Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação ENDECOM 2006 – Fórum Nacional em Defesa da Qualidade do Ensino de Comunicação Universidade de São Paulo, Escola de Comunicações e Artes, 11 a 13 de maio de 2006. IDENTIFICAÇÃO Nome: Ebenezer Takuno de Menezes. Instituição: mestrando no Programa de Integração da América Latina – TÍTULO Preferências midiáticas como estratégia de qualidade no ensino de comunicação RESUMO Esta comunicação tem por objetivo apresentar os resultados da pesquisa “Por uma segunda alfabetização: parâmetros de uma educação para a televisão”, defendida e aprovada com distinção na pós-graduação lato sensu Gestão de Processos Comunicacionais da ECA/USP no ano de 2005, sob orientação do prof. dr. Adilson Odair Citelli. O trabalho desenvolveu reflexões sobre a relação entre televisão e educação visando a formação emancipatória do cidadão frente à linguagem audiovisual. Ao examinar a atuação da ONG (organização não-governamental) TVer - Televisão e Responsabilidade Social, que visa promover os direitos dos telespectadores e a educação crítica para os meios, a pesquisa concentrou-se em investigar a recepção de professores nos diversos níveis do ensino. Constatou-se que as preferências midiáticas são estratégicas para engendar uma discussão qualitativa mais reflexiva e crítica sobre a televisão. É a partir das preferências midiáticas que propomos uma utopia de qualidade do ensino de comunicação. PALAVRAS-CHAVE televisão, educação, ensino de qualidade, terceiro setor INTRODUÇÃO O autor e diretor de teatro Gerald Thomas acompanhou, da janela de seu apartamento em Nova York, o desabamento das torres gêmeas do World Trade Center, matando quase 3 mil pessoas em 11 de setembro de 2001. Ele viu ao vivo o que as pessoas em todo o mundo assistiram pelo noticiário. Mesmo nessa situação, com os acontecimentos diante dos seus olhos, o dramaturgo ligou a televisão imediatamente. No programa Altas Horas (Globo), exibido em 8 de maio de 2005, lembrando a experiência, Thomas explicou o porquê: “A TV parece mais verdadeira do que o que a gente vê”. Essa busca pelos fatos na televisão rodou o mundo naquele dia. Todos queriam ver o que estava acontecendo. Minutos depois, qualquer conversa abordava a tragédia, descrevia as imagens e acrescentava opiniões, hipóteses e lições. Dificilmente alguém deixou de fazer um comentário contra ou a favor dos Estados Unidos, criticando ou aprovando a política unilateral de George W. Bush, explicando ou demonstrando as causas de tamanho terrorismo. Acontecimentos como o 11 de setembro mostram que a televisão fomenta os ânimos das pessoas, conduz assuntos, pauta questões, mobiliza posições e dá sentido à realidade, criando um espaço privilegiado de trocas simbólicas. Um veículo de 1 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação ENDECOM 2006 – Fórum Nacional em Defesa da Qualidade do Ensino de Comunicação Universidade de São Paulo, Escola de Comunicações e Artes, 11 a 13 de maio de 2006. comunicação com tal legitimidade para lidar com a verdade, mostrando tudo o que acontece em tempo real, dificilmente terá sua credibilidade abalada. Ligar a televisão tornou-se mais natural do que olhar pela janela. Já não vemos estrelas. Corbertura local, notas dos apresentadores, transmissões simultâneas, entrevistas e outros recursos telejornalísticos compõem a visão midiática da sociedade. Novelas, programas de auditório, de humor, jogos de futebol e uma infinidade de gêneros completam o caleidoscópio da realidade recriado nas ondas da TV. Por outro lado, mesmo com esse fabuloso mundo novo enriquecendo os olhares e as mentes, inúmeros telespectadores criticam esse meio, seja por valores, cenas, distorções da realidade, parcialidade das informações ou pelo fato de apresentar produtos e mensagens consumistas, ou ainda por não corresponder aos interesses públicos. Baixarias, desrespeito ao ser humano, apelo sexual, desinformação, falta de ética são alguns temas da revolta de cidadãos insatisfeitos. Indignados, pedem alguma providência. Sensível a esse sentimento, em junho de 1997, a então deputada federal Marta Suplicy reuniu alguns profissionais em sua residência para discutir a responsabilidade social e pública da televisão no Brasil. O grupo, que foi denomidado como TVer – Televisão e Responsabilidade Social, tornou-se organização não-governamental em agosto de 1998, assumindo a missão institucional de promover os direitos dos telespectadores e a educação crítica para os meios de comunicação. “Como ela sempre teve uma postura democrática, muito comprometida com as liberdades, não aventou de maneira alguma a possibilidade da censura”, lembra o jornalista Laurindo Lalo Leal, um dos integrantes da ONG, referindo-se à deputada no início do grupo. Mesmo com essa cautela, a sombra da censura sempre rondou a iniciativa da organização ao lutar por certo controle social da televisão. Mas seus integrantes explicam que censura real só pode ser efetivamente exercida antes da difusão, impedindo o programa televisivo de ir ao ar. Contrário a essa postura de restrição antecipada, a ONG TVer entende a televisão como concessão entregue à emissora na qualidade de um serviço público que deve ser exercido com responsabilidade social . Assim, depois da exibição, procura-se não a censura, mas mudar o comportamento das pessoas por meio de negociações e da formação de uma opinião pública influente. EXPOSIÇÃO Foi pensando nessas dificuldades, principalmente na opinião pública, que realizamos a pesquisa. Buscamos alguns parâmetros de educação para a televisão como proposta de uma segunda alfabetização. Não se trata de fechar a janela eletrônica nem de retornar àquela ao vivo para lidar com a realidade. Lutamos para permitir a construção de sentido, de saberes e gostos com a mediação do audiovisual sem ignorar o cidadão. Portanto, não estamos mais falando de televisão. Falamos de você, um telespectador, em maior ou menor grau. Talvez assim a janela deixe de ser apenas um meio de acesso à realidade e passe a ser um espelho, refletindo o fim, o que realmente interessa — nós humanos. Com esse espírito voltamos à escola e indagamos os professores sobre esse imaginário televisivo para descobrir se é possível discutir televisão num país que praticamente saltou de uma cultura oral para uma dominada pela imagem. Diante da tensão entre palavra e imagem, haveria um diálogo? Frente à linguagem audiovisual, podemos produzir conhecimento, educar e formar valores socialmente responsáveis? "A liberdade política não pode se resumir no direito de exercer a própria vontade. Ela reside igualmente no direito de dominar o processo de formação dessa vontade" (MATTELART, 1999: 187). Se concordarmos com Mattelart, não podemos mais 2 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação ENDECOM 2006 – Fórum Nacional em Defesa da Qualidade do Ensino de Comunicação Universidade de São Paulo, Escola de Comunicações e Artes, 11 a 13 de maio de 2006. ignorar uma segunda alfabetização como um processo educacional fundamental para a sociedade contemporânea. Não podemos ignorar também a utopia1 de uma qualidade nas discussões em comunicação. ARGUMENTAÇÃO Canclini (2001: 14), ao prefaciar o livro de Martín-Barbero sobre o deslocamento dos meios às mediações, salienta que “a mediação televisiva ou radiofônica passou a constituir, a fazer parte da trama dos discursos e da própria ação política”. A discussão sobre televisão, assim, ganha força na medida em que dialoga com o espaço discursivo do telespectador pois a “mediação é socialmente produtiva, e o que ela produz é a densificação das dimensões rituais e teatrais da política” (Ibid.: 14). Na perspectiva gramsciana, os significados dos meios "podem ser negociados ou até eventualmente subvertido por audiências específicas" (LOPES, 1993: 81). A mediação, nesse sentido, procura engendrar um diálogo. Foi a partir dessa noção de mediação que entrevistamos 50 educadores nos diversos Estados brasileiros. Constatamos que 64% dos pesquisados têm preferências por algum programa. E 76% têm rejeição por algum produto da televisão (MENEZES, 2005: 68-75). Analisando a pesquisa, podemos interpretar o posicionamento dos educadores e também dos integrantes da ONG como fechado para aqueles programas que rejeitam, pois parecem resistir a um olhar mais amplo e aberto diante daquilo que não gostam ou rejeitam. Mesmo quando oferecemos a possibilidade de intervenção através de uma questão (O que poderia ser feito neste programa para você deixar de rejeitá-lo?), os pesquisados se mostraram inflexíveis, embora 86% tenham se motivado a responder (MENEZES, 2005: 80). A maioria, 48%, fez uma proposta radical, sugerindo “reforma completa”, “tirar do ar”, “não há conserto”, “nada”. Enquanto que 38% optou por uma “proposta moderada” com citações mais flexíveis, visando algum ajuste no programa como “parar de usar problemas sociais” ou “mudar apresentador” (MENEZES, 2005: 83). Podemos dizer que diante da rejeição a um programa de TV a utopia de uma visão mais crítica e flexível, fundamental para uma formação de qualidade, é bastante reduzida. Com essa constatação, categorizamos as respostas do questionário em “crítica restrita” e “crítica ampliada”. “Crítica restrita” para unificar as citações voltadas para uma insatisfação direta ao conteúdo veiculado. Nos termos dos educadores, “entrevistas forçadas”, “elitismos nas abordagens”, “parcialidade das notícias”, “nudismo”, “sensacionalismo”. Crítica ampliada para agrupar citações que refletem uma insatisfação, não sobre o conteúdo, mas de todo um universo que o rodeia para tornar-se produto, desde as concessões públicas, tema importante para a abordagem da ONG Tver, até a repetição de uma reportagem. Essa crítica, no nosso entendimento, parte de um horizonte mais amplo que vai além da própria televisão. Essa perspectiva é fundamental se buscamos uma utopia, como já informamos nos nossos objetivos. Reunimos nesta categoria a insatisfação como “qualidade da transmissão”, “horário de 1 Utopia pode ser entendida como “simples aspiração ou sonho genérico, resolvendo-se em uma espécie de evasão da realidade vivida”, mas também como “uma força de transformação da realidade em ato” capaz de tornar-se em “autêntica vontade inovadora” e que busque os meios para a sua realização (ABBAGNANO, 1982: 949). Adotaremos aqui o segundo sentido. Embora também esteja no registro de um sonho ou aspiração, utopia como força não precisa ser entendida como fuga da realidade. No nível das idéias, utopia pode ser o momento inicial para a ação e realização. 3 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação ENDECOM 2006 – Fórum Nacional em Defesa da Qualidade do Ensino de Comunicação Universidade de São Paulo, Escola de Comunicações e Artes, 11 a 13 de maio de 2006. exibição”, “transmissão local apenas”, “mesmice”, “ditar moda entre adolescentes” e “falta apoio aos alunos”. CONCLUSÕES Como nosso objetivo foi examinar as possibilidades de discussão dos telespectadores, propondo algumas estratégias, consideramos fundamental observar a capacidade dos educadores em lidar com realidades contraditórias. Seria possível gostar de um programa e, ao mesmo tempo, apontar um problema? É possível preferir um programa e criticá-lo? Afinal, compreendemos que um educador deve despertar uma visão crítica e não uma postura dogmática nos seus alunos. Com esse objetivo foi possível constatar que a “crítica ampliada” está mais presente quando os pesquisados se referem aos programas preferidos. A maioria, 42% dos educadores (MENEZES, 2005: 74), fez uma “crítica ampliada”, fugindo do conteúdo dos programas, para demonstrar uma insatisfação com “pauta de bichos”, “duração do programa”, “muita propaganda”, “intervalo comercial”, “resumo das notícias”, “repetição das reportagens”, “insegurança do entrevistador”, dentre outras. Portanto, diante da tensão entre palavra e imagem, haveria sim um diálogo. Frente à linguagem audiovisual, podemos produzir conhecimento, educar e formar valores socialmente responsáveis. "A liberdade política não pode se resumir no direito de exercer a própria vontade. Ela reside igualmente no direito de dominar o processo de formação dessa vontade" (MATTELART, 1999: 187). BIBLIOGRAFIA CANCLINI, Néstor Garcia. “Prefácio à 5ª edição castelhana”. In: MARTÍNBARBERO, Jesús. Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: UFRJ, 2001. LOPES, Maria Immacolata Vassalo de. "Estratégias metodológicas da pesquisa de recepção". INTERCOM - Revista Brasileira de Comunicação. São Paulo, Vol. XVI, no. 2, Julho/Dezembro de 1993, pp. 78-86. MATTELART, Armand e Michèle. História das teorias da comunicação. São Paulo: Loyola, 1999. MENEZES, E. T. . Por uma segunda alfabetização: parâmetros de uma educação para a televisão (Projeto de Intervenção na ONG TVer - Televisão e Responsabilidade Social para pós-graduação lato sensu Gestão de Processos Comunicacionais ECA-USP). São Paulo: Biblioteca da ECA/USP, 2005 (Mimeo). TVer – Televisão e Responsabilidade Social. http://www.tver.com.br, acesso em abril de 2005. 4