ISSN: 1983-8379 Monólogo de um náufrago (Janete Santos) Há três dias que o mar está calmo, silente, mas bem o sei traiçoeiro como minhas incertezas apaziguadas pelo marasmo das circunstâncias. O céu parece mais próximo à minha cabeça esquecida sobre esse pescoço que, mesmo incontinente, ainda conecta-a ao corpo sem atitude. Meu bote balança suavemente e por ele me deixo balançar também: é o que me resta nessa vastidão de água e de pensamento absorto na solidão. As águas turvam-se às vezes. Penso então que estou avançando para algum lugar. Percebo, porém, que são apenas reflexos de nuvens seguindo seu caminho, enquanto eu, sozinho, pareço planar sem sair do lugar. Do céu não vem nenhuma voz; do mar, nenhum rugido de motor; das profundezas, nenhuma criatura curiosa veio me abordar. Golfinho algum quis fazer-me companhia. Tubarões! Tubarões bem poderiam me seqüestrar dessa compressão de vida diante de horizontes invisíveis. Não, não, dissipe-se tal pensamento e que os deuses não o considerem! Quero viver, mesmo sem rumo, acho que quero viver. Continuem os tubarões em suas caçadas, bem longe de meu bote. Descansa, pensamento, como descansa meu corpo nesse colchão ao léu e aproveita para observar as estrelas _ é noite! Quando terias ocasião tão propícia para admirar seu extraordinário brilho na tua vida ordinária?! Bem sabes que as estrelas são indiferentes à nossa curiosidade, pois se esta se dissolve, elas, diferente das celebridades, que disso dependem, continuam a brilhar seguindo altaneiramente seu curso de vida ou de morte. Aprende com elas. Pensa que, no continente, a bolsa de valores não despencou devido a tua ausência e o número de mendigos não se alterou por isso. Por que te desesperarias por estares longe da terra e sem contato com os de tua espécie? ... Aff... Ufa... Não sei mais quantos dias se passam. Não sinto mais minhas pernas devido à minha falta de atitude, ou à falta de água, ou de comida, ou devido ainda ao excesso de sol, ou de silêncio, de quietude, ou de vazio... Meu cérebro vai desfalecendo por falta de oxigenação, mas _ oh, céus! _, se possível for, que se registre, para quem interessar possa, que minha causa mortis foi principalmente a falta de esperança, esperança que aquela onda ao longe, evoluindo em minha direção, de vez afogará. DARANDINA revisteletrônica – Programa de Pós-Graduação em Letras / UFJF – volume 2 – número 3 1