02/04/2015 :: SEI / CADE 0041620 Nota Técnica :: Ministério da Justiça MJ Conselho Administrativo de Defesa Econômica CADE SEPN 515 Conjunto D, Lote 4 Ed. Carlos Taurisano, 2º andar Bairro Asa Norte, Brasília/DF, CEP 70770504 Telefone: (61) 32218436 e Fax: (61) 33269733 www.cade.gov.br NOTA TÉCNICA Nº 10/2015/CGAA3/SGA1/SG/CADE Processo Administrativo nº 08012.002917/200291 Representante: Publicações Técnicas Internacionais (PTI) Representados: Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e Target Engenharia e Consultoria (Target) Advogados: Mariana Hamar Valverde Godoy, Michelle Hamuche Costa e outros. EMENTA: Processo Administrativo. Denúncia de acordo de exclusividade entre ANBT e Target na comercialização de normas técnicas em formato digital. Mercado de elaboração e comercialização de normas técnicas. Justificativa econômica válida. Não configuração de infração à ordem econômica. Recomendação de arquivamento. I. RELATÓRIO[1] I.1. Dos Atos Processuais ocorridos na SDE 1. Tratase de Processo Administrativo instaurado em 18.05.2005, diante de representação formulada pela Publicações Técnicas Internacionais Ltda. ("PTI") em desfavor dos representados Associação Brasileira de Normas Técnicas ("ABNT") e Target Engenharia e Consultoria S/C ("Target"), para apurar possível ocorrência de infração à ordem econômica consistente na prática de celebrar acordo de exclusividade na comercialização de Normas Técnicas Brasileiras ("NBRs") em formado digital, bem como na imposição de venda casada, com base nos incisos I a IV do art. 20 c/c incisos IV, V, VI , XXIII e XXIV do art. 21, ambos da Lei nº 8.884/1994[2]. 2. Em sua representação, a PTI informou que a ABNT havia firmado, no ano de 2001, contrato de exclusividade com a empresa Target, de forma que somente essa empresa poderia comercializar as normas técnicas editadas por aquela Associação no formato digital. Contra essa exclusividade, a PTI alegou que as normas técnicas comercializadas em meio eletrônico passaram a ter preços, em média, quatro vezes superiores aos preços das normas técnicas vendidas em papel. Também alegou a prática de venda casada, tendo em vista que só seria possível visualizar as normas técnicas em formato digital por meio de um software produzido pela Target. 3. Durante a instrução do processo, as próprias Representadas confirmaram a existência de exclusividade entre elas para a comercialização das normas da ABNT em meio digital. A ABNT informou ser titular dos direitos autorais referentes às normas técnicas e, consequentemente, do direito respectivo de exploração e autorização de seu uso por terceiros. Afirmou também que as normas digitais são efetivamente mais caras que as normas publicadas no formato papel, dada a necessidade de utilizar uma empresa de tecnologia de informação para comercializálas, visto que a ABNT não dispunha de tecnologia para tanto. 4. Após a instrução processual e observado o devido processo legal, a Secretaria de Direito http://sei.cade.gov.br/sei/institucional/pesquisa/documento_consulta_externa.php?a6_38uSff0w6rlBdBW1VVbWwwvmOW7xmF6zCMe31m3nKR7MSCn… 1/8 02/04/2015 :: SEI / CADE 0041620 Nota Técnica :: Econômico ("SDE") emitiu parecer conclusivo sugerindo o arquivamento do Processo Administrativo (fls. 1117/1141). 5. Sobre a exclusividade concedida à Target na comercialização de normas técnicas em meio digital, a SDE considerou que ao contrabalancear os prejuízos e benefícios do acordo de exclusividade firmado entre as Representadas, não é possível afirmar que tal acordo representou uma infração à ordem econômica. Os consumidores se beneficiaram do surgimento de um novo produto advindo da parceria e pagaram um sobrepreço apenas num primeiro momento, correspondente ao retorno do investimento realizado. (g.n.) (fl. 1135) 6. Acerca da suposta venda casada, a SDE concluiu em seu parecer que o produto objeto do contrato é resultado da associação do programa de computador com as normas técnicas em meio eletrônico, de forma que existe apenas um produto. Assim, não haveria que se falar em venda casada, visto que não há dois produtos com utilidades distintas oriundos do contrato, mas apenas um. Esse entendimento seria corroborado pelo fato de que o software básico é oferecido gratuitamente pela Target, o que é um bom indicativo da não existência de venda casada. 7. Considerando que a representação da PTI que deu origem à investigação tratou essencialmente do contrato firmado entre as Representadas em 2001, com vigência de 60 (sessenta) meses, a SDE fez um paralelo entre as cláusulas de exclusividade e o entendimento jurisprudencial do CADE sobre cláusulas de não concorrência para concluir que: “o prazo de duração de 05 (cinco) anos do contrato de exclusividade aqui analisado não parece ser desarrazoado para a proteção dos investimentos realizados pela Target no período” (fl. 1133). 8. Em 08.09.2011, foi publicado no DOU o despacho do Sr. Secretário de Direito Econômico que determinou o arquivamento do presente processo administrativo e recorreu de ofício dessa decisão ao CADE (fls. 1142/1143). I.2 Dos Atos Processuais ocorridos no Tribunal 9. A ProCADE em seu parecer fez menção a acordos firmados pelas Representadas antes de 2001, que não constavam dos autos. Assim, recomendou ao Conselheiro Relator que providenciasse a juntada destes contratos aos autos para que fossem analisados os possíveis efeitos anticoncorrenciais destes acordos e fosse verificado eventual resultado diverso da análise feita pela SDE (fls. 1149/1176). 10. Em atenção às recomendações da ProCADE, a Conselheira Relatora, Ana Frazão, solicitou às Representadas a juntada dos contratos firmados entre 1995 e 2001, o que ocorreu em 03.09.2012, sendo os contratos juntados às fls. 1179/1193. 11. Tendo em vista a juntada desses novos elementos aos autos, a Conselheira Relatora solicitou a realização de instrução complementar pela SuperintendênciaGeral para a realização das seguintes diligências: a. Verificar a existência de exclusividade entre as Representadas para a comercialização das normas digitais entre o período de 1995 a 2001 e os possíveis efeitos sobre o ambiente concorrencial caso essa exclusividade seja constatada; e b. Oficiar as Representadas para que apresentem a evolução dos preços das normas digitais de 1995 a 2008, em comparação com os preços das normas disponibilizadas em meio físico no mesmo período. I.3. Da Instrução Realizada pela SG 12. Em atendimento às diligências solicitadas pela ConselheiraRelatora, esta SuperintendênciaGeral passou a analisar os contratos celebrados no período anterior a 2001, bem como enviou ofícios aos Representados objetivando o melhor esclarecimento acerca dos acordos firmados e a adequada instrução processual (ofícios às fls. 1200/1204). As respostas da Target foram juntadas às fls. 1207/1209 e 1241/1272. A resposta da ABNT foi juntada às fls. 1277/1310. 13. Em 12.03.2015, foi publicado no Diário Oficial da União o Despacho SG nº 274, pelo qual o SuperintendenteGeral Interno encerrou a instrução processual e notificou os Representados para apresentação de alegações finais. 14. Em 18.03.2015, a Target apresentou suas alegações finais, afirmando basicamente que (i) o fundador da Target foi quem primeiro criou a compilação das normas da ABNT em formato digital; (ii) não se há de falar em exclusividade na comercialização das normas técnicas digitalizadas da ABNT, pois outras empresas poderiam e podem realizar tal comercialização; (iii) o que se exigia era a exclusividade do software criado pela Target e o banco de dados por ela formatado; (iv) a SDE sugeriu o arquivamento do feito, por considerar que a prática de exclusividade no caso gerou eficiências suficientes a justificar o acordo e que os preços não foram http://sei.cade.gov.br/sei/institucional/pesquisa/documento_consulta_externa.php?a6_38uSff0w6rlBdBW1VVbWwwvmOW7xmF6zCMe31m3nKR7MSCn… 2/8 02/04/2015 :: SEI / CADE 0041620 Nota Técnica :: abusivos; (v) a ProCADE teria corroborado o entendimento da SDE; e (vi) o objeto da exclusividade existente no contrato de 1995 seria a utilização do software da Target pela ABNT. 15. O prazo para apresentação de alegações finais pela ABNT transcorreu in albis. 16. É o relatório. II. ANÁLISE 17. A instrução complementar solicitada pelo Tribunal tem por objeto verificar qual o escopo dos contratos firmados entre as Representadas no período anterior a 2001 referentes à comercialização das normas técnicas da ABNT e analisar os possíveis efeitos sobre o ambiente concorrencial caso esses contratos tenham cláusula de exclusividade. II.1. Da duração e do objeto dos contratos celebrados pelas Representadas 18. Conforme relatado, tratase de Processo Administrativo instaurado para investigar possível ocorrência de infração à ordem econômica envolvendo a celebração de contrato com cláusula de exclusividade para a comercialização das normas técnicas da ABNT em formato digital pela Target. 19. Em sua análise, a SDE considerou apenas o último contrato firmado entre as Representadas que vigorou de 2001 a 2006. O prazo de vigência desse contrato – de cinco anos, em consonância com o entendimento do CADE sobre o tempo aceitável para a proteção do fundo de comércio e do investimento – foi uma das justificativas utilizadas pela SDE para recomendar o arquivamento do feito. 20. No CADE, a Procuradoria e a Conselheira Relatora chamaram a atenção para a existência de indicativos nos autos de um primeiro contrato de exclusividade firmado entre as Representadas em 1995. Entendeuse, assim, pela necessidade de reavaliar a conduta investigada à luz de um período de vigência maior para a relação de exclusividade estabelecida entre as Representadas. 21. Após a juntada dos contratos de exclusividade firmados pelas Representadas em período anterior a 2001, foi possível verificar que o primeiro acordo de exclusividade foi celebrado em 08.06.1995. II.1.1 Dos contratos celebrados em 1995 e 1997 22. Por meio do primeiro contrato celebrado entre as Representadas em 08.06.1995, a ABNT conferiu à Target a exclusividade para a comercialização do software contendo os dados cadastrais das normas técnicas. Essa exclusividade está expressa nas cláusulas segunda e terceira do “Contrato de Parceria” celebrado pela ABNT e Target que teve prazo de 24 meses (fls. 1187/1188): CLÁUSULA PRIMEIRA – OBJETO 1.1 – O presente contrato tem por objeto a comercialização, em parceria entre os contratados, do software, de propriedade única e exclusiva da TARGET, depositado, em seu nome, no INPI sob o n.º 94008543, contendo os dados cadastrais das Normas Brasileiras, que será utilizado pela TARGET, visando proporcionar às empresas um serviço genérico de consultas e um controle específico sobre a atualização de seu acervo de Normas Brasileiras, de propriedade única e exclusiva da ABNT. CLÁUSULA SEGUNDA – OBRIGAÇÕES DA TARGET 2.1 A TARGET se obrigase: (...) 2.1.6 – Conceder à ABNT exclusividade de comercialização, em conjunto, do software, e mantêla durante o período de vigência do contrato. CLÁUSULA TERCEIRA – OBRIGAÇÕES DA ABNT 3.1 A ABNT obrigase: (...) 3.1.3 – Manter a exclusividade da TARGET para os fins previstos na cláusula primeira deste contrato, durante o período de sua vigência; reservando, no entanto, para si e seus sucessores o direito de utilizar e/ou desenvolver outros softwares e sistemas de informações, consultas, orçamentos, faturamentos e tratamentos dos mesmos dados cadastrais de suas Normas Brasileiras, inclusive para o uso em suas dependências, Delegacias, Comitês Brasileiros e/ou grupos de clientes especiais, e que não se confundam com o sistema, objeto do presente contrato. (g. n.) 23. Segundo informado pelas Representadas, o primeiro software comercializado pela Target, objeto do contrato de 1995, apenas disponibilizava os metadados[3] das normas técnicas da ABNT, funcionando apenas como um catálogo de consulta às normas, que não permitia sequer a visualização do texto integral da norma. 24. Os seguintes dados de identificação das normas eram disponibilizados: código, título e objetivo http://sei.cade.gov.br/sei/institucional/pesquisa/documento_consulta_externa.php?a6_38uSff0w6rlBdBW1VVbWwwvmOW7xmF6zCMe31m3nKR7MSCn… 3/8 02/04/2015 :: SEI / CADE 0041620 Nota Técnica :: das normas, ano de publicação das normas, status das normas, assunto relacionado às normas, preço das normas em papel, normas complementares às normas, informações sobre as normas aditadas ou substituídas (fl. 1260). 25. O acordo firmado em 03.05.1997 tratase de simples aditivo que prorrogou por mais 24 meses o primeiro contrato firmado em 1995, mantendo todos os termos e condições do acordo inicial inalterados. II.1.2 Do contrato celebrado em 1999 26. Em 31.05.1999, é celebrado novo “Contrato de Parceria” entre as Representadas, que dispõe que a ABNT e Target pretendem comercializar, em parceira, o licenciamento do direito de uso do software indicado no considerando anterior, cujos direitos de uso são exclusivos da Target, contendo os dados cadastrais das Normas Técnicas Brasileiras e das Normas Técnicas no âmbito do Comitê Mercosul de Normalização, bem como os textos das Normas em sua íntegra, cujos direitos de uso são exclusivos da ABNT. (fl. 1251) 27. A cláusula 2.2 dispõe que o software conterá os “Dados cadastrais das Normas, bem como um sistema para consulta e navegação das Normas em meio eletrônico adquiridas pelo Usuário” (fl. 1252) (g.n.). Assim, verificase que o contrato celebrado em 1999 possui objeto mais amplo do que o primeiro contrato firmado em 1995. Além do acesso aos dados cadastrais, o software comercializado pela Target passa a permitir a visualização do texto integral da norma pelo usuário. Além disso, o software passou a contar com um sistema de atualização, via Internet ou disquete, que informaria o status de cada norma, ou seja, se houve alguma nova edição, uma errata, uma emenda, se foi cancelada, etc. Em caso de necessidade de atualização, o software permitiria a elaboração de orçamento e de pedido online (fls. 1324). Segundo informado pela Target, a partir de 1999 o software também passou a realizar atualizações (fls. 1320). 28. A relação de exclusividade entre as Representadas foi mantida no contrato de 1999, uma vez que a Target se obriga a “não conceder a terceiros os direitos de comercialização do ‘software’ durante o período de vigência” do contrato e a ABNT, por sua vez, se obriga a “não conceder a terceiros as informações referentes aos ‘Dados cadastrais das Normas’ e das ‘Normas em meio eletrônico’, durante a vigência” do instrumento contratual (fl. 1256). II.1.3 Do contrato celebrado em 2001 29. Pelo contrato firmado em 24.04.2001, a ABNT conferiu à Target a exclusividade para a comercialização das normas técnicas em formato digital utilizando as plataformas internet e intranet, sendo que o produto comercializado incorporou avanços tecnológicos, conforme mostra a cláusula 3.1. transcrita abaixo: 3.1. A TARGET será responsável pelo desenvolvimento técnico do Produto e declara neste ato, que tomou e tomará as medidas necessárias para que o Produto possua as seguintes características: (a) contenha um sistema que permita ao Usuário realizar consultas para identificação das Normas, pelos itens descritos na Cláusula 4.1; (b) contenha um sistema que permita ao Usuário atualizar mensalmente os Dados cadastrais das Normas, realizada através da inserção, no Produto, das informações fornecidas pela ABNT, nos termos da cláusula 6.1 “b” abaixo; (c) contenha um sistema que permita ao Usuário registrar internamente os Dados cadastrais das Normas, a fim de que os Usuários possam cadastrar as Normas que já possuem, para verificação de eventuais alterações, através do registro de sua data de publicação ou alteração; (d) contenha um sistema que permita ao Usuário realizar orçamentos para a aquisição de Normas; e (e) contenha um sistema que permita ao Usuário consultar Normas em meio eletrônico. (fls. 681). 30. Segundo a ABNT, o produto comercializado em 2001 diferiu dos anteriores por possibilitar o acesso e aquisição das normas por meio da internet e também por permitir o livre download do arquivo, sem limitação de impressão e acessos. 31. Esse contrato vigorou por cinco anos e não foi renovado. II.1.4 Considerações sobre os contratos 32. Pelo exposto, verificase que houve mudança no objeto dos contratos firmados, no que concerne às funcionalidades do software comercializado, que era apenas um catálogo de consulta (que não permitia a visualização do texto integral das normas) no contrato de 1995, passando pela possibilidade de visualização do texto integral das normas e realização de atualizações no contrato de 1999, até permitir a aquisição e o acesso pela internet e o livre download das normas técnicas no contrato de 2001. É por isso, aparentemente, que em algumas respostas das Representadas foi informado que as normas técnicas em formato digital só passaram a ser comercializadas a partir de 2001. http://sei.cade.gov.br/sei/institucional/pesquisa/documento_consulta_externa.php?a6_38uSff0w6rlBdBW1VVbWwwvmOW7xmF6zCMe31m3nKR7MSCn… 4/8 02/04/2015 :: SEI / CADE 0041620 Nota Técnica :: II.2. Dos efeitos concorrenciais da relação de exclusividade entre as partes II.2.1. Definição dos mercados relevantes 33. À época dos fatos investigados, a ABNT atuava no mercado de elaboração de normas técnicas e de comercialização das normas técnicas em formato impresso. Já a Target atuou com exclusividade no mercado de comercialização de: (i) software contendo os dados cadastrais das normas técnicas (de junho de 1995 a maio de 1999); (ii) software contendo os dados cadastrais e o texto integral das normas (de maio de 1999 a abril de 2001); e (iii) software contendo as normas técnicas em formato digital com funcionalidades de acesso por meio da internet (abril de 2001 a abril de 2006). 34. Percebese que o mercado relevante de origem das práticas investigadas é o de elaboração das normas técnicas, no qual a ABNT é monopolista. Isso porque, por autorização legal concedida à ABNT, essa Associação é a única entidade brasileira com competência para coordenar, orientar e supervisionar o processo de elaboração de normas técnicas no país, sendo considerada de utilidade pública pela Lei nº 4.150/1962. Além disso, atua como representante exclusiva do Brasil nos organismos internacionais como a ISO – International Standardization Organization. 35. O direito autoral da ABNT sobre as normas técnicas é questão discutida no judiciário[4]. Contudo, para os fins da análise aqui realizada, o que interessa é o fato de que os contratos discutidos nos presentes autos reconhecem o direito autoral da ABNT sobre as normas técnicas, na medida em que essa Associação outorga o direito de comercialização das normas técnicas para a Target[5]. Dessa forma, pelo menos no período dos fatos investigados, a ABNT detinha posição dominante no mercado de origem das condutas. 36. Já o mercado relevante alvo é aquele em que foram firmados os acordos de exclusividade entre as Representadas, qual seja, o mercado de comercialização de normas técnicas em formato digital, aqui considerando os diversos momentos do software quanto às suas funcionalidades. 37. Entendese pela existência de um mercado relevante de comercialização das normas técnicas no formato digital, não englobando aquelas comercializadas em meio impresso, pelas enormes diferenças existentes para o consumidor nessas duas formas de apresentação das normas técnicas. Um consumidor corporativo, por exemplo, que compra uma norma técnica em formato digital, terá o número de exemplares que desejar, diferentemente da compra em meio impresso. Registrase, também, a maior facilidade de utilização das normas em meio digital, principalmente a partir de 2001, no qual, por exemplo, estavam disponíveis ferramentas de procura de palavraschave e atualizações, visàvis as normas em meio impresso. 38. Assim, a ABNT, ao firmar os contratos de exclusividade aqui analisados, transferiu seu poder de monopólio do mercado de origem para a Target no mercado alvo. Dessa forma, durante o período de vigência dos contratos, apenas a Target atuou na comercialização de normas técnicas em formato digital, aqui considerando os diferentes momentos do software quanto às suas funcionalidades. Já na comercialização de normas técnicas em meio impresso, diversas empresas atuavam como postos de vendas, adquirindo as normas técnicas da ABNT para revendêlas. A Target trouxe aos autos lista de 98 (noventa e oito) empresas que atuavam como revendedoras (fls. 403/413) por meio de contrato de representação padrão (fls. 807/812). 39. Quanto à dimensão geográfica, considerase como nacional, tendo em vista que as normas técnicas elaboradas pela ABNT e comercializadas por terceiros aplicamse em todo território nacional. II.2.2. Evolução dos preços das normas técnicas 40. A Representante também aponta em sua representação que as normas em formado digital teriam sido comercializadas com preço em média quatro vezes maior que o praticado para a aquisição das mesmas normas em papel, o que teria prejudicado substancialmente o consumidor. 41. Nesse sentido, foi solicitada pela Conselheira Relatora a evolução dos preços das normas técnicas comercializadas em meio digital e em meio físico. 42. Quando questionada pela SDE sobre a razão para a prática de preços diferenciados na comercialização de normas em formato digital, a ABNT informou que: As normas digitais são mais caras que as normas em formato papel primeiramente devido à possibilidade de impressão destas normas, ou seja, quando o consumidor compra as normas em formato papel, ele terá efetivamente 01 (um) exemplar da norma, agora quando o consumidor compra uma norma em formato digital ele poderá ter efetivamente o número de exemplares da norma que desejar. Desta forma, resta claro que não há imposição de preço excessivo. Além desse benefício, temos o fato da ABNT ter de utilizar uma empresa de tecnologia de informação para comercializálas, visto que, até aquele momento, não dispunha da tecnologia envolvida nesse tipo de comércio e, sendo assim, parte dos recursos arrecadados com a venda das normas digitais são destinados http://sei.cade.gov.br/sei/institucional/pesquisa/documento_consulta_externa.php?a6_38uSff0w6rlBdBW1VVbWwwvmOW7xmF6zCMe31m3nKR7MSCn… 5/8 02/04/2015 :: SEI / CADE 0041620 Nota Técnica :: a seu próprio custeio. (fl. 870) 43. Em suma, a ABNT informou que as normas técnicas em formato digital possuíam os seguintes custos adicionais em relação às normas em papel: despesas com os custos de desenvolvimento, amortização do investimento, custos de suporte técnico, custos de distribuição, implantação e manutenção da infraestrutura de TI (fl. 1279). 44. A análise da evolução dos preços das normas técnicas[6] mostra que ocorreu uma equalização dos preços das normas em papel e em formato digital no ano de 2007. Os preços das normas em formato digital permaneceram bem mais elevados do que os preços das normas em papel apenas no período correspondente ao contrato de 2001, o que é justificado pelas Representadas pela necessidade de amortização do investimento realizado. Tabela 01 Evolução dos Preços das Normas Técnicas 20022007 Fonte: ABNT (fls. 1354/1356). II.2.3. Justificativa da exclusividade 45. Os possíveis danos à concorrência decorrentes da exclusividade devem ser balanceados com as suas eficiências. Como benefícios das práticas de exclusividade reconhecidos pelo SBDC estão: “a contenção de condutas oportunistas em defesa de investimentos não recuperáveis, como em marcas e tecnologia, e na proteção de ativos específicos”[8]. Assim, devese considerar na análise se a exclusividade pactuada era necessária para o http://sei.cade.gov.br/sei/institucional/pesquisa/documento_consulta_externa.php?a6_38uSff0w6rlBdBW1VVbWwwvmOW7xmF6zCMe31m3nKR7MSCn… 6/8 02/04/2015 :: SEI / CADE 0041620 Nota Técnica :: desenvolvimento de novo produto ou serviço a ponto de, se não fosse por ela, inviabilizarse ou prejudicar em demasia a existência do produto em si (no caso, normas em formato digital), o que é uma situação pior para o consumidor. 46. No caso em análise, anteriormente à parceria com a Target, as normas técnicas da ABNT eram comercializadas apenas em meio impresso e a atualização ocorria de 05 (cinco) em 05 (cinco) anos. Devido aos acordos assinados com a ABNT aqui analisados, a Target ordenou e digitalizou toda a base de dados referente às normas técnicas então existentes, passando a comercializálas no mercado em um novo formato: o digital, que confere uma série de vantagens para os consumidores, como a facilidade de acesso e de consulta e a melhor organização. 47. A Target também passou a oferecer um novo serviço no mercado: o de atualização e sistematização digital de normas técnicas, por meio de diferentes versões de seu software CENWin (fls. 817/834). Esse software permite a atualização imediata das normas técnicas, oferecendo segurança jurídica aos usuários/consumidores. Como visto, tal produto não existia e passou a existir, representando uma utilidade adicional ao consumidor. 48. A ABNT informou em sua defesa que não tinha condições de desenvolver sozinha o novo formato de divulgação digital para as normas técnicas, motivo pelo qual celebrou o contrato de parceria com a Target e lhe concedeu exclusividade na comercialização das normas em formato digital (fls. 868). Segundo a Target, “a contratação estabelecida viabilizou a organização catalográfica em ambiente digital (base de dados) em face do aporte tecnológico da empresa especializada que arriscou seu capital para investir nesse ramo de atividades” (fl. 780). 49. O argumento da ABNT de que não havia condições de desenvolver o produto sozinha é factível: ora, ela é monopolista no fornecimento das normas. Se quisesse (e pudesse) comercializaria no formato digital sozinha, cobrando, também, um preço de monopólio. Não há nos autos, nem se consegue imaginar de forma razoável, evidência de que a contratação de um terceiro não tenha se dado por uma questão de eficiência. 50. Pelos elementos contidos nos autos, verificase que cada um dos três contratos firmados ao longo do tempo pelas Representadas (nos anos de 1995, 1999 e 2001) trouxe efetivas melhorias ao software comercializado, aumentando suas funcionalidades, com um sucessivo desenvolvimento do produto, gerando ganho de eficiências para o consumidor. As obrigações assumidas pela Target revelam o ônus da empresa para desenvolver o produto em seus aspectos tecnológicos e físicos, incluindo atualizações frequentes (cláusula 5.1 do Contrato Auxiliar nº 01 ao Instrumento Particular de Acordo de Parceria, datado de 24.04.2001, fls. 682). 51. Pelo exposto, entendese que havia uma justificativa que não pode ser adequadamente contestada para a exclusividade concedida pela ABNT à Target para a comercialização das normas técnicas em formato digital, mesmo considerando o período total de duração do contrato, sendo uma contrapartida pelos investimentos realizados para o desenvolvimento de um novo produto, constantemente alterado e melhorado ao longo do tempo dos contratos exclusivos. Portanto, concluise que a prática analisada trouxe ganhos aos consumidores maiores dos que os eventuais prejuízos incorridos com a exclusividade na comercialização. Vale ressaltar, mais uma vez, que a parceria trouxe ao mercado um produto novo, que efetivamente sofreu incrementos tecnológicos importantes a cada novo contrato firmado, sendo que o produto antigo – as normas em papel – continuou a ser comercializado no mercado de forma nãoexclusiva. 52. Por fim, vale ressaltar, como já exposto, que não havia uma racionalidade anticompetitiva em relação à prática. A ABNT já era monopolista no mercado de normas e não atuava no mercado downstream. Assim, não havia interesse da empresa em fechar o mercado ou favorecer uma empresa no downstream; pelo contrário, caso tivesse tecnologia, poderia ofertar o produto e obter os mesmos lucros de monopólio. O raciocínio mais lógico foi apresentado pela Representada: a exclusividade por um período foi necessária para tornar o desenvolvimento da tecnologia atrativa. Diante disso, a eventual proibição do CADE poderia ter o efeito não eficiente de inviabilizar o novo produto – situação pior do que um produto mais caro por um determinado período. III. CONCLUSÃO 53. Em face de todo o exposto, recomendase, nos termos do art. 74 da Lei nº 12.529/2011 e art. 156, §1º e 2º, do Regimento Interno do CADE, que sejam remetidos os presentes autos ao Tribunal Administrativo do CADE para julgamento, opinandose pelo arquivamento do processo administrativo em relação às Representadas, pela nãoconfiguração de infração à ordem econômica. Estas as conclusões. Encaminhese ao Sr. SuperintendenteGeral Interino. http://sei.cade.gov.br/sei/institucional/pesquisa/documento_consulta_externa.php?a6_38uSff0w6rlBdBW1VVbWwwvmOW7xmF6zCMe31m3nKR7MSCn… 7/8 02/04/2015 :: SEI / CADE 0041620 Nota Técnica :: [1] A elaboração desta Nota Técnica contou com a colaboração de Raul Nero Perius Ramos, estagiário do Gabinete da SuperintendênciaGeral. [2] Correspondente ao art. 36, incisos I a IV, e § 3º, incisos III, IV, V e XVIII da Lei nº 12.529/11. [3] Metadados são dados sobre outros dados, sendo importantes para facilitar a consulta e recuperação dos dados, uma vez que os metadados possuem um significado e um valor bem definidos. A ficha catalográfica de uma obra é um exemplo de metadado (In: http://pt.wikipedia.org/wiki/Metadados. Acesso em 05.12.2014). 1. Por exemplo, em decisão de 09.05.2006, o juiz Maurício Sato, da 21ª Vara Federal de São Paulo, concedeu tutela assecuratória de direitos contra a ABNT e a favor da Target. A decisão reconhece que as normas brasileiras não são protegidas por Direito Autoral e determina que a ABNT se abstenha da prática de qualquer ato que implique na proibição ou perturbação do uso pela autora do conteúdo das normas brasileiras (Ação Ordinária 2006.61.00.0100710). 1. Por exemplo, o contrato de parceria firmado entre ABNT e Target, em 31.05.1999, afirma que as partes: “pretendem comercializar, em parceria, o licenciamento do direito de uso do software indicado no considerando anterior, cujos direitos de uso são exclusivos da Target, contendo os dados cadastrais das Normas Técnicas Brasileiras e das Normas Técnicas no âmbito do Comitê Mercosul de Normalização, bem como os textos das Normas em sua íntegra, cujos direitos de uso são exclusivos da ABNT” (fl. 1251) (g. n.). [6] Diligenciada, a ABNT afirmou não possuir o histórico de preços de 1995 a 2001. [7] A partir de maio para a norma em formato digital. Antes de maio, um preço superior foi cobrado pela norma em formato digital. [8] Anexo I da Resolução CADE nº 20/1999. Documento assinado eletronicamente por Kenys Menezes Machado, Superintendente‐Adjunto(a) Substituto(a), em 30/03/2015, às 16:45, conforme horário oficial de Brasília e Resolução Cade nº 11, de 02 de dezembro de 2014. Documento assinado eletronicamente por DANIEL COSTA REBELLO, Coordenador(a)‐Geral, em 30/03/2015, às 17:58, conforme horário oficial de Brasília e Resolução Cade nº 11, de 02 de dezembro de 2014. A autenticidade deste documento pode ser conferida no site http://sei.cade.gov.br/sei/controlador_externo.php? acao=documento_conferir&id_orgao_acesso_externo=0, informando o código verificador 0041620 e o código CRC 5CCCDAE7. Referência: Processo nº 08012.002917/2002‐91 SEI nº 0041620 http://sei.cade.gov.br/sei/institucional/pesquisa/documento_consulta_externa.php?a6_38uSff0w6rlBdBW1VVbWwwvmOW7xmF6zCMe31m3nKR7MSCn… 8/8