Democratização e Participação Política: uma utopia inatingível ou um processo realizável em ampliação? Rosilene Wansetto1 Introdução Nestas últimas décadas, especialmente 1980 e 1990, ocorreram várias mudanças no Brasil e em todo o continente Latino Americano, que não teremos condições de explorar e explicitar, mas marcadamente estarão, algumas destas, presentes neste pequeno ensaio. Estas mesmas mudanças guardam traços que são incompreensíveis para muitos teóricos, mas para os indivíduos que delas participam ativamente são certamente compreensíveis e reais para a ampliação do processo democrático. Estas mudanças têm provocado um agravamento dos problemas advindo de políticas neoliberais do sistema capitalista, autoritário, fisiologista, excludente que aprofunda a estratificação social. O modelo capitalista vem com uma prática e um discurso de modernização ‘conservadora’, com elites autoritárias, com seu fisiologismo, imposição cultural, atingindo uma hegemonia de natureza neoliberal ancorada nas desigualdades sociais e aprofundando as injustiças. O neoliberalismo, como ferramenta do sistema capitalista, adota o discurso desenvolvimentista de ‘globalizar os lucros’ aprofundando a crise do setor público. O Estado passa a intensificar a aplicação de políticas compensatórias devido ao alto grau de desigualdades como uma política neoliberal do Estado mínimo. De outro lado, este modelo capitalista perverso é enfrentado pelos movimentos sociais2 e sujeitos sociais3 - atores protagonistas unidos em torno de uma bandeira, de um projeto de democratização e a ampliação da participação política. 1 Socióloga, Pós-Graduação em Movimentos Sociais, Organizações Populares e Democracia Participativa pela UFMG, Mestranda em Ciências Sociais pela PUC/SP, e sócio-educadora do Jubileu Sul Brasil. 2 Movimentos Sociais aqui compreendidos como ator coletivo, identidade coletiva, cuja orientação, objetivos comuns é a defesa dos direitos sociais, políticos, culturais, econômicos e a dignidade dos trabalhadores/as não proprietários dos meios de produção. O movimento social objetiva a transformação, a alteração da ordem estabelecida pelo sistema capitalista. O movimento social defende o direito a ter direitos. (Wansetto, 2008-11). 3 Sujeitos sociais compreendidos como atores que escrevem o seu próprio texto, escrevem a sua própria ação. É um indivíduo que passa por uma transformação para o exercício da cidadania, onde se compreende como sujeito a ter direito, a escolha, a autonomia, transformando-se em cidadão que participa, reivindica. Um sujeito social que participa da vida democrática. (Wanderley, 2000; Gohn, 2003 e Sader, 1995). Estes aspectos resultam de uma confluência perversa que encontramos de um lado o projeto neoliberal que se instalou nos países nestas últimas décadas, e de outro lado um projeto democratizante, participatório que emerge das crises dos regimes autoritários, somados aos esforços nacionais de democratização. Tal realidade provocou uma maior organização e mobilização dos movimentos sociais e organizações da sociedade civil, e da própria cidadania4 na resistência destas políticas neoliberais capitalista. A implantação deste modelo de globalização capitalista com políticas centralizadas, autoritárias e excludentes tem levantado questionamentos sobre o papel do Estado e dos governos representativos. Essa confluência perversa e a fragmentação que dela se origina são perceptíveis no Brasil e em outros países da América Latina também foram atingidos com o mesmo processo, com ritmos e modos de implementação diferentes. Medidas neoliberais acordadas no Consenso de Washington. A aplicação destas medidas esbarra em processos democratizantes crescentes na sociedade civil, na cidadania e na participação política, gerando ou aumentando os conflitos em alguns países. Observando o caminho percorrido no processo de democratização considerando a influência e interferência das medidas neoliberais em curso dentro do sistema capitalista, que implementa e fortalece o mercado, onde indivíduos são tratados como meras mercadorias tornando-o um anônimo na multidão, na massa, sem identificação minimizando a participação em espaços como eleitoral ou conselhos consultivos. Neste sentido faz-se necessário estudar o caminho percorrido pelos movimentos sociais e sujeitos sociais que buscam na ampliação da cidadania, da participação política possibilidades efetivas de realização de ações que resgatam o indivíduo, não mais como um isolado, mas como sujeito coletivo de sua ação, protagonista. Os processos de desenvolvimento econômico interferem na ampliação da democracia “La aplicación de politicas de inspiración neoliberal han marcado de manera indeleble la historia humana”5 (Matos, 2004). Esta afirmação nos leva a uma reflexão 4 Cidadania compreendida como a participação do povo – a maioria social – no exercício do poder político. Participação integral do indivíduo na comunidade política. (Saes, 2000). 2 mais profunda, pois não é possível considerar a globalização neoliberal somente como um processo natural da história, mas deve-se considerar que há conseqüências e conflitos entre os dois projetos – neoliberal de um lado e o alargamento da democracia participativa de outro. Significando o surgimento de um novo ciclo. No surgimento de um novo ciclo encontramos em primeiro, o viés econômico, do mercado marcando firmemente as relações. Alicerçado sobre as bases do neoliberalismo com políticas de desenvolvimento econômico minimizando, terceirizando e privatizando a ação do Estado. Outro elemento que contribui no estabelecimento de políticas neoliberais para a geração de uma produção para o mercado mundial é a ingerência econômica através das “agências financiadoras”, isto é, o Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional. Estas instituições eram portadoras de um discurso desenvolvimentista, ou seja, que através do apoio financeiro contribuiriam no fortalecimento dos Estados Democráticos. Interferiram historicamente na política econômica dos países, a exemplo do Brasil quando analisamos os dados do endividamento público. A ingerência das agências financiadoras através das condicionalidades impostas, não gerou somente conseqüências econômicas, mas política, cultural e social nos países – “las ´des-regulaciones` proprias de las politicas de inspiración neoliberal han minado la importancia de los estados como garantidores del bienstar de las poblaciones nacionales a las que se supone que cada Estado debe responder, a la vez que han favorecido la concentración de la riqueza, la desocupación, la pobreza, la desnutrución, la des-escolarización, la insalubridad, la violencia y la destrucción ambiental” (Matos, 2004). Uma terceira medida neoliberal e globalizante é a regulamentação do livre comércio. O objetivo desta política era proporcionar aos países mais pobres um acelerado desenvolvimento, aumentando o investimento econômico e financeiro, ‘facilitando’ o acesso a serviços e bem mais competitivo. Ao observarmos atentamente e profundamente os termos destes acordos pode-se perceber que não são políticas que possibilitam de fato o desenvolvimento destes países, mas geram maior dependência econômica e amplia a estratificação social. A partir do momento que governos passam a executar estas medidas neoliberais gera uma relevância política para toda a sociedade. Um dos principais conceitos da democracia – a cidadania – o conceito é alterado para consumidores potenciais. Estas 3 mudanças na sociedade marcam e elevam os níveis de pobreza e uma organização econômica desigual e hierárquica nas relações sociais. Gerando e ampliando a desigualdade nas relações, aprofundando a exclusão de indivíduos cada vez menos sujeitos de ação e de direitos ou mesmo de ter direitos. Neste contexto pode-se dizer que surge o segundo elemento do novo ciclo, a participação e a resistência. Neste sentido destacam-se os processos alternativos surgidos em âmbito mundial. Processos contra as políticas neoliberais e antiglobalização articuladas pelos movimentos sociais, grupos, também chamadas de rede, seja de gênero, ambientalistas, indígenas, trabalhadores/as, com debates sobre outras formas de integração a partir e para os povos soberanamente. Processos continentais como no caso da Campanha contra a Alca que mobilizou todos os países do continente americano. No caso brasileiro, ocorreu um plebiscito popular onde mais de dez milhões de pessoas se manifestaram contrários a este acordo, ou seja, 10% da população votante do país no ano de 2002. Diante dos processos agressivos de globalização neoliberal, nestas duas últimas décadas especialmente, as forças contra hegemônicas passam a atuar em resistência com um elemento novo. Isto é, em rede, em movimento, que em sua prática procuram preservar os sujeitos, os cidadãos dentro de uma ação de ampliação dos espaços democráticos nacionais e internacionais de participação política. O Fórum Social Mundial com a sua multiplicidade de organizações, movimento sociais, entidades de todos os tipos e formas, rede, campanhas, ONGs rebate um dos principais conceitos da globalização neoliberal, a globalização do indivíduo, e defende a globalização das formas de organização, de luta e de resistência, globalizar a esperança, globalizar o alimento acabando com a concentração, globalizar a distribuição de renda, globalizar a participação nas decisões. Fortalecendo assim, um novo impulso no processo de renovação e ampliação da participação dos movimentos sociais e de suas ações de resistência. Contribuição positiva gerada pelos movimentos sociais que a partir da prática, levam a novas análises teóricas de compreensão do processo de democratização vividas hoje pela sociedade. 4 As mudanças democráticas advindas da Constituição de 1988 provocam uma ampliação da participação política, com partidos políticos, movimentos sociais, conselhos e distintos canais institucionais, gerando uma recomposição das forças e do poder econômico e político. O projeto neoliberal trata a participação dos cidadãos dentro de uma relação restrita do governo como receptor de opiniões e sugestões técnicas ou políticas dos indivíduos, sendo que a decisão cabe ao aparato estatal exclusivamente, não gerando assim uma participação plena com intervenção na governabilidade. A participação no entendimento do projeto neoliberal tem a ver com a idéia de complemento, que não caracteriza, não cria e não legitima espaços reais de participação, mas de consulta a organizações ou entidades de classe, setorial, não gerando participação efetiva dos cidadãos nas decisões. É um espaço consultivo. No projeto democrático participativo – dos movimentos sociais, a participação e a representação política parte do princípio da participação política efetiva de todos os cidadãos e cidadãs nas decisões e no controle social. A diferença fundamental está relacionada à forma de participação, isto é, a sociedade participa no seu conjunto da formulação das políticas, como atores sociais autônomos organizados por suas entidades e movimentos representativos com capacidade de intervenção e definição das políticas públicas. Vai além de uma colaboração, é sim de co-governo, de cogestão. O significado da co-gestão tem haver com o respeito à decisão e a opinião do sujeito social, gerando espaços de decisão de políticas públicas. Isso ocorre em âmbito local, estadual ou mesmo federal. A co-gestão é uma política de ampliação dos direitos efetivos e não de modo assistencial ou consultivo apenas como ocorre na política neoliberal. Esta forma ainda é um desafio de implementação. A participação e sua radicalização nos espaços democráticos, os conselhos de direitos, conselhos de políticas, e nos conselhos temáticos, programáticos, tem provocado uma maior articulação e organização dos cidadãos na ocupação dos espaços públicos democráticos, garantidos historicamente na Constituição ou criados pela institucionalidade para atender às demandas de participação reivindicadas pela própria sociedade. Cidadania Política – ampliação democratizante realizável 5 A evolução da Cidadania política pode ser um resultado prático da articulação e fortalecimento regular da democracia, mesmo em uma sociedade capitalista, com instituições com caráter limitado, com restrições políticas crônicas, com amplas desigualdades sociais, econômicas e políticas. A cidadania atua entre o conformismo, a apatia política, e o lado ativo da sociedade, nos campos macro e micro da política. As formas de construir o projeto político6 democrático podem ocorrer com plebiscitos, consultas e iniciativas populares permanentes sobre assuntos relevantes e de interesse nacional, da soberania. Estes instrumentos hoje só podem ser convocados pelo governo ou congresso. Os movimentos sociais defendem que deve ocorrer uma regulamentação para que estes instrumentos possam ser convocados também pela sociedade organizada. O fundamental nesta construção e radicalização é a própria participação política dos sujeitos, é a participação de todo o povo na função de legislar atuando como um poderoso fator educativo. A viabilidade, a implementação e a efetivação da democracia participativa, da verdadeira cidadania – o povo participando do poder político, esbarra conseqüentemente no modelo capitalista conservador, autoritário, centralizador, fisiologista, hegemônico de natureza neoliberal. E, portanto as desigualdades entre as classes sociais, especialmente das massas, dos trabalhadores, mais uma vez se evidenciam no acesso limitado aos recursos políticos e públicos. O poder versos a dominação gera oscilação entre dois pólos que pode levar a momentos de rupturas como de continuidade. E para chegar à verdadeira ruptura que gera a emancipação verossímil defender a legitimidade, a coerência, e a eficácia das alternativas de emancipação e participação política de todo o povo é um dos desafios, para assim trilhar o caminho de sua realização. A Democracia participativa é considerada como uma prática nova de inserção da sociedade na vida política, da inclusão de novos atores sociais na vida pública, por exemplo, os movimentos sociais na América Latina e no Hemisfério Sul. A Democracia participativa tem contribuído para uma adequação e redefinição da forma de participação, tendo em conta no debate democrático às relações entre procedimentos e participação social. É introduzida, e vem como projeção da inclusão social, como 6 Como projeto político democrático participativo está sendo utilizada para designar os conjuntos de crenças, interesses, concepções de mundo, representações do que deve ser a vida em sociedade, que orientam a ação política dos diferentes sujeitos. A noção de projeto democrático participativo está relacionada e reafirma a unidade entre ação e representação. E não restringe a formulação de projetos partidários (Dagnino, 2006). 6 inovação cultural, e de modo mais profundo, a tentativa de instituição de uma nova soberania democrática. Democracia participativa significa influir diretamente nas decisões e no controle político, econômico, cultural, militar e social – controle societal -, ou seja, a prestação de contas do Estado diretamente aos cidadãos sobre a execução das demandas conforme os interesses dos indivíduos, dos movimentos sociais, populares, sindicais, estudantis, ou mesmo pela sociedade organizada como ator social. A representação política é uma das formas de controle das políticas de um governo, mas por outro lado a representação é limitada. Participação política significa participar das mais variadas formas de decisão, dos acontecimentos políticos, dos rumos de um país, e propriamente na construção das decisões. Da pequena e da grande política de um Estado. A participação é entendida como soberania popular, e como instrumento de legitimação, e fortalecimento das instituições democráticas, ao mesmo tempo amplia os direitos civis, sociais e políticos. É uma nova prática de inserção da sociedade e dos atores. E vem ainda como projeção para a inclusão social e política, do exercício pleno da cidadania. Os atores sociais, em especial os movimentos sociais, consideram que a participação deve ir além da participação através do voto eleitoral. A participação deve ocorrer nos conselhos que tem espaços institucionais de formulação e controle de políticas públicas, e principalmente intervir nos espaços de tomada de decisão do Estado conforme os interesses dos cidadãos, e não do mercado, das finanças como está estabelecido nos dias atuais. A forma de representação política através das eleições não contempla a participação dos cidadãos. A cidadania, a participação democrática amplia o controle sobre as decisões da vida pública, inibe e controla determinadas decisões políticas de governos eleitos, e exerce determinado controle sobre instituições estatais e conselhos institucionalmente constituídos. E neste sentido os movimentos sociais desenvolveram uma concepção de democracia que transcende os limites tanto das instituições políticas tradicionalmente concebidas, e está sendo levado a diante uma nova definição de cidadania que vai além do referencial da cidadania como direito, mas a cidadania como participação. É claro 7 que estes movimentos sociais não são homogêneos em sua compreensão, são marcados pela heterogeneidade e diversidade. E estes movimentos sócio-políticos manifestam alguns traços que significam que não desejam, ou não tem a pretensão de falar em nome de toda a sociedade, mas em nome das diferenças que desejam ver reconhecido e respeitado, e não pretendem estabelecer prioridades quanto ao reconhecimento de sua existência face a outros movimentos. Conclusão Os estudos sobre a participação operam a partir de grandes divisões espaciais e culturais entre regiões participativas e regiões não-participativas advindas ou não das forças sociais presente naquele território. No decorrer da história de um determinado país fatores estruturais explicam grandes traços constitutivos do Estado Nação. Estudos recentes sobre o orçamento participativo e novas formas de participação reforçam essa dicotomia entre regiões participativas e outras não-participativas tendo relação com os processos de colonização. No combate ao capitalismo e suas facetas, personagens e instrumentos sociais foram se constituindo – orçamento participativo, conselhos de direito, movimentos sociais, onde coletivamente, ou isoladamente fazem o enfretamento ampliando a participação e acreditando num projeto de sociedade diferente do neoliberal implementado pelo capitalismo. O enfrentamento ao receituário neoliberal constituiu atores fortes e participativos mesmo que em territórios e regiões pouco participativas. Por isso a necessidade de criar e ou de fortalecer os canais existentes, instrumentos e mecanismos de participação popular e de representação, assim como de fiscalização do poder público. Considerando elementos como autonomia, soberania popular para assim apontar e avançar na democracia participativa. Recriar, inovar, instalar e aperfeiçoar canais de participação nas decisões se faz cada vez mais necessários, não somente reconfigurar os instrumentos representativos – eleições e partidos políticos. E nestes novos canais ou na sua ampliação o que deve ser preservado é a opinião pública dos cidadãos - é a opinião pública como direito civil e, portanto, manifestação democrática. O combate aos vícios estruturais de um tipo de democracia herdada desde o colonialismo, historicamente dependente e refém do capitalismo será necessário para 8 construir a cidadania das massas, da classe trabalhadora, e que o poder político seja parte do cidadão/ã para a ampliação e radicalização da participação. Pois dentro do capitalismo as democracias estão sendo vigiadas pelos neoliberais, e o poder não é do povo, pois tudo é considerado uma mercadoria, o voto, as políticas públicas, a vida, a própria política, tudo se tornou mercado com a força do capitalismo e do neoliberalismo. Neste processo de radicalização da cidadania e da participação política é fundamental identificar, fortalecer as lutas anti-sistêmicas, e compromissos da classe trabalhadora no enfrentamento do capitalismo e das políticas neoliberais. Considerando que as fronteiras da democracia são fluidas, o controle das demandas devem dar-se de diferentes maneiras, não sendo somente a eleitoral de quatro em quatro anos. A possibilidade de ampliação realizável da democracia e da transformação do voto simples em ação constante e de resistência se faz necessário. E como tratamos no início os conselhos, o orçamento participativo e principalmente os movimentos sociais são mecanismos extremamente importantes no controle responsivo das políticas, estes podem ser o caminho para uma ampliação da consciência do ser cidadão e do significado para a Democracia. Para a ampliação e o fortalecimento da Democracia participativa - da cidadania, faz-se necessário enfrentar o debate sobre pontos centrais do capitalismo – a propriedade privada, a distribuição de renda, educação e demais políticas sociais principalmente, com mudanças profundas na política econômica. Não basta fazer uma discussão somente teórico empírica. O que observamos é que governos ditos progressistas/ populares, ao invés de fazer o enfrentamento destas questões, atrelam a participação do povo sem alterar o status quo. Ao tratarmos a Democracia participativa é importante observar que o capitalismo oculta as condições políticas de dominação, e o poder é sobredeterminado pelas relações de classe. E, portanto a nação e a cidadania constituem pilares políticos ideológicos fundamentais para a reprodução da dominação burguesa e, por conseguinte são utilizados pelos ideólogos do neoliberalismo como ferramentas para desqualificar a própria cidadania moderna. E dentro deste contexto ocorre a despolitização dos sujeitos sociais, os transformado em objetos sociais das organizações estatais. 9 Na vida moderna evidenciam-se múltiplos processos de corrosão da cidadania e perde porque não se universaliza. A tentativa do capitalismo é tornar todos cidadãos do mundo, sejam proprietários ou não dos meios de produção, mas nem todos os indivíduos são cidadãos com mesmos direitos, proprietários dos meios de produção, com direito a voz e a serem ouvidos, realmente sujeitos sociais portadores de direitos. Neste sentido, os movimentos sociais ao defenderem a ampliação e alguns casos a radicalização da democracia participativa, do controle social devem observar os rumos do capitalismo e do neoliberalismo no mundo. O que vemos é o capitalismo e o neoliberalismo se transnacionalizando para manter a dominação sobre os indivíduos, sobre a classe trabalhadora e utilizando os próprios argumentos dos movimentos sociais para beneficiar os objetivos do capital em detrimento das pessoas. Ressaltamos os instrumentos políticos construídos para radicalizar, ampliar, e tornar a democracia participativa realizável, sem perder o foco principal da luta de classe. Este foco central não deve ser perdido ao debatermos democracia participativa, esta é uma luta ideológica contra a privatização de toda a existência social, política dos sujeitos e da cidadania. Por fim, faz-se necessário revisar e ampliar a cidadania político-institucional para mudanças no sistema partidário, nas regras eleitorais, visando novas formas, novos moldes de participação. Evoluindo para a democracia econômica, social e solidária. Evoluir para a democratização verossímil e realizável, na socialização dos bens e dos frutos do trabalho, que só acontecerá de modo pleno com o protagonismo dos sujeitos sociais. A cidadania ativa e participativa que transcende o referencial central do conceito liberal, que vai além da reivindicação, do acesso, da inclusão, da participação e do pertencimento, é o direito a definir os rumos de uma Nação. Exigindo, defendendo os seus direitos é radicalizar a democracia acreditando num país politicamente democrático, economicamente justo, socialmente eqüitativo e solidário, culturalmente plural, ambientalmente sustentável. Alcançando assim a democracia como um modo de vida. Referências Bibliográficas: 10 ALMEIDA, Lucio Flávio Rodrigues in Revista Lutas Sociais Nº 17/18. São Paulo. Núcleo de Estudos sobre Ideologia e Lutas Sociais – Neils PUC/SP. Junho, 2007. AVELAR, Lucia e CINTRA, Antonio Octavio (org.). Sistema Político Brasileiro: uma introdução. Editora Unesp. São Paulo. 2004. 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