ANAÍLA DOS SANTOS SILVA
A Linguagem Cartográfica na Alfabetização de Jovens e
Adultos
IFSP – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo
2009
ANAÍLA DOS SANTOS SILVA
A Linguagem Cartográfica na Alfabetização de Jovens e
Adultos
Projeto de Pesquisa apresentado à diretoria de
pesquisa e pós-graduação do Instituto Federal
de Educação, Ciência e Tecnologia de São
Paulo (IFSP), como parte dos requisitos para
avaliação final do curso de Especialização em
Educação Profissional Integrada à Educação
Básica na Modalidade EJA.
Orientador: Prof. Dr. Paulo Roberto de
Albuquerque Bomfim
IFSP – Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo
2009
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..................................................................................................................04
Capítulo 1. Ensino da Geografia.........................................................................................06
Capítulo 2. Leitura do Espaço e Leitura de Mundo............................................................10
Capítulo 3. A cartografia e sua aplicação no processo de Alfabetização............................15
3.1 A Cartografia.............................................................................................15
3.2 A Importância da Linguagem Cartográfica...............................................16
3.3 A aplicação da Linguagem Cartográfica nas Séries Iniciais do Ensino
Fundamental da EJA............................................................................................................19
Capítulo 4. O Contexto do Aluno de EJA e a Linguagem Cartográfica.............................21
Capítulo 5. As Implicações da Prática Docente .................................................................25
Capítulo 6. Proposta Prática de Projeto Pedagógico para Aplicação em Sala de Aula.......29
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................33
REFERENCIAIS BIBLIOGRÁFICAS............................................................................34
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INTRODUÇÃO
Sabemos que escolarização de jovens e adultos que não tiveram oportunidades de
acesso aos estudos na idade própria dá-se hoje no Brasil através de diferentes instituições
públicas e privadas; porém, todas com uma necessidade em comum: introduzir o aluno no
mundo letrado, relacionando este mundo com o meio em que esse pupilo está inserido e o
fazer em um tempo severamente restrito na unidade escolar.
Entretanto, esse aluno, diferentemente da criança das séries iniciais, traz consigo
uma bagagem maior, por conta de sua mais longa jornada, que abrange muitas informações
e experiências práticas, além de trazer uma visão de mundo com paradigmas consolidados
em sua mente e alma, tornando o trabalho do professor mais rico e, sobretudo, mais
desafiador.
O presente trabalho vem trazer à tona a reflexão quanto à possibilidade da
utilização da linguagem cartográfica como poderosa ferramenta neste processo de
escolarização, sendo que seu emprego, nessa fase da educação deve iniciar-se, segundo
Simielli (1999:38), através da Alfabetização Cartográfica, a qual o professor poderá
apropriar-se, sem que para tanto, seja graduado em Geografia.
Nas séries iniciais do ensino fundamental na Educação de Jovens e Adultos [EJA],
a linguagem cartográfica tem sido pouco explorada. Com algumas exceções, os educadores
e profissionais de ensino dessa modalidade não lhe atribuem à importância devida, postura
esta que expressa à falta de conhecimento de como esta linguagem contribui para o
desenvolvimento das competências citadas acima.
Este trabalho pretende ter como objetivo central trazer uma reflexão da importância
da linguagem cartográfica nas séries iniciais da EJA, entendendo que o uso dessa
linguagem, nessa fase da Educação Básica contribui para expandir os conhecimentos do
aluno em processo de alfabetização e para ampliar sua visão de mundo, além de levá-lo a
desenvolver competências e habilidades que facilitarão seu aprendizado da leitura, escrita e
dos conceitos matemáticos, fazendo assim, com que se aproprie de um conhecimento
global e não de conceitos fragmentados, sem ligações entre si.
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Simultaneamente, busca-se ampliar o acervo de pesquisas do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP), pois a escola não apresenta projetos
de pesquisa nesta área, amparando a prática pedagógica interdisciplinar nas séries iniciais
do Ensino Fundamental da Educação Básica no Brasil, a qual, ainda que já explorada em
alguns trabalhos1, ainda é uma área carente de produção.
Para tanto, o tema proposto será abordado em cinco capítulos: 1) Ensino do
espaço: uma leitura do currículo expôsto na legislação nacional para se chegar a prática do
ensino de geografia na EJA, com a finalidade de ressaltar a importante função social que a
disciplina possui; 2) Leitura do Espaço e Leitura de Mundo: uma explanação do
conceito de espaço por diferentes olhares, a importância da leitura do espaço, e
consequentemente, a leitura de mundo, conectando essas idéias a alfabetização; 3)
Cartografia na Alfabetização: o capítulo de subdivide em dois temas, primeiramente,
traz a definição da Cartografia e o que esta ciência abrange, em seguida, traz à tona a
importância da linguagem cartográfica como recurso didático; 4) O Contexto do Aluno de
EJA e a Linguagem Cartográfica: uma análise referente às peculiaridades do aluno que
frequenta a EJA e o quais contribuições a linguagem cartográfica pode trazer para este
aluno 5) As Implicações da Prática Docente: uma análise de quem o é profissional direto
que pode colocar essa abordagem em prática, e quais implicações ele possui que o
impedem de exercer plenamente sua função.
Este tema é de grande relevância devido ao fato de abordar e conectar três áreas
pouco abordadas em trabalhos acadêmicos: o ensino de geografia, o ensino de cartografia e
a modalidade EJA. A restrita abordagem ao ensino de geografia e cartografia em pesquisas
científicas contribui para o despreparo de nossos educadores, tanto na graduação como na
busca pessoal pela formação contínua e permanente. E ainda há a modalidade EJA, que
apresenta grande necessidade de reflexão sobre os assuntos que lhe são peculiares, mas
poucos são os estudiosos que se voltam para essa modalidade. Entretanto, a relevância
deste trabalho se faz ainda maior tendo em vista a rica contribuição que traz ||para a
formação plena do aluno adulto, enquanto cidadão.
1
Como, por exemplo, em: MATIAS, V. R. S.“As relações entre geografia, mediação pedagógica e
desenvolvimento cognitivo: contribuições para a prática de ensino em geografia”. Caminhos de Geografia 24
(17) 250 -264, 2006. e MASTRANGELO, A M. A construção do croqui em sala de aula (Dissertação de
Mestrado – USP, 2001) http://www.ig.ufu.br/revista/caminhos.html [acesso em 03 de agosto de 2008]
5
Capítulo 1 – O Ensino da Geografia
A atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN - n.9.394/96)
estabelece, em seu artigo 26, parágrafo 1º, que o currículo da educação básica deve
abranger o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política,
especialmente do Brasil. Assim diz:
“Art. 26. Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter
uma base nacional comum, a ser complementada em cada sistema
de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada
exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da
cultura, da economia e da clientela.
§ 1º. Os currículos a que se refere o caput devem abranger,
obrigatoriamente, o estudo da língua portuguesa e da matemática, o
conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e
política, especialmente do Brasil.”
Quando se trata de “conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e
política” diz-se respeito, em particular, à disciplina Geografia. Contudo, a obrigatoriedade
da disciplina, muitas vezes não significa o seu melhor exercício. Principalmente, na
modalidade de EJA, a qual possui certa restrição no que diz respeito à carga horária.
A lei citada acima também garante o direito à Educação aos que não tiveram acesso
na idade própria.
Art. 37. A educação de jovens e adultos será destinada àqueles que
não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino
fundamental e médio na idade própria.
§ 1º. Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente aos jovens e
aos adultos, que não puderam efetuar os estudos na idade regular,
oportunidades educacionais apropriadas, consideradas as
características do alunado, seus interesses, condições de vida e de
trabalho, mediante cursos e exames.
§ 2º. O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso e a
permanência do trabalhador na escola, mediante ações integradas e
complementares entre si.
Art. 38. Os sistemas de ensino manterão cursos e exames
supletivos que compreenderão a base nacional comum do currículo,
habilitando ao prosseguimento de estudos em caráter regular.
§ 1º. Os exames a que se refere este artigo realizar-se-ão:
I - no nível de conclusão do ensino fundamental para os maiores de
quinze anos;
II - no nível de conclusão do ensino médio, para os maiores de
dezoito anos.
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§ 2º. Os conhecimentos e habilidades adquiridos pelos educandos
por meios informais serão aferidos e reconhecidos mediante
exames.
Em outras palavras, a Educação de Jovens e Adultos (EJA) é um direito do cidadão
e deve compreender a base nacional comum do currículo. Porém, na maioria das
instituições de ensino desta modalidade trabalha-se a geografia de forma secundária ou,
principalmente, de maneira pouco atualizada no tocante a seus métodos, restringindo a
abordagem a conceitos fechados em si mesmos, meramente decorativos, ou em alguns
casos, ainda pior, quando é considerada dispensável; diante do que a escola tem como
necessidade para as séries iniciais do ensino fundamental.
Se a geografia pode ser vista como “ciência do concreto”, seria ela a disciplina
melhor equipada para despertar o interesse dos alunos. Contudo, “tentando a Geografia
falar do mundo atual, frequentemente descreve um outro, essencialmente agrário e já
ultrapassado” (BRABANT, 1993: p.:15-19). Ela acabou ficando no mesmo plano das
outras disciplinas: o plano da abstração1. Muitas vezes preocupado em dar conta de todo o
conteúdo, o professor apresenta diversos conceitos sem dar importância a este ou aquele
detalhe, apresentando listas de nomenclaturas, sem que haja um aprofundamento desses
conceitos, sem que para o aluno represente um conhecimento significativo.
O mesmo autor ainda explica que essa herança nos foi concedida por dois aspectos:
primeiro pela geografia militar, que tinha a necessidade de fazer o inventário de todos os
dados úteis para armazenar as informações suscetíveis de servir-lhe para o futuro. E em
segundo lugar, por ter sido colocada como auxiliar da História (disciplina), pois se
desenvolveu à sua imagem, e assim, a simples cronologia histórica corresponde à
nomenclatura geográfica. No mesmo sentido, Lacoste acrescenta a existência de duas
geografias. A geografia dos estados-maiores e a geografia dos professores. A primeira se
dá num conjunto de representações cartográficas e de conhecimentos variados referentes
ao espaço de acesso restrito pelas minorias dirigentes que o utilizam como instrumento de
poder. A segunda se apresenta como um discurso ideológico, que inculca elementos de
conhecimentos enumerados, sem ligação entre si (o relevo – o clima – a vegetação – a
população, etc.), que mascara a importância estratégica dos raciocínios centrados no
espaço. A geografia dos professores é excluída das práticas políticas e militares e de
1
Na prática de sala de aula ao se trabalhar o clima, por exemplo, não se estuda o tempo real, ou quando se
trabalha relevo não se considera os elementos da paisagem visível, realizando apenas uma construção
abstrata.
7
decisões econômicas, esconde a realidade da trama política e tudo o que se refere ao
espaço, e ainda, impõe, implicitamente, que para compreendê-la não é preciso mais que
uma boa memória. (LACOSTE, 1997: p.: 31-32)
Para desfazer o quadro apresentado pelos autores citados acima, é necessário
utilizar do vivido no plano de ensino, tornando o aluno um cidadão ligado à comunidade à
qual pertence. É preciso explicar ao invés de descrever, analisar e interpretar ao invés de
inventariar e classificar, para não cairmos no enciclopedismo, ou ainda pior, em uma
despolitização total.
Desde os anos de 1980, a discussão quanto ao papel da geografia, segundo Moraes,
vem proporcionando estimulo à reflexão, fazendo cair as “verdades” fossilizadas, buscando
novos caminhos e questionando velhas concepções. Os geógrafos críticos, assumiram a
perspectiva da transformação social, buscando uma geografia mais generosa e um espaço
mais justo, que seja organizado em função dos interesses dos homens. Moraes defende que
a geografia deve estar amparada pelo ideal humanista, centrada na ótica do trabalho, que se
contraponha aos interesses do capital e seja um instrumento de libertação do brasileiro.
(MORAES, 1990: p.:127-129)
Nesse sentido, Castellar defende que toda a aprendizagem da Geografia deve estar
atrelada aos seguintes objetivos:
Capacitar para a aplicação dos saberes geográficos nos trabalhos relativos a
outras competências e, em particular, capacitar para a utilização de mapas e
métodos de trabalho de campo;
Aumentar o conhecimento e a compreensão de: os espaços nos contextos
locais, regionais, nacionais, internacionais e mundiais, e, em particular o
conhecimento do espaço territorial; os traços característicos que dão a um
lugar a sua identidade; as diferenças e semelhanças entre os lugares; as
relações entre diferentes temas e problemas de localizações particulares; os
domínios que caracterizam o meio físico e a maneira como os lugares foram
sendo organizados socialmente, e por fim, a compreensão da utilização e do
mau uso dos recursos naturais.
Os conteúdos elencados vão além de fornecer informações, pois envolvem
objetivos procedimentais e atitudinais, o que nos leva a entender que o ensino de Geografia
não é meramente técnico, contudo uma disciplina de caráter social, pois apresenta
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propriedades para levar o aluno a refletir sobre a sua realidade, a sociedade e a dinâmica do
espaço (CASTELLAR, 2005: p.:209-225).
Com base nesses princípios deve-se abandonar as práticas em sala de aula sem
significado, atreladas a memorização de termos e definições, ou de simples cópias de
mapas.
O aluno adulto necessita conhecer o espaço que ele tem acesso, fazer relações com
o espaço distante, entender as questões sociais, filosóficas, políticas e econômicas que
influenciam a construção e manutenção e/ou modificações de fatores que envolvem este
espaço, para que ao se apropriar desses conhecimentos, possa participar efetivamente de
possíveis transformações para o bem comum da sociedade em que está inserido.
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Capítulo 2 – Leitura do Espaço e Leitura de Mundo
Em se tratando de alunos ainda não alfabetizados, justifica-se a necessidade do uso
da linguagem cartográfica, como instrumento para análise do espaço vivido por esse
estudante, sobretudo, devemos considerar o que conceito de espaço abrange.
O espaço não é uma coisa nem um sistema de coisas, senão uma realidade
relacional: objetos e relações juntos. Não é, portanto, o resultado de uma interação entre o
homem e uma natureza bruta, nem sequer uma simples mistura da sociedade de hoje com o
meio ambiente.
“O espaço deve ser considerado como um conjunto indissociável
de que participam, de um lado, certo arranjo de objetos
geográficos, objetos naturais e objetos sociais. E de outro, a vida
que os preenche e os anima, ou seja, a sociedade em movimento.”
(SANTOS, 1997:26)
Cada lugar combina variáveis de tempo diferentes. Não existe um lugar onde tudo
seja novo ou onde tudo seja velho. Milton Santos (apud MORAES 1990:125) observa que
as diferenças dos lugares são naturais e históricas e que a variação da organização do
espaço é fruto de uma “acumulação desigual de tempo”, uma articulação de elementos
naturais e processos históricos, de passado e presente.
O que vemos hoje, é uma combinação de elementos com idades diferentes. “O
arranjo de um lugar, através da aceitação ou da rejeição do novo, vai depender da ação dos
fatores de organização existentes nesse lugar, sejam eles, o espaço, a política, a economia,
o social, o cultural”. (SANTOS apud CALLAI: 2005). Esse é o meio em que vivemos, não
é naturalmente constituído, é construído no dia-a-dia. O lugar é o ponto de encontro de
lógicas que trabalham em diferentes escalas, reveladoras, de níveis diversos e às vezes
contrastantes, na busca da eficácia e do lucro, no uso de tecnologias do capital e do
trabalho. O lugar é o ponto de encontro de interesses longínquos e próximos, locais e
globais1. Um lugar é cheio de história e expressa o resultado das relações que se estabelece
entre as pessoas e também entre elas e a natureza.
1
Schaffer, por exemplo, explica que o espaço geográfico, como uma interação permanente e dinâmica entre a
natureza e as ações humanas no seu fazer social, toma concretude em diferentes escalas de análise, do lugar
ao global, abrangendo uma gama de situações, multiplicando-se em paisagens, é a paisagem geográfica, um
recorte específico que sintetiza os diversos tempos que traçaram a atual fisionomia do lugar, um foco
importante para a compreensão de conceitos geográficos e para a compreensão do mundo. Ler a paisagem, na
perspectiva da construção de um conhecimento mais significativo e voltado à construção da identidade do
sujeito, parte da definição prévia dos objetivos desta leitura. Esta leitura deve ser pensada no sentido de
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Um lugar não se restringe aos seus próprios limites, nem do ponto de vista de suas
fronteiras físicas, nem do ponto de vista das ações e ligações externas, comportando em si
o mundo, pontos singulares mas também globais, manifestações da totalidade-mundo, da
qual são formas particulares.
Entretanto, buscar explicações para aquilo que é apresentado no espaço requer,
portanto, que se tenha o cuidado de não simplificar as questões, mas ao contrário, tentar
situá-las em um contexto de investigação e estabelecer as inter-relações. (CALLAI, 2005:
p.:7)
Ao trabalhar com o conceito de espaço em sala de aula, deve-se considerar que a
leitura do lugar feita pelo aluno relaciona-se, entre outros conceitos, à noção de espaço que
ele vai aos poucos construindo ao longo de sua vida. Ao utilizarmos a linguagem
cartográfica e explorarmos as relações espaciais, podemos estabelecer uma relação entre o
todo e as partes que constituem os lugares, no que se refere à leitura do espaço vivido.
Saber ler essas informações significa explorar a observação da paisagem e assim não ficar
somente na percepção das formas, mas no significado de cada uma delas.
Na construção do conceito de espaço devem ser levadas em conta as relações
espaciais topológicas1 como básicas, reforçando a idéia de separação, ordem, sequência,
proximidade e continuidade, além das relações espaciais projetivas e euclidianas, que
possibilitam ao indivíduo fazer a leitura da realidade, bem como compreender os diferentes
tipos de representações: cartográfica e gráfica. O conceito de espaço deve ser construído
pouco a pouco pelo aluno, a partir de suas próprias experiências, isto significa que o mapa
ultrapassar a etapa do ver e programada para que o grupo avance no sentido de inferir, isto é, levantar
suposições, hipóteses, a partir do que é observado; investigar, ou seja, localizar respostas às questões que
propôs, às hipóteses que formulou, provocar o aluno para que busque soluções ou alternativas diferenciadas
ao que verificou como problemático na paisagem analisada. A leitura da paisagem está relacionada com o
desenvolvimento do conceito de lugar, que responde à experiência individual, ao sentido de pertencimento a
uma localização concreta, a um certo mapa mental. O lugar, do ponto de vista geográfico, descreve uma
localização espacial, ao mesmo tempo que uma experiência humana. Trata-se de um recorte territorial
identificável e sobre o qual agrega valores. O lugar, como espaço vivido, traduz a identidade de cada um,
nesse sentido, o conceito e as vivências do lugar assumem um papel muito importante em geografia, na
perspectiva de uma educação que se volta a atitudes de solidariedade e participação, que valoriza o
conhecimento e promove a identidade. Schäffer adverte que a conexão entre os conceitos de espaço e lugar
tem um processo de evolução, que deve ser seguido e iniciado nas primeiras etapas da aprendizagem,
tomando o cuidado de não realizar uma visão empobrecedora do que está próximo, ou seja realizar uma mera
descrição empírica da paisagem, sem relacionar, adequadamente, o local com o nacional, o regional e o
mundial, concomitantemente, através do jogo de escalas. (SCHÄFFER, 2006: p. 90/94).
1
As relações espaciais topológicas são a percepção do espaço interioridade e exterioridade do espaço que
compõem o traçado. (DANYLUK:1994:48)
11
cognitivo1 é um modelo pessoal da representação do espaço. Deve-se levar em conta que o
mapa não é uma representação do mundo real, e sim, um modelo, pois no processo de
elaboração do mapa, existem vários fatores que interferem, como os culturais e os
ideológicos de quem o fez. Ninguém representa o espaço de forma neutra, podemos ter
diferentes representações cartográficas e gráficas de uma mesma realidade. Dessa forma, a
representação deve abranger não só a compreensão do fenômeno, mas também, e
principalmente, a compreensão das concepções e finalidades, muitas vezes implícitas no
mapa (CASTELLAR, 2000, p. 32-35)
Callai defende que o escopo da geografia nas séries iniciais é aprender a pensar o
espaço e, antes disso, aprender a ler o espaço vivido, para isso, o aluno precisa saber olhar,
observar, descrever, registrar e analisar, juntamente com o processo de alfabetização, para
que possa se apropriar da leitura de mundo, e iniciando esse processo a partir do próprio
sujeito, onde o aluno estuda a sua vida, a sua família, a escola, a rua, o bairro, a cidade, e
assim sucessivamente, pois “para além da leitura da palavra, é fundamental que o aluno
consiga fazer a leitura de mundo.”
A leitura de mundo antecede a leitura da palavra. Desde que a criança nasce, ela
busca conquistar um espaço, pois se vê longe da proteção do ventre materno, num espaço
amplo, cheio de desafios e obstáculos e que, para ser conquistado, precisa ser conhecido e
compreendido.
A alfabetização nos ajuda a compreender mais e melhor o próprio mundo, ao
compreender o significado social da palavra, perceber o conteúdo social que ela traz e, por
conseguinte, aprender a produzir o próprio pensamento por meio da escrita. E, se quando o
aluno ler a palavra, realizar, simultaneamente a leitura de mundo, fará a leitura do espaço,
e poderá fazer a representação do espaço em que vive.
Nesse processo de aprender a ler, lendo o espaço, não há uma regra, um método
pré-estabelecido, nem a possibilidade de elencar técnicas capazes de dar conta de cumprir
o exigido. O que importa é o estabelecimento de um diálogo. Uma troca entre os
indivíduos envolvidos com o espaço, com a natureza e a sociedade, que se interpenetram
na produção e geram a configuração do espaço.(CALLAI, 2005: p.: 6)
1
O mapa cognitivo é uma construção que contempla categorias abstratas dos espaços vividos, como
montanhas, vales e rios, é uma construção de unidades geográficas com uma relação hierárquica de inclusão
de classes entre elas, e o significado dessas categorias está influenciado pelo conhecimento prévio ou as
hipóteses que o educando tem a partir de sua leitura de mundo. (CASTELLAR, 2000:35)
12
Estudar a paisagem ou o espaço através da pesquisa de campo, ou como ela se
refere como “o estudo do meio”, tem papel importante para os educandos das séries
iniciais, no que diz respeito ao desenvolvimento de habilidades de observação e descrição,
raciocínio indutivo e dedutivo e relações interpessoais, até mesmo na organização e
registro de conhecimentos. (SENA, 2001: p.: 22). Ainda sobre a pesquisa de campo,
Schäffer acrescenta que, esta prática permite a construção do conhecimento a partir da
realidade observada, analisada e contextualizada no tempo e no espaço, constituindo uma
possibilidade de superação da fragmentação do conhecimento, na medida em que o estudo
do real apresenta uma multiplicidade de aspectos que apontam para a concorrência das
diversas áreas do conhecimento. É sobretudo, uma vivência capaz de oportunizar o
confronto concreto e simultâneo da teoria e da prática. (SCHÄFFER, 2006: p.: 94)
O processo de alfabetização aliado à disciplina Geografia estimula a compreensão
da leitura de mundo à medida que entendemos a apropriação de um objeto socialmente
constituído. O aluno, ao ser colocado diante do objeto de estudo, pode questioná-lo e
oferecer outras possibilidades de análise, podendo até mesmo procurar sentido na leitura a
partir de seus indícios e verificações. Observar, registrar e analisar são processos que estão
relacionados ao significado de ler e de entender, desde os lugares de vivência até aqueles
que são concebidos por quem lê, dando significados às paisagens observadas, pois na
leitura se atribui sentido ao que está escrito. (CASTELLAR 2000, pg.:30-32 )
Em um registro publicado sobre a história local do processo de alfabetização de
crianças, jovens e adultos do município de Diadema/SP, vê-se a utilização de
representações cartográficas como instrumento no desenvolvimento da alfabetização. Ao
procurar a cientificidade sobre a realidade do aluno e ao buscar desenvolver um olhar que
possibilite fazer com que o indivíduo se compreenda em relação ao espaço, foi buscado
suplantar a prática de alguns professores na utilização de mapas, sendo que foi observado
que estes os trabalhavam apenas como instrumento de ilustração. Interiorizar gradualmente
o chão que se pisa, ter noções de interdependência, limites, fronteiras, direção e escalas que
levem o aluno a se expressar através das diversas linguagens possibilitadas pelo mapa, ou
seja, foi partir do concreoto próximo, das partes para o todo e deste para as partes, na
relação do indíviduo com o seu meio. (IOKOI, s/d :p.:54)
13
A linguagem cartográfica pode se tornar forte aliada à alfabetização, elas podem
caminhar juntas e uma enriquecer o aprendizado da outra, é preciso conhecer para utilizar,
vejamos no capítulo seguinte o que abrange essa ciência de “desenhar o espaço”.
14
Capítulo 3 – A Cartografia e Sua Aplicação no Processo de
Alfabetização
3.1 A Cartografia
Segundo Johansson1, Cartografia é um conjunto de operações científicas, artísticas
e técnicas produzidas a partir de resultados de observações diretas ou de explorações de
documentação, tendo em vista a elaboração de cartas, plantas e outros tipos de
apresentação e também a sua utilização. O Conceito Moderno de Cartografia defende que
Cartografia é organização, apresentação, comunicação e utilização da geoinformação nas
formas visual, digital ou táctil, que inclui todos os processos de preparação de dados, no
emprego e estudo de todo e qualquer tipo de mapa. Para a Associação Brasileira de
Normas Técnicas (ABNT), Cartografia é a arte de levantamento, construção e edição de
mapas e cartas de qualquer natureza. Segundo o Dicionário Cartográfico (de Oliveira,
Cêurio - IBGE), Cartografia (Hist.) 1. Vocábulo criado pelo historiador português
Visconde de Santarém, em carta de 8 de dezembro de 1839, escrita em Paris, e dirigida ao
historiador brasileiro Adolfo de Varnhagen. Antes da divulgação e consagração do termo,
o vocábulo usado tradicionalmente era cosmografia. 2. Conjunto de estudos e operações
científicas, artísticas e técnicas, baseado nos resultados de observações diretas ou de
análise de documentação, visando à elaboração e preparação de cartas, projetos e outras
formas de expressão, bem como a sua utilização (ACI).
Segundo Souza, a Associação de Cartografia Internacional adotou em 1964 a
definição de cartografia como sendo o “conjunto de estudos e operações científicas,
artísticas e técnicas, baseado nos resultados de observações diretas ou de análise de
documentação, com vistas à elaboração e preparação de cartas, planos e outras formas de
expressão, bem como sua utilização”. (SOUZA, 1999: p.: 34)
A cartografia passou a ser compreendida como meio de comunicação a partir da
década de 1960, graças aos estudos de geógrafos e cartógrafos franceses, poloneses e
russos, onde passou a ser vista na perspectiva da teoria da informação, da comunicação e
da representação gráfica e não apenas como uma técnica para representar a descrição do
mundo, como no período das Grandes Navegações.
1
http://www.cartografia.eng.br/artigos/carto.asp
15
Bonfim1 traz a tona, que a longa história da Cartografia reflete a importância desta
para todos os homens de todos os períodos históricos, pois as questões espaciais, para
serem resolvidas, necessitam da utilização de mapas. O mapa é uma simplificação da
realidade, confeccionado a partir da seleção de elementos representados por símbolos e
sinais apropriados. Se bem utilizado em sala de aula, favorece a conscientização do aluno,
enquanto ser humano, em seu papel de sujeito que interage com o mundo em que vive.
Para que alcance esse objetivo, o aluno deve participar ativamente do processo de
construção do conhecimento. Pois, ao representar o mundo à sua volta passa da percepção
para a observação, sistematizando o saber. Desenvolver a capacidade de representação
mental no aluno, fará com que o mesmo adquira a possibilidade de aperfeiçoamento da
visão individual sobre o espaço vivido. (BONFIM, 2006: p.:177-178).
3.2 A importância da Linguagem Cartográfica
Ao tratar da Cartografia para o ensino fundamental, Romano afirma que ensinar o
aluno a observar é dar-lhe condições de verificar todos os pontos importantes da realidade
que devem ser registrados por meio da escrita ou do desenho. Assim, a compreensão de
esferas mais distantes será facilitada pela comparação com as mais próximas, as que são
mais concretas para ele.
Representar um lugar por meio do desenho exige uma organização mental
adequada. À medida que o aluno consegue ler uma representação cartográfica do lugar de
sua vivência, ele desenvolve as noções do espaço em que ele se insere como parte do grupo
social local. A construção conceitual, na leitura e análise de mapas, contribui na
compreensão da produção e transformação do espaço pelo homem. (ROMANO, 2005: p.:
157)
O cotidiano possibilita a leitura do espaço por meio de diferentes informações e a
cartografia enriquece essa leitura, quando através dela têm-se a representação dessas
informações. (SIMIELI: 2003, p.:94-98)
Os mapas conjugam-se com a prática histórica, podendo revelar diferentes visões
de mundo”. O ensino de mapas inicia-se com a construção da noção de espaço, seguida da
1
BOMFIM, N. R. A importância da utilização dos mapas como instrumento de ensino/aprendizagem
na geografia escolar. 176-179. Revista Caminhos da Geografia, fevereiro de 2006.
www.ig.ufu.br/revista/caminhos.html [acesso em 03 de agosto de 2008]
16
representação do mesmo. A construção do mapa pelo aluno é a passagem do espaço
perceptivo, de ação, para o espaço representativo.
O desenvolvimento mental da noção de espaço do indivíduo se realiza a partir da
libertação do egocentrismo para localizar objetos no espaço, tanto no plano da construção
do espaço perceptivo, quanto no plano representativo. Martinelli chama esse processo de
“descentração”, que envolve uma sucessão de relações espaciais, para tanto, é importante
verificar o desempenho nos alunos dos conceitos de lateralidade 1.(MARTINELLI, 2005:
p.: 53-54) Pois, os conceitos de lateralidade são fundamentais para apropriação dos
conceitos da linguagem cartográfica.
Ao interpretar as imagens, identificando sua ideologia, fazendo inferências e
associações tendo como base o conhecimento geográfico, as imagens serão o meio para o
pensamento crítico sobre o espaço. Para isso, é preciso aprender a decodificar o mapa, tê-lo
como meio de comunicação e de informação, e não uma ilustração pura e simples
(MATIAS, 2006: p.: 251)2
Schäffer classifica a Cartografia como a linguagem, por excelência, da síntese das
informações espaciais; expressa conhecimentos e estuda situações, sempre enfatizando a
idéia de organização do espaço, por este motivo, a leitura cartográfica surge, desde o início
da escolaridade, como instrumento básico em geografia, para compreender a
espacialização dos fenômenos e para representá-los também espacialmente.
A educação para a leitura de mapas, deve ser entendida como o processo de
aquisição, pelos alunos, de um conjunto de conhecimentos e habilidades, para que
consigam efetuar a leitura do espaço, representá-lo, e desta forma construir os
conceitos das relações espaciais. Neste processo, a função simbólica, desempenha
1
Segundo Fonseca, a lateralidade constitui um processo essencial às relações entre a motricidade e a
organização psíquica inter-sensorial. Representa a conscientização integrada e simbolicamente interiorizada
dos dois lados do corpo, lado esquerdo e lado direito, o que pressupõe a noção da linha média do corpo. A
partir daí vão decorrer, então, as relações de orientação face aos objetos, às imagens e aos símbolos, razão
pela qual, a lateralização, vai interferir, de maneira decisiva, na aprendizagem escolar.
A lateralidade não é só importante no desenvolvimento intelectual (cognitivo), mas também na
estruturação espaço-temporal de todo o corpo, onde se definirá melhor um esquema corporal mais eficiente,
dando mais clareza no referencial corporal em relação aos objetos e direções a seguir. É comum encontrar
pessoas já adultas com deficiência no entendimento de sua lateralidade.(FONSECA, 1989: P.:69)
2
MATIAS, V. R. S.“As relações entre geografia, mediação pedagógica e desenvolvimento cognitivo:
contribuições para a prática de ensino em geografia”. Caminhos de Geografia 24 (17) 250 -264, 2006.
http://www.ig.ufu.br/revista/caminhos.html [acesso em 03.08.08]
17
um importante papel para o preparo de leitores eficazes de mapas. ( PASSINI
apud SCHÄFFER, 2006: p.: 95)
Partindo deste pressuposto, entende-se que a função simbólica é a capacidade de
perceber a relação significante e significado, não se pode trabalhar em sala de aula com
mapas complexos sem ter efetuado um processo de educação cartográfica, mantendo a
deseducação e fazendo com que os alunos concluam a educação básica analfabetos e
despreparados em relação à leitura de mapas, pois desconhecem o significado dos símbolos
e as funções das legendas, sem entenderem a proporcionalidade das escalas e as
deformações decorrentes do uso da projeção cartográfica. Se os alunos não aprendem a ler
o mapa, o uso deste, não lhes fará sentido algum. A leitura da paisagem responde, no
processo de aprendizagem, a um objetivo similar ao da leitura de um texto qualquer: para
ler o mundo, para compreender o mundo, e o papel de cada um no mundo. Para constituir a
sua identidade, a identidade com seu tempo e lugar. Ler a paisagem responde, ainda a
objetivos que se reportam a capacidades e atitudes. A paisagem é um recurso que permite
desenvolver uma série de capacidades: a observação, o registro, a análise, a comparação e
a representação que, em geografia, tem um caráter específico.
A Cartografia como linguagem, trouxe uma nova possibilidade de ensinar
Geografia, à medida que possibilita uma aprendizagem mais significativa, por meio de
levantamento de hipóteses, elaboração de modelos, comparações, análises, relações e
outras habilidades operatórias, que contribuem para o desenvolvimento da inteligência.
(SCHÄFFER: 2006, p.: 95)
Os mapas devem ser valorizados não apenas como meios de registro do espaço
geográfico, mas também como ferramenta de investigação. Para Almeida, o indivíduo que
não consegue usar um mapa está impedido de pensar sobre os aspectos do território que
não estejam registrados em sua memória. Está limitado apenas aos registros de imagens do
espaço vivido, o que o impossibilita de realizar a operação elementar de situar localidades
desconhecidas. A autora ainda afirma que, é função da escola preparar o aluno para
compreender a organização espacial da sociedade, o que exige técnicas e instrumentos
necessários à representação gráfica dessa organização. (ALMEIDA: 2001, p.:17)
O estudo dos mapas proporciona uma visualização mais ampla do espaço, nos
trazendo uma noção concreta, entretanto, o estudo dos textos acrescenta a história de
18
formação desse espaço geográfico, entre outros dados também de grande valor, contudo
utilizar a Linguagem cartográfica como ferramenta trará a apropriação das relações de
ambos, e consequentemente o entendimento do todo.
3.3 A aplicação da linguagem cartográfica nas séries iniciais do ensino
fundamental na EJA
Schäffer revela que a leitura em geografia, surge como caminho para buscar,
selecionar, organizar e interpretar a informação, que é a expressão de um momento do
lugar e da vida, portanto uma expressão passageira. Assim, mais importante que reter a
informação do lugar e da vida que ele abriga, os exercícios de leitura e escrita devem
propiciar aos alunos as condições para que ele possa, de forma permanente e autônoma,
localizar a nova informação, pela leitura de mundo e expressá-la, escrevendo para o
mundo, de forma pertinente ao seu tempo e seu espaço, tornando-se legível pelos seus
pares. Para que esta leitura ocorra de forma produtiva, o educador deve valorizar a
experiência vivida e buscar de várias fontes instigadoras, como o texto escrito, a música, a
charge, discutindo de forma problematizadora, para que representem desafios reflexivos ao
estudo de um tema, é neste contexto que se devem acompanhar os textos particulares da
geografia: o estudo do lugar (o bairro, a cidade), a leitura do texto técnico (livro didático) e
a leitura da imagem espacializada (o mapa). O recurso é enriquecedor e há multiplicidade
de fontes, entre as quais, incluem-se as inovações tecnológicas mais recentes vinculadas à
informatização da sociedade (as fotos aéreas, as imagens de satélite), é conteúdo que
instiga a curiosidade e a criatividade e volta-se a estabelecer a autonomia do pensar e do
fazer, mas cujo uso fica na dependência do acesso aos mesmos pela escola, pelo professor
(SCHÄFFER 2006: 90).
Na prática, o aluno não tem domínio do todo espacial e usa pontos de referência
elementares para localização e orientação. A passagem para o domínio de referenciais
geográficos e a elaboração de mapas iniciais deve ser gradativa e pode realizar-se por meio
de atividades que o levem a vivenciar as técnicas de representação espacial. (ALMEIDA:
2001, p.:18)
Simieli defende que o fundamental é desenvolver a capacidade de leitura e de
comunicação oral e escrita, por fotos, desenhos, plantas, maquetes e mapas, permitindo ao
aluno a percepção e o domínio do espaço. O ideal é que durante as séries iniciais do ensino
fundamental seja trabalhada basicamente a alfabetização cartográfica. Nessa fase o aluno
19
deve iniciar-se nos elementos da representação gráfica, para que possa, posteriormente,
trabalhar com a representação cartográfica. Devem-se oferecer inúmeros recursos visuais,
acostumando o aluno com a linguagem visual. A iniciação da cartografia deve partir do
espaço concreto do aluno, aquilo que lhe é próximo: o espaço da sala de aula, o espaço do
bairro; para somente no período pós-alfabetização, se utilizar do estudo do município, do
estado, do país e planisfério.
Para tanto, não se pode ter a cartografia como uma mera apresentadora de mapas
prontos e acabados, mas sim entendendo que o real objetivo das representações dos mapas
e dos desenhos é transmitir informações e não ser simples objeto de reprodução. A
cartografia em sala de aula deve ir além da simples proposta de copiar o mapa, o aluno
deve apropriar-se deste recurso como instrumento de informação e utilizá-lo para localizarse em um contexto de espaço, maior do que aquele que seus olhos alcançam.
A representação do espaço se desenvolve em uma seqüência de aquisição de
competências. O aluno se reporta a uma ação quando assiste a um gesto, fala ou grafia.
Substitui a ação pela representação, o que lhe permite mais tarde raciocinar sobre um
espaço que está expresso no mapa. Para isso, ele deve aprender o mapa, construindo-o,
partindo de seu mundo mais próximo, espaço conhecido e vivido, para posteriormente
compreender a representação do distante desconhecido. A representação do espaço se dá
com a capacidade de representar o conhecimento já construído em nível prático. Para tanto,
apropria-se do recurso do pensamento simbólico, assim obtém o domínio dos símbolos
próprios da linguagem cartográfica, criação de legenda, signos, cores, formas, pontos. Esta
representação no papel exigirá uma redução proporcional, o que trará a necessidade de
compreensão da noção de escala. (SIMIELI, 2003:94-98).
20
Capítulo 4 – O Contexto do Aluno de EJA e a Linguagem Cartográfica
Para discutirmos sobre a viabilidade da linguagem cartográfica, nas séries iniciais
do ensino fundamental da modalidade de educação de jovens e adultos, é necessário
identificar quais características possuem este aluno, assim como suas peculiaridades.
Em geral o aluno de EJA, é o adulto trabalhador, que não possuiu condições para
dar contiuidade aos estudos em idade apropriada. Pinto (1982:79) declara que esse aluno
tem em mãos, enquanto membro da sociedade, a produção social, a direção da sociedade e
a reprodução da espécie.
Nesse sentido, sua situação de cidadão não formalmente escolarizado, não
representa um obstáculo à consciência de seu papel social. Isto é, a falta de educação
formal não é sentida pelo trabalhador adulto como uma deficiência aniquiladora, visto que
a educação informal (aquela que é transmitida pelas diversas relações sociais ao longo de
sua vida) proporciona os fundamentos para a participação política e sua atuação na
comunidade, como representante da consciência comum ou líder de movimentos sociais.
Esse aluno já atua como educado, porém não em forma alfabetizada, escolarizada (1982,
p.80).
A alfabetização desse aluno faz-se necessária, não para criar sua participação
social, mas para que essa ocorra em níveis mais altos.
Portanto, esse educando não pode ser encarado como um ser marginalizado, pois
ele é, de fato, um cidadão útil. Deve ser considerado, um portador e um produtor de idéias,
dotado freqüentemente de alta capacidade intelectual, capacidade de apreensão e uma
agudeza de vistas que o equiparam à média dos indivíduos de sua idade, em melhores
condições. Dentre aquilo que este aluno não sabe, o que ele realmente ignora, é a causa de
sua condição de atraso cultural e de pobreza. Contudo, não cabe ao educador instruí-lo com
base em suas próprias concepções, pois estas questões são de cunho ideológico, mas é seu
papel, utilizar-se de um método crítico de educação de adultos, que dê ao aluno a
oportunidade de alcançar a consciência crítica, instruída de si e de seu mundo. O que o
adulto precisa aprender é, em princípio, a totalidade do saber, existente em seu tempo.
(PINTO 1982, p.82-84).
Freire apresenta duas visões acerca da alfabetização de adultos: a visão ingênua (ou
“astuta”, como diz o autor) que entende o analfabetismo como uma erva daninha, uma
enfermidade, ou manifestação da incapacidade de um povo, pouca inteligência ou
21
proverbial preguiça, consequetemente a alfabetização de acordo com essa visão é um ato
mecânico, ou até mágico de depositar palavras e sílabas aos alfabetizandos. A significação
mágica emprestada à palavra alfabetização se alonga noutra ingenuidade: a do
messianismo, onde o analfabeto é um “homem perdido”, e sua salvação consiste em ser
“enchido” por estas palavras.
Este modo de tratar o aluno, representa uma deformada maneira de vê-los, pois não
se considera sua experiência existencial bem como o acúmulo de conhecimentos que esta
experiência lhes deu e continua dando.
Para a visão crítica, o analfabetismo não é considerado uma enfermidade, ou uma
“erva daninha” a ser erradicada, mas sim uma das expressões concretas de uma realidade
social injusta. Não é um problema estritamente lingüístico nem exclusivamente
pedagógico, metodológico, mas político. E de acordo com esta concepção, não será através
de mera repetição mecânica de pa-pe-pi-po-pu, que se desenvolverá nos educandos a
apropriação do conhecimento do mundo a sua volta, como por exemplo, a consciência de
seus direitos, isto é a sua inserção crítica realidade. A alfabetização nesta perspectiva deve
se dar como um processo de busca, de criação, em que os alfabetizandos são desafiados a
perceber a significação profunda da linguagem e da palavra, [e por que não o mapa?]. o
aprendizado da leitura e da escrita não pode ser feito como algo paralelo ou quase paralelo
à realidade concreta dos alfabetizandos, o aprendizado demanda a compreensão da
significação profunda da palavra. Mais que decodificar o que está escrito e escrever
palavras e frases prontas, aprendidas por mera repetição, o aluno precisa de “escrever” a
sua vida, e “ler” a sua realidade, o que não será possível se não toma a história nas mãos
para fazendo-a, por ela serem feitos e refeitos. (FREIRE:1976, p.: 13-16)
A educação de adultos é, como já vimos, um ato político, o processo de alfabetizar
deve trazer em si o processo de conhecimento do contexto da realidade em que o educando
se insere e torná-lo capaz de transformá-la, através da prática consciente. Nesse sentido,
Freire afirma que educador e educandos “co-intencionados” à realidade, são sujeitos no
ato, não só de desvelar esta realidade, desta forma criticamente conhecê-la, mas também no
de recriar este conhecimento. E, ao alcançarem, na reflexão e na ação em comum, este
saber da realidade, se descobrem como seus refazedores permanentes. (FREIRE, 2005:6364)
O uso da Linguagem Cartográfica contribui para que o aluno, em processo de
alfabetização, se aproprie da leitura, análise, e intervenção de seu espaço geográfico, a
22
cartografia enriquece o domínio deste aluno diante de seu espaço. Alfabetizar-se hoje,
implica um dos princípios da dignidade humana, assim como de preparação do indivíduo,
para participar da construção e da reconstrução histórica.
A contribuição da Linguagem Cartográfica é efetiva quando é considerado o
conhecimento que o aluno já possui acerca do espaço vivido para se chegar sobre qual
ponto de partida o trabalho deverá se iniciar. Pois, a capacidade de o sujeito entender a
realidade e ler o mapa varia de individuo para individuo. A compreensão das mudanças ou
das formas presentes nos lugares de vivência do educando está relacionada com o
significado dos objetos, a dimensão do conceito e o desenvolvimento das habilidades que
estruturam o pensamento e estimulam o raciocínio. Há educandos que ainda não se
“descentraram” do ponto de vista espacial, ou seja continuam com o ponto de vista em si
mesmos e não reconhecem o outro.
É preciso construir um modelo com objetos tridimensionais e estabelecer diferentes
pontos de vista, tendo o aluno como observador. Ele terá de descrever o objeto em
diferentes posições sem se deslocar, iniciando o processo de “descentração”. Essa
habilidade operatória, ao ser explorada na alfabetização cartográfica, o fará compreender
os sistemas de referência, significa colocar-se na posição do observador, como à esquerda
e à direita em relação ao objeto e do ponto de vista do observador, o que está relacionado à
reversibilidade, o que possibilita o pensamento ser dinâmico, é o negar e o afirmar no ato
de pensar (CASTELLAR, 2000, p.33 e 34).
Lima, estudiosa no ramo da neurociência, explica que a realização de um mapa
mobiliza quatro elementos: a imaginação, pela evocação das imagens da memória e a
reorganização necessária para montar as relações espaciais; o exercício da memória, pela
evocação de coisas percebidas e guardadas pela memória de longa duração, através da
atividade de desenho ou maquete, há reforço das conexões neuronais e desenvolvimento do
pensamento espacial; o desenvolvimento da percepção visual, através da observação e do
registro simultâneo, modelos perceptivos são formados e ampliados e a proporção, pensar
em escala é bastante importante nos cálculos mentais, em vários tipos de profissões, e
também para resolver problemas da vida cotidiana, como por exemplo, calcular o quanto
comprar de tecido para fazer uma cortina ou quanto preciso de tinta para pintar um quarto.
(LIMA, 2009: p.: 19)
23
Santos e Ferreira explicam que, as primeiras relações espaciais que a criança
estabelece, são as chamadas “relações espaciais topológicas elementares” que abrangem o
conceito de vizinhança, correspondendo ao nível onde as figuras (elementos) são
percebidos – o que está ao lado, conceito de separação, que corresponde a fronteiras e
limites, o conceito de ordem, que corresponde as noções de antes e depois; envolvimento, o
espaço que está em torno de, e de continuidade, recorte do espaço do qual a área em
questão corresponde. Quando as operações mentais das crianças, passam a ser
“descentração” espacial e orientação de corpo, tendo elas mais cuidado com as
perspectivas, as medidas e as distâncias, elas desenvolvem a percepção do espaço. No que
se refere ao aluno de EJA, essas noções já foram exploradas ao longo de sua vida, portanto,
a sua necessidade é de construir a sistematização, representação, ou racionalização deste
conhecimento já adquirido: ele tem noção de distancia, medidas, perspectivas em outras
dimensões, mas não as lê representadas cartograficamente e conseqüentemente não as
representa através dos signos adequados, pois ainda não se apropriou do uso da linguagem
cartográfica.
Como a Geografia é a ciência que se preocupa com a espacialização dos fenômenos
de forma mais categórica e a Cartografia aborda a noção concreta do espaço, a proposta de
alfabetização cartográfica visa desenvolver com os alunos uma maior exploração do
espaço vivido, espaço este, que eles ajudaram a construir e que eles participam ativamente
de suas mudanças e composições. Além de levá-los à construção de estruturas que
ofereçam as condições necessárias ao uso cotidiano e acadêmico desta linguagem, pois a
cartografia é uma das formas de se entender o mundo. (SANTOS e FERREIRA, s/d: 1-2)
Em comparação com a criança em processo de alfabetização das primeiras séries do
ensino fundamental, o aluno adulto possui um número de informações e experiências
significativamente maior, porém existe a necessidade de sistematizar este conhecimento,
para que tenha condições de efetuar de forma autônoma a leitura, a análise do espaço que
pertence e que constrói. Adquirindo capacidade de compreender e intervir nas mudanças
que ocorrem nesse espaço e não ter mais a sensação de que não pode fazer nada diante do
que lhe é apresentado ou imposto.
24
Capítulo 5 – As Implicações da Prática Docente
A partir de uma observação indireta ao trabalho realizado entre colegas em algumas
escolas no bairro de Capão Redondo na zona sul da capital paulista. Sem qualquer
envolvimento de questionários e/ou entrevistas formais, verifica-se que os professores
raramente se utilizam da linguagem cartográfica nas séries iniciais do Ensino Fundamental
na Educação de Jovens e Adultos, e quando é usada, se faz a aplicação isso se dá de forma
superficial, ou com uma mera apresentação de um mapa.
Acredita-se que isso acontece pela falta de conhecimento da contribuição que esta
linguagem traz para o aprendizado da leitura e escrita: a grande preocupação desses
profissionais, e também pela falsa idéia de que só o professor graduado em Geografia está
habilitado para se apropriar de tal conteúdo.
Apesar da maioria dos educadores ignorarem este fato, o estudo do espaço
concreto, proporcionado pela Cartografia, é um bom aliado para a efetiva alfabetização dos
alunos nas séries iniciais.
Sabemos que os mapas atendem às nossas necessidades cotidianas de chegarmos a
algum lugar, de planejarmos trajetos, e atende a propósitos mais complexos, como aos de
planejamento. No entanto, é comum que o professor de diferentes níveis e em diferentes
séries, recorra ao mapa apenas como meio para localizar pontos, cidades, países, rios, etc,
sendo raros os que procuram fazer um uso mais elaborado, relacionado, por exemplo, à sua
interpretação e/ou leitura. Schäffer, indica dois motivos para que ocorra este
comportamento: a falta de preparo para o trabalho com esse material e a ausência de
recursos nas escolas, destes dois o primeiro é o principal.
Schäffer (2006, p.:89-97) defende que o compromisso profissional do educador
implica na compreensão intransferível da necessidade de adequar os conhecimentos
disciplinares (aqueles da geografia) que pretendem ser profundos a um grupo que não quer
e não precisa ser especialista em geografia, que tem outra experiência de vida, outras
expectativas. Para que o aluno venha a ler e escrever em geografia, é necessário que, antes,
o professor dirija seu olhar para o outro (o aluno) e para o conjunto (a escola).
Castellar menciona este despreparo, ou esta desmerecida “ignorância” sofrida pelos
docentes, quando diz que a Geografia, como área do conhecimento escolar, deve ser
25
compreendida nas séries iniciais, como parte do processo de Alfabetização, porque é
importante no processo da leitura de mundo, entretanto, em função da formação inicial dos
professores das séries iniciais, muitos não sabem por que é importante esta aplicação.
(Castellar, 2000, p. 30).
Além da falta de informação, os profissionais da educação sofrem devido à sua máformação. A formação dos professores de uma forma geral, têm se dado através de cursos
concentrados em faculdades isoladas, instituições que não incentivam à pesquisa, não há
estímulo quanto à qualificação do professorado, não existe ligação entre o que acontece na
sala de aula e a produção de conhecimento na área específica. O autor ainda defende que o
que ocorre é uma mera distribuição de saber, “uma venda de conhecimento em pacotes”,
não há espaço para discussão crítica em torno do conhecimento, tampouco para a
convivência e a introdução das questões acadêmicas e científicas. Outro fator complicador
elencado pelo autor é a contratação de profissionais “horistas” que não permanecem em
seu local de trabalho mais do que o tempo utilizado em sala de aula, e não obtêm nenhum
incentivo para o estudo.
Além disso, as aulas não inspiram uma prática de trabalho reflexivo, pois o método
utilizado pelos seus professores, que muitas vezes se tornam sua principal referência, é
formado de aulas expositivas, trabalhos em grupos que não são valorizados, trabalhos
devolvidos sem nenhum comentário, provas que não estimulam em nada a análise crítica
de um tema, falsos seminários, pois não passam de uma aula expositiva disfarçada. Pra
complicar ainda mais o quadro, muitos desses ingressantes no magistério, fizeram esta
opção sem refletir sobre sua importância, por falta de oportunidades em outras carreiras
mais disputadas. (GANDIM: 2003, p.119)
Um agravante relevante é que a grande maioria dos educadores que atuam na
Educação de Jovens e Adultos não tiveram formação específica para trabalhar com essa
modalidade de ensino, o que os leva a aprender a lidar com as peculiaridades desse público
durante a prática em sala de aula, tornando seus alunos verdadeiros “cobaias” de suas
experimentações.
Entretanto, ao abraçar esta carreira, o professor percebe, logo de cara, que cada aula
dada é uma aula assistida, e que faz-se fundamental o aprofundamento das questões que
permeiam a prática pedagógica. Como já disse o mestre Paulo Freire:
26
“não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino... enquanto
ensino, continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco,
porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para
constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo.
Pesquiso para conhecer o que não conheço e comunicar ou
anunciar a novidade.” (FREIRE, 1996, p.29)
A capacitação do professor se define sobre o modo como concebe o conhecimento
e sua construção, o que exige um espaço onde pessoas refletem sobre a prática pedagógica
com base na própria prática, bem como na leitura de textos de literatura atual sobre a
educação geral, sobre política da educação, sobre a psicogênese de leitura-escrita, sobre
aspectos das diversas áreas do conhecimento.(BEZERRA, 1989, p. 92)
Independente da qualidade de sua formação, o professor não pode se limitar a ela, é
preciso estar sempre em busca de novos conhecimentos, de apoio em pesquisas que o
ajudem a refletir sobre sua prática, procurando aperfeiçoar-se através de cursos de
formação, palestras, leituras e troca de experiências com colegas. Paulo Freire ainda afirma
que o professor precisa assumir uma postura reflexivo-crítica, uma postura de professorque reflete sobre sua prática. “A prática docente crítica, envolve o movimento dinâmico,
dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer. O próprio discurso teórico, necessário à
reflexão crítica, tem de ser de tal modo concreto que se confunda com a prática” (FREIRE,
1996, p.38-39).
Além da falta de preparo dos professores, uma grande obstáculo encontrado nas
diversas instituições de ensino na Educação de Jovens e Adultos, é a escassez de recursos,
são raras as instituições de ensino que disponibilizam de um acervo razoável de mapas
impressos, e apesar de hoje já existirem sites que nos permitem a visualização de mapas
diversos, de todo o mundo, e até via satélite1, infelizmente nem todas as escolas possuem
acesso a internet para os alunos. Não podemos deter o foco do problema voltado só para a
falha na prática do professor, mas é necessário considerar os grandes obstáculos que estes
profissionais do ensino se deparam todos os dias.
Uma outra implicação para a prática de ensino na modalidade EJA é o grande
número de ausências e de evasão escolar. O que é justificado pelo fato de o aluno adulto
1
“Google maps” (http://maps.google.com.br), e os sites: http://www.embrapa.br; http://www.zee.ma.gov.br;
www.ibama.gov.br; www.achetudoeregiao.com.br
27
encontrar diversas dificuldades em manter uma boa assiduidade nas aulas, e também para
concluir o ano letivo, pois acaba se afastando devido à problemas de saúde, cansaço,
excassez de tempo, e muitas vezes pela falta de recursos financeiros para irem à escola,
fatores que o fazem faltar muito ou até desistirem da escola.
O professor, por sua vez, encontra muitas dificuldades para seguir seu planejamento
sem prejudicar o aprendizado desses alunos, pois muitas vezes em uma turma de EJA, cada
dia se encontra um grupo diferente de alunos, ou até casos de alunos que só conseguem vir
pra escola uma ou duas vezes por semana. A turma que conclui o ano é bem diferente
daquela que iniciou. Gerando grande frustração para o professor. O que pode nos consolar
é o pensamento de que cada aula, cada fala é como uma semente lançada, e nossos olhos
não alcançam os desdobramentos de nosso trabalho. Os resultados são a longo prazo, e às
vezes longe de nós. O que não nos impede de lutar por políticas públicas que promovam
ações nas empresas, para que incentivem seus funcionários a estudarem.
Para tornar acessível a prática da Linguagem Cartográfica nas séries iniciais da
Educação de Jovens e Adultos, segue no capítulo seguinte, uma Proposta de um Projeto
com uma sequência didática para introduzir o tema nas salas de alfabetização. Vale
ressaltar que é uma sugestão, não se trata de atividades prontas, mas somente um caminho
para aqueles que não sabem como começar.
28
6. Proposta Prática de Projeto Pedagógico para Aplicação em Sala
de Aula
Tendo em vista a grande dificuldade dos professores, e educadores em se apropriar
da Linguagem Cartográfica com alunos em processo de alfabetização, segue abaixo uma
sugestão simples de uma sequência de atividades, totalizando um projeto para ser aplicado
nas duas primeiras séries do ensino fundamental.
Este projeto visa instrumentalizar nossos docentes, para introduzirem a linguagem
cartográfica nas suas salas de alfabetização, para que se confirme a idéia de que não
precisam ser necessariamente graduados em Geografia, para que se aproprie da linguagem
cartográfica. Vale ressaltar que este projeto é flexível, podendo sofrer alterações, de acordo
com a necessidade dos alunos e/ou da escola, ele apresenta um formato que pode ser
trabalhado no decorrer de um ano letivo, mas a sua duração deve ser determinada pelos
educadores e/ou os alunos que o utilizarem. Na primeira etapa, por exemplo, é apresentado
um bom número de sugestões de atividades para cada elemento da linguagem cartográfica,
onde o professor poderá escolher quais delas são possíveis de aplicação dentro de seu
contexto.
Todo o processo especificado no Projeto acima, farão com que a ótica global sobre
os temas relacionados ao estudo de Cartografia seja compreendida em termos de função e
de importância, através de discussões na sala de aula, tendo como meta a ser alcançada, o
contato deste aluno com esta ciência, a ampliação do conhecimento adquirido por este
aluno nesta fase escolar, assim como a sua inserção na sociedade como cidadão ativo e
consciente.
Projeto: “Aprendendo a Ler Mapas”
Primeira etapa: Destrinchando os conceitos básicos
Para iniciar o trabalho de Cartografia com os alunos das séries iniciais da EJA, fazse necessário aplicar atividades introdutórias que desenvolvam os conceitos de: escala,
proporção, lateralidade, legenda, símbolo.
29
Atividade 1: Legenda: Promover a pintura de um desenho simples com as cores
indicadas na legenda ou a leitura coletiva de um mapa simples, ou ainda leitura de imagens
(fotos, recortes de jornais e revistas, ) com legenda.
Atividade 2 : Escala e Proporção: Provocar a ampliação ou redução de um
desenho em folha quadriculada, sem que haja muita exigência na precisão na proporção
usada pelos alunos, lembre-se sempre que o objetivo é trazer a noção do conceito de escala
e proporção. Ao término do exercício, discutir sobre a proporção de cada quadradinho em
ambas as figuras, instigar os alunos até chegarem à equação da escala, (1/10, por exemplo),
para enriquecer a aula, o professor poderá apresentar um mapa e analisar juntos a escala
apresentada no mapa.
Atividade 3: Lateralidade: fazer uma sessão de ginástica com exercícios que leve
os alunos a aplicarem os conceitos de direita, esquerda, ou desenhar um labirinto no pátio
da escola e sugerir uma brincadeira onde um aluno com os olhos vedados deverá ser
guiado pelos colegas para chegar à saída. E, em sala, apresentar a Rosa dos Ventos, e/ou
uma bússola, para aplicar os conceitos ligados a linguagem cartográfica, definindo junto
com eles os principais pontos cardeais.
Atividade 4: Símbolo: Efetuar a leitura dos símbolos de trânsito da cidade, com os
quais os alunos se deparam cotidianamente, ou realizar a leitura de uma carta enigmática,
ou a até realizar a produção deste tipo de carta. Pode-se também explorar os símbolos
matemáticos através das operações simples de soma, subtrair, multiplicar e dividir. Para
acrescentar, fazer uma lista de símbolos que usamos em nosso dia-a-dia e, por fim, efetuar
a leitura de um mapa apresentando seus principais símbolos.
Ao término dessas atividades, o professor poderá fazer uma breve revisão do que
foi trabalhado, apenas com a leitura de um mapa, planta, croqui ou carta topográfica.
Segunda etapa: Observação e Representação de um Objeto
Nesta etapa faremos a observação de um objeto tridimensional e sua representação
no plano bidimensional. O professor deverá colocar um objeto no centro da sala de aula
onde todos possam ver, e instruir os alunos a analisarem o que estão vendo, os detalhes, a
formas, de acordo com o ponto de vista onde o aluno está localizado. Em seguida, solicitar
que os mesmos representem em uma folha de papel o objeto, de acordo com o ponto de
vista de cada um.
30
Terceira Etapa: A observação da realidade sócio – espacial.
Para tal, o aluno deve se utilizar do espaço conhecido, como por exemplo: a sua
casa, seu trabalho, sua escola, seu bairro, sua cidade, dentre outros, fazendo com que a
exploração do conhecimento cartográfico se dê de forma mais prática. Baseando-se na
proposta de Passini (1995), o processo de iniciação dos alunos na utilização dos mapas
começa com a leitura/observação do espaço geográfico a sua volta, onde o aluno seleciona
os elementos para mapear. Ele percebe o mundo a sua volta e ao representá-lo passa da
percepção para observação, sistematizando o saber.
Após a observação e seleção dos elementos do espaço faz-se necessário o registro,
através da escrita e do desenho que, tornar-se-ão utensílios de (re) produção da
representação espacial enfatizada nesta produção. O desenho e a escrita, como forma de
mapeamento do lugar, território, paisagem, entre outros, além de desenvolver a capacidade
de representação mental do aluno, fará com que os mesmos adquiram a possibilidade de
aperfeiçoamento da visão individual sobre o espaço vivido, ou seja, demonstração à
flexibilização do raciocínio dirigido ao delineamento das áreas das escalas espaciais
descritas, encontrando em cada novo passo do processo da escrita e do desenho voltado
para a Cartografia, uma aproximação bastante significativa e mais ajustada ao real. Nesse
sentido, Passini (1995) ressalta que o importante não é o resultado de um “mapa” perfeito
ou imperfeito, mas, é a passagem do espaço concreto para o plano de representação que o
aluno vivencia. O que deve ser valorizado por meio do desenho e da escrita é o caminho
percorrido pela criança ao desvendar esse novo mundo, o da representação gráfica. O aluno
fará o desenho da sala de aula, por exemplo, e colocará em seu mapa, os elementos
trabalhados na primeira etapa do Projeto.
Quarta Etapa: Construção de uma maquete
Instruir os alunos a escolherem uma região, uma praça, um bairro, etc. para que
observem, e façam uma leitura deste espaço, uma análise em primeira instância simples,
como: O que contem? Em que posição se encontram os elementos deste espaço? Que
função tem cada elemento? Para depois seguir para uma análise mais crítica: Quem
determinou que este espaço estivesse assim? Quais propósitos há na escolha da estrutura
31
desse espaço? A disposição dos elementos é intencional? Podemos enquanto cidadãos
intervir neste espaço?
Em seguida, orientar os alunos a confeccionarem uma maquete de um espaço
vivenciado por ele, como exemplificado na etapa anterior deste Projeto. O uso de maquetes
permite discutir questões sobre localização, projeção, proporção e simbologia. Em seguida,
discutir sobre o porquê da localização de determinados elementos no espaço observado e
representado.
Posteriormente instruí-los a reproduzir esta maquete no papel, fazendo uso dos
elementos fundamentais da linguagem cartográfica, como: escala, proporção, localização,
semiologia, etc. para que o aluno represente em duas dimensões o espaço tridimensional,
representando toda a área sob um só ponto de vista, assim como já foi apresentado na
segunda etapa deste projeto, mas desta vez o registro possuirá maiores detalhes, pois uma
maquete apresenta maior número de elementos. O que fará com que o aluno caminhe aos
poucos para escalas cada vez maiores.
Assim, a passagem para o mapa geográfico será mais fácil, pois o aluno tem como
ponto de partida uma redução tridimensional de uma área conhecida, que foi trabalhada
geograficamente e que, num momento posterior, será mapeada, este processo são as bases
para que o aluno se aproprie mais tarde de relações espaciais mais complexas.
Quinta etapa: Análise e interpretação do desenho produzido pelo aluno
Depois de finalizar o seu desenho o aluno poderá trocar de mapa com outro colega,
para que este efetua a leitura. É uma etapa da construção da representação espacial que
merece destaque, posto que, a partir desse momento o aluno passa a ter um contato com o
mundo científico, o qual representa a delimitação do espaço com mais prioridade e clareza,
implicando, provavelmente, numa elevação do pensamento dos discentes a níveis de
conhecimento sobre o lugar para se chegar a escalas maiores.
Os alunos poderão socializar seus trabalhos com os colegas da classe, e porque não
com toda a escola fazendo uma linda exposição, com as suas produções e outros mapas
diversos e cartazes informativos.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Partindo do pressuposto de que a Cartografia é sub-utilizada, ou muitas vezes nem é
trabalhada nas séries iniciais do ensino fundamental, faz-se necessário a reflexão sobre as
perdas que o aluno dessa fase sofre, principalmente na EJA, pois o aluno das séries iniciais
possui um perfil diferenciado das demais séries. Em sua grande maioria são “meia-idade”1,
possuem histórico de repressão familiar, exclusão social e cultural, e ainda estão inseridos
em uma sociedade na qual o trabalho é exageradamente valorizado em nome do progresso
e desenvolvimento econômico. Em detrimento disso, ao chegar em sala de aula este aluno
apresenta toda a sua disposição focada em aprender a ler, escrever e fazer contas.
Ao se deparar com a proposta de fazer a leitura do ambiente que lhe é concreto,
representado no papel, encontra extrema dificuldade, isto se dá pelo fato deste aluno não
ter recebido estímulos na fase considerada favorável para a aprendizagem.
Por sua vez, o professor tem em mãos um grande desafio: atender à gritante
necessidade desse aluno de alfabetizar-se formalmente e, ao mesmo tempo, proporcionarlhe condições de fazer uma leitura de mundo, se apropriando de outras formas de
linguagem, que não seja somente a escrita e a matemática, como é o caso da linguagem
cartográfica.
Ao se apropriar da linguagem cartográfica o aluno poderá adquirir as competências
de orientação, representação e localização, desenvolvendo uma organização mental,
competências fundamentais no processo de alfabetização. Além disso, a cartografia amplia
a visão de mundo, permite às pessoas que conheçam seu espaço e sua representação,
passem a organizar e dominar esse espaço num sentido político, social, cultural.
Não se pode afirmar que a contribuição da linguagem cartográfica é essencial no
processo de alfabetização, mas não se pode negar a sua grande importância na formação do
indivíduo como um todo, fazendo do aluno um cidadão ligado à comunidade que pertence
e ao mundo.
1
“meia-idade”: alunos na faixa de 40 a 60 anos
33
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Tema: Educação Artística nas séries iniciais do ensino