Uma Ordem para Quê? Por HELENA ROSETA Publico Terça-feira, 16 de Novembro de 2004 "Se a Presidente da Ordem dos Arquitectos, que também é deputada, não consegue fazer passar a anulação do Decreto 73/73 na Assembleia da República, quem é que vai conseguir?" Esta interpelação foi-me dirigida por um arquitecto anónimo no "blog" da candidatura nacional à Ordem dos Arquitectos, cujas eleições se realizam esta semana. E acrescenta: "Levámos uma porção de anos para conseguir uma Ordem, convencidos de que assim a nossa profissão ficaria dignificada e podíamos exigir aquilo a que temos direito. E o que é que sucede hoje? Banalizaram-se as Ordens, (veja-se o caso do Enfermeiros). Mais dia menos dia, surgirão a dos Agentes Técnicos de Arquitectura, a dos desenhadores de Construção Civil, a dos Tiradores de Fotocópias e assim por diante! E todos reivindicam poder fazer projectos de Arquitectura, uns mais simples, outros mais complicados... Onde é que vamos parar?" Respondo à pergunta do Arquitecto X com uma nova pergunta: ao fim e ao cabo, para que serve uma Ordem de Arquitectos? 2. Há quem tenha uma visão meramente corporativa. Há quem julgue que o principal papel da Ordem dos Arquitectos, agora que podem acabar as certidões, deixa de existir. Ou que a Ordem devia preocupar-se menos com a promoção de iniciativas culturais e tratar exclusivamente dos problemas dos seus associados (contratos, honorários, reclamações, etc). Esta é uma visão da Ordem virada para dentro que não partilho. Tenho pena que nestas eleições haja uma só lista para os órgãos nacionais. Seria útil debater estas duas visões da Ordem entre nós e com a sociedade na qual existimos. Entendo que a Arquitectura é um bem público. Os erros arquitectónicos são pagos por toda a comunidade. A falta de qualidade da maioria das construções é um legado negativo para o futuro. Mas em Portugal há uma demissão generalizada e insustentável dos poderes públicos em relação à arquitectura. Ao contrário do que sucede noutras áreas profissionais, nenhuma entidade assume a responsabilidade pública pela arquitectura, a não ser a Ordem. E ao fazê-lo está a defender não apenas os arquitectos, mas todos os consumidores, que têm de saber que serviços lhes podem e devem ser prestados pelos arquitectos. 3. É também atribuição da Ordem regular a profissão, garantir que todos os que a praticam o fazem de acordo com as regras deontológicas próprias e definir os modos de acesso à actividade. São tarefas difíceis numa classe que em dez anos mudou muito, passando de 5.000 para quase 12.000 membros, dos quais a maioria com menos de 40 anos. Nas mais de 30 licenciaturas de arquitectura que entretanto surgiram, há 10.000 jovens inscritos. Será esta explosão uma simples moda, uma consequência do "boom" imobiliário dos anos 90 ou um desejo de arquitectura para o maior número? Como conciliar a legitimidade de cada vez mais gente ter acesso à profissão com a necessária qualidade no ensino e prática da mesma? A Ordem dos Arquitectos estabeleceu para o efeito um sistema de reconhecimento e acreditação de cursos, complementado com uma prova de admissão e estágios. Mas como introduzir mecanismos de igualdade no acesso perante cursos cuja qualidade é muito variável? Que faremos até 2007, ano em que o actual sistema de admissão tem de ser revisto? 1 de 2 Como conseguir estágios para todos os que o demandam, quando as políticas de formação profissional apoiadas pelo Estado negam o acesso aos licenciados em arquitectura, por se tratar de profissionais "liberais"? E como regular as práticas de concorrência leal, quando o grosso da encomenda pública escapa à distribuição por concurso e, na encomenda privada, profissionais não arquitectos continuam, abstrusamente e contra a recomendação unânime da Assembleia da República, a poder assinar projectos ditos de arquitectura? 4. Podemos ir mais longe nas perguntas. O arquitecto X [caricaturado por Luís Afonso para a candidatura de Helena Roseta, num desenho que aqui se reproduz] que me tem interpelado no blog não é senão uma das muitas vozes descontentes e preocupadas com o futuro da Arquitectura. A unicidade da lista nacional candidata é enganadora. Há diversidade de posições e muita perplexidade entre os arquitectos. Afinal para que servimos nós? A esmagadora maioria dos portugueses nunca tratou de perto com nenhum arquitecto. Não lhes conhece a obra nem lhes reconhece a função. Será possível nestas condições garantir a salvaguarda da nossa paisagem construída? Poderemos nós ter melhores cidades, melhor habitação e melhor espaço público sem a intervenção dos arquitectos? 5. É este reconhecimento mínimo, por parte dos poderes públicos e dos cidadãos, que se encontra inscrito no lema da minha candidatura: Arquitectura para todos. Dirão que é uma utopia. Mas a história da conquista de um direito é sempre uma história de utopia. Para nós a arquitectura deve ser um direito. Mas é também uma exigência e um sonho. É esse sonho que dá sentido ao nosso trabalho e ao nosso projecto para a Ordem dos Arquitectos. Acreditamos que lhe cabe fazer prevalecer em Portugal um pouco mais de beleza, um pouco mais de qualidade e um pouco mais de amor pelo território. 2 de 2