SEÇÃO DE ASSESSORAMENTO TEMÁTICO NOTA TÉCNICA OUTORGA DA ÁGUA Elaborado pelo Assessor Temático Luiz Roberto Boettcher Cupertino Junho de 2008 ____________________________________________________ nota técnica: Outorga da Água Seção de Assessoramento Temático 1. INTRODUÇÃO A legislação concernente ao uso da água no Brasil teve sua história iniciada com o Código de Águas , em 1934. A questão do disciplinamento do uso da água no país não representou preocupação importante até o início da década de 20, quando o desenvolvimento da agricultura e do aproveitamento energético de nossos mananciais se tornou te ma de discussão e deliberação. Um fato que ilustra bem tal situação é a data da primeira versão do Código: 1907. Apesar de aprovado em segunda votação no Congresso, o projeto teve seu trâmite interrompido até 10 de julho de 1934, quando foi sancionado o Decreto nº 24.643, que institui u finalmente o Código de Águas. Apesar de ser um marco de alcance significativo, tanto no trato com a questão da água propriamente quanto no aspecto técnico de sua construção positiva, o Código de Águas traz consigo uma concep ção acerca do uso da água ainda imprópria às preocupações ambientais contemporâneas, considerando-a como um bem de domínio privado. Além disso, não oferece prerrogativas para dar cabo ao desperdício hídrico , contaminação das águas e conflitos de uso. Peca também por não vislumbrar a consecução de um gerenciamento descentralizado e com alto teor de participação de setores diversos da sociedade. A virada que engendrou o novo entendimento sobre o status das águas veio por meio da Constituição Federal de 1988 q ue, além de instaurar os fundamentos basilares da democracia, passou a considerar a água como bem de domínio público ( art.20 , inciso III), ou de uso comum do povo, e projetar novos e mais poderosos tentáculos no sistema de controle, fiscalização e gerenciamento dos recursos hídricos. Essa mudança de pensamento se justifica de forma inequívoca, uma vez que o Brasil abriga 13,8% das reservas mundiais de água doce para uma população de apenas 2,8% da mundial e aqui se encontra 71% dos 1,2 milhões de quilômetros quadrados (cerca de 840 mil quilômetros quadrados) do Aqüífero Guarani, o maior reservatório subterrâneo de água doce das Américas e um dos maiores do mundo, envolvendo os estados de Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, São Paulo, Par aná, Santa Catarina e Rio ____________________________________________________ nota técnica: Outorga da Água Seção de Assessoramento Temático Grande do Sul. Se saímos do âmbito nacional e analisamos as reservas de água do planeta, temos dados ainda mais preocupantes: apenas 2,5% de seu volume é de água doce, sendo que deste percentual 68,9% são geleiras e neves eternas, 29,9% são de águas subterrâneas, 0,9% estão na umidade do solo, nos pântanos e nas geadas e apenas 0,3% estão em rios e lagos. O Código de Águas foi regulamentado pela Lei nº 9.433/97, a chamada Lei das Águas. Por meio dela foi criada uma Política Naciona l de Recursos Hídricos e também um sistema gerenciador, o SINGREH, composto pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos, Conselhos de Recursos Hídricos Estaduais e Comitês de Bacia Hidrográfica. Essa Lei estabeleceu os critérios para a outorga do direito d o uso dos recursos hídricos e consolidou a água como bem público que, por sua natureza limitada, deve ser controlado e fiscalizado pela Administração. Esta lei traz ainda preocupação com o incentivo ao uso racional da água, por meio da cobrança pelo seu us o, e com a articulação entre a gestão dos recursos hídricos e a gestão ambiental, como prevê seu art. 3º, inciso III. 2. A OUTORGA DO DIREITO DE USO DA ÁGUA Outorgar é, no âmbito do direito administrativo, um ato discricionário. Isso quer dizer que o ato de outorgar é regido pelos critérios de oportunidade e conveniência, empreendidos pela Administração, utilizando-se do primado do poder público sobre o privado. O Estado tem, assim, a faculdade de conceder ou não tal direito. Um a vez concedida a outorga, transfere-se a terceiros a faculdade de administrar os re cursos hídricos anteriormente sob competência do Poder Público. Isso se dá por meio de contrato administrativo sui generis, pois não se coaduna com a especificidade de ato administrativo a possibilid ade de não poder ser revogado por conveniência administrativa a qualquer tempo e ainda possibilidade de ensejar cobrança, que é circunstância típica de contraprestação que, de igual forma, impediria a revogação. A contraprestação será regulada pelos órgãos estaduais, quando se tratar de águas estaduais, e pela ANA – Agência Nacional de Águas, quando se tratar de águas da União. ____________________________________________________ nota técnica: Outorga da Água Seção de Assessoramento Temático Também a destinação do recurso obtido na contraprestação será de competência dos Estados, para aquelas águas de sua competência. O contrato pode ser rescindido por ocasião de alguns critérios. Um deles é a falta de uso dos recursos hídricos cujos direitos foram outorgados. Baseia se no princípio de que o bem público deve, à medida de suas potencialidades, produzir benefícios para o povo. Assim, conforme determina a Lei 9.433/97, aquele que ficar por 3 anos consecutivos sem fazer uso dos recursos hídricos para os quais tem a outorga de uso perderá este direito. Outro critério para suspensão da outorga, parcial ou totalmente, é a nec essidade de atendimento à calamidade pública, degradação ambiental, ou usos prioritários de interesse coletivo. Estão sujeitos à outorga do uso da água (art.12): I - derivação ou captação de parcela da água existente em um corpo de água para consumo fina l, inclusive abastecimento público, ou insumo de processo produtivo; II - extração de água de aqüífero subterrâneo para consumo final ou insumo de processo produtivo; III - lançamento em corpo de água de esgotos e demais resíduos líquidos ou gasosos, trata dos ou não, com o fim de sua diluição, transporte ou disposição final; IV - aproveitamento dos potenciais hidrelétricos; V - outros usos que alterem o regime, a quantidade ou a qualidade da água existente em um corpo de água. São casos que independem de outorga: I - o uso de recursos hídricos para a satisfação das necessidades de pequenos núcleos populacionais, distribuídos no meio rural; II - as derivações, captações e lançamentos considerados insignificantes; III - as acumulações de volumes de água cons ideradas insignificantes. Cabe ressaltar ainda que as águas são inalienáveis e a outorga nunca deve ultrapassar o período de 35 anos. ____________________________________________________ nota técnica: Outorga da Água Seção de Assessoramento Temático 3. LEGISLAÇÃO EM GOIÁS – A QUESTÃO DOS POÇOS ARTESIANOS Analisaremos como funciona a gestão dos recursos hídricos em Goiá s a partir de 3 pilares: - A Lei 13.123 de 16 de julho de 1997 , que estabelece normas de orientação à política estadual de recursos hídricos, bem como ao sistema integrado de gerenciamento de recursos hídricos e dá outras providências; - A Lei 13.583 de 11 de janeiro de 2000 , que dispõe sobre a conservação e proteção ambiental dos depósitos de água subterrânea no Estado de Goiás e dá outras providências; - A Lei 14.939 de 15 de setembro de 2004 , que institui o Marco Regulatório da Prestação de Serviços de Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário. A política estadual de recursos hídricos segue os preceitos já preconizados na CF/88 no que diz respeito à consideração da água como bem limitado e essencial, que necessita de cuidados peculiares de modo asse gurar sua continuidade e também de evitar o uso irracional e a fustigação ambiental. Sua redação privilegia, dessa forma, o gerenciamento dos recursos hídricos de modo articulado com os potenciais econômicos e com os ditames da preservação ambiental. Versa ainda sobre a destinação dos recursos financeiros obtidos com a concessão do uso das águas, que serão utilizados em programas de desenvolvimento que visem o uso múltiplo dos reservatórios, o desenvolvimento regional integrado ou à proteção ambiental. O uso racional da água e com a questão ambiental também é objeto de preocupação da Lei 14.939/2004. Apesar de ser uma lei que não trata da questão da outorga do uso e sim do abastecimento e saneamento , estabelecendo os direitos e deveres dos usuários desses serviços, estão presentes em seu corpo as diretrizes que orientam a Política Nacional e Estadual dos recursos hídricos. O Marco Regulatório traz ainda, entre suas diretrizes, artigo que prevê a valorização e a promoção de programas de educação ambiental, com a finalidade de educar a sociedade organizada para ____________________________________________________ nota técnica: Outorga da Água Seção de Assessoramento Temático a adoção de hábitos higiênicos, a correta utilização das instalações hidro sanitárias e de procedimentos para evitar desperdícios e assegurar o uso sustentável do recurso natural . Um dos pontos que ex igem uma preocupação especial no que concerne aos recursos hídricos é o que se refere aos depósitos de água subterrânea. O art. 12 da Lei Federal 9.433/97 estabelece em seu inciso II que também esses depósitos estão sujeitos à outorga. Estudos demonstram, no entanto, que a situação dos poços artesianos, principalmente nas grandes cidades, não é confortável. São, em muitos casos, super explorados e encontram-se contaminados. Uma das diretrizes da Lei 13.123/97, que orienta a Política Estadual de Recursos Híd ricos, é justamente a utilização racional desses recursos, superficiais ou subterrâneos, assegurando o uso prioritário para o abastecimento das populações. Também é diretriz o desenvolvimento de programas permanentes de conservação e proteção das águas sub terrâneas contra poluição e super exploração. A preocupação justifica -se, uma vez que 97% da água doce disponível para o uso da humanidade se encontra no subsolo. Acrescente-se o fato de que são recursos hídricos de ótima qualidade e de baixo custo. É cada vez mais acelerada a perfuração de novos poços artesianos e muitas vezes ignora-se o conjunto de medidas básicas para se evitar a poluição dos aqüíferos, seja por proximidade a lavouras, indústrias ou grandes aglomerados urbanos . Em Goiânia, prevalece a perfuração de mini-poços, de caráter superficial, e, dada a inobservância em muitos casos da distância mínima de fontes poluidoras, sua água está constantemente contaminada por coliformes fecais, resíduos de indústrias ou até mesmo postos de gasolina (como no caso do posto do supermercado Extra de Goiânia em 2006 . A Lei 13.583/2000 disciplina a conservação e proteção ambiental dos depósitos subterrâneos de água do Estado. Nela estão várias medidas importantes para a preservação e conservação dos poços, co m a finalidade de prevenir a poluição e contaminação dos aquíferos , por meio de regras que orienta m a perfuração, determinam a fiscalização, a análise e controle da qualidade dos depósitos em ____________________________________________________ nota técnica: Outorga da Água Seção de Assessoramento Temático área de risco (poços de monitoramento), bem como uma série de ex igências para a concessão de licença ambiental. Em Goiás, o órgão responsável pela outorga é a Secretaria Estadual do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos. A lei estabelece ainda que a outorga pode ser feita por meio de concessão (quando o uso for de util idade pública), autorização (quando o uso não for de utilidade pública) e permissão (quando o volume for insignificante). Outro fator interessante é que a lei dos poços artesianos determina o limite temporal de 20 anos para a vigência de sua outorga , apesar da lei federal fixar limite de 35 anos. A preocupação com a licença ambiental para permissão de perfurações está em lume constante, o que pode ser constatado em Instrução Normativa nº004 de 2006 da Prefeitura de Goiânia, que tem como objetivo disciplinar a concessão de licença ambiental para perfuração de poços no município. A qualidade da água dos poços artesianos, no entanto, apesar das iniciativas legiferantes, é duvidosa. Estudo feito sobre poços localizados no setor oeste de Goiânia por equipe do cu rso de engenharia ambiental da Universidade Católica de Goiás r evela que há contaminação de 40% dos 119 poços existentes na região. Contaminaç ão bacteriológica, presença de coliformes totais e fecais, tornando a água imprópria para o consumo humano. Pode-se induzir dessa análise que o problema de contaminação dos poços não se restringe somente ao Setor Oeste. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Muito se tem feito na área de legislação ambiental buscando melhorias e avanços, seja em termos de incentivo a programas d e proteção e conservação seja na busca por meios de fiscalização. O Brasil é, certa mente, um dos países que possui legislação ambiental moderna e arquitetada para a conservação dos recursos naturais . Somente a existência formal da lei não é suficiente para que se modifique, de súbito, uma série de comportamentos e hábitos viciados. Mudanças de cultura e consciência demandam tempo. A questão ambiental em particular é um processo histórico que se desenrola rumo a uma maturidade. Sua relevância inequívoca se desvela com o passar dos anos, cada vez mais intensamente, e a consciência de que as ____________________________________________________ nota técnica: Outorga da Água Seção de Assessoramento Temático decisões severas nesse âmbito se materializam à medida que os indivíduos se dão conta de que o problema ambiental não é mais algo que está diante do seu cotidiano. A legislação acerca do uso dos recursos hídricos segue o mesmo caminho. Passam, a cada dia, por aprimoramentos e amadurecimentos sólidos, mas que se infiltram nas atitudes e constroem um edifício rígido de posturas e comportamentos positivos. Cabe ao Poder Pú blico a insistência na difusão dessas posturas, no incentivo p ara o seu alcance, por meio de políticas públicas que reforce a consciência da limitação dos recursos hídricos e do seu uso racional, à sua preservação e proteção e à luta contra sua poluição e contaminação. O aparato formal da legislação está posto , resta-nos dar o salto seminal da teoria à prática, ainda com o dever de alterá-la, se for o caso, contemplando as adaptações das mudanças céleres do clima e dos hábitos humanos. Fontes de Pesquisa: Casa Civil do Planalto Gabinete Civil da Governadoria Diário Oficial do Município Revista Agroanalysis – FGV Avaliação Qualitativa dos Poços Artesian os do Setor Oeste, agata.ucg.br/formularios/ucg/docentes/eng/pasqualeto/artigos/pdf/artigo_1 3.pdf Diário da Manhã – 1/11/2006 ____________________________________________________ nota técnica: Outorga da Água Seção de Assessoramento Temático