Revista de Odontologia da Universidade Cidade de São Paulo
2006 maio-ago; 18(2)129-34
ANÁLISE DAS TENSÕES DESENVOLVIDAS NO CANINO INFERIOR COM DESCANSO DE CÍNGULO
PREPARADO EM COROA METALOCERÂMICA FRESADA*
TENSION ANALYSIS DEVELOPED IN THE LOWER CANINE TOOTH WITH CINGULUM REST PREPARED IN MILLED
METALLOCERAMICS CROWN
Nelson Júnior Inoue **
Dalva Cruz Laganá ***
Pedro Paulo Feltrin ****
Marcelo de Faria Souza Ávila *****
RESUMO
Introdução: Os apoios desempenham papel fundamental no funcionamento de uma prótese parcial removível, sendo responsáveis principalmente pelo direcionamento das cargas transmitidas aos dentes suportes. Nos casos em que é necessária a confecção de restaurações protéticas, o preparo coronário do dente
promove um sobrecontorno lingual ou palatino da coroa, o que pode distanciar a incidência das cargas
ao longo eixo dos dentes, caso seja realizado um preparo convencional. Para que este fator seja minimizado, a maioria dos autores preconizam aumentar o desgaste lingual do preparo através de um entalhe,
proporcionando o espaço necessário para o descanso lingual. Método: Assim, o objetivo desta investigação
é avaliar, através do método dos elementos finitos bidimensional, o que realmente ocorre quando este
procedimento é realizado ou não em canino inferior com a presença de uma coroa metalocerâmica. Resultados e conclusão: Os resultados mostraram a confecção do entalhe lingual ou palatino no preparo do dente
canino, e o descanso de cíngulo com angulação menor que 90o em relação ao seu longo eixo, promovem
uma melhor distribuição de tensões no seu interior e no ápice radicular; quando não for confeccionado o
entalhe lingual, optar pelo descanso com ângulo em 90o.
DESCRITORES Prótese parcial removível
ABSTRACT
Introduction: The rests have a fundamental role in a partial removable denture functioning, which the main
responsibility of it is to distribute the load transferred to the support teeth. In the cases that the construction of prosthetic restoration are needed, when a conventional preparation is used, a tooth preparation
provides a crown with Cingulum rest - lingual or palatine over contour that can increase the distance
of the loads transferred through the teeth axis. The majority of the authors suggest that this factor can
be minimized increasing the lingual wear preparation using a notch, providing the correct space for the
lingual rest. Method: So the objective of this investigation was evaluate what really happens when this
procedure is performed or not in lower canines teeth with the presence of a metalloceramic crown using
the bi-dimensional finite element method. Results and conclusion: The results showed that the making of
lingual or palatine notch in the preparation of canine tooth and the cingulum rest with a angle lower than
90 degree regarding through its axis provide a better load distribution in it interior and in it apex root;
when the lingual notch is not made, the rest with 90 degree angle should be opted; the region below the
cingulum rest is a critical area to the cement line because of the tension concentration in the junction
between tooth and restoration.
DESCRIPTORS: Dentine, Partial, Removable
*Resumo do trabalho de Dissertação apresentado na Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Mestre em
Prótese Dentária
**Mestre em Prótese Dentária pela USP, Professor da Disciplina de Prótese Parcial Fixa da Univercidade Cidade de São Paulo
***Professora Titular do Departamento de Prótese Dentária da USP, Diretora da Faculdade de Odontologia da Universidade Cidade de São Paulo (Unicid)
****Mestre e Doutor em Odontologia pela USP, Professor Responsável pela Disciplina de Oclusão da Univercidade Cidade de São Paulo
*****Mestre em Prótese Dentária pela C.P.O. São Leopoldo Mandic, Coordenador do Curso de Especialização em Prótese Dentária da Universidade do
Grande Rio (Unigranri)
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em coroa metalocerâmica fresada. Revista de Odontologia da Universidade Cidade de São Paulo 2006 maio-ago; 18(2)129-34
INTRODUÇÃO
Os apoios são responsáveis pelo direcionamento das
cargas transmitidas aos dentes-suporte de uma prótese
parcial removível. Quando um apoio é colocado em um
dente sem preparo de descanso ou com este mal preparado, a resultante de forças causará o movimento da sela
protética em uma direção e do dente pilar na direção
oposta. Porém, quando o mesmo é corretamente confeccionado, as forças aplicadas sobre o apoio da prótese
parcial removível, em grande parte, são direcionadas ao
longo eixo dos dentes-suporte (Rudd et al.13, 1999)
Os descansos de cíngulo apresentam um comportamento estético e biomecânico superiores aos incisais,
segundo Santos14 (2000), pois se localizam na superfície palatina ou lingual dos dentes anteriores e mais para
cervical do que os apoios incisais, aproximando-se do
centro de rotação do dente (Zanetti e Laganá18, 1996) e
reduzindo o braço de alavanca no qual o dente se compara, ao exercer a função de suporte.
Para Likeman e Juszczyk 7 (1993), o preparo do descanso de cíngulo deve ter, no mínimo, 0,5mm de profundidade, para haver um direcionamento das cargas ao
longo eixo do dente. Sua forma também deve resultar
numa superfície de encaixe que tenha um ângulo menor
que 90o em relação a este, que irá promover um travamento entre as superfícies descanso/apoio, evitando, assim, a formação de componentes de forças que resultem
numa vestibularização do dente sobre o qual o apoio se
aloja. É importante salientar que, para se conseguir estas dimensões no preparo do descanso, fatalmente haverá exposição de tecido dentinário em 100% dos casos (Mengar8, 1996), o que pode ser contornado com o
aumento do cíngulo por meio de restaurações, empregando-se resina composta (Costa et al.2, 1998; Galvan4,
1994) ou próteses adesivas.
Nos casos de dentes que serão suportes de prótese
parcial removível e que necessitam de uma restauração
protética, esse problema não existe, pois na confecção
da ceroplastia das coroas, o descanso de cíngulo pode ser
preparado com dimensões adequadas (Santos, 2000)14.
O preparo coronário do dente não pode ser realizado
antes do estudo e planejamento dos locais de redução
do dente. As paredes axiais devem estar de acordo com a
trajetória de inserção da prótese parcial removível sempre que possível. Porém, esse preparo promove uma restauração protética com um sobrecontorno lingual ou
palatino da coroa, o que pode distanciar a incidência das
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cargas ao longo eixo dos dentes, caso seja realizado um
preparo convencional. Para que esse fator seja minimizado, a maioria dos autores (Wiebelt e Shillingburg Jr.16,
1985; Rudd et al.13, 1999; Devlin3, 2001) preconiza aumentar o desgaste lingual do preparo dentário através de
um entalhe, proporcionando o espaço necessário para o
descanso lingual da restauração protética.
Assim, o objetivo desta investigação é avaliar o que
realmente ocorre quando esse procedimento é realizado,
ou não, em canino inferior com a presença de uma coroa
metalocerâmica.
MÉTODO
A análise das tensões foi realizada pelo método dos
Elementos Finitos, que permite a visualização por meio
de gráficos de cores e dados numéricos das tensões, que
ocorrem internamente nos modelos idealizados, devido
às forças aplicadas. É aplicável para análise das mais variadas estruturas, desde problemas mecânicos até simulações de sistemas ósseos (Palacios Moreno11, 1998). O
programa de análise de Elementos Finitos utilizado foi o
FELT e seus aplicativos (Velvet, Corduroy e o programa
de visualização Postscript Ghostview) através do sistema
operacional LINUX RED HAT 6.1.
O modelo simulou um canino inferior preparado
para receber uma coroa metalocerâmica com fresagem
lingual em forma de descanso de cíngulo. Para a análise
desta investigação foram confeccionados quatro modelos com as seguintes características:
1 - Dois modelos receberam uma preparação extra
em forma de “V” invertido na superfície lingual do preparo coronário (entalhe) para alojar o descanso de cíngulo Teclesean, Silva e Silva16.
1.1 - Um desses modelos teve a parede gengival confeccionada com ângulo menor que 90o em relação ao
longo eixo do dente, chamado de modelo A. (Figura 1)
1.2 - O outro modelo teve a parede gengival preparada com ângulo em 90o em relação ao longo eixo do
dente, chamado de modelo C. (Figura 3)
2 - Dois modelos foram preparados da forma tradicional, sem o desgaste extra (entalhe) para acomodação
do descanso de cíngulo.
2.1 - Um dos modelos foi preparado com descanso
de cíngulo com ângulo menor que 90o em relação ao
longo eixo do dente, chamado de modelo B. (Figura 2)
2.2 - No outro modelo, o descanso foi preparado
com ângulo de 90o em relação ao longo eixo do dente,
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Figura 1- Modelo A
3,3778
0,0028316
Figura 3 - Modelo C
3,2176
Figura 2- Modelo B
Figura 6- Região 2
3,0388
Figura 7- Região 3
0,0036265
Figura 4- Modelo D
2,8848
Figura 8 - Gráfico do valor médio das tensões de Von Mises
1,6
1,4
0,0025637
0,0036425
1,2
1
Figura 5 - Região 1
região 1
0,8
região 2
0,6
região 3
0,4
0,2
0
modelo A
modelo B
modelo C
modelo D
chamado de modelo D. (Figura 4)
Foi aplicada no ponto central da parede gengival do
apoio de cíngulo uma carga total de 100N (Laganá6,
1996; Lacerda5, 1999; ávila 1, 2000).]
RESULTADOS
Os resultados do experimento foram obtidos através
do próprio aplicativo Velvet do programa FELT, que
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fornece dados para a análise das regiões de tensões do
modelo através do gráfico de cores.
Em primeiro lugar, foi realizada a análise do gráfico
de cores para verificar os locais de maiores concentrações
de tensões. Todos os quatro modelos finais a serem analisados apresentaram, no gráfico de cores, as maiores concentrações de tensões nos mesmos locais, que foram:
• ligamento periodontal do ápice radicular, chamada
de região 1 (Figura 5)
• junção dente/restauração abaixo do descanso de
cíngulo, chamada de região 2 (Figura 6)
• região coronária vizinha ao descanso de cíngulo,
chamada de região 3 (Figura 7)
De cada região foram selecionados seis elementos
para que fossem analisadas as tensões de Von Mises numericamente.
Na análise numérica das tensões de Von Mises, nos
elementos selecionados, encontramos dados numéricos
que foram comparados entre si. (Figura 8)
DISCUSSÃO
A função da relação descanso/apoio na biomecânica
da prótese parcial removível é, indiscutivelmente, um
dos fatores mais importantes na preservação das estruturas remanescentes dos arcos parcialmente edentados.
Como foi proposto, o objetivo foi avaliar como as
tensões são distribuídas no dente-suporte que recebeu ou
não um desgaste extra na sua superfície lingual em forma
de entalhe e que foi revestido por uma coroa metalocerâmica preparada com um descanso de cíngulo. Para isso
empregou-se um método que analisa as tensões, qualificando-as e quantificando-as, mostrando-se um método
seguro e confiável (Stegaroiu et al.15, 1998; Yang et al. 17,
1999).
Em todos os modelos foram encontradas as maiores
concentrações de tensões no ápice radicular (região 1),
sendo esta a mais favorável, fisiologicamente, para a anatomia do ligamento periodontal (Myers et al.9, 1986).
Houve também concentração de tensões na junção dente/coroa da região logo abaixo do descanso (região 2) e
na região coronária vizinha ao descanso de cíngulo (região 3), independente da angulação do descanso e da
presença ou não do entalhe lingual no preparo coronário
do dente. A região 2 foi o local que apresentou a maior
concentração de tensões e a região 1 foi a que apresentou
a menor concentração.
Baseando-se na tabela numérica das tensões de Von
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Mises, observou-se que a presença do entalhe lingual, no
preparo coronário, contribui para diminuir a concentração de tensões nas regiões 1 e 3, o que sugere uma distribuição mais homogênea de tensões ao longo do dente.
Porém, esse artifício, que é confeccionado para melhor
posicionar o descanso ao longo eixo do dente, aumenta a
concentração de cargas na junção dente/coroa abaixo do
descanso (região 2), o que pode sobrecarregar a linha de
cimento dessa região.
Nos modelos que apresentavam o entalhe lingual, a
confecção do descanso com angulação menor que noventa graus diminuía sensivelmente a concentração de
tensões na região 1 e 3, quando comparado com um descanso confeccionado com angulação em noventa graus,
sugerindo também uma melhor distribuição das tensões
ao longo do dente. Já na região 2, uma angulação do
descanso em noventa graus proporciona uma maior concentração de tensões do que um descanso com angulação
menor que noventa graus.
Nos modelos em que não foi confeccionado o entalhe lingual, a angulação em noventa graus do descanso
é que proporcionou menor concentração de tensões nas
regiões 1, 2 e 3.
Numa análise mais detalhada da região apical (região
1), os elementos foram divididos em dois vestibulares,
dois centrais e dois linguais. Foi observada em todos os
modelos uma maior concentração de tensões nos elementos vestibulares, seguidas pelos elementos linguais e
centrais, o que sugere a tendência de rotação da região
do ápice radicular para vestibular, diante de uma carga na
região coronária lingual. Para Rebóssio12 (1963), sempre
que há componentes de forças horizontais, existe uma
tendência de o dente girar segundo um eixo rotacional,
tendo um fulcro localizado na união do terço apical com
os terços restantes do dente num alvéolo normal.
Em um dente-suporte sem descanso ou com um descanso mal preparado, a ação das forças funciona como se
dois planos inclinados fossem colocados um em oposição ao outro (Rudd et al.13 , 1999)Assim sendo, as forças
mastigatórias resultantes empurram o dente para vestibular e transferem grande parte das cargas para o osso
alveolar (O’ Grady10 et al., 1996).
A concentração de tensões nos dois elementos vestibulares da região 1 foi reduzida nos modelos em que
se tem a confecção do entalhe lingual no preparo coronário, quando comparados aos modelos em que não se
tem o entalhe confeccionado, o que sugere uma menor
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tendência de rotação do dente ou um melhor direcionamento das cargas ao longo eixo do dente com a presença
do entalhe lingual.
CONCLUSÕES
Com base nos resultados da investigação, pode-se
concluir que:
1 - A confecção do entalhe lingual ou palatino no
preparo do dente canino, e o descanso de cíngulo com
angulação menor que 90o em relação ao seu longo eixo,
sugerem uma menor tendência de rotação do dente ou
cargas mais axiais, promovendo uma melhor distribuição de tensões no seu interior e no ápice radicular.
2 - Quando não for confeccionado o entalhe lingual,
optar pelo descanso com ângulo em 90o.
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Raul Gonzalez, professor-doutor da Escola Politécnica da USP, pela ajuda na parte técnica do
experimento.
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Recebido em: 18/09/2006
Aceito em: 10/10/2006
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