhagem para tornar os indivíduos dóceis e úteis, através de um trabalho preciso sobre seu corpo, criou a instituição-prisão, antes que a lei a definisse como a pena por excelência (FOUCAULT, 1987, p. 260). Com o passar dos anos as instituições vão ganhado outras formas diante de um parâmetro que muda essa concepção, e traz o cárcere como uma instituição total e completa, porem ressalta que um novo termo deve ser utilizado, a ―socialização‖, que através de um olhar diferente compreende o sistema prisional como uma instituição social como tantas outras (JULIÃO, 2010, grifo nosso). Com a reforma, agregam-se à ideia de punição os conceitos de reinserção, reabilitação social, ressocialização. Assim, a punição passa não só a se destinar a sancionar a infração, mas a controlar o indivíduo, a neutralizar a sua periculosidade, a modificar suas disposições criminosas, cessando somente após obtenção de tais modificações (FOUCAULT, 2000, p. 20, apud JULIÃO, 2010). Como traz Goffman (2008) e Foucault (2011) as relações de poder nas instituições pré existem há muito tempo, e surgem nos mais variados meios sociais, contudo servem para controlar todo um sistema social, utilizando-se de instrumentos físicos e discursos de poder. Dessa forma, pode-se ter uma visão mais ampla do que é uma instituição total e suas mais variadas formas de relações de poder no meio social, e através desse estudo fazer uma correlação de maneira mais especifica sobre as instituições de privação de liberdade para menores que se encontram relacionadas dentro deste parâmetro de instituições totais. 3 HISTÓRICO DAS LEIS QUE REGEM DIREITO DE ADOLESCENTES NO BRASIL No início do século XX surgiram os primeiros projetos legislativos que defendem os direitos de crianças e adolescentes. Por volta de 1913, foi criada a primeira instituição para atender o menor infrator, chamado de Instituto Sete de Setembro, que acolhia desde menor infrator a menores abandonados ou desprotegidos. Em 1917, foi anunciada ao Senado a III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1185 primeira lei que avaliou como não delinqüentes os adolescentes entre 12 e 17 anos. Por volta de 1927, começou a vigorar no Brasil o Código de Menores, sendo pioneiro na América Latina (OLIVEIRA; ASSIS, 1999). Um dos marcos históricos diante das leis para menores segundo Azevedo (2007), foi o primeiro Código de Menores criado no Brasil em 1927, conhecido como Código Melo Mattos, diante do decreto nº 17.943-A, de 12 de outubro de 1927, que continha 231 artigos e levou esse nome em homenagem a seu criador, o jurista José Cândido de Albuquerque Mello Mattos, que nasceu em Salvador-BA, em 19 de março de 1864. O mesmo seria não só exclusivamente o seu idealizador, mas também o 1° juiz de Menores do Brasil, nomeado em 02 de fevereiro de 1924, exercendo a função na então capital Federal, cidade do Rio de Janeiro, instituído em 20 de dezembro de 1923, até o seu falecimento, em 1934. O Código Melo Mattos apresenta que o objetivo principal da lei, de acordo com Artigo. 1º é ―O menor, de um ou outro sexo, abandonado ou delinquente, que tiver menos de 18 anos de idade, será submetido pela autoridade competente às medidas de assistência e protecção contidas neste Código‖(BRASIL, 1927). Trazia uma visão higienista, voltava-se para uma parcela mínima da sociedade, (os pobres) foi pioneiro no assunto leis para menores no Brasil, contudo sofreu poucas alterações no decorrer dos seus 52 anos. Tinha como missão principal o tratamento diferenciado dos menores infratores tirando-os de prisões comuns e classificando-os por faixa etária, porém mantém o caráter higienista e repressor que tem como medida tirar os menores infratores da sociedade (BOMBARDA, 2010, grifo nosso). As leis citadas até o momento apresentam a realidade da época, retratam como os organismos de poder e as pessoas que detinham esse poder, agiam diante dos que não estavam dentro dos parâmetros exigidos no meio social e político, fazem menção aos processos de assistência e proteção, contudo ainda não era ainda mencionado o termo de semiliberdade, diante dos chamados mecanismos de proteção. Bombarda (2010) expõe às modificações que vem acontecendo no decorrer dos anos retrata primeiro decreto de lei evidenciando como antigo Código de Menores de 1927, em seguida a substituição pelo Código de Menores, lei de nº 6.697/79 de 1979, que tem uma visão humanista, que busca um novo olhar voltado para o adolescente autor de ato infracional. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1186 A lei é inovadora no sentido que inclui nas suas disposições o sistema de medida de semiliberdade, colocando os autores de ato infracional, diante da medida aplicável no Art. 13 Insiso V, que dispõe sobre a colocação do adolescente em casa de semiliberdade. (BRASIL, 1979). As modificações perduram no país, em 13 de julho de 1990, foi promulgada a lei nº 8.069/1990, Estatuto da Criança e do Adolescente- ECA, que outra vez insurge sobre as crianças e adolescentes em desenvolvimento, não mais os colocando apenas como indivíduos em ―situação irregular‖, mas a todas as crianças e adolescentes do país, assegurando o direito a proteção integral. Essa lei é instituída como a base, ou seja, o norte para toda e qualquer ação e planejamento referente a crianças e adolescentes que fazem parte da sociedade brasileira (BOMBARDA, 2010, grifo nosso). Através de uma revisão histórica da evolução das leis desde 1927, com o Código Melo Mattos, até os dias atuais com a lei de nº 8.069 de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente- ECA pode-se analisar muitas diferenças e varias atualizações de uma lei para outra no decorrer de 85 anos, mudanças significativas que deixam um passado de autoridade e exclusão social para trás, trazendo um novo paradigma dentro de uma visão que estabelece que a criança e o adolescente tem direito a proteção integral, enfatizando seu processo de desenvolvimento, dando-lhes a possibilidade de uma reinserção social, através de programas de medidas socioeducativas, que por sua vez incluem o sistema de semiliberdade como medida. 4 CARACTERIZANDO INSTITUIÇÕES DE SEMILIBERDADE PARA MENORES NO BRASIL As instituições de semiliberdades têm como base o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), lei de nº 8.069 de 1990, em acordo com a Constituição Federal de 1988, que regulamenta ações de planejamento voltado para crianças e adolescentes no Brasil. O regimento interno dessas instituições é totalmente pautado nas disposições contidas no ECA; sendo que tem como base também o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE de 2006, que será utilizado como base para discussão no decorrer das analises, porem vale salientar que o mesmo foi sancionado como lei de nº 12.594 em 18 de Janeiro de 2012; mas que não vai ser abordada a lei no decorrer do trabalho, mas sim a cartilha do Sinase III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1187 2006, que descreve de maneira mais detalhada todas as atribuições que estão ligadas estrutura física das unidades, corpo técnico e desenvolvimento de atividades . O Sinase enfatiza que as medidas socioeducativas estão dentro de um sistema integrado de planejamento, que articula as três instancias em nível de governo para o desenvolvimento dos programas de acolhimento, considerando a intersetorialidade e enfatizando a responsabilidade da família, da sociedade e do estado. O programa constitui ainda as aptidões e responsabilidades dos órgãos de direitos da criança e do adolescente, que necessitam continuamente basear suas determinações em análises, e em diálogo direto com os demais integrantes do Sistema de Garantia de Direitos, tais como o Poder Judiciário e o Ministério Público (SINASE, 2006). A constituição federal e o estatuto da criança e do adolescente dispõem sobre a descentralização político-administrativa quanto a efetivação de políticas sociais (CFB, artigo 204), sendo que, no caso da criança e do adolescente a política de atendimentos de direitos ―far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais, da união, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios‖ ( ECA, artigo 86), tendo como linhas de ação, entre outras, ―políticas sociais básicas‖ e ―políticas e programas de assistência social supletivos...(ECA,artigo87insisos I e II).( BAPTISTA;VITALE;FÁVERO; et al, 2008, p.19). O Sinase traz que, o sistema socioeducativo é composto por um conjunto de normas e regras, todas voltadas para instituições de medidas privativas de liberdade como internação e semiliberdade; as não privativas de liberdade como, liberdade assistida e prestação de serviço à comunidade e a internação provisória (SINASE, 2006). Através do levantamento do ato infracional cometido pelo adolescente é que a autoridade responsável irá determinar qual sansão será aplicada ao mesmo, com isso, vale ressaltar um dos artigos que dispõe sobre a prática do ato infracional e as garantias legais, que vão delinear procedimentos e medidas socioeducativos, com isso no ―Art. 104, do ECA traz que, ―São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos sujeitos a medidas previstas em lei‖ e no ―Art. 112 dispõe que, verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente medidas socioeducativas com privação da liberdade ou sem privação de liberdade‖(BRASIL, 2005, grifo nosso). Segundo dados da Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente- SPDCA, (2012) em todo Brasil existem 318 instituições de atendimento a III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1188 medidas socioeducaticas de privação de liberdade total ou parcial, sendo que uma media de 76 unidades são de medida de semiliberdade de acordo com o SINASE, sendo que 13 delas estão articuladas no Ceará; de acordo com o Forúm Permanente das ONGs de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ceará- FDCA (CEDECA, 2011), duas estão localizadas em Juazeiro do Norte-Ce, com parâmetro de privação de liberdade provisória e de semiliberdade. ―O termo Sistema Socioeducativo refere-se ao conjunto de todas as medidas privativas de liberdade (internação e semiliberdade), as não privativas de liberdade (liberdade assistida e prestação de serviço à comunidade) e a internação provisória‖. (SINASE, 2006, p.18, grifo do autor). O Art. 94 do ECA retrata quais são as obrigações das instituições de privação de liberdade para menores,e o Artigo 124 coloca quais são os direitos dos adolescentes privados de liberdade. (BRASIL, 2005). Com isso, podemos trazer algo que se refere ao Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo- SINASE e ao Estatuto da Criança e do Adolescente- ECA. A mudança de paradigma e a consolidação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) instituído pela Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, ampliaram o compromisso e a responsabilidade do Estado e da Sociedade Civil por soluções eficientes, eficazes e efetivas para o sistema socioeducativo e asseguram aos adolescentes que infracionaram oportunidade de desenvolvimento e uma autêntica experiência de reconstrução de seu projeto de vida. Dessa forma, esses direitos estabelecidos em lei devem repercutir diretamente na materialização de políticas públicas e sociais que incluam o adolescente em conflito com a lei. (SINASE, 2006, p.17). O ECA estabelece que seja penalmente inimputáveis os menores de 18 anos que empreendem crime ou infração penal, aos mesmos não podem ser praticadas penas, mas sim medidas sócioeducativas de reparação do dano, disponibilização de serviços para comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semi-liberdade, internação em estabelecimento educacional; bem como outras medidas que impliquem o acompanhamento do infrator por parte da família e da sociedade, sob custódia do Estado que tem caráter de internação privando-os de liberdade total ou parcial sendo que as mesmas só podem ser definidas pelo juiz. (OLIVEIRA; ASSIS, 1999). As instituições de semiliberdade têm características semelhantes as das unidades de internação e de internação provisória, em termos estruturais elas seguem normas técnicas de III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1189 acordo com o projeto pedagógico que respeita normas de ambientação, espaço, condições humanizadas, dispondo de mecanismos de segurança, sendo assim um espaço que atenda as necessidades institucionais, que sejam adequadas para o desenvolvimento das ações de medidas socioeducativas. (SINASE, 2006). Assim as unidades de semiliberdade devem dispor de uma estrutura física elaborada dentro de projetos arquitetônicos específicos que estejam de acordo com a Lei nº 8.666/93 que promova, por sua vez, condições de desenvolvimento pessoal, relacional, afetivo e social (SINASE, 2006). As instituições de semiliberdade dispõem de atendimento para 20 adolescentes, constituídas por espaços que permitam atendimento individualizado e em grupo, os quartos têm que ter capacidade para no máximo quatro adolescente, sendo compostos também por quartos individuais como medidas de segurança, disponibilizando ainda um banheiro para cada dois quartos, sendo que as instituições que atendem ambos os sexos tem que disponibilizar de instalações separadas para o atendimento. Elas têm que ser compostas por uma estrutura que contenha salas que comportem um centro administrativo e técnico, local para desenvolvimento de atividades voltadas para processos pedagógicos, arte, lazer, esportes e cultura dispondo ainda de mecanismos de segurança e espaços que possibilitem o desenvolvimento das rotinas diárias, unidades devam se localizar por sua vez em bairros comunitários para que se promova a integração dos sujeitos com a sociedade local (SINASE, 2006). Com todas essas mudanças em meio às sanções para adolescentes que cometem atos infracionais, surge uma concepção, de incluir os sistemas de privação como uma instituição social equiparada a tantas outras, assumindo sua incompletude tanto no contexto institucional, como no profissional, inova com dinâmica política e ideológica que prioriza pela não segregação absoluta do sujeito, mas na compreensão de que o ser humano vive em um constante e dinâmico processo de socialização e desenvolvimento; reconhecendo que a função do sistema de privação de liberdade, é voltada a ―socioeducar‖; que investe sobre o papel de comprometer-se com a segurança da sociedade em geral, de modo a promover a educação do adolescente para a convivência social (JULIÃO, 2010). 5 A EQUIPE INTERDISCIPLINAR III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1190 Guirado (2012) traz que por volta de 1982 já se constata o trabalho das equipes interdisciplinares, e ressalta a atuação dos mais diversos profissionais e a diversidade de saberes, que por sua vez desenvolvem uma atuação com parâmetro técnico. O conselho Federal de Psicologia- CFP enfatiza o que retrata a Constituição Federal de 1988, e ressalta que, a implementação das políticas públicas ainda é um desafio, contudo percebe-se que a Psicologia já encontra-se em vários níveis dessas políticas, se coloca diante de desafios a implementar equipes que desenvolvem a formulação de programas até sua execução, se insere nos espaços de controle social intensificando o trabalho para que se propagem concepção das políticas públicas como locais de garantias de direitos. Contudo o trabalho do psicólogo com os demais membros da equipe se pauta no trabalho institucional e de parceiras, socialização e construção de parcerias garantindo o respeito ético e o sigilo conforme o Código de Ética Profissional do Psicólogo (CFP, 2011). Entende-se que o psicólogo que integra a equipe interdisciplinar nas unidades de medidas sócioeducativas, atua na realização de oficinas, palestras grupos, atendimentos individuais e outras atividades, realiza ainda pesquisas nas instituições devendo pautar sua conduta na promoção da integralidade dos direitos, que promovendo condições para que não haja possíveis violações de seus direitos. A proposta do trabalho interdisciplinar destaca-se em possibilitar um trabalho que esteja diante da dinâmica institucional de forma horizontal, entrelaçando os saberes da equipe interdisciplinar para que se garantam os direitos relacionados aos sujeitos cumpridores das medidas (CFP, 2010). As medidas socioeducativas e a equipe interdisciplinar devem desenvolver aspectos que favoreçam a construção da identidade dos adolescentes no meio social, desenvolvendo autonomia e protagonismo. Para tanto existe o Plano Individual de Atendimento- PIA, que possibilita o acompanhamento dos adolescentes, realizando um diagnóstico que comprova o resultado da avaliação interdisciplinar (SINASE, 2006). 6 ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO Segundo Freitas (2008), a profissão e regulamentação dos cursos de psicologia no Brasil é pautada a partir da lei de nº 4.119 de 27 de agosto de 1962, um marco para todos os profissionais da área. Por volta da década de 60, os profissionais de psicologia começam a lutar por uma profissão menos elitizada possibilitando assim varias modificações diante dos III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1191 aspectos sociais. Logo se percebem alterações nas práticas psicológicas em meio a sociedade, porem só por volta de 1990 é que se estabelece a atuação dos psicólogos em meio a diversas práticas e juntos a vários organismos vinculados a saúde e a assistência social como, secretarias de bem-estar e ação social, órgãos ligados a famílias e a menores e instituições penais. A Psicologia Institucional não tem o mesmo viés da Psicologia aplicada, mas é um ramo da psicologia que trouxe avanços tanto na busca como na ampliação da Psicologia como profissão. A mesma possibilitou ao profissional ser um investigante de fenômenos a serem modificados e que expressa problemas que refletem dentro da prática e da realidade social (BLEGER, 1984). ―Lembramos, apenas, que o termo Psicologia Institucional configura o discurso de uma compreensão bastante singular sobre o objeto e o âmbito de ação do psicólogo nas instituições‖ (GUIRADO, 2012, grifo do autor, p.28). Paiva e Yamamoto (2010), afirma que a finalidade da intervenção psicossocial é, precisamente, diminuir ou precaver condições de vulnerabilidade social, melhorando condições humanas, para que se minimizem impactos. Com isso, coloca-se a necessidade de uma abordagem interdisciplinar. Entretanto esse modelo interventivo se diferencia da Psicologia individual e clínica, o mesmo se apóia no cuidado, na educação, promoção e otimização da convivência nos espaços, no fortalecimento de vínculos voltado para as características mais diversas de grupos e coletivos sociais. (ESPINOSA, 2004 apud PAIVA; YAMAMOTO, 2010). O psicólogo nas instituições de medidas socioeducativas atua de forma respeitar a subjetividade do sujeito conduzindo o processo interventivo pautado no compromisso ético e político estabelecido diante do ECA, que preconiza um atendimento dentro dos princípios éticos profissionais desenvolvendo atividades relacionadas ao contexto, dispondo da elaboração de pareces e relatórios técnicos, em acordo com a Resolução CFP nº 07/2003. Estes documentos são utilizados como subsidio para decisões judiciais, pelos profissionais que compõem o corpo institucional (CFP, 2010). O Estatuto da Criança e do Adolescente- ECA, regido pela lei de nº 8.069/90 traz no Art. 90 o termo semiliberdade e suas disposições, e posteriormente traz as especificações no III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1192 Art. 94 Ins-IX, ressaltando a obrigatoriedade de cuidados específicos de saúde, que por sua vez preconiza o profissional de Psicologia no ambiente institucional. (BRASIL, 2005). 7 METODOLOGIA A pesquisa terá como base o materialismo histórico que possibilita enfatizar a dimensão histórica dos processos sociais; tem como fonte um material bibliografico e documental, que foi trabalhado baseado na amostragem por acessibilidade ou por conveniência tendo sido analisado 165 documentos, os dados seram analisados e interpretados diante do cunho quanti-qualitativo, que por sua vez tem caráter descritivo (GIL, 2009). O materialismo histórico enfatiza a dimensão histórica dos processos sociais, e faz uma analise da sociedade e suas estruturas diante de aspectos com dimensão política e social correlacionando e interpretando os fenômenos analisados. A pesquisa bibliográfica foi realizada através da analises de livros e artigos científicos que possibilitam ao investigador se pautar em diversos aspectos e ter uma variedade de conteúdos possibilitando assim a analise de fontes primarias e secundarias. A pesquisa documental possibilita o conhecimento do passado, ou seja, mostra como a historia foi construída no decorrer de anos, transpassando uma percepção diante de dados documentais. A amostragem se deu por acessibilidade e conveniência que constitui um meio menos rigoroso, mas que traz a representatividade, pois o pesquisador seleciona os dados que tem acesso e tenta fazer uma interpretação que será descrita de forma qualitativa. Vale salientar que analise e interpretação tem um parâmetro quanti-qualitativa. O viés da abordagem quantitativa é apresentar dados numéricos objetivando a descrição, e a abordagem qualitativa envolve o conjunto de técnicas que descreve os seus significados. Os documentos possibilitam uma investigação das estruturas e processos sociais. A mesma perpassa por um processo que tem caráter descritivo e qualitativo, que descrever características de um determinado grupo visando levantar opiniões e ter uma visão geral do objeto proposto (GIL, 2009). Através da pesquisa podemos mencionar diante do pensamento de Lakatos e Marconi (2010), que o método histórico nos proporciona investigar acontecimentos, procedimentos e instituições do passado, permitindo assim verificar os processos ao longo do tempo, e fazer uma análise diante das modificações atuais. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1193 8 ANALISES, RESULTADOS E DISCURSÕES O Centro de Semiliberdade de Juazeiro do Norte-CE, foi fundado e inaugurado em 2002 com sede na Rua Maria Ana Pereira, 925 bairro São João. É regido pelo ―Compartilhamento da responsabilidade no financiamento e desenvolvimento da política de atendimento socioeducativa é das três esferas de governo (União, Estados, Distrito Federal e Municípios)‖ (SINASE, 2006 p. 39, grifo do autor). É regido por concessão licitatória e administrado pela Organização não governamental Movimento Consciência Jovem (SINASE, 2006). O Centro é constituído por duas casas de internação sendo uma unidade masculina que comporta vinte adolescentes e outra feminina que comporta cinco adolescentes, contando com infraestrutura de cozinha, dispensa, lavanderias e dispositivos desportivos. O quadro de funcionários é composto por treze educadores sociais, uma secretaria, duas cozinheiras, uma auxiliar de serviços gerais, um vigilante, um motorista, técnicos que compõem a equipe interprofissional, são eles um diretor, duas advogadas, duas assistentes sociais, uma psicóloga e uma pedagoga. Através de uma pesquisa documental foram subsidiados dados que retratam a historicidade da instituição tendo como foco verificar a inserção e atuação do psicólogo na instituição. Foram analisadas pastas que compõem os documentos institucionais, constituídas de dados que trazem informações de 2003 a 2012, contendo os dados de 165 adolescentes; permitindo a elaboração de dados pertinentes, que retratam aspectos e específicos ao local, comprovando a historicidade institucional. 8.1 DESCRIÇÃO DOS DADOS Os dados que serão apresentados a seguir fazem parte do acervo do Centro de Semiliberdade de Juazeiro do Norte-Ce. A apresentação será baseada através da quantidade de adolescentes que passaram na instituição, sendo que os resultados que ficaram abaixo do índice de 1% serão analisados de maneira global. Os dados seguirão a seguinte ordem: quantidade de adolescentes, gênero, quantidade ano, o ano que teve o maior e menor índice internação, a cidade de origem, cidade de origem de maior índice de adolescentes, quantidade III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1194 por idade e gênero, a escolaridade, os atos infracionais e a atuação do profissional de psicologia. Os dados foram colhidos através de pesquisa documental estão relacionados em seis categorias que serão descritas a seguir. O centro de Semiliberdade de Juazeiro do Norte-ce no decorrer de dez anos de 2003 a 2012 atendeu 165 adolescentes que cometeram algum tipo de ato infracional, desse valor (6,06%) eram do sexo feminino e (93,94%) do sexo masculino. Relaciona-se a seguir a quantidade por ano em 2003 recebeu (7,27%), 2004 (21.21%), 2005 (15,15%),2006 (10,90%), 2007 (7,87%), 2008 (11,51%), 2009 (9,69%), 2010 (5,45%), 2011 (4,24%), 2012 (6,66%); diante deste perfil será exposto em seguida a cidade de origem dos adolescentes, Juazeiro do Norte-Ce (46,06%), Crato-Ce (13,33%), Assaré-Ce (4,24%), Brejo Santo-Ce(3,03%), Aurora-Ce (3,03%), Araripe-Ce (3,03%), Barbalha-Ce (3,03%), Fortaleza-Ce (2,42%), São Paulo- SP ( 3,03%), sendo que (14,57%) são de cidades circunvizinhas que tiveram um índice menor que 1% e foram analisados de forma global, e o índice de dados não informados somam (2,42%). Descrição da média por idade e quantidade de adolescentes do sexo masculino atendidos: 146 adolescentes com faixa etária entre 12 e 14 anos (9,67%), entre 15 e 17 anos (53,54%), com 18 anos (30,96%) não informados (5,83%); adolescentes do sexo feminino atendidas 10, sendo duas com treze anos, três com quatorze, quatro com quinze, e uma com dezesseis anos; com relação a escolaridade (2,42%) estavam na educação infantil, (78,18%) no ensino fundamental, (6,06%) no ensino médio e (13,34%) não foram informados. Os percentuais a seguir descrevem o ato infracional cometido pelos adolescentes que por sua vez resultou no processo de internação de semiliberdade. Envolvimento com drogas (2,42%), Homicídio(5,45%), roubo(10,90%), roubo e uso de drogas(4,84%), furto(14,54%), roubo e porte ilegal de armas(1,81%), roubo e assalto(1,81%), homicídio simples(1,81%), tentativa de homicídio(3,03%), ameaça(1,81%) , não informados(29,69%) e (21,89%) respondem por mais de dois processo e ficam em uma média inferior a 1% por isso foram analisados de maneira global. Diante destes dados podemos analisar varias informações começando por uma analise voltada para o próprio atendimento; a capacidade de atendimento é de 25 adolescentes e na maioria dos anos esse atendimento ficou inferior a 50% da capacidade da instituição, em III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1195 termos de gênero percebesse que o ato infracional é mais cometidos por adolescente do sexo masculino em vez de adolescentes do sexo feminino, a cidade de origem que mais se destaca é da própria sede da instituição, Juazeiro do Norte-ce, fazendo uma analise talvez isso acontece por ser uma cidade em desenvolvimento, que tem um numero de habitantes que por sua vez é superior as demais cidades circunvizinhas. Os maiores índice de atendimento foi em 2004 e o menor índice de atendimento foi em 2011, fazendo uma correlação com a idade o índice de maior atendimento foi de adolescentes com faixa etária entre 15 e 17 anos e o menor entre 12 e 14 anos, as adolescentes do sexo feminino tem um perfil variado e a demanda é totalmente inferior a do sexo masculino, em termos de escolaridade pode-se analisar que a maioria não passa do ensino fundamental e através das analises voltadas para o ato infracional mais cometido o que se destacou foi o furto. Com o acesso a esses 165 documentos pode-se perceber que a atuação do profissional de psicologia se fez presente no processo de desenvolvimento desses adolescentes, comprovando assim a sua atuação diante do espaço institucional, contudo no ano de 2002 que é o ano de fundação da instituição não foi encontrado nenhum dado que comprovasse a inserção de adolescentes nem do profissional de psicologia, só em 2003 se encontra os primeiros registros de adolescentes relacionados à atuação do profissional de Psicologia. No decorrer dos anos passou pela instituição seis profissionais de psicologia sendo que o ultimo já se encontra no espaço há mais de quatro anos. Contata-se através desses documentos, o desenvolvimento de suas atividades, percebe-se que, o mesmo pauta seu trabalho diante do que institui a Lei e o Código de Ética do Profissional de Psicologia, desenvolvendo pareces e relatórios técnicos sobre os adolescentes. Não se resumindo só a isso, o profissional se utiliza de outros instrumentos para estar interagindo com os adolescentes como palestras, oficinas, desenvolvimento de grupos entre outros. Os serviços são desenvolvidos em conjunto com a equipe interdisciplinar, no decorre da pesquisa entravam-se sete adolescentes internos na instituição, todos exercendo atividade extra institucionais. O acesso ao material foi facilitado por intermédio de autorização do diretor da instituição, porém as maiores dificuldades encontradas foi em colher os dados, pois na elaboração da documentação nem sempre tinha todos os dados dos adolescentes completos deixando assim uma lacuna diante de diversas informações, sendo estas expressadas como dados não informados. Várias são as necessidades percebidas, muitas vezes há falta de III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1196 material de escritório, comunicação entre equipe técnica e socioeducadores, material eletrônico e outros, porém percebe-se que este sistema está em contínuo processo de evolução e vem se adequando às necessidades no passar dos anos em termos institucionais diante das leis das políticas públicas. 9 CONSIDERAÇÕES FINAIS A pesquisa contextualiza aspectos e fatos que trazem uma carga histórica, que por sua vez, permite visualizar a evolução das relações políticas e de poder no decorre dos anos. Trazem reflexões sobre as leis que foram elaboradas no país durante anos que retratam os direitos e deveres de crianças e adolescentes muitas vezes com características repressivas. As mesmas perpassam pelo plano social e político, sendo elaboradas de acordo com as necessidades da época. Perpassam por um processo de desenvolvimento e de atualização, pois as mudanças se adéquam sempre ao desenvolvimento e a realidade atual. O Estatuto da Criança e do Adolescente- ECA é a Lei Federal mais atual referente aos direitos de crianças e adolescentes. A mesma é pautada no principio da proteção integral por ser um sujeito ainda em desenvolvimento, onde se estabelece as bases que regem as instituições de atendimento socioeducativo. Traz a visão do que é planejamento diante das necessidades das crianças e adolescentes, sendo por sua vez a base para o desenvolvimento das atividades socioeducacionais e profissionais. A atuação do psicólogo nessas instituições é garantida diante do Art. 94 Ins -IX do ECA. O profissional tem como função garantir o bem-estar e os direitos dos adolescentes. A inserção do Psicólogo nas políticas públicas é algo ainda muito recente, tanto quanto a profissão, dentro desta dimensão percebe-se que várias são as adequações que precisam acontecer. E com base nos resultados colhidos na pesquisa compreende-se que muitas são as mudanças que ocorrem em termos institucionais. Os parâmetros atendem as exigências técnicas, mas isso não significa dizer que atende a todas as necessidades e prioridades para que esses indivíduos sejam recuperados ressocializados. Com isso, tenta-se compreender, o que os grandes teóricos citados no decorre do artigo tentam transpassar em suas obras, analisando as colocações de Goffmam (2008) diante de sua visão do que é instituição, e Foucault (2011) enfatizando as relações e os mecanismos de poder, relacionado com as grandes modificações no passar dos anos em termos de Lei, III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1197 relacionando assim com a instituição que se propôs estudar, dentro de seus mais variados aspectos, fazendo uma co-relação com a atuação do profissional de psicologia, diante do ECA, na visão de Bleger (1984) e Guirado (2012), que conseguem traze de forma mais aprofundada o fazer da Psicologia Institucional, possibilitando assim um melhor entendimento da atuação do Psicólogo diante das instituições de maneira geral e das de medidas socioeducativas. REFERÊNCIAS AZEVEDO, Maurício M. O Código Mello Mattos e seus reflexos na legislação posterior. Disponivel em: <http://www.tjrj.jus.br/c/document_library/get_file?uuid=b2498574-2cae4be7-a8ac-9f3b00881837&groupId=10136> Acesso em: 07 out. 2012. BOMBARDA, Fernanda. Do código de menores ao estatuto da criança e do adolescente: um avanço na reinserção social do adolescente em cumprimento da medida sócioeducativa de liberdade assistida? Rio Claro: UNESP, 2010. 11 f. 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III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1198 CEDECA CEARÁ: Centro de defesa da criança e do adolescente. Monitoramento do sistema socioeducativo: diagnóstico da privação de liberdade de adolescentes no Ceará. Forúm Permanente das ONGs de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ceará (FCDA). Dezembro, 2011; Disponível em: <http://www.cedecaceara.org.br/?q=biblioteca.> Acesso em: 09 out. 2012. CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. V Seminário Nacional Psicologia e Políticas Públicas: Subjetividade, Cidadania e Políticas Públicas. Brasília: CFP, 2011. p. 188. Disponível em: < http://site.cfp.org.br>. Acesso em: 29 out. 2012. CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Referências técnicas para atuação de psicólogos no âmbito das medidas socioeducativas em unidades de internação. Brasília: CFP, 2010. 36 p. 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Keywords: Child; Adolescent. 1 INTRODUÇÃO Este trabalho apreende-se a criança e o adolescente na realidade brasileira, relatando um breve histórico dessa trajetória ao longo dos anos. O trabalho tem por objetivo explanar a importância de se ter essa discussão acerca da criança e do adolescente e como deve ser o julgamento desses, se deve ser pelo desvalor do ato que praticou ou pelo modo que governa sua vida para a violência. Além disso, também, será abordada e feita uma análise crítica em relação ao Código de Menores e o ECA. Percebemos também quais são as melhores diretrizes para a compreensão da responsabilidade juvenil. Em síntese, a metodologia consistiu em uma pesquisa bibliográfica e análise dos seguintes autores: (COSTA, 1993); (PINO, 1990); (TEIXEIRA, 1991); (VOLPI, 2000); (VYGOTSKY, 1998), visando contribuir para um aprofundamento cada vez maior acerca da criança e adolescente na sociedade brasileira. 106 Graduada em Serviço Social, Especialista em Direitos Humanos, e Fernanda Cristina Vasconcelos Nogueira, Graduada em Serviço Social. Instituição: Prefeitura Municipal de Ubajara-Ce. Email: [email protected]; Telefone: (88)97302992 III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1201 2 DESENVOLVIMENTO 2.1 Um breve histórico da trajetória dos direitos da criança e do adolescente no Brasil Até o início do século XX não encontramos registros de desenvolvimento de políticas sociais para criança e adolescente na realidade brasileira. A Igreja Católica era a responsável pela população mais pobre, por meio de várias instituições, tais como as Santas Casas de Misericórdia. A primeira foi implantada no ano de 1543 no Brasil, na capitania de São Vicente (Vila de Santos). Na América Latina em 1923 foi criado o Juizado de Menores, e o primeiro documento foi registrado no ano de 1927. Vale destacar que o Código de Menores tinha como público alvo não só as crianças, mas apenas aquelas que estavam em situação irregular, isto é, as que não estavam cumprindo as regras impostas pela sociedade. No artigo 1º do Código de Menores traz a quem a Lei se aplicava107. Com base nesse artigo fica evidente que o Código de Menores tinha como objetivo estabelecer diretrizes para a infância e a juventude, estabelecendo paramentos para as questões como o trabalho infantil, tutela e o pátrio poder, delinquência e liberdade vigiada. No período de 1930 a 1945, o Brasil, passou por muitas mudanças e com isso inicia o Estado Novo. Com a revolução de 30 permitiu a queda das oligarquias rurais do poder politico. Nesse momento o país precisava desenvolver um projeto político. No ano de 1942 o Estado Novo passou por um período autoritário e foi criado o Serviço de Assistência ao Menor - SAM que era uma instituição do órgão do Ministério da Justiça e era parte do sistema penitenciário para a população menor de idade com intuito de correção e repressão. O atendimento era diferenciado para o adolescente autor de ato infracional e para o menor carente e abandonado. Outras entidades federais foram criadas para atender a criança e ao adolescente. Alguns programas tinham como objetivo o trabalho, com ênfase na pratica assistencialista108. 107 ―O menor, de um ou outro sexo, abandonado ou delinquente, tiver menos de 18 anos de idade, será submetido pela autoridade competente ás medidas de assistência e proteção contidas neste Código‖ (grafia original) Código de Menores – Decreto N.17.943 A – de 12 de outubro de 1927. 108 LBA – Legião Brasileira de Assistência – agência nacional de assistência social criada por Dona Darcy Vargas. Intitulada originalmente de Legião de Caridade Darcy Vargas, a instituição era voltada primeiramente ao atendimento de crianças órfãs da guerra. Mais tarde expandiu seu atendimento. Casa do pequeno jornaleiro: programa de apoio a jovens de baixa renda baseado no trabalho informal e no apoio assistencial e socioeducativo. Casa do pequeno lavrador: programa de assistência e aprendizagem rural para crianças e adolescentes filhos de camponeses. Casa do pequeno trabalhador: programa de capacitação e encaminhamento III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1202 O Brasil, no período de 1945 a 1964, iniciou a fase da Redemocratização do país e a nova Constituição é promulgada em 1946. Esse período foi determinado por duas fases: o aprofundamento das conquistas sociais em relação à população de baixa renda e o controle da mobilização e organização que começa a surgir frequentemente nas comunidades. O início da década de 60 ficou conhecido por ter uma sociedade civil mais organizada e o SAM passou a ser visto como, repressivo, desumanizante e chamado de ―universidade do crime‖. Já no período de 1964 a 1979, o Brasil, passou pelo Regime Militar, esse regime posicionou o país, frente a realidade internacional da Guerra Fria, com os países capitalistas. O sistema ditatorial foi implantado, e o país estagnou por mais de 20 anos. Para a área da infância no período dos governos militares assinaram dois documentos importantes: A lei que criou a Fundação nacional do Bem – Estar do Menor (FUNABEM), (Lei 4.513 de 01/12/64), o Código de Menores de 79 (Lei 6.697 de 10/10/79). A FUNABEM tinha como pontos centrais formular e implantar a Politica Nacional do Bem Estar do Menor. Ela era a instituição de assistência à infância por meio da internação, tanto dos abandonados e carentes como dos infratores. O Código de Menores que foi implementado em 1979 foi baseado e revisado pelo Código de Menores de 27, não retirando o ponto principal que era a arbitrariedade, assistencialismo e repressão junto à população infanto-juvenil. Destacamos que essa Lei enfocou o conceito de ―menor em situação irregular‖, são meninas e meninos com infância em ―perigo‖ ou ―perigosa‖. Esses meninos e meninas eram vistos como um objeto potencial da administração da justiça de menores. Mas, fica evidente que a ―Autoridade Judiciária‖ esta prevista no Código de Menores de 1979 e na Lei da Fundação do Bem Estar do Menor. Na década de 80 a Constituição Federal foi promulgação em 1988. Nessa época vários grupos se organizaram para estudar a problemática da infância que era: os menoristas e os estatutistas. Os menoristas tinham a linha de defesa da manutenção do Código de Menores, que era a regulamentação das crianças e adolescentes que estivessem em situação irregular (Doutrina da Situação Irregular). Mas, os estatutistas defendiam uma vasta mudança no ao trabalho de crianças e adolescentes urbanos de baixa renda. Casa das meninas: programa de apoio assistencial e socioeducativo a adolescentes do sexo feminino com problemas de conduta. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1203 código, permitindo novos e amplos direitos às crianças e adolescentes, assim seriam reconhecidos como sujeitos de direitos e a contar com uma política de proteção integral. Percebemos que o grupo dos estatutistas era articulado, tendo muitos representantes importantes109. Em 1987 foi formada a Assembleia Nacional Constituinte, mas só foi promulgada em 1988, possibilitava muitos avanços na área social, implanta uma nova gestão das políticas que permitiu a participação ativa das comunidades por meio dos conselhos deliberativos e consultivos. Frisar-se que na Assembleia Constituinte foi criado um grupo de trabalho comprometido com a problemática da criança e do adolescente, o que resultou o artigo 227, que traz o conteúdo e enfoque próprio da Doutrina de Proteção Integral da Organização das Nações Unidas, trazendo os avanços da normativa internacional para a população infantojuvenil brasileira. Advertimos que esse artigo garantia às crianças e adolescentes os direitos fundamentais de sobrevivência, desenvolvimento pessoal, social integridade física, psicológica e moral, além de protegê-los de forma especial, ou seja, através de dispositivos legais diferenciados, contra negligência, maus tratos, violência, exploração, crueldade e opressão. Portanto, com base nesse artigo as bases do estatuto da criança e do adolescente estavam sendo preparadas por uma comissão de redação do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) que contou com representação de três grupos expressivos: o dos movimentos, da sociedade civil, o dos juristas (principalmente ligados ao Ministério Público) e o de técnicos de órgãos governamentais (funcionários da própria FUNABEM). Na década de 90 a Democracia é consolidada com a promulgação do ECA (Lei 8.069/90) em 13 de Julho de 1990. A sociedade brasileira avança com a produção desse documento de direitos humanos que aborda o que há de mais novo na normativa internacional em garantia de direitos da população infanto-juvenil. Com isso esse documento altera as possibilidades de uma intervenção arbitraria do Estado na vida de crianças e jovens. 109 ―Com base em Costa (1999) que relata algumas das estratégias utilizadas por este grupo para a incorporação da nova visão à nova Constituição: para conseguir colocar os direitos da criança e do adolescente na Carta Constitucional, tornava-se necessário começar a trabalhar, antes mesmo das eleições parlamentares constituintes, no sentido de levar os candidatos a assumirem compromissos públicos com a causa dos direitos da infância e adolescência‖. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1204 Percebemos que o ECA impõe à medida de internação, aplicando-a como último recurso, limitado aos casos de cometimento de ato infracional. Com a implantação do ECA, percebemos grandes esforços para a sua materialização por parte dos governantes e dos outros setores da sociedade. A participação do terceiro setor nas políticas sociais vem crescendo a partir de 1990, principalmente na área da infância e da juventude. A formação dos conselhos dos direitos determina que a formulação de políticas para a problemática da criança e adolescente deve vir de um grupo formado paritariamente por membros representantes de organizações da sociedade civil e membros representantes das instituições governamentais. No entanto, a concretização integral do ECA ainda representa um desafio para todas as pessoas compromissadas com a garantia dos direitos da população infanto-juvenil. Com base em Costa, são necessários para a efetivação da lei três pontos. São eles110. Portanto, há ainda muito caminho para percorrer antes que se consiga um estado total de garantia de direitos com instituições sólidas e instrumentais eficientes. Destacamos que muitos avanços vem acontecendo nos últimos anos, principalmente se contextualizado a partir da história brasileira, composta mais pelo autoritarismo do que pelo fortalecimento de instituições democráticas. No Brasil a luta pelos direitos humanos ainda tem muitos obstáculos para serem superados para termos uma sociedade mais justa e igualitária. 2.2 Uma análise crítica entre o Código de Menores e o ECA O Brasil no início dos anos 90 passou por muitas transformações e algumas instituições sociais, o MNMMR e diversos profissionais se engajaram na luta pelos direitos da criança e adolescente. Podemos citar algumas dessas conquistas como a inclusão desses direitos na Constituição Federal de 1988 e a promulgação do ECA em 1990. 110 1-Mudanças no panorama legal: os municípios e estados precisam se adaptar a nova realidade legal. Muitos deles ainda não contam, em suas leis municipais, com os conselhos e fundos para a infância. 2-Ordenamento e reordenamento institucionalidades trazidas pelo ECA: conselhos dos direitos, conselhos tutelares, fundos instituições que executam as medidas sócio educativas e articuladas das redes locais de proteção integral . 3Melhoria nas formas de atenção direta: é preciso aqui mudar a maneira de ver, entender e agir dos profissionais que trabalham diretamente com as crianças e adolescente. Estes profissionais são historicamente marcados pelas práticas assistenciais, corretivas e muitas vezes repressoras, presentes por longo tempo na história das práticas do Brasil. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1205 Percebemos algumas mudanças entre o Código de Menores e o ECA. O ECA foi construído com a participação dos movimentos socais e essa participação foi de suma importância para se fazer a diferença. A sociedade reivindica seus interesses, que é a democracia, também conquistada, materializada com a participação popular. Configurada na nova ordem jurídica a partir da proposta de mudança de mentalidade da sociedade em relação às crianças e adolescentes. Com base em Pino (1990) podemos destacar o caráter universal dos direitos. Presente no reconhecimento legal do direito de todas as crianças e adolescentes à cidadania independentemente da classe social. Encontramos uma transformação de paradigma quando o antigo Código de Menores era destinados somente a aqueles em ―situação irregular‖ ou inaptos e a nova Legislação traz que todas as crianças e adolescentes são sujeitos de direitos. Já no Código de Menores, encontramos um caráter discriminatório ligado à pobreza à ―delinquência‖, o que dificultava as reais dificuldades vivenciadas por esse público, tais como a enorme desigualdade de renda e a falta de alternativas para melhorar a vida. Mas, a inferiorização das classes populares estava nas regras, às quais todas deveriam se enquadrar. E os mais pobres eram obrigados a se encaixar nessas normas, tipo se eles tivessem um comportamento desviante e uma ―tendência natural à desordem‖. Portanto, inaptos à convivência na sociedade. E o mais comum era que todos fossem condenados à segregação. Assim, a sociedade estaria livre dessa população, mas todo esse segmento, considerado ―carente, infratores ou abandonados‖, são na verdade, vítimas da falta de proteção. O Código de Menores funcionava também como um instrumento de controle, transferindo responsabilidade para o Estado, a tutela dos ―menores inadaptados‖ dessa forma, justificava a ação dos aparelhos repressivos. Ao contrario do ECA que serve como um mecanismo de exigibilidade de direitos aqueles que estão vulneráveis por causa da sua violação. Conforme Costa (1990), a criança e adolescente são reconhecidos como sujeitos de direitos e não são mais vistos como portadores de necessidades. Esse fato não nega a relação de dependência das crianças aos adultos e muito menos a responsabilidade que os pais tem com os (as) filhos (as). Levando em conta Teixeira (1991) essa relação entre pai e filho (a), contudo, significa impedir a ocorrência daquilo que, nesta afinidade, traz a marca do autoritarismo, da violência III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1206 e do sofrimento. Evidenciamos que ao assumir que a criança e o adolescente são ―pessoas em desenvolvimento‖, a nova Lei deixa de responsabilizar algumas crianças pela irresponsabilidade dos adultos. Compreendemos que são todos os adultos que devem assumir a responsabilidade pelos seus atos em relação a todos as crianças e adolescentes. Outro ponto importante é em relação à referência à nominal, isto é, a expressão ―menor‖ é substituída por ―criança ou adolescente‖ para justamente negar esse conceito que existia no Código de Menores, de incapacidade na infância. Dessa forma o conceito de infância que é ligado à expressão ―menoridade‖ contém em si a ideia de não ter, ou seja, ser ―menor‖ significa não ter dezoito anos e, portanto, não ter capacidades, não ter atingido um estagio de plenitude e não ter, inclusive direitos (VOLPI, 2000). Notamos que esse paradigma evolucionista, está firmado na teoria de desenvolvimento infantil que era atrelado a competência especifica dos adultos. Nesse sentido, compreendemos que com a formulação do ECA, inicia uma discussão para entendemos as competências e capacidades do público infanto-juvenil. As mudanças acontecem e as crianças e adolescentes passam a serem reconhecidos como pessoas em desenvolvimento. O mais impressionante é que as crianças e adolescentes passam a serem julgados pelo seu momento atual, e não mais pelo seu futuro. Portanto, o conceito de infância é retomado, e marcado pela provisoriedade e singularidade de cada um, por está em constante mudança e ser processual. Observamos também a singularidade vivenciada por cada criança e adolescente. Constatamos que são seres sócios históricos que não apenas reagem às determinações sociais, mas são sujeitos de ações. Nessa perspectiva, podemos entender que a definição da adolescência não é uma crise própria da idade, muito menos de uma essência da biologia universal. A adolescência possuir diversas características, que estão presentes em uma qualidade de pensamento e são totalmente diferentes na infância e na fase adulta. Percebemos que quanto mais amplo e diverso for esse espaço do indivíduo, maior a possibilidade de conhecimento do mundo, seus próprios interesses e capacidade de inovação. As crises vivenciadas na adolescência não podem ser percebidas como patologias e muito menos ter um modelo padrão de adolescente. Então, veremos essas crises como desarranjos, III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1207 uma vez que a harmonia é ―pressuposto natural‖ (VYGOTSKY, 1998). O crescimento de um ser não está ligado só pela harmonia, mas pelas contradições, pelos confrontos. Entretanto, esses impasses são características do ser humano em qualquer fase da vida. Destacamos que a forma como a adolescência será vivida por cada indivíduo vai depender das condições dadas para seu crescimento. Resultado do somatório do respeito ao seu direito de sobreviver, da garantia de sua integridade física, psicológica e moral. Assim, o ECA possibilita um reordenamento institucional, quebrando com as práticas firmadas na filantropia ou caridade (PINO, 1990) e promove uma nova ordem onde os direitos das crianças geram responsabilidades para a família, para o Estado e para a sociedade. Apesar das transformações de paradigma, sabemos que, olhando para a realidade prática, nesses 23 anos não é muito positivo. Sejamos realistas: o ECA não foi implementado como previsto na Lei. É fato que algumas políticas públicas passaram por reformulações, mas, infelizmente, nem todos atendem às concepções expressas na legislação vigente. Lembramos o não atendimento aos adolescentes autores de ato infracional. E o próprio Ministério da Justiça, em 1997, fez um levantamento nacional do atendimento às medidas sócio educativas que mostrava a não implementação do ECA (Apud, TEIXEIRA, 2002). Em um rápido panorama desta realidade, vemos a omissão das autoridades responsáveis e a ―preferência‖ pela aplicação de medidas de privação de liberdade nos casos em que caberiam medidas sócios educativas em meio aberto. Notamos que os adolescentes autores de ato infracional estão sendo privados de liberdade, vivem esta situação sob a lógica da tortura no dia a dia. Ainda, encontramos pessoas dispostas a defender projetos ultrapassados como, o da redução da idade penal, além de outras pessoas acreditarem que o ECA serve para disfarçar atos criminosos de adolescentes, para protegê-los, retirando-lhes a responsabilidade. Mas, temos outro ponto, o da mudança de mentalidade, tarefa esta que depende também de um processo histórico e da vontade política de educadores e profissionais na discussão do ECA. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS Enfim, através de uma análise crítica das bibliografias utilizadas nesse trabalho verificou-se que na realidade brasileira a criança e adolescente tem muitos dos seus direitos III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1208 negados, e os serviços, instituições existentes funcionam de forma precária. Logo, conclui-se que o ECA não esta sendo efetivado como previsto na legislação, para sua materialização exigem mudanças e que seja feita uma alteração nas informações, nos serviços prestados, profissionais sejam capacitados para o atendimento. Sabemos que muita coisa mudou nesses 23 anos de Estatuto da Criança e do Adolescente, mas ainda faltam muitas barreiras a serem superadas para uma real efetivação dessa Lei. Dessa forma compreendemos que a criança e o adolescente devem ser julgados pelo desvalor do ato que praticou, em virtude de entendemos que todos os adultos devem assumir a responsabilidade dos seus atos em relação a todas as crianças e adolescentes. Assim, as crianças e adolescentes passam a serem julgados pela sua situação atual, e não mais pelo seu futuro. Nesse sentido, o conceito de infância é novamente posto em pauta e marcado pela sua provisoriedade e singularidade de cada um, por ser um ser em constante mudança processual. Ressaltamos a importância de realizarmos este trabalho, obtivemos aprendizados que nos serão necessários a nossa profissionalização e para o crescimento pessoal também, por meio do conhecimento acerca dessa temática da criança e do adolescente. REFERÊNCIAS: COSTA, Antonio Carlos Gomes. O novo direito da infância e da juventude do Brasil: 10 anos do EFA- Avaliando conquistas e projetando metas. Cad.1-UNICEF, 1990. ___________. De menor a cidadão: notas para uma história do novo direito da infância e juventude no Brasil. Editora: Contexto, 1999. PINO, A. Direitos e realidade social da criança no Brasil. In.: A propósito do “Estatuto da Criança e do Adolescente”. Revista Educação & Sociedade, ano XI, nº 36, p.61-79, agosto, 1990. TEIXEIRA, M.L.T. O estudo da criança e do adolescente e a questão do delito. Cadernos populares nº 3, Sitraemfa, 1991. _________. Adolescência – violência: uma ferida de nosso tempo. São Paulo, 2002. Tese (Doutorado). Serviço Social, PUC/SP. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1209 VOLPI, M. (UNICEF). I Encontro Estadual de Educação Social na Rua. São Paulo. Julho, 2000 (Palestra). VYGOTSKY, L. S. Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 5ª ed. 1998. III Colóquio Sociedade, Políticas Públicas, Cultura e Desenvolvimento-CEURCA, ISSN 2316-3089. Universidade Regional do Cariri-URCA, Crato Ceará-Brasil 1210