editorial
A importância do uso da pílula de emergência na
prevenção da gravidez indesejada
Marcelino Espírito Hofmeister Poli1
Conforme inúmeros relatos na literatura médica e leiga, a gravidez indesejada é um
grave problema, pois provoca consequências muito sérias, tanto do ponto de vista social,
quanto médico e da saúde das pessoas. Socialmente, sabe-se, pode desestruturar uma família
por completo. Os filhos não desejados têm menores índices de escolaridade e apresentam
tendência maior à criminalidade. Do ponto de vista médico e da saúde, esses filhos apresentam maiores taxas de mortalidade neonatal e infantil. As mulheres vítimas de gestação
não desejada são mais suscetíveis a buscar o abortamento em condições de risco, procuram
menos os cuidados pré-natais adequados, tendem a apresentar complicações obstétricas
com mais frequência e, consequentemente, há maiores taxas de mortalidade materna1,2.
Daí decorre todo esforço desenvolvido pelo mundo científico na procura de métodos
contraceptivos eficazes e seguros, mas que não comprometam a possibilidade de obtenção
do prazer sexual dos casais.
A história da humanidade registra, já no Antigo Testamento, o uso de procedimentos
para dissociar o relacionamento sexual da reprodução3. A maioria dos métodos contraceptivos disponíveis é de aplicação pela mulher ou na mulher. Isso é compreensível e existem
duas razões principais para justificá-lo. A primeira é: a mulher é quem engravida e quem
vivencia todos os fenômenos que envolvem a gestação, o parto, a amamentação e o puerpério, e todas as suas consequências. Esses encargos são suficientemente pesados para causar
preocupação, mas também são privilégio, já que confere à mulher poder muito grande, a
ponto de despertar a inveja, inclusive, dos homens. A segunda, decorrente da primeira: o
homem, por não vivenciar tais processos, não se sente muito envolvido e, em boa parte das
vezes, considera sua função terminada ao depositar o sêmen na vagina da mulher.
Até hoje, não se conseguiu um método anticoncepcional que seja perfeito, que seja
100% eficaz e proporcione total segurança. Não é outra a razão para a grande variedade
de métodos que existem e estão em uso corriqueiro. A grande maioria deles é constituída de procedimentos de uso programado que impõem disciplina e reavaliações constantes.
Para seu emprego, parte-se do pressuposto que exista uma rotina de relacionamentos sexuais
entre os casais e, por isso, especialmente a mulher tem de estar permanentemente protegida, a não ser que queira gestar. Quando essa rotina não acontece, são usados os métodos
condicionados ao ato sexual (comportamentais e de barreira), de eficácia preocupante.
Professor Adjunto de Ginecologia da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS); Mestre em Gerontologia
Biomédica pela PUCRS – Porto Alegre (RS), Brasil; Membro do Conselho Editorial da Revista Femina.
Endereço para correspondência: Marcelino Espírito Hofmeister Poli – Alameda Afonso Celso, 140 – Boa Vista – CEP: 91340-290 – Porto Alegre (RS),
Brasil – E-mail: [email protected]
1
Na ocorrência de falha do método anticoncepcional, segue-se a gestação não
desejada, que é a principal causa do abortamento provocado, ilegal em nosso
país, praticado, também por isso, mas não só, em grande número de casos, em
condições precárias, constituindo-se numa importante causa de morte materna4.
Com o intuito de minorar esse problema, faz-se um esforço grande para se
desenvolver um contraceptivo apropriado para ser usado em situações de emergência, ou seja, quando ocorre um coito desprotegido, uma relação sexual sem
cobertura contraceptiva adequada. Assim, qualquer mulher em idade reprodutiva
pode ter necessidade de usar anticoncepção de emergência (AE) para evitar uma
gestação não desejada, se incorrer em alguma das seguintes situações:
• Manter relacionamento sexual sem estar em uso de algum método contraceptivo;
• Perceber, após o relacionamento, a possibilidade de falha do método ou o uso
incorreto, incluindo:
• Rompimento do condom, escapulida ou uso incorreto do preservativo;
• Esquecimento de três ou mais contraceptivos orais combinados;
• Retardo em mais de três horas na tomada da pílula só de progestágeno;
• Retardo em mais de quatro semanas na aplicação do contraceptivo injetável
trimestral só de progestágeno (AMPD);
• Retardo em mais de sete dias na aplicação do injetável combinado mensal;
• Deslocamento, retardo na colocação ou remoção precoce de contraceptivo
adesivo cutâneo ou anel vaginal;
• Deslocamento, ruptura, rasgão ou remoção precoce de diafragma ou capuz
cervical;
• Falha no coito interrompido, com ejaculação na vagina ou na genitália externa;
• Falha na dissolução de comprimido ou filme de espermicida, antes da relação;
• Erro na determinação do período de abstinência sexual, se em uso algum dos
métodos de abstinência periódica baseada no conhecimento do período fértil;
• Expulsão de dispositivo intrauterino (DIU);
• Assalto sexual e sem estar usando método contraceptivo eficaz5.
Há duas formas principais de se fazer AE: a primeira, por meio de métodos
hormonais usados por via oral; a segunda, por método intrauterino, por meio da
imediata inserção de um DIU de cobre. Este último, raramente solicitado, é uma
sugestão apropriada para mulheres para as quais seja conveniente o uso de DIU
por longo período (no meio dos anos reprodutivos, para espaçamento de gestação
ou que tenham prole completa) e também para aquelas que tiveram múltiplas
exposições desprotegidas. Para estas, um DIU de cobre é eficaz e produz o efeito
até cinco dias após a ovulação, mas antes da implantação. O DIU liberador de
levonorgestrel (LNG) não é indicado para AE6.
A pílula contraceptiva de emergência é o modo mais simples de se promover a
anticoncepção em situações emergenciais e auxilia a prevenir a gravidez, quando
tomada até cinco dias após o sexo desprotegido. Importa ressaltar que quanto mais
próximo deste for feito o uso, tanto melhor e maior será a chance da prevenção.
No caso de a mulher estar grávida, seu uso não provoca interrupção da gravidez.
Seu uso é seguro para todas as mulheres, mesmo aquelas que possuem condições
que impedem o uso dos contraceptivos hormonais existentes.
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Existem muitas opções de pílulas contraceptivas de emergência:
• Pílulas de progestágeno próprias para anticoncepção de emergência (LNG
•
•
•
•
1,5 mg, dose única; 0,75 mg em 2 doses com intervalo de 12 h);
Pílulas combinadas contendo 100 µg de etinilestradiol (EE) e 500 µg de LNG
(em 2 doses com intervalo de 12 h – conhecido como método de Yuzpe);
Pílulas só de progestágeno (LNG) não específicas para anticoncepção de
emergência, desde que ingeridos tantos comprimidos quantos necessários
para obter-se a dose de 1,5 mg;
Qualquer pílula combinada que contenha EE e LNG, desde que usados tantos
comprimidos quantos necessários para atingir a dose acima referida;
Acetato de ulipristal 30 mg em dose única (ella®, ellaOne®, não disponível
no Brasil)7.
O melhor uso da anticoncepção hormonal de emergência é a tomada de
1,5 mg de LNG. É seguro para todas as mulheres, inclusive adolescentes8. É mais
eficaz e produz menos efeitos colaterais, como náuseas e vômitos, que ocorrem
com mais frequência quando se usam as pílulas combinadas (Yuzpe). Afora isso,
possuem menos contraindicações, praticamente nenhuma, a não ser a gestação
preexistente e a hipersensibilidade. Entre as raríssimas contraindicações está a
porfiria aguda6. Pode ser usado por mulheres que amamentam. Teoricamente,
tem a eficácia reduzida se usado concomitantemente com medicamentos para
epilepsia (fenitoína) e tuberculostáticos (rifampicina). Não foram observadas
interações com outros antibióticos9. Ainda, não aumenta o risco de gestação
ectópica10,11, não afeta a fertilidade futura12,13, não causa dano ao feto, caso seja
feito equivocadamente no início da gestação14 e não causa aborto8,15.
Há vários estudos que mostram que facilitar o acesso a AE por meio do LNG
não aumenta o comportamento de risco sexual ou contraceptivo16,17.
A Organização Mundial de Saúde recomenda que seja utilizado o regime
com LNG 1,5 mg em dose única, no menor prazo possível após a relação sexual
desprotegida.
Os produtos comerciais existentes no Brasil são: formulação na dose pronta,
disponível em alguns postos de saúde ou farmácias, um comprimido de LNG com
os nomes comerciais: Postinor Uno (Laboratório Aché) e Pozato Uni (Laboratório
Libbs); aprentação com dois comprimidos de LNG com os nomes comerciais:
Postinor 2 (Laboratório Aché), Pilem (Laboratório União Química), Pozato
(Laboratório Libbs), Nogravide (Laboratório Hebron), Minipil2-Post (Laboratório
Sigma Pharma), Diad (Laboratório Simed), Poslov (Laboratório Cifarma), Prevyol
(Laboratório Legrand/Sigma Pharma).
A AE é medicação aprovada pelos órgãos brasileiros de vigilância sanitária.
Além disso, está incluída pelo Ministério da Saúde nas normas técnicas de
Planejamento Familiar (1996) e Violência Sexual (1998). A AE também faz
parte das recomendações e orientações da Federação Brasileira das Sociedades de
Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) e da Sociedade Brasileira de Reprodução
Humana (SBRH). O Conselho Regional de Medicina de São Paulo, no caderno de
ética em Ginecologia e Obstetrícia, assegura que a AE é um direito da mulher.
Acrescenta que negar sua prescrição sem justificativa aceitável, mediante suas
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possíveis e graves consequências, constitui infração ética passível das medidas
disciplinares pertinentes.
Também, a AE está aprovada pela Organização Mundial de Saúde, pela
International Planned Parenthood Federation (IPPF), pela Family Health International
(FHI), pela Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO) e
pelas agências reguladoras da maioria dos países, incluindo a Food and Drug
Administration (FDA).
O uso correto, um comprimido (LNG 1,5 mg) o quanto antes, logo que for
possível, após a relação sexual, proporciona redução da ocorrência de uma gestação em 89% das situações. Já o método de Yuzpe reduz o mesmo risco em 75%
e o DIU em 99%9. A redução de risco de 89% corresponde a uma taxa bruta de
1 gestação em 100 mulheres. Essa taxa, para situações sem o uso da AE, é de 8
gestações por 100 mulheres. A redução de 75% corresponde a uma taxa de 2 gestações por 100 mulheres, e a de 99% a taxa de 0,2 gestações por 100 mulheres 9.
Segundo Rodrigues et al.18, o uso dentro das primeiras 72 h produz uma taxa
de gravidez de 0,8%, correspondendo a uma taxa de efetividade igual a 87–90%.
Se o uso for feito entre 72 e 120 h após o coito, a taxa de gravidez é de 1,8%,
correspondendo à taxa de efetividade de 72–87%. Para ambas a formas de uso,
os testes de c2 mostraram que o uso das pílulas reduziu significativamente o
risco de gravidez18.
De acordo com Elizabeth G. Raymond et al. (Gynuity Health Project, New
York, New York e Family Health International), em revisão sistemática do uso
pericoital de LNG para AC, os dados de 15 trials revisados sugerem que o uso do
LNG pericoital, de forma programada, é efetivo, seguro e aceitável como método contraceptivo, não tendo sido observada evidência de aumento da taxa de
gestações com a frequência do coito. Entretanto, afirma que é irracional usar esse
método se a frequência coital é elevada, sendo, então, preferível o uso de contraceptivos orais convencionais. Deve ser reservado para pessoas com relações sexuais
esporádicas22. Uma comparação das estatísticas das eficácias dos contraceptivos
dependentes do coito estão na Tabela 1. O balanço hormonal comparativo entre
uso de anticoncepcionais orais combinados e o uso programado de LNG não
mostra diferenças importantes. Este último apresenta uma vantagem adicional
por não conter estrogênio que, em muitos casos, é o responsável por alguns
dos mais sérios efeitos adversos associados ao uso de contraceptivos hormonais
orais combinados 22.
O mecanismo de ação não está totalmente esclarecido. As evidências disponíveis apontam que o mecanismo primário de ação do LNG em AE é parar
Tabela 1 - Estatísticas de eficácias estimadas para contraceptivos de uso dependente
do coito23
Probabilidade de gravidez com
uso típico por um ano
Espermicida
29
33,8
Condom feminino
21
23,3
Condom masculino
15
16,1
LNG 0,75 mg pericoital
LNG: levonorgestrel
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Índice de
Pearl estimado
5,1
ou interromper a ovulação19. Porém, há evidências estatísticas de que, em uma
percentagem pequena de casos, haja outra ação, que não a de retardar ou prevenir a ovulação. Os mecanismos assim envolvidos seriam: alteração da função
do corpo lúteo; alteração do muco cervical; alteração do transporte tubário do
esperma, ovo ou embrião; inibição da fertilização20,21. As etapas do processo
reprodutivo que estariam afetadas pela AE são: maturação folicular; migração e
função espermática; fertilização; desenvolvimento do zigoto, mórula e blastocisto;
transporte do zigoto, mórula ou blastocisto na trompa, até a cavidade uterina;
desenvolvimento de um endométrio receptivo; manutenção dos níveis necessários
de hormônios do corpo lúteo9.
Por fim, o uso de 1,5 mg de LNG pode ser uma opção razoável, como método primário, para, além de mulheres com coitos muito infrequentes, para as
usuárias de métodos de barreira ou comportamentais, como suplemento. Nessas
situações pode ser mais seguro do que os contraceptivos orais combinados, por
não ter estrogênio e proporcionar uma dose hormonal total menor. A Organização
Mundial de Saúde classifica todas as mulheres como categoria 1 para a AE com
LNG, nos critérios de elegibilidade. O uso é feito somente quando necessário e
é de fácil administração, é de controle total pela mulher, tem plena reversibilidade e boa eficácia.
A pílula de emergência é um recurso contraceptivo muito importante, com
excelente potencial de reduzir mais ainda o número de gestações não desejadas
e não programadas e, consequentemente, de abortos provocados.
Leituras Suplementares
1
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
11.
12.
13.
14.
15.
16.
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