PLANOS DIRETORES PLANO DIRETOR AMAZÔNICO, UMA UTOPIA OU INSTRUMENTO DE PLANEJAMENTO NECESSÁRIO? O Sindicato dos Arquitetos e Urbanistas no Estado de São Paulo – SASP, desenvolveu no mês de junho passado, um curso de capacitação para elaboração de Planos Diretores Participativos, na cidade de Manaus e organizado pelo Sinduscon-AM. Com a presença de 65 participantes constituídos por secretários municipais de municípios amazonenses, técnicos em planejamento urbano, professores, estudantes e um vereador da Câmara Municipal, um público diversificado e com profundo conhecimento da realidade amazonense. Sendo a elaboração do Plano Diretor um dos temas centrais da nossa capacitação, como não poderia deixar de ser, o Estatuto da Cidade teve lugar no conteúdo do curso. E aqui começam as controvérsias, porque as diretrizes do Estatuto preconizam normas de ordem pública e interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, ou seja, a função social da cidade e da propriedade. Mais, disponibiliza instrumentos com a finalidade de inibir o solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, coibindo assim retenção de imóveis com fins especulativos. São diretrizes que se aplicam muito bem a um Brasil de ocupação predominantemente urbana, às voltas, desde sempre, com um déficit habitacional. Mas, a realidade do uso e ocupação do solo na região norte do país e na Amazônia, em particular, é significativamente diferente do restante do país. Quando se fala na Região Norte e no Amazonas tudo é superlativo em relação à extensão territorial e à cobertura vegetal. São municípios de extensas áreas territoriais, baixa densidade demográfica, predominantemente rurais, com grande incidência de unidades de conservação e reservas indígenas. Com relação à dimensão territorial, na Região Norte, que abrange 45,2% do Território Nacional, encontram-se somente 8,2% dos municípios do país, num total de 449; enquanto que no Sudeste, que abrange apenas 10,8% da área, estão 30,3% deles, num total de 1.668 municípios. Do ponto de vista demográfico, as Regiões Sudeste e Nordeste concentram em torno de 70% dos brasileiros, e na Região Norte vivem em torno de 7,7% dos habitantes, representando uma população de 13.223..859 habitantes. (Fonte: Perfil dos Municípios Brasileiros, IBGE, 2001). A população do Estado do Amazonas é de 2.812.557 habitantes (Censo, IBGE, 2000). A área territorial do estado é de 1.570.947 km², representando 40,77% da Região Norte e 18,45% de todo o Território Nacional. O Estado do Amazonas é constituído por 62 municípios; vejamos dois exemplos extremos. O município de São Gabriel da Cachoeira, no norte do estado, com área de 109.185km², representando 2,83% da Região Norte e 1,28% de todo o Território Nacional. Sua população é de 29.947 habitantes (Censo, IBGE, 2000) sendo 58,68% rural e 41,32% urbana. Dista da capital do estado 858 km em linha reta e 1.064 km via fluvial. No Estado do Amazonas as posições geográficas dos municípios se caracterizam pelas longas distâncias e comunicação via fluvial. São Gabriel da Cachoeira tem limites com os municípios de Japurá, Santa Isabel do Rio Negro e com as Repúblicas da Colômbia e Venezuela. pág 1 / 3 www.planosdiretores.com.br PLANOS DIRETORES Tomemos agora, um município “pequeno”, Manaus, com uma área de 11.401 km² e população 1.405.835 habitantes, predominantemente urbana. Apenas para comparação, lembramos que a Região Metropolitana de São Paulo tem uma extensão de 8.051 km² e a população em torno de 19 milhões de pessoas. Na Região Norte corre o rio mais importante do planeta, o Amazonas, que produz 16% da drenagem mundial. Na Bacia Hidrográfica da Amazônia, a resolução dos problemas é dificultada em função da grande área que esta ocupa (7.008.370km²), desde suas nascentes nos Andes Peruanos até sua foz no Oceano Atlântico. Deste total, cerca de 3,8 milhões de km² estão em território nacional. Como impor áreas de proteção às margens de seus afluentes, se delas sobrevive grande parte da população ribeirinha? Quando falamos da Amazônia, também pensamos nesta disponibilidade hídrica e na grande quantidade de ecossistemas que a região abriga: matas de terra firme, várzeas, igapós, campos abertos e cerrados. E lógico, pensamos também na sua rica biodiversidade – mais de 1,5 milhão de espécies vegetais catalogadas; três mil espécies de peixes; 950 tipos de pássaros e uma imensa quantidade de insetos, répteis, anfíbios e mamíferos. Frente a este universo, com esta imensa diversidade numa única região, sem precedentes no planeta, fomos testemunhas do determinante e incisivo clamor dos participantes do curso, de que o Estatuto da Cidade não contempla esta realidade, mas, que sem outra contrapartida, impõe aos municípios da região as mesmas diretrizes preconizadas ao País urbanizado, para elaboração de seus Planos Diretores, o que nos parece um argumento procedente. Não obstante, outras importantes observações devem ser consideradas para o planejamento e gestão deste complexo e rico ambiente, constituído das populações tradicionais, ecossistemas e a mega biodiversidade. Por exemplo, no final da década de 80, surgiu o conceito de desenvolvimento sustentável ou sociedades sustentáveis, como muitos preferem, que significa considerar não apenas as dimensões econômicas e sociais do desenvolvimento. Implica na incorporação de objetivos ecológicos como a conservação dos recursos hídricos, a atenuação das mudanças do clima, a conservação das florestas e da biodiversidade. Deste modo, para se buscar o desenvolvimento sustentável na Amazônia, há que se levar em conta também outros marcos legais, como instrumentos de planejamento e gestão, além do Estatuto da Cidade. Na promulgação da Lei 6938/81 que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, dentre os princípios listados no art. 2º, no inciso III, refere-se à necessidade de planejamento e fiscalização do uso dos recursos ambientais. A ação ambiental era, até então, calcada na filosofia do comando e controle, e praticamente centrada em ações corretivas. A Política Nacional do Meio Ambiente traz, entre seus princípios, o planejamento dos recursos ambientais, direcionando para uma gestão pró-ativa e não simplesmente corretiva. As florestas e o interesse comum, O Código Florestal de 1965. O art. 1º da Lei 4.771, de 15/09/1965, antecipou-se à noção de interesse difuso, e foi precursor da Constituição Federal quando conceituou meio ambiente como bem de uso comum do povo. pág 2 / 3 www.planosdiretores.com.br PLANOS DIRETORES “As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação são bens de interesse comum a todos habitantes do País”. O interesse comum na existência e no uso adequado das florestas está ligado, com forte vínculo, à função social da propriedade. Essa é uma cláusula pétrea da Constituição Federal de 1988 (art. 5º, XXIII). Todavia, chamamos a atenção que legislar sobre florestas não é uma exclusividade da União. Os Estados e o Distrito federal têm competência concorrente sobre florestas (art.24 da CF). E como cita o eminente Prof. Dr. Paulo Affonso Leme Machado no seu livro Direito Ambiental Brasileiro, São Paulo, 2000, não podemos deixar de considerar válida a possibilidade do município legislar sobre a flora local e notadamente sobre as áreas verdes (art.30, I e II. Da CF). O art. 2º do Código Florestal menciona “Considera-se de preservação permanente, pelo só efeito desta lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas...”. Para finalidade de compreensão, poderíamos agrupar as alíneas a, b e c como de proteção das águas, e as alíneas d, e, f, g e h com objetivo de proteção do solo. A aplicação deste artigo não deixa de ser controvertido na região amazônica. Como seguir irrestritamente essa diretriz do Código naquela região, onde estão assentadas diversas comunidades ribeirinhas explorando atividades como pesca, agricultura, para subsistência e como forma de pequenos empreendimentos? Saltando da questão das áreas de preservação permanente do Código Florestal, olhemos agora a Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei 9.433/97), que inicia no art. 1º, I, com a afirmação: “A água é um bem de domínio público”. Fixemo-nos ainda quanto à utilização da água e o desenvolvimento sustentável. Nos incs. I e II do art. 2º da Lei 9.433/97 estão explicitados os princípios do desenvolvimento sustentável dos recursos hídricos. Assim, são objetivos da Política Nacional de Recursos Hídricos: “I – assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos; II – a utilização racional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o transporte aquaviário, com vistas ao desenvolvimento sustentável”. Diante destas afirmativas e princípios, estamos convictos em afirmar “A água é um bem social”. Não é necessário um grande esforço para entender a preocupação do legislador ao instituir as áreas de preservação permanente no Código Florestal, porém quando nos debruçamos sobre a Lei 9.433, promulgada muitos anos depois do Código, vemos nesta importantes instrumentos de planejamento e gestão para aplicação nas esferas regional, estadual e nacional. Diante desta dicotomia, nós docentes do Sindicato dos Arquitetos e Urbanistas no Estado de São Paulo – SASP, compartilhamos essa experiência para uma reflexão acerca do que vem a ser planejar o ordenamento das cidades da Região Amazônica. Aventamos a hipótese; não será o caso de se construir um Plano Diretor Amazônico, também participativo? Um Plano que considere todos os componentes territoriais, as populações tradicionais, a economia local e os instrumentos legais para planejamento e gestão. Gestor ambiental Ivan Souza Moraes pág 3 / 3 www.planosdiretores.com.br