Folha de São Paulo
21/05/2013
"China é uma potência solitária, sem grandes aliados", diz
especialista americano
PATRÍCIA CAMPO MELLO
Um dos maiores especialistas do mundo em China, David Shambaugh, afirma que há
um "hype exagerado" em relação à influência chinesa no mundo. "A China está
superestimada, ela é apenas uma potência parcial, não é uma superpotência e nem
será no médio prazo", disse Shambaugh àFolha.
O especialista, que é diretor do programa sobre a China na Universidade George
Washington, acaba lançar o livro "China Goes Global: the partial power". Ele esteve no
Brasil para uma palestra na Fundação iFHC. "A China não tem soft power, ninguém
quer emular os chineses", diz. "China é uma potência solitária, que não tem grandes
aliados. Os únicos aliados são Camboja, Paquistão, Coreia do Norte e Rússia."
Shambaugh acredita que o crescimento da China deve desacelerar para cerca de 5%
em 2020.
Abaixo, trechos da entrevista que ele concedeu à Folha.
Folha - O sr afirma que a China ainda é uma "potência parcial". O que falta para a
China se transformar em uma superpotência?
David Shambaugh - Economicamente, a coisa mais importante que a China precisa
fazer para se tornar uma verdadeira superpotência é desenvolver inovação. A China
não é uma sociedade inovadora, é uma sociedade da cópia, apesar de todo o
investimento em pesquisa e desenvolvimento. A China já é uma potência comercial,
em volume, mas os produtos que saem do país não são desenhados lá, são apenas
montados lá. Se eles não se tornarem uma economia de inovação, como a Coreia e o
Japão fizeram, ficarão presos na armadilha de país de renda média para sempre.
E militarmente?
A China precisa ser capaz de projetar poder globalmente, e atualmente eles só
conseguem fazer isso em sua região. Eles não têm bases no exterior. Sua marinha é
grande, e eles são muito poderosos na Ásia. Mas, por enquanto, só na Ásia.
Mas os Estados Unidos vêm cortando brutalmente seus gastos em defesa, isso
não pode mudar a dinâmica no médio prazo?
Não. A diferença entre as forças chinesas e as americanas é enorme, e vai se manter
assim. A vantagem tecnológica dos Estados Unidos é muito grande, vai demorar para
eles serem alcançados. Outro problema é o soft power (poder de influenciar outros
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países por meios culturais ou ideológicos, sem força militar). Hoje em dia, os chineses
têm muito pouco soft power, se tiverem algum.
E os Institutos Confúcio, não ajudam?
Os Institutos são bons para ensinar a língua chinesa e fazer com que as pessoas
conheçam mais a cultura do país. Mas soft power não é isso. Soft power é fazer com
que as pessoas queiram te emular, queiram ser como você, que o país funcione como
um ímã que as pessoas querem imitar. E você não encontra muitos países ou pessoas
querendo imitar a China, certamente não politicamente. E aí está o grande problema o que realmente impede a China de se tornar uma superpotência é seu sistema
político, esse é o calcanhar de Aquiles. Ninguém admira o sistema político chinês. E é
um impedimento para a criatividade e inovação de seu povo.
Então o sr não concorda com a ideia de que eles podem ser uma superpotência
e fortaleza econômica e continuar sendo uma autocracia?
Não. Se eles se transformarem em uma democracia de verdade, aumentam as
chances de se tornarem uma superpotência. Porque dessa maneira os chineses
seriam livres para criar e eles iriam ganhar mais confiança de outros países do mundo.
Hoje em dia, as pessoas não confiam na China - no Ocidente, na Ásia e, de forma
crescente, na África.
Recentemente o presidente do Banco Central da Nigéria escreveu, em um artigo
no "Financial Times", que a África não deveria ter ilusões em relação à China,
"que
contribui
significativamente
para
a
desindustrialização
e
subdesenvolvimento" do continente. A reação contra o suposto "imperialismo"
chinês na África vem crescendo?
Sim. Se eles tivessem mais soft power, isso poderia compensar parcialmente essa
imagem de país neocolonial. Na África, os chineses estão basicamente despejando
produtos manufaturados nos mercados, imigrantes chineses estão roubando
empregos de africanos, enquanto a China extrai minerais e petróleo. Isso tudo forma
uma imagem muito ruim do país. E essa imagem ruim, de sua parte, anula o pouco de
soft power que os chineses têm no continente.
Você é uma voz isolada, uma vez que a maioria dos sinólogos é bem mais
entusiástica a respeito da ascensão da China. Você acha que há exageros sobre
a China?
Com certeza, a China tem um "hype" exagerado. Este é o principal argumento do meu
livro. A China está superestimada, ela é apenas uma potência parcial, não é uma
superpotência e nem será no médio prazo. Outros livros exageram o caso da China de
duas maneiras - alguns superestimam a influência que a China exerce, como a obra
de Martin Jacques ("When China rules the world"). Outros, que são a maioria,
exageram a ameaça que a China representa, dizendo que é uma potência em
ascensão que vai se chocar com os EUA militar ou ideologicamente e pode haver um
grande conflito. Essas duas imagens da China são exageradas.
O senhor acha que o fato de o modelo econômico chinês, baseado em
exportações e grandes investimentos domésticos em infraestrutura, estar
exaurido, vai levar o país a uma grande desaceleração no crescimento em
breve?
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Está claro que o modelo de crescimento da China se esgotou, e as autoridades
chinesas sabem disso. Eles vêm discutindo a necessidade de mudar (aumentar o
consumo doméstico), mas não conseguiram até agora. E não conseguiram porque há
enorme resistência a isso, ainda mais quando se trata de um modelo que funcionou
muito bem durante 30 anos. Todas as empresas estatais, que são intimamente ligadas
ao partido comunista, são muito corruptas e não querem mudanças no modelo. Por
que elas iriam voluntariamente abrir mão de seu poder só para um modelo de
crescimento melhor para a população?
Mas você vê uma queda significativa na taxa de crescimento?
Bom, o primeiro problema é: quão confiáveis são as estatísticas chinesas? Há todo o
tipo de distorções e muitos economistas dizem que a taxa de crescimento pode ser até
dois pontos porcentuais inferior ao que é divulgado, em vez dos cerca de 8%, uns 6%.
Mas fora esse problema, acho que a China conseguirá manter os 6%, 5% até 2020,
2025. Mas eu já vi estudos do Centro de desenvolvimento de Pesquisas do State
Council Chinês que estimam o crescimento chinês caindo para 3% em 2025.
E o problema demográfico?
Esse é outro grande desafio. Mao Tse-tung, nos anos 50, disse às pessoas : se nós
queremos ser uma grande potência, precisamos ter muita gente. Então houve um
baby boom nessa época, e essa geração de baby boomers chineses está chegando à
idade da aposentadoria agora. È um enorme contingente populacional se aposentando
ao longo dos próximos dez anos, e o país tem um sistema de previdência e de saúde
muito precários. E isso está diretamente ligado ao problema de como reequilibrar a
economia. Sem uma "rede de segurança" de previdência e sistema de saúde, os
chineses não vão aumentar seu consumo, vão continuar a ser um dos maiores
poupadores do mundo, com taxa de poupança em cerca de 52%.
Quando a China ultrapassar os EUA em tamanho da economia, qual será o
status global do país?
Provavelmente o mesmo que hoje em dia. Eu sou bastante cético. A não ser que eles
façam mudanças radicais, vão continuar bem isolados. China é uma potência solitária,
que não tem grandes aliados. Os únicos aliados são Camboja, Paquistão, Coreia do
Norte e Rússia
Mas e os Brics?
Não tenho certeza de que os países dos Brics tenham os mesmos objetivos. Trata-se
de uma organização em busca de uma identidade. Há divergências comerciais entre
os membros. Entre a Índia e a China, há muitos problemas territoriais e militares.
Rússia e China concordam em muitas questões, mas abaixo da superfície há uma
grande desconfiança.
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