1º Ten Al RODRIGO HENRIQUE PRADO
TRANSMISSÃO VERTICAL DO HIV:
IMPACTO POSITIVO DE MEDIDAS
PREVENTIVAS.
RIO DE JANEIRO
2008
1º Ten Al RODRIGO HENRIQUE PRADO
TRANSMISSÃO VERTICAL DO HIV:
IMPACTO POSITIVO DE MEDIDAS
PREVENTIVAS.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Escola de
Saúde do Exército, como requisito parcial para aprovação
no Curso de Formação de Oficiais do Serviço de Saúde,
especialização em Aplicações Complementares às
Ciências Militares.
ORIENTADOR: PROF. MSC. NILDO ELI
MARQUES D’AVILA
RIO DE JANEIRO
2008
P896t
Prado, Rodrigo Henrique.
Transmissão vertical do HIV: impacto positivo de medidas
preventivas. /. – Rodrigo Henrique Prado. - Rio de Janeiro, 2008.
33 f. ; 30 cm.
Orientador: Nildo Eli Marques D’Avila.
Trabalho de Conclusão de Curso (especialização) – Escola de Saúde
do Exército, Programa de Pós-Graduação em Aplicações Complementares
às Ciências Militares.)
Referências: f. 32-34.
1. AIDS. 2. Prevenção. I. D´Avila, Nildo Eli Marques. II. Escola
de Saúde do Exército. III. Título.
CDD 616.979
AGRADECIMENTOS
A Deus, em primeiro lugar.
Ao meu orientador e eterno professor Nildo pelos inestimáveis ensinamentos e ao meu coorientador Capitão Castro, pela confiança e acessibilidade.
À Tenente Lessa e à amiga Eloína pela ajuda com a metodologia
E, acima de tudo, à minha querida Cris, sem a qual este trabalho não seria possível.
RESUMO
A AIDS é uma doença relativamente nova na história da Medicina, com menos de 30 anos
passados desde os primeiros casos diagnosticados. Desde então, muito tem se pesquisado
sobre ela e grandes conhecimentos foram adquiridos sobre o seu causador, o vírus HIV. A
evolução natural da doença é melhor conhecida, seu diagnóstico, mais rápido e preciso,
diversas drogas e esquemas terapêuticos foram desenvolvidos para seu tratamento e grandes
campanhas de prevenção e esclarecimento da população realizadas. Mas a ciência ainda não
encontrou sua cura definitiva e luta pelo controle de sua transmissão. Esta monografia foi
realizada através de uma revisão bibliográfica; abrangendo o histórico, aspectos mais
importantes da doença e comparando resultados de pesquisas sobre o impacto positivo das
medidas profiláticas empregadas para a diminuição da transmissão mãe para filho do HIV em
virtude da gravidade desta doença. Para alcançar o bom entendimento do assunto no segundo
capítulo fez-se histórico da AIDS em sua epidemiologia, fisiopatologia, assim como, se falará
sobre a AIDS na mulher e na criança. No terceiro capítulo se dissertará sobre a transmissão
vertical, posto que é a principal causa de infecção pelo vírus da imunodeficiência humana
(HIV) na criança. O quarto capítulo é composto pelo entendimento da profilaxia que deve ser
usada durante a gestação para que se possa evitar que o recém-nascido seja contaminado pelo
HIV. No quinto capítulo serão descritos os impactos das medidas preventivas através da
analise dos resultados de estudos realizados pelo Ministério da Saúde e artigos produzidos
entre 1999 e 2007. Constatando-se que a eficiência das medidas preventivas é incontestável,
principalmente quando combinadas: terapia para mães e recém-nascidos. As informações
foram obtidas através de artigos pesquisados na internet, mas principalmente nos manuais
publicados pelo Ministério Público.
Palavras-chave: AIDS. Histórico. Transmissão Vertical. Tratamento. Prevenção.
ABSTRACT
The AIDS disease is a relatively new in the history of medicine, with less than 30 years since
the first cases diagnosed. Since then, much has been researching on it and large were acquired
knowledge about their cause, the HIV virus. The natural evolution of the disease is better
known, its diagnosis, more rapid and precise, various drugs and therapeutic schemes were
developed for its treatment and prevention of major campaigns and clarification of the
population made. But the science has yet to find its definitive cure and the great struggle of
Medicine is the control of their transmission. That said, this monograph was accomplished
through a literature review covering the history and the most important aspects of the disease
and comparing results of research on the positive impact of prophylactic measures employed
for the reduction of mother to child transmission of HIV because of the seriousness of this
disease. To achieve the proper understanding of the subject in the second chapter has been
based on its history of AIDS epidemiology, pathophysiology, as if to speak about AIDS in
women and children. In the third chapter is dissertará on the vertical transmission, as is the
main cause of infection with human immunodeficiency virus (HIV) in children. The fourth
chapter is composed of the understanding of disease prevention that should be used during
pregnancy in order to prevent the newborn is contaminad HIV. In the fifth chapter will be
described the impacts of preventive measures by examining the results of studies conducted
by the Ministry of Health and articles produced between 1999 and 2007. Noting that the
efficiency of preventive measures is indisputable, especially when combined therapy for
mothers and newborns. The information was obtained through researched articles on the
Internet, but mainly in textbooks published by prosecutors.
Key-words: Aids. History. Vertical Transmission. Treatment. Prevention.
LISTA DE ABREVIATURAS
AIDS
Acquired Immunodeficiency Syndrome
ARC
Aids Related Complex
ARV
Anti-Retroviral
AZT
Zidovudina
CDC
Centers for Disease Control
CRS
Complexo Relacionado à SIDA
DNA
Ácido Desoxirribonucléico
DST
Doenças Sexualmente Transmissíveis
HIV/VIH Vírus da Imunodeficiência Humana
OMS
Organização Mundial da Saúde
RNA
Ácido Ribonucléico
SIDA
Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
SVA
Síndrome Viral Aguda
UDI
Usuários de Drogas Injetáveis
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.............................................................................................................. 9
2 HISTÓRICO DA SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA–
SIDA...................................................................................................................................
2.1 EPÍDEMIOLOGIA.......................................................................................................
2.2 HISTÓRIA NATURAL................................................................................................
2.3 DOENÇA EM GESTANTE.........................................................................................
2.4 DOENÇA NA CRIANÇA............................................................................................
11
12
13
14
15
3 TRANSMISSÃO VERTICAL......................................................................................
3.1 EPIDEMIOLOGIA.......................................................................................................
3.2 FATORES DE RISCO.................................................................................................
3.3 RASTREAMENTO PRÉ-NATAL...............................................................................
3.4 RASTREAMENTO NO RECÉM-NASCIDO.............................................................
17
17
17
18
18
4 PROFILAXIA................................................................................................................
4.1 TRATAMENTO NA GESTAÇÃO..............................................................................
4.1.1 Algumas recomendações gerais..............................................................................
4.1.2 Seleção do esquema anti-retroviral........................................................................
4.2 TRATAMENTO NO TRABALHO DE PARTO.........................................................
4.3 TRATAMENTO DO RECÉM-NASCIDO..................................................................
4.4. VIA DE PARTO..........................................................................................................
4.5 OUTROS CUIDADOS.................................................................................................
20
20
20
21
22
22
23
23
5 IMPACTO DAS MEDIDAS PREVENTIVAS........................................................... 24
CONCLUSÃO................................................................................................................... 30
REFERÊNCIAS................................................................................................................ 31
9
1 INTRODUÇÃO
A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida - SIDA, desde seus primeiros casos
diagnosticados no início dos anos 80, é um crescente problema de saúde em todo mundo e
ainda mais dramático em países em desenvolvimento. Só no Brasil, até junho de 2007 já havia
um total acumulado de 474.273 casos (BRASIL, 2008).
A doença que no seu início era praticamente restrita a “grupos de risco”
(homossexuais, usuários de drogas injetáveis e pessoas que necessitavam freqüentemente
receber hemoderivados) atingiu proporções alarmantes quando a transmissão heterossexual
tornou-se comum e passou a afetar principalmente as mulheres.
Com essa “feminilização” da doença, através da transmissão vertical (mãe para recémnascido) do HIV começou a aumentar o número de crianças com a doença. Não bastasse a
AIDS ser uma doença ainda “jovem”, sobre a qual ainda não se sabe muito, ao se tratar
crianças tinham-se ainda menos conhecimentos sobre a dinâmica viral e o uso de drogas antiretrovirais e seus efeitos nesse grupo particular de pacientes. Tornou-se fundamental a
elaboração de estratégias para deter essa modalidade de transmissão.
Uma inestimável vitória nessa luta foi à criação do Protocolo 076 pelo Pediatric AIDS
Clinical Trial Group (PACTG 076) em 1994. Esse esquema profilático consiste em fornecer
Zidovudina - AZT para a mãe na gravidez e no trabalho de parto e para o recém-nascido nas
primeiras seis semanas de vida e resultou em diminuição de 2/3 na transmissão mãe/recémnascido (VELOSO, VASCONCELOS, GRINSZTEJN, 2008).
Essa profilaxia medicamentosa alcança eficácia ainda maior quando associada a outros
procedimentos: adoção da cesariana eletiva e não amamentação. Também muitos estudos
procuram demonstrar a maior eficiência da profilaxia quando usadas associações de drogas
para a gestante.
A síndrome da imunodeficiência adquirida é uma infecção viral crônica persistente,
incurável e fatal em virtualmente todos os casos. Desde os primeiros casos notificados, no
início dos anos 80, é importante tema de pesquisa e grandes campanhas de saúde. Ainda
assim, a Medicina não encontrou até o momento nenhuma cura definitiva ou vacina eficaz
para deter o avanço da doença, dependendo o seu controle basicamente da prevenção.
Esta monografia dá ênfase à AIDS e mais especificamente sua transmissão vertical e
doença na criança, por ser um problema de saúde crescente, causa de grande número de
internações, complicações e mortes e foco de pesado investimento financeiro e de pessoal.
10
Apesar da grande redução da transmissão vertical, mediante campanhas de informação
e tratamento preventivo, ainda é muito grande o número de novos casos todos os anos. Assim,
é essencial o conhecimento da doença, do seu diagnóstico e tratamento, por todos os
profissionais de saúde, para um efetivo controle e acompanhamento sendo viável e oportuno
um trabalho de revisão bibliográfica sobre a doença, abordando de forma abrangente seus
aspectos mais importantes quanto à prevenção, diagnóstico e acompanhamento.
11
2 HISTÓRICO DA SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA – SIDA
Os primeiros casos de AIDS descritos – embora só identificados como tal alguns anos
após – datam de 1977 e 78, nos EUA, África Central e Haiti e em 1980 no Brasil. Em 1981
essa “nova e misteriosa doença” já preocupava a saúde pública nos EUA e era associada a
homossexuais, hemofílicos, usuários de drogas e prostitutas, pois já era conhecida a
transmissão sexual e por hemoderivados. A partir deste ponto passam a ser considerados os
grupos de risco (BRASIL, 2008).
Em 1984, no Instituto Pasteur, a equipe de Luc Montagner isola o retrovírus causador
da doença, que no ano seguinte é batizado Vírus da Imunodeficiência Humana - HIV e
surgem os primeiros testes sorológicos para sua detecção.
Segundo Veloso, Vasconcelos e Grinsztejn (2008), em 1987 inicia a utilização do
Zidovudina - AZT como primeiro medicamento a reduzir a multiplicação do vírus. Dez anos
depois da AIDS ser identificada, a Organização Mundial da Saúde - OMS anuncia que 10
milhões de pessoas estão infectadas pelo HIV no mundo e surgem os primeiros estudos sobre
terapia combinada. Total de casos notificados no Brasil: 2.775.
Ainda segundo os autores, em 1995 surgem os inibidores da transcriptase reversa
nucleosídeos d4T e 3TC para somarem aos consagrados AZT, ddI e ddC. Um ano após, já se
registram quedas na mortalidade por AIDS, conforme surge o primeiro consenso para terapia
anti-retroviral e é disponibilizado AZT gratuito na rede pública. Nesta época, porém,
começam a aumentar os casos entre mulheres.
Esta é a primeira publicação específica sobre prevenção da transmissão vertical do
HIV, após os resultados dos estudos com o Protocolo 076 do AIDS Clinical Trial Group. Com
a possibilidade de reduzir significativamente a transmissão vertical com o uso da Zidovudina,
o Ministério da Saúde definiu sua prevenção como uma das prioridades do Programa
Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis - DST e AIDS. Total de casos notificados
no Brasil: 19.980 (BRASIL, 2008).
No final da década de 90, já se tem diagnóstico mais claro da doença e maior
quantidade de medicamentos, com diminuição da mortalidade em 50% e melhora da
qualidade de vida.
A partir de 2000 (ano do I Fórum em HIV/AIDS e DST da América Latina, no Rio de
Janeiro), a grande ameaça de quebra de patentes força laboratórios a reduzir preço dos ARV
12
nos países em desenvolvimento. Em 2001, o total de casos acumulados desde o início da
doença no Brasil já é 220.000. Total de casos acumulados até junho de 2007: 474.273.
2.1 EPIDEMIOLOGIA
No Brasil, até metade da década de 90, as taxas de incidência foram crescentes,
chegando a alcançar, em 1998, cerca de 19 casos de AIDS por 100 mil habitantes. Do total de
casos, cerca de 80% estavam concentrados nas regiões Sudeste e Sul. Contudo, apesar das
altas taxas de incidência e de serem as regiões mais atingidas desde o início da epidemia, são
regiões que seguem um processo de estabilização, ainda que lento, desde 1998. Seguidos
mais recentemente pela região Centro-Oeste. Para as demais regiões, Norte e Nordeste,
mantém-se a tendência de crescimento nas taxas de incidência. (BRASIL, 2006).
No Brasil, a AIDS tem se configurado como sub-epidemia, tendo atingido, de forma
bastante intensa, os Usuários de Drogas Injetáveis (UDI), homossexuais e, no início da década
de 80, os indivíduos que receberam transfusão de sangue e hemoderivados. Mais
recentemente, a taxa de incidência de AIDS mantém-se, ainda, em patamares elevados - em
19,5 casos por 100 mil habitantes – basicamente devido à persistência da tendência de
crescimento entre as mulheres. Apresentou declínio em menores de cinco anos e no sexo
masculino, com redução das taxas de incidência nas faixas etárias de 13 a 29 anos e
crescimento nas faixas posteriores, principalmente a partir de 40 anos. Observou-se, também,
para o sexo masculino, estabilidade na proporção de casos devido à transmissão
homo/bissexual, aumento proporcional da heterossexual e redução importante e persistente
dos casos em usuários de drogas injetáveis. Entre as mulheres, observa-se, após 1998, a
tendência à estabilidade entre aquelas na faixa de 13 a 24 anos, com crescimento persistente
em praticamente todas as outras faixas etárias (BRASIL, 2008).
O país acumulou cerca de 192 mil óbitos devido à AIDS até junho de 2006, sendo as
taxas de mortalidade crescentes até meados da década de 90, estabilizando em cerca de 11 mil
óbitos anuais desde 1998. Após a introdução da política de acesso universal ao tratamento
Anti-Retroviral (ARV), que combina drogas com diferentes formas de ação (Highly Active
Antiretroviral Therapy - HAART), observou-se uma importante queda na mortalidade. A
partir do ano 2000, essa taxa se estabilizou em cerca de 6,4 óbitos por 100 mil habitantes,
sendo esta estabilização mais evidente em São Paulo e no Distrito Federal (BRASIL, 2008).
13
Nota-se, também, o crescimento persistente da proporção de óbitos por AIDS nas
categorias de raça/cor “preta” e “parda”, em ambos os sexos, entre 1998 e 2004 (Tabela XIV
do Boletim Epidemiológico AIDS, DST, 2007), expondo a iniqüidade no acesso aos serviços
de saúde para diagnóstico e tratamento precoces das populações menos favorecidas sócioeconomicamente.
2.2 HISTÓRIA NATURAL
A infecção pelo vírus da imunodeficiência humana desencadeia processo viral ativo
que, embora podendo ocorrer fases assintomáticas, evolui com imunodeficiência progressiva.
Conforme Oliveira e Meliço-Silvestre (2008), cerca de duas a três semanas após a
infecção pode ocorrer a Síndrome Viral Aguda (SVA), na convalescença da qual se observa a
soroconversão e seguem-se 8 a 10 anos de doença assintomática. Após a doença se tornar
sintomática, seja pela própria infecção pelo HIV ou pelo surgimento de doença oportunista, a
morte ocorre em pouco mais de um ano do diagnóstico. Logo nos primeiros dias da doença,
ocorre propagação da infecção para órgãos linfóides – coincidente com a SVA – com alto
risco de transmissão. Desenvolve-se resposta imunitária celular e humoral, responsável pelo
decréscimo da viremia e recuperação dos linfócitos T-CD4 que ocorre na convalescença desta
SVA.
Para Oliveira e Meliço-Silvestre (2008), os vírus se multiplicam nos linfócitos T-CD4
que, infectados, são destruídos pelos linfócitos T-citotóxicos ou “killer cells”, calculando-se a
magnitude desta destruição em cerca de 109 linfócitos T-CD4 por dia. Há uma perda média
de 50 linfócitos T-CD4/mm³/ano, durante cerca de 8 a 10 anos. Em algumas pessoas evolução
é extremamente rápida, atingindo valores de linfócitos T-CD4 inferiores a 200/mm³ aos dois
anos após a infecção. Outros doentes são não-progressores, definidos como infectados pelo
HIV há mais de oito anos, com valores de linfócitos T-CD4 superiores a 500/mm³ na ausência
de terapêutica anti-retroviral.
Síndrome viral aguda – ocorre em 50 a 89% dos infectados, com sinais e sintomas
muito inespecíficos (febre, adenopatias, mialgias, faringite), muitas vezes não sugerindo
diagnóstico. Na fase de latência clínica podemos encontrar linfadenopatia generalizada
persistente em 50 a 70% dos casos. A doença constitucional, também designada por “AIDS
Related Complex” (ARC) ou Complexo Relacionado à SIDA (CRS), é a infecção sintomática
14
pelo HIV na ausência de infecção ou tumor oportunista, diagnóstico difícil, de exclusão. A
sintomatologia mais habitual é a fadiga fácil, a febrícula, os suores noturnos e a diarréia
intermitente. Pode ocorrer a síndrome consuptiva progressiva (síndrome de emaciação ou
“wasting syndrome”) com perda de 10% de peso corporal e associada a distúrbios endócrinos
(OLIVEIRA e MELIÇO-SILVESTRE, 2008).
Ainda segundo os autores, a fase de Síndrome da Imunodeficiência Adquirida - SIDA
propriamente dita é clinicamente definida pelo CDC (Center for Disease Control) como
aparecimento de tumores ou infecções oportunistas – indicadores de déficit da imunidade
celular – na ausência de outra causa de disfunção imunitária. A classificação do CDC de 1993
é bastante simples, baseada em critérios clínicos e laboratoriais (doenças relacionadas à
Síndrome da Imunodeficiência Adquirida - SIDA e contagem de linfócitos T-CD4), mas tem
limitações, como não valorizar viremia e ter sido criada numa época anterior à propagação
dos anti-retrovirais, quando a doença tinha curso inexoravelmente progressivo. Com a
terapêutica anti-retroviral assistimos a uma diminuição da mortalidade e da incidência das
infecções oportunistas, evidente a partir de 1996 e concomitante com a utilização mais
generalizada da terapêutica tripla. Também se registra diminuição de todas as infecções
oportunistas.
2.3 DOENÇA NA GESTANTE
No final dos anos 80, com o aumento da transmissão heterossexual do HIV, a
freqüência de casos entre as mulheres cresceu consideravelmente: a razão homem/mulher que
em 1985 era 28:1 em 2000 tornou-se 2:1 (BRASIL, 2003).
Segundo Mayo Abad (2008), essa “feminilização” da AIDS é reflexo do
comportamento sócio-sexual da população associado à maior vulnerabilidade do sexo
feminino. A mulher, por ter entrado mais tardiamente na dinâmica da doença – não fazia parte
dos “grupos de risco” iniciais – sente-se menos exposta. Além disso, especialmente nos países
em desenvolvimento é baixo o número de casais que usa preservativo – por resistência do
homem, pudor ou falta de iniciativa da mulher e também por pressão da sociedade e religião
quanto à questão reprodutiva – e muitas mulheres, embora monogâmicas, adquirem a infecção
por promiscuidade do seu parceiro.
15
Fatores biológicos também influem na maior vulnerabilidade da mulher. A mucosa
vaginal é quatro vezes maior que a do pênis e sofre maior traumatismo, que produz pequenas
escoriações. O sêmen contém maior quantidade de vírus e pode permanecer na vagina por até
72 horas. Também a presença de inflamações ou ulcerações vulvovaginais, outras DSTs mal
tratadas, doença inflamatória pélvica e outras afecções cervicais favorecem a penetração do
vírus.
Para Mayo Abad (2008), normalmente a gravidez é associada à leve imunodeficiência,
com diminuição da imunidade celular. Porém isso parece ter pouco efeito na progressão da
doença em mulheres assintomáticas. Naquelas que se encontram em estágio mais avançado da
doença pode haver progressão rápida.
Em relação ao efeito do HIV sobre a gestação, está associado a abortos espontâneos,
gravidez ectópica e infecção do trato genito-urinário por outros agentes (N. gonorreae,
Clamidia tracromatis, Cándida albicans, Trichomonas vaginalis e Sífilis), ruptura prematura
de membranas e parto prematuro (acontece com o dobro da freqüência). No pós-parto as
complicações infecciosas são mais comuns também na mulher HIV positiva.
2.4 DOENÇA NA CRIANÇA
A criança contaminada pelo HIV pode apresentar progressão rápida ou bastante lenta,
dependendo de alguns fatores como: época da infecção, genótipo e fenótipo viral e resposta
imune. Portanto é fundamental o acompanhamento imunológico (contagem de linfócitos
TCD4+) e virológico (carga viral) (BRASIL, 2006).
A classificação em categorias clínicas é feita de forma semelhante à do adulto,
avaliando-se os estados clínico e imunológico, em sistema alfa numérico.
Categorias clínicas:
• N – assintomática;
• A – sinais ou sintomas leves;
• B – sinais ou sintomas moderados;
• C – sinais ou sintomas graves (BRASIL, 2006).
Categorias imunológicas, conforme idade, levando-se em conta a percentagem de
linfócitos TCD4+:
16
Tabela 1: categorias imunológicas
Alteração
Contagem de LT-CD4+
imunológica
Idade
<12 meses
1 a 5 anos
6 a 12 anos
Ausente (1)
> 1500 (> 25%)
≥ 1000 (≥ 25%)
≥ 500 (≥ 25%)
Moderada (2)
750 – 1499 (15-24%)
500-999 (15-24%)
200 – 499 (15-24%)
Grave (3)
< 750 (< 15%)
< 500 (< 15%)
< 200 (< 15%)
Fonte: Brasil, 2006, p. 58.
17
3 TRANSMISSÃO VERTICAL
3.1 EPIDEMIOLOGIA
A transmissão vertical, também denominada materno-infantil, é a principal via de
infecção pelo HIV em crianças. O primeiro caso notificado no Brasil foi no ano de 1985
sendo que, segundo dados do Ministério da Saúde do Brasil, entre o período de 1980 e 2006
esta via de infecção foi responsável por 78,1% do total de casos em menores de 13 anos. A
maioria dos casos de transmissão vertical (cerca de 65%) ocorre durante o trabalho de parto e
no parto propriamente dito, enquanto os 35% restantes ocorrem intra-útero, principalmente
nas últimas semanas de gestação e através do aleitamento mãe/recém-nascido (BRASIL,
2007).
A taxa de transmissão vertical do HIV, sem qualquer intervenção, situa-se em torno de
25,5%. No entanto, diversos estudos publicados na literatura médica demonstram a redução
da transmissão vertical do HIV para níveis entre zero e 2%, por meio de intervenções
preventivas, tais como: o uso de anti-retrovirais combinados (promovendo a queda da carga
viral materna para menos que 1.000 cópias/ml ao final da gestação), o parto por cirurgia
cesariana eletiva, o uso de quimioprofilaxia com o AZT na parturiente e no recém-nascido, e a
não amamentação. Nos países desenvolvidos, a ampla implementação dessas intervenções
resultou na redução significativa da incidência de casos de AIDS em crianças (BRASIL,
2006).
3.2 FATORES DE RISCO
A patogênese da transmissão vertical do HIV está relacionada a múltiplos fatores.
Destacam-se:
a) fatores virais, tais como a carga viral, genótipo e fenótipo viral;
b) fatores maternos, incluindo estado clínico e imunológico, presença de DST e outras
co-infecções, o estado nutricional da mulher, e o tempo de uso de anti-retrovirais na
gestação;
c) fatores comportamentais, como o uso de drogas e prática sexual desprotegida;
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d) fatores obstétricos, tais como a duração da ruptura das membranas amnióticas, a via
de parto e a presença de hemorragia intraparto;
e) fatores inerentes ao recém-nascido, tais como prematuridade e baixo peso ao nascer;
e,
f) fatores relacionados ao aleitamento materno (BRASIL, 2006).
3.3 RASTREAMENTO PRÉ-NATAL
O Ministério da Saúde recomenda realização do teste anti-HIV com aconselhamento e
sob consentimento para todas as gestantes na primeira consulta pré-natal e repetição do teste,
sempre que possível, no 3º trimestre. Nas mulheres que chegam ao trabalho de parto sem
resultados de sorologia, realiza-se o teste rápido. Em casos de sorologia indeterminada, podese recorrer à história e risco de transmissão do HIV e mesmo triagem do parceiro. Também
podem ser úteis exames como carga viral (BRASIL, 2006).
3.4 RASTREAMENTO NO RECÉM-NASCIDO
Em relação ao acompanhamento das crianças nos primeiros meses de vida é
recomendado que:
[…] o acompanhamento deve ser mensal nos primeiros 6 meses e, no mínimo,
trimestral a partir do 2º semestre de vida. Em todas as consultas deve-se registrar o
peso, o comprimento e os perímetros, em especial o perímetro cefálico. A avaliação
sistemática do crescimento e desenvolvimento é extremamente importante, visto que
as crianças infectadas podem, já nos primeiros meses de vida, apresentar dificuldade
de ganho de peso (BRASIL, 2006, p. 17).
O diagnóstico laboratorial deve ser feito a partir do primeiro mês de vida, com dois
exames feitos em momentos diferentes, podendo ser:
• quantificação do Ácido Ribonucléico - RNA viral plasmático (carga viral);
• ou pela detecção do Ácido Desoxirribonucléico - DNA pró-viral (BRASIL, 2006).
19
O recém-nascido é considerado infectado quando a detecção viral é positiva nos dois
exames – nesse caso, o segundo exame pode ser realizado logo que se tenha o resultado do
primeiro. Níveis de carga viral abaixo de 10.000 cópias/ml devem ser cuidadosamente
analisados porque podem ser resultados falso-positivos. Não infectado aquele que tenha os
dois exames negativos, com intervalo de dois meses e o segundo feito após o 4º mês de vida.
Após os dezoito meses o diagnóstico é confirmado por testes de triagem anti-HIV1 e anti-HIV
2, também conhecido como o teste de ELISA.
20
4 PROFILAXIA
4.1 TRATAMENTO NA GESTAÇÃO
A gestante pode receber tratamento anti-retroviral profilático (para prevenir a
transmissão
vertical)
ou
como
tratamento
(pelo
seu
estado
clínico/imunológico
comprometido). No caso da profilaxia, o tratamento pode ser suspenso após a gestação.
4.1.1 Algumas recomendações gerais
1. toda gestante HIV+ deve receber terapia Anti-Retroviral - ARV para reduzir a
transmissão vertical;
2. sempre que possível, antes de iniciar o tratamento ARV, realizar contagem de
linfócitos T-CD4 e quantificação de carga viral para avaliação do esquema
terapêutico;
3. o AZT sempre que possível, deve fazer parte do esquema terapêutico;
4. a terapia deve iniciar na 14ª semana – ou se não possível, em qualquer momento
da gestação - e ser mantida durante trabalho de parto até clampeamento do cordão
umbilical;
5. monitorar gestante com hemograma e transaminases no início do tratamento e a
cada mês;
6. nevirapina só deve ser empregada em terapia tripla, pois induz desenvolvimento de
resistência viral;
7. efavirenz e hidroxiuréia são proscritos por seu potencial teratogênico;
8. quando não possível contagem de CD4 em pacientes com linfócitos
totais<1000/mm3, deve-se considerar terapia ARV combinada e profilaxia
primária para infecções oportunistas;
9. se imprescindível suspender ARV, deverão ser suspensos conjuntamente
(BRASIL, 2006).
21
4.1.2 Seleção do esquema anti-retroviral.
A recomendação do esquema ARV baseia-se na idade gestacional, na contagem de
linfócitos T-CD4+ e carga viral e no uso anterior de ARV – os cenários definidos pelo
Ministério da Saúde.
Tabela 2: recomendação de quimioprofilaxia na gestante
Cenário 1
Idade gestacional
A partir da 14ª semana
Uso de terapia anti-retroviral
Não
Situação Clínica
Assintomática
Contagem de linfócitos T-CD4+
>200 células/mm3
Recomendação terapêutica
Profilaxia com TARV
(AZT+3TC+NFV ou NVP)
Situação Clínica
Assintomática
Contagem de linfócitos T-CD4+
>200 células/mm3
<1.000 cópias/ml
Recomendação terapêutica
Monoterapia com AZT
Fonte: Brasil, 2006, p. 27.
Tabela 3: recomendação de quimioprofilaxia na gestante
Cenário 2
Idade gestacional
Independente
Uso de terapia anti-retroviral
Não
Situação clínica
Assintomática
Contagem de linfócitos T-CD4+
≤200 células/mm3
Recomendação terapêutica
TARV- tratamento
(AZT+3TC+NFV ou NVP)
Situação clínica
Sintomática
Contagem de linfócitos T-CD4+
Independente
Recomendação terapêutica
TARV - tratamento
(AZT+3TC+NFV ou NVP)
Fonte: Brasil, 2006, p. 28.
22
Tabela 4: recomendação de quimioprofilaxia na gestante
Cenário 3
Idade gestacional
Independente
Uso de TARV
Sim
Situação Clínica
Mulher HIV+ em uso de TARV
Contagem de linfócitos T-CD4+
Independente
Carga Viral
Independente
Fonte: Brasil, 2006, p. 29.
4.2 TRATAMENTO NO TRABALHO DE PARTO
A paciente deve receber zidovudina injetável desde o início do trabalho de parto até o
clampeamento do cordão umbilical. Infusão de 2mg/kg na primeira hora + 1mg/kg/h. No caso
de cesariana eletiva, iniciar o AZT três horas antes da intervenção cirúrgica (BRASIL, 2006).
4.3 TRATAMENTO DO RECÉM-NASCIDO
O tratamento do recém-nascido deve começar preferencialmente nas duas primeiras
horas de vida com AZT solução oral, dose de 2mg/kg a cada seis horas e mantido por seis
semanas. Não existem evidências de benefício na administração iniciada após 48 horas,
ficando a critério do médico a indicação. O recém-nascido deve receber o AZT mesmo que a
mãe não o tenha recebido na gestação ou no parto. Excepcionalmente a administração pode
ser intravenosa (impossibilidade de via oral) na mesma dose. A dose do AZT para os
prematuros < 34 semanas é 1,5mg/kg IV ou 2mg/kg VO a cada 12 horas nas duas primeiras
semanas e 2mg/kg a cada oito horas por mais quatro semanas, se a criança nasceu com mais
de trinta semanas. Nos prematuros <30 semanas, esperar quatro semanas para modificar o
esquema (BRASIL, 2006).
23
4.4 VIA DE PARTO
Os conhecimentos acerca da patogenia da transmissão vertical do HIV demonstram
que pelo menos 65% e, provavelmente, até 80% das transmissões ocorrem durante ou
próximo ao período intraparto, sugerindo que intervenções obstétricas, como a cesariana
eletiva, poderiam reduzir essas taxas.
A cesariana eletiva é indicada nos casos de carga
viral materna ≥ 1.000 cópias/ml ou desconhecida e idade gestacional ≥ 34 semanas. Carga
viral menor ou identificável permite parto vaginal, conforme indicação obstétrica (BRASIL,
2006).
4.5 OUTROS CUIDADOS
É importante que o recém-nascido seja lavado imediatamente após o parto com água e
sabão. Também se deve evitar fazer a aspiração de vias aéreas ou fazê-lo com a maior
delicadeza, assim como, é preciso informar à parturiente que é contra-indicado o aleitamento.
24
5 IMPACTO DAS MEDIDAS PREVENTIVAS
Chavez, Álvares e Wu (2000), fizeram um estudo prospectivo em crianças nascidas de
mãe HIV+/AIDS entre 1995 e 1998. Eram incluídas mães entre quatorze e trinta e quatro
semanas de gestação, doença em fase inicial (cd4>200) e sem indicação de tratamento prévio.
O tratamento consistiu em AZT 100mg 5x/dia até o fim da gestação mais tratamento
intraparto (bolus 2mg/kg + 1mg/kg/h) e para o RECÉM-NASCIDO AZT oral 2mg/kg/dia em
4 doses (conforme protocolo 076).
Verificou-se que foram acompanhados 183 casos, dos quais 102 receberam o
protocolo 076. Desses 102, 7 recém-nascidos foram contaminados (6,9%). Dos 81 não
tratados pelo protocolo 076, 35 foram contaminados. A taxa global de transmissão, até 1994
era de 35% e em seu trabalho, encontrou taxa de 23%. Portanto, o resultado obtido com o uso
do protocolo 076 trouxe uma redução da transmissão de 23% para 6,9%; taxa significativa na
transmissão vertical.
Turchi, Duarte e Martelli (2008) pesquisaram fatores associados e perdas de
oportunidades na intervenção na transmissão vertical em Goiás entre 1995 e 2001. Foram
estudadas 276 mulheres portadoras de HIV/AIDS no período, com total de 322 gestações e
324 bebês. 116 mulheres já tinham diagnóstico antes da gestação e 96 delas receberam
tratamento completo; outras 56, tratamento parcial e 18 nenhum tratamento. Foram usados
AZT isoladamente e tratamento triplo, com e sem inibidor de protease.
Resultados: Taxa de transmissão sem nenhuma intervenção foi de 40,8%. Nos
tratamentos incompletos essa taxa caiu para 7,4% e nas terapias completas (tratamento
durante gestação, trabalho de parto e para recém-nascido) foi de 1%.
Outros fatores encontrados relacionados à maior transmissão: parto vaginal (cesariana eletiva
reduz risco de transmissão em mais de 50%) e amamentação (risco adicional entre 7 e 22%).
Uso de protocolo 076: redução da transmissão de 40,8% para 1%.
Nishimoto, Neto e Rozman conduziram estudo de coorte no município de Santos entre
1 de março de 1997 e 29 de fevereiro de 2000, acompanhando 160 mães infectadas. De um
total de 163 partos, conseguiu-se acompanhamento de 144 recém-nascidos, dos quais 14
infectados.
Das 113 mulheres que fizeram pré-natal, a sorologia para pesquisa do HIV foi
realizada em apenas 71 (51,8%) nessa época. 120 recém-nascidos receberam AZT xarope nas
primeiras 24h de vida e 15 foram amamentados.
25
Segue tabela do artigo original (traduzida), mostrando riscos relativos de transmissão
vertical do HIV associados à realização do pré-natal e às medidas preventivas preconizadas
internacionalmente.
Tabela 5: riscos relativos de transmissão vertical do HIV
Medida preventiva
Total
Transmissão (%)
RR (IC 95%)
Realização do pré-natal
p
0,004
sim
113
7 (6,2)
0,26 (0,10-0,67)
não
29
7 (24,1)
1
Uso de AZT oral
0,017
sim
104
6 (5,8)
0,30 (0,11-0,85)
não
37
7 (18,9)
1
Uso de AZT injetável
0,423
sim
101
8 (7,9)
0,65 (0,23-1,87)
não
41
5 (12,2)
1
Uso de AZT xarope
0,00
sim
120
8 (6,7)
0,22 (0,09-0,57)
não
20
6 (30,0)
1
Amamentação
0,020
sim
15
4 (26,7)
3,41(1,22-9,55)
não
128
10 (7,8)
1
Fonte: Nishimoto, Eluf Neto, Rozman, 2008, p. 4.
Com exceção do uso de AZT injetável, em todas as outras medidas observou-se
redução estatisticamente significativa da transmissão. O uso de AZT xarope foi o único fator
que continuou associado de modo estatisticamente significante ao risco de transmissão após
controlar qualquer uma das outras variáveis.
Entre 1º de janeiro de 2000 e 31 de dezembro de 2001, Succi (2008) conduziu um
estudo envolvendo sessenta e três serviços de saúde de vinte estados brasileiros, com total de
duas mil novecentas e quarenta e duas mães/crianças.
Segue tabela abaixo com os dados:
Número e proporção (%) de crianças infectadas, de acordo com o ano de nascimento e
características das mães e crianças. Brasil, 2000-20001.
26
Tabela 6: número e proporção de crianças infectadas
Ano 2000
Ano 2001
Mulheres
Crianças
incluídas
N
Mulheres
Crianças
infectadas
incluídas
infectadas
N (%)
N
N (%)
Idade no parto
P
0.143
p
0.928
(anos)
<30
846
76 (9,0)
894
56 (6,3)
≥30
465
31 (6.7)
440
27 (6.1)
Época
do
<0.001
<0.001
diagnóstico
Antes ou durante 1242
65 (5.2)
1266
54 (4.3)
49 (32.9
134
36 (26.9)
gravidez
No parto ou pós- 149
parto
Pré-natal
<0.001
<0.001
Sim
1286
84 (6.5)
1295
73 (5.6)
Não
101
29 (28.7)
111
20 (18.0)
Uso de ARV na
<0.001
<0.001
gestação
Sim
1143
48 (4.2)
1162
33 (2.8)
Não
261
71 (27.2)
247
60 (24.3)
Método de parto
Vaginal
Cesariana
<0.001
518
não 357
<0.001
65 (12.5)
536
54 (10.1)
32 (9.0)
308
18 (5.8)
12 (2.3)
567
22 (3.9)
eletiva
Cesariana eletiva
CV
e
CD4
520
<0.001
<0.001
27
durante gestação
Sim
693
10 (1.4)
766
15 (2.0)
Não
357
83 (23.2)
317
62 (19.6)
Tempo
de
<0.001
0.515
gestação
(semanas)
<37
132
21 (15.9)
151
11 (7.3)
≥37
672
39 (5.8)
747
44 (5.9)
Peso
de
<0.001
<0.001
nascimento (g)
<2500
290
54 (18.6)
338
44 (13.0)
≥2500
1172
72 (6.1)
1,123
60 (5.3)
Amamentação
<0.001
<0.001
Sim
105
45 (42.9)
77
26 (33.8)
Não
1316
2 (5.5)
1351
68 (5.0)
Fonte: Succi, 2008, p. 5.
A taxa de transmissão global encontrada foi de 7,1 a 8,6%.
Com uso de ARV durante a gestação risco diminuiu de 25,8 para 3,5%.
O uso do AZT durante o trabalho de parto também mostrou resultado significativo: 3,3
a 4,9% nas que receberam contra 20,2 a 23,4% nas que não receberam.
A taxa de transmissão ainda variou conforme tipo de terapia usada:
Nenhuma – 22,6%; monoterapia – 5,4%; terapia dupla – 2,3%; associação de três ou
mais drogas – 1,1%.
Cesariana eletiva, uso de ARV (apenas AZT ou terapia combinada) e não
amamentação (todos previstos no protocolo 076) tiveram, isoladamente, impacto importante
na redução da transmissão do HIV.
Em 2001, Brocklehurst (2008) procurou determinar o quanto as intervenções ante,
intra e pós-parto reduziam o risco da transmissão vertical, através de pesquisa nos registros
Cochrane de trabalhos comparando as intervenções com placebo. Concluiu que a Zidovudina,
28
em esquema curto ou longo de terapia reduziu significativamente a taxa de transmissão (risco
relativo 0,54, IC 95% 0,42 a 0,69). Também a cesariana é muito efetiva, comparada ao parto
vaginal (RR 0,17, IC 95% 0.05 – 0.55).
Em 2006, Volmink, Siegfried, Merwe e Brocklehurst (2008) tiveram como resultados
do seu novo trabalho sobre o uso de anti-retrovirais, comparando resultados na ausência ou
presença da amamentação ao seio, mesmo as crianças amamentadas e não tratadas com AZT
tiveram taxas de transmissão, medidas ao quarto mês de vida, diminuídas em 34% a 37% com
o uso do AZT materno a partir da 36ª ou 38ª semana de gestação e intraparto. Quando ausente
a amamentação, o AZT iniciado da 14ª à 34ª semanas,mantido intraparto e também para os
recém-nascidos, via oral por seis semanas (conforme protocolo 076), os resultados foram
ainda melhores: eficácia de 66% (IC 95% 34,64 a 97,36) ao longo de dezoito meses. Uso de
AZT materno, como fator isolado, reduziu significativamente transmissão. Verificando-se que
a sua eficácia é muito maior quando se faz uso do protocolo completo.
O estudo realizado por David e Salomão (2008), na cidade de São José do Rio Preto,
SP, entre 2001 e 2002, objetivava apenas identificar crianças infectadas transversalmente,
através de estudo de casos, não dando ênfase à intervenção. Porém, destaca-se dele o achado
de vinte e três dos vinte e seis binômios mãe/recém-nascido terem recebido protocolo 076
completo e não haver transmissão enquanto os três casos que não sofreram intervenção
nenhuma resultaram todas as crianças HIV-positivas.
Entre 2003 e 2005, García, Prieto, Arenas, Rincón, Caicedo e Rey (2008) elaboraram
uma importante pesquisa na Colômbia determinando o impacto de medidas preventivas da
transmissão mãe-filho do HIV. Em seu país, o Proyecto Nacional de Reducción de la
Transmisión Madre Hijo de VIH (Projeto Nacional de Redução da Transmissão Mãe-filho de
HIV) oferece diagnóstico e tratamento anti-retroviral profilático para gestantes infectadas e
seus recém-nascidos, cesariana e desencorajamento da amamentação. O tratamento ARV para
a mãe consiste de AZT oral (300mg 2 vezes/dia) a partir de 14 semanas; AZT + 3TC (300 +
150mg 2 vezes/dia) a partir da 32ª semana; e AZT injetável (2mg/kg) durante trabalho de
parto. Para o RN, AZT+3TC.
Ao final de 2004, se estimava taxa de transmissão, sem nenhuma intervenção, de 30%
a 40%. O projeto foi implementado em setecentos cinqüenta e sete municípios e se conseguiu
seguimento de duzentas e oitenta e cinco mães e recém-nascidos até seis meses após o parto,
dos quais doze foram positivos (4,21%). Se excluídas trinta e cinco mulheres captadas no
puerpério imediato e, portanto, sem profilaxia intraparto, registraram-se nove casos (3,6%). E,
29
com exceção de 80 gestantes que foram captadas no final da gravidez e receberam apenas a
profilaxia intraparto, a transmissão foi confirmada em apenas 3 crianças (1,78%).
A probabilidade da infecção do recém-nascido ficou entre 5,7 e 20% quando feita
unicamente a profilaxia intraparto, caindo para 0 a 3% com profilaxia também na gravidez,
sem diferença estatística quanto ao esquema anti-retroviral usado ou tipo de parto (vaginal ou
cesariana), conforme tabela abaixo:
Tabela 7: proporção de transmissão conforme quimioprofilaxia.
Esquema
de
tratamento N
Crianças
%
Crianças Intervalo
(semanas)1
VIH (+)
VIH (+)
confiança 95%
ZDV (sem 14-32) ZDV+3TC 52
2
3,9
0,47
13,21
de
(sem 32-38)
ZDV+3TC (sem 32-38)
75
0
0,0
0,00
0,00
ZDV+3TC+NFV (sem 14-38)
33
1
3,0
0,08
15,75
ZDV+3TC+NVP (sem 14-38)
8
0
0,0
0,00
0,00
Só ZDV intraparto
70
4
5,7
1,58
14,02
ZDV+NVP intraparto
10
2
20,0
2,52
55,61
Total
248 9
3,6
1,46
5,80
Fonte: García, Prieto, Arenas, Rincón, Caicedo e Rey, 2008, p. 11.
Encontrou-se, pois redução na transmissão de 40% para 1,78% com aplicação
completa do protocolo 076.
Em 2008, Chigwedere, Seage, Lee e Essex (2008) al fizeram uma metanálise de
trabalhos publicados em todo o continente africano, disponíveis nas bibliotecas Medline,
EMBASE e Cochrane, entre 1999 e 2007, sobre a eficiência dos ARV na prevenção da
transmissão vertical do HIV. Os trabalhos analisados foram bastante diversos quanto ao
esquema terapêutico utilizado (anteparto, intraparto, pós-parto ou para o RN) e quanto ao
tamanho da amostra, variante de 139 a 1797 mães/bebês. O efeito combinado estimado do uso
de ARV foi uma taxa de transmissão, constatada em 4 a 6 semanas, de 10,6% (IC 95% 8,6 –
13,1) contra 21% (IC 95% 15,5 – 27,7) com uso de placebos. Isso representa uma eficiência
de aproximadamente 50%. Todos os regimes foram bem tolerados.
Resultados:
eficiência
do
ARV
na
redução
da
transmissão
vertical
de
aproximadamente 50%.
1
A profilaxia intra-parto incluiu ZDV IV e a profilaxia ao RECÉM-NASCIDO exposto foi com ZDV+3TC
por 6 semanas.
30
6 CONCLUSÃO
Pela leitura e análise dos artigos pesquisados, percebeu-se a grande importância das
medidas preventivas adotadas pelo Ministério da Saúde – e por órgãos semelhantes em outros
países – para o controle da transmissão mãe para filho do HIV.
Este trabalho traz evidências concretas do impacto positivo proporcionado pelo uso do
protocolo 076. Também, com o procedimento da cesariana eletiva e a conscientização da nãoamamentação reduzem a probabilidade de transmissão do vírus ao recém-nascido.
Destaca-se o tratamento benéfico dos anti-retrovirais para a mãe, os quais iniciados
precocemente na gestação e mantidos no parto conseguem reduções na transmissão em 34% a
37%, mesmo com amamentação (Volmink 2008).
Entretanto, alguns estudos dissertam a eficiência maior quando a terapia anti-retroviral
na gestação é feita com mais de uma droga, mas para esta escolha precisa ser considerado o
estado clínico e laboratorial da mãe (BRASIL, 2008).
Cabe ressaltar que o tratamento mais eficaz é conseguido quando se aplica o protocolo
076 do PACTG completo (ou seja, anti-retroviral para mãe na gestação e parto e para o
recém-nascido) com reduções expressivas das taxas de transmissão – diminuição de até 40,8
para 1% (Turchi, 2008). Portanto, ficam claros o impacto de cada medida profilática adotada
no controle da transmissão vertical, mesmo quando tomadas isoladamente, e a importância de
campanhas preventivas bem elaboradas e universalmente acessíveis como a mantida pelo
nosso Ministério da Saúde.
31
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transmissão vertical do hiv: impacto positivo de medidas preventivas.