Alfredo Lang b
Engenheiro agrônomo e pós-graduado em
Gerenciamento Avançado de Negócios
(MBA) pela Fundação Getúlio Vargas. É
presidente da C.Vale e exerce os cargos
de vice-presidente da Organização das
Cooperativas do Paraná; diretorpresidente da Cotriguaçu; conselheiro da
Sincopar Oeste; conselheiro do Serviço
Nacional de Aprendizagem do
Cooperativismo no Estado do Paraná e
coordenador do Núcleo Oeste de
Cooperativismo da Ocepar.
RATEIO DO ICMS: UMA QUESTÃO DE
JUSTIÇA TRIBUTÁRIA
EXPERIÊNCIA INÉDITA DA C.VALE PROMOVE DESENVOLVIMENTO REGIONAL E
PODE SER MODELO PARA OUTRAS COOPERATIVAS
Justiça tributária. Essa foi a razão que levou a C.Vale Cooperativa
Agroindustrial, com sede em Palotina, cidade do Oeste paranaense,
a adotar um processo inédito, no Brasil, de rateio da tributação
incidente sobre a industrialização do frango. O procedimento está
em vigor há quase nove anos, desde que a cooperativa deu início
à produção e industrialização de frangos no Paraná. A fórmula –
que pode ser uma alternativa à guerra fiscal usada para a atração
de investimentos – foi elaborada a partir da segunda metade da
década passada.
b EM BUSCA DE ALTERNATIVAS
Criada na década de 1960, por colonizadores gaúchos e
catarinenses que começavam a ocupar as terras roxas do Oeste
paranaense, a C.Vale (então Cooperativa Agrícola Mista de
Palotina - Campal) nasceu para auxiliar os agricultores na compra
de insumos, no armazenamento e comercialização da produção
e para oferecer assistência técnica. Passou os anos 70 e 80, do
século XX, organizando a produção dos associados e instalando
unidades para recebimento de cereais além das fronteiras de
Palotina, o município-sede.
Na década de 1990, com a redução da rentabilidade das atividades
primárias, cresceu a pressão dos associados pela implantação de
indústrias, um movimento que já era muito forte nos anos anteriores.
Projetos de agroindustrialização passaram a ser desenvolvidos,
mas a execução dos planos esbarrava sempre no mesmo ponto:
o local de instalação das indústrias. Não se conseguia chegar a
acordos porque os associados queriam a indústria em questão em
seus respectivos municípios, não apenas para criar alternativas
de renda, mas também para beneficiar suas comunidades com a
geração de empregos e tributos.
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número 12
setembro 2005
Assim, os projetos não saíam do papel e os associados
continuavam na dependência da produção de grãos, sofrendo
com os prejuízos climáticos e com as variações de preço que
tornavam a renda incerta. Ao mesmo tempo, a cooperativa
permanecia na condição de mera repassadora de grãos, uma
atividade cada vez menos rentável devido à concentração dos
compradores em grandes grupos com atuação global e ao aumento
gradual dos custos de produção. Era um círculo vicioso em que a
cooperativa não se industrializava e não podia oferecer alternativas
de renda aos associados e ambos trilhavam um caminho sem
perspectivas de melhoria, já que atuavam sem agregar valor à
produção, ou seja, restringiam-se a comercializar produtos que
ofereciam baixa rentabilidade.
Para ter sucesso em um segmento
dominado por gigantes, elaboramos
um projeto inovador de avicultura
empresarial, integrando as melhores
tecnologias utilizadas por grandes
produtores de frango em países da
Europa e América do Norte
A mudança desse quadro começou em 1995. Colocamos em
prática um plano de modernização que havia sido discutido
previamente com os associados, em dezenas de reuniões nas
comunidades. Tomamos uma série de medidas para ajustar a
cooperativa às condições de ser mais competitiva no mercado
globalizado, entre elas a adequação do número de funcionários
às reais necessidades da empresa, maior rigor na concessão de
crédito, com a filosofia de que cada produtor deve pagar sua
conta, e a adoção de programas de qualidade.
Todos esses ajustes prepararam a cooperativa para o passo
mais ousado de sua história: o início do processo de agregação
de valor à produção. A atividade escolhida para inaugurar essa
nova fase foi a avicultura. Como grandes produtores de milho e
soja, matérias-primas para a produção de ração, tínhamos de
aproveitar essa vantagem competitiva, transformando a proteína
vegetal em proteína animal (carne de frango).
b SOLUÇÃO INOVADORA
A avicultura é um segmento econômico que carrega consigo a
vantagem de não somente servir de alternativa de renda ao
produtor, como também ser gerador de grande número de
empregos diretos e indiretos, e fonte de expressivos volumes de
tributos.
convencional gera, em média, R$ 8,5 mil por ano em ICMS,
enquanto um aviário climatizado reforça os cofres municipais em
aproximadamente R$ 13 mil por ano com o imposto.
Marco no sistema tributário brasileiro, o
ICMS sobre o frango industrializado é
dividido entre o município-sede e os
demais municípios que fazem parte do
sistema de integração avícola. Essa
sistemática levou os municípios a
estimularem seus produtores a
investirem na avicultura para se
aumentar a arrecadação do imposto
b RENDA E QUALIDADE DE VIDA
Para implantar nosso sistema de integração avícola, partimos do
princípio de que precisávamos ser inovadores e eficientes, se
quiséssemos ter sucesso em um segmento dominado por
gigantes. Fomos conhecer as tecnologias usadas por grandes
produtores de frango da Europa e América do Norte e elaboramos
um projeto de avicultura empresarial integrando o que havia de
mais moderno e eficiente em cada país que visitamos.
O passo seguinte foi o que tornou o complexo avícola C. Vale um
marco no sistema tributário do Brasil. Articulamos acordos políticos
e fiscais que viabilizaram a divisão do ICMS sobre o frango
industrializado. A Câmara de Vereadores de Palotina aprovou, em
1996, um projeto de lei em que o município-sede do complexo
avícola aceitaria o rateio do imposto com os demais municípios
que fariam parte do sistema de integração avícola. A nova lei
também recebeu o aval da Secretaria Estadual da Fazenda. Esses
procedimentos acabaram com as divergências sobre o local de
construção da indústria, pois todos os municípios envolvidos
passariam a se beneficiar da geração de tributos.
A indústria foi construída a partir de 1996 e entrou em operação
em 10 de outubro do ano seguinte. Em 1997, estava implantado,
em escala comercial, o primeiro projeto de produção de frangos,
em aviários climatizados no Brasil.
Montamos um sistema de produção em aviários com maior
capacidade que os tradicionais (na época, os aviários
convencionais eram de 10 a 12 mil frangos; e os climatizados, de
24 mil aves), em sua maioria, climatizados e gerenciados por
computador (temperatura, umidade, água e ração).
A produção de frangos passou a se constituir em fonte alternativa
de renda para associados e a cooperativa começou a se fortalecer
com a comercialização de produtos de maior valor agregado.
A sistemática de rateio do imposto levou os municípios a
estimularem seus produtores a investirem na avicultura para se
aumentar o retorno de ICMS. O incentivo vinha sob a forma de
cascalhamento dos acessos às propriedades para facilitar a
retirada da produção. O estímulo se justifica. Cada aviário
A C.Vale começou vendendo frango apenas no Brasil. As vendas
para o mercado externo iniciaram-se em 2001 e foram se ampliando
à medida que a C.Vale incrementava seu processo produtivo com
a conquista de certificados de qualidade, exigidos pelos países
com os mais elevados padrões de segurança alimentar do mundo.
A atividade avícola influenciou fortemente a oferta de empregos ao
ponto de a cooperativa, não tendo mais mão-de-obra disponível
em Palotina, ter de buscar trabalhadores a até 100 quilômetros de
distância da indústria. Ao final de 2004, eram 1.850 funcionários
ligados diretamente ao complexo avícola, que então chegou ao
limite de produção de 150 mil aves/dia. Nesse mesmo ano, as
vendas de frango representaram 18% do faturamento global da
C.Vale, de R$ 1,28 bilhão.
A arrecadação de ICMS passou a representar uma fonte extra e
significativa de receita para os cofres públicos. O volume de
recursos do imposto passou de R$ 1,79 milhão em 1999/2000
(retorno em 2002) para R$ 3,57 milhões em 2002/2003 (retorno
em 2005).
Então, um novo e grande passo foi dado em 2005. A C.Vale
inaugurou, no dia 08 de abril, em evento com 15 mil pessoas, a
ampliação do complexo avícola. As novas estruturas permitirão
que a cooperativa eleve o abate de frangos para 300 mil aves/dia
até o final de 2006. Serão 400 novos aviários, proporcionando
renda aos associados e, conseqüentemente, ajudando a
movimentar a economia regional.
Desse modo, até o final de 2007, a C.Vale terá aproximadamente
5.000 funcionários diretos e terceirizados, atuando no complexo
avícola. A cooperativa investirá cada vez mais em cortes especiais,
de maior valor agregado, de forma a remunerar melhor o produtor e
elevar a rentabilidade da cooperativa com a atividade. O plano é
continuar apostando na avicultura. A meta é, em 2010, chegar a
abater meio milhão de frangos por dia, empregando em torno de
7.000 funcionários, entre diretos e terceirizados. Os benefícios
crescerão proporcionalmente, com maior renda para os associados,
mais empregos, mais tributos e maior qualidade de vida. f
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