> clínica do social
Maria Ignez Costa Moreira
Gravidez na adolescência: Análise das
significações construídas ao longo de gerações de
mulheres
pulsional > revista de psicanálise >
ano XV, n. 158, jun/2002
clínica do social > p. 48-56
A gravidez na adolescência tornou-se nas últimas décadas um tema importante de pesquisa no Brasil. O presente artigo é fruto da tese de doutorado Gravidez na adolescência:
análise das significações construídas ao longo de gerações de mulheres1 e pretende discutir as significações psicossociais construídas ao longo de gerações de mulheres sobre a
gravidez considerada precoce. O artigo ressalta as significações positivas construídas,
sobretudo, pelas jovens-avós e pelas mães adolescentes e contrapô-las ao discurso
hegemônico da mídia e dos profissionais de saúde e educação que têm considerado a
gravidez na adolescência como “risco” e “problema”.
>Palavras-chave : Mãe-adolescente, jovem-avó, geração, psicologia social
>48
Adolescent pregnancy has become an important research theme in Brazil in recent
decades. The present article is the result of a doctoral thesis entitled Pregnancy in
adolescence: an analysis of significations constructed by successive generations
of women, and aims at discussing the psychosocial significations constructed by
successive generations of women about what is known as precocious pregnancy.
The article emphasizes the positive significations constructed especially by young
grandmothers and adolescent mothers, and confronts these significations with the
dominant discourse in the media and often expressed by professionals involved in
health and education, who often consider adolescent pregnancy a “risk” and a
“problem.”
Key words
>Key
words: Adolescent mother, young grandmothers, generation, social psychology
1> Tese de doutorado defendida em 13 de junho de 2001 no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da PUC.-SP, sob orientação da Profa. Silvia Tatiana Maurer Lane.
zem uma interpretação dos significados
cristalizados atribuídos à gravidez e tal interpretação orienta sua vida cotidiana.
Elas não substituem um discurso pelo outro,
o do “problema” pelo da “solução”, mas
apontam as contradições e revelam que a
gravidez na adolescência, que experimentaram concretamente em suas vidas, não
comporta apenas aspectos negativos, mas
também positivos. Ou seja, elas revelam o
que o discurso homogêneo oculta: as contradições.
Por outro lado, a forma como a gravidez na
adolescência vem sendo tratada, ou seja,
como “indesejável” e “como problema”, permite suspeitar de algumas ordens de subordinação. A subordinação de classe social: as
adolescentes pobres e suas famílias são um
constante alvo de pesquisas e intervenções
que visam muito mais o controle da reprodução e da sexualidade dessas jovens do
que a invenção de possibilidades de compreensão de seu mundo de cultura, o amparo às suas decisões ou respostas às suas
necessidades e demandas. Aqui temos: a
subordinação de gênero, localizada na representação das adolescentes como vítimas
das artimanhas sedutoras dos homens; a
sistemática exclusão dos homens, sobretudo os pais adolescentes, do acompanhamento dos períodos de gravidez e parto de
suas parceiras; a ausência de programas
destinados aos homens adolescentes, permitindo-lhes refletir acerca dos seus direitos sexuais-reprodutivos e do exercício da
paternidade; no aspecto das relações intragêneros, o poder que a maternidade confere à mãe, em relação à filha adolescente, e
às transformações nessa relação de poder,
quando a filha adolescente também se tor-
2> Os critérios para a escolha das entrevistadas foram: adolescentes entre 14 e 19 anos com pelo menos uma experiência de gravidez, cujas mães tenham se tornado avós entre os 35 e 48.
clínica do social
A gravidez entre mulheres adolescentes tem
ocupado a pauta da mídia, tem se tornado
tema de preocupação e de discussão entre
pais e professores, bem como tornou-se,
nas últimas décadas, um tema importante
de pesquisa no Brasil. Este debate em torno
do tema, tanto nos meios acadêmicos quanto não-acadêmicos, tem enfatizado a inadequação da gravidez ocorrida nesta etapa da
vida e, mais ainda, tem atribuído a ela os
significados de “problema” e de “risco”.
Os significados da gravidez na adolescência
enquanto “problema” e “risco” foram assumidos nos “dicionários” dos profissionais da
mídia, de educação, de saúde e mesmo de
uma parte dos pesquisadores. Mas tais significados são apropriados e revistos na vida
cotidiana, e novas significações são produzidas. Para compreendê-las, foram entrevistadas mulheres de gerações distintas
pertencentes a uma mesma família: as bisavós, as jovens-avós e as mães-adolescentes.2
A análise das entrevistas mostrou a existência de um fosso entre o significado cristalizado da gravidez na adolescência, como um
problema, e a interpretação feita pelas jovens e suas famílias sobre tal experiência. É
interessante notar o conflito entre esse significado cristalizado e o esforço de produção de novas significações, quando as
jovens-avós e as mães-adolescentes fazem
um inventário entre as vantagens e as desvantagens da gravidez e da maternidade,
nessa etapa da vida. Entre as vantagens,
elas relatam a vivência da gravidez como a
realização de um projeto ou uma possibilidade de organização da vida dos jovens,
além da reorganização da própria vida familiar. Dessa forma, essas mulheres produ-
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Introdução
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na mãe; finalmente, a ordem da dominação
dos adultos, em relação aos jovens, exercida não só pelos pais, mas por profissionais
de saúde e educadores.
Entre todas as formas de subordinação
apontadas, este artigo tratará apenas da
subordinação entre as idades, enfocando as
relações entre as jovens-avós e as mães
adolescentes. Esta discussão guia-se pelas
teorias de geração que foram úteis na análise das entrevistas realizadas.
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Geração
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Considerando que uma geração não é um
grupo concreto, no sentido de que seus
membros não se conhecem nem se reconhecem, mas estão vinculados pelas práticas e pelos símbolos que marcam aquela
geração, as relações intergeracionais e intrageracionais ganham visibilidade e podem
ser analisadas em grupos concretos como a
família. Por isso, foram entrevistadas mulheres de distintas gerações de uma mesma
família.
As narrativas foram tratadas segundo dois
planos de análise: o primeiro, relacionado à
história intergeracional das mulheres e, o
segundo, às relações estabelecidas entre
mães e filhas. Os dois planos de análise – o
da história intergeracional das mulheres e o
da história das relações mãe/filha – estão
articulados, uma vez que a história subjetiva e social dos sujeitos são indissociáveis. A
própria noção de geração permite a articulação entre as histórias coletiva e individual
produzidas por homens e mulheres inseridos em seus grupos sociais. A noção de geração representa a mediação entre o tempo
individual e o tempo público e, portanto,
imprime marcas profundas nos sujeitos, daquilo que receberam de seu tempo e da relação com seus contemporâneos.
Examinando a história de mãe e filha, percebemos que as relações entre os gêneros e
entre as gerações têm mudado de forma
solidária. Ou seja, tanto as relações entre
os gêneros quanto entre as gerações tornaram-se menos hierarquizadas e se influenciam mutuamente.
O primeiro plano de análise, o das relações
intergeracionais, foi ancorado na produção
de Attias-Donfut (1988; 1991; 1998). Esta autora desenvolveu um longo trabalho de revisão crítica da literatura que trata das
teorias de geração no qual ela apresenta,
entre outras, a proposta de G. Ferrari
(1874). Este autor defende a proposição de
que é preciso um tempo de quatro gerações
para avaliar o processo e o grau de profundidade das mudanças sociais. Ele considera
que a primeira geração é a dos precursores,
seguida de uma geração revolucionária, que
contesta a primeira; esta é sucedida de outra, reacionária, que promove uma certa
volta aos valores da primeira geração e, por
outro lado, esforça-se por conservar os valores estabelecidos, o que significa uma resistência à mudança. Assim, tanto a
tentativa de retornar ao passado quanto a
de impedir as inovações são reações ao
novo. Finalmente, essa geração é substituída por outra chamada resolutiva, que teria
como tarefa resolver os impasses, ou seja,
promover a síntese dos legados recebidos e
mais, produzir soluções inovadoras.
O diálogo com o modelo proposto por Ferrari (1874) permite pensar as passagens dos
legados geracionais relativos às significações da gravidez na adolescência, bem
como analisar o movimento para conservar
e transformar tais legados. Nem a conservação nem a transformação acontecem de
forma linear, e talvez a imagem de uma espiral seja mais adequada para representar
esse movimento.
Cabe ainda ressaltar que, como as gerações
não são monolíticas mas multifacetadas,
encontraremos no movimento que cada ge-
As bisavós entrevistadas foram identificadas como pertencentes à geração precursora, uma vez que é composta por mulheres
que viveram mudanças significativas na organização familiar e doméstica, decorrentes
da nova organização das cidades, nas primeiras décadas do século XX. Talvez o grande legado dessa geração às jovens-avós
tenha sido o esforço para que suas filhas tivessem um maior grau de escolarização, em
relação a elas próprias, e pudessem afirmar-se no mercado de trabalho. No entanto, tais projetos deveriam ser conciliados a
dois outros: o casamento e a maternidade.
As jovens-avós são mulheres da geração revolucionária, marcadas sobretudo pelo
ideário de uma sociedade igualitária, refletido nos movimentos sociais da década de
A maternidade adolescente
e as relações intergeracionais
As relações intergeracionais são marcadas
pelos conflitos e pela solidariedade. Os dois
pólos, o do conflito e o da solidariedade,
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Bisavós, Jovens-Avós e
Mães-Adolescentes
1960, especialmente o movimento feminista. Mesmo que algumas mulheres contemporâneas dessa geração não tenham vivido
pessoalmente as experiências emblemáticas desta geração, a sua característica revolucionária marcou com tal força a memória
coletiva que o exercício de procurar vestígios
reacionários nas suas práticas não constitui
tarefa fácil. Para encontrá-los, é preciso
examinar essa geração internamente, analisando as significações que ela produziu
sobre si mesma. Neste sentido, o discurso
das adolescentes sobre suas mães revela
críticas à geração anterior e as adolescentes pontuam, desta forma, as contradições
da geração revolucionária. Por isso, não
podemos nos afastar da noção de que a categoria de geração é relacional e, para entendermos uma geração, é preciso
compreender tanto os movimentos da geração antecessora quanto da contemporânea.
Já as mães-adolescentes podem ser consideradas como integrantes de uma geração
reacionária. Entendo que essa geração produz uma reação aos valores da geração precedente, a geração revolucionária à qual
pertencem as jovens-avós. Tal reação parece especialmente manifesta na recusa anticonceptiva e no prolongamento da dependência, em relação às famílias de origem.
A quarta geração, a dos filhos das mãesadolescentes, talvez seja aquela que se possa definir como preponderantemente
resolutiva. Talvez lhe caiba superar impasses herdados, inventar novas formas de
exercício da feminilidade e da masculinidade, da paternidade e da maternidade. Formas plurais, por certo.
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ração descreve traços que a tornam revolucionária e outros que, ao contrário, fazem
dela uma geração reacionária. E, ainda, que
cada geração a seu modo é precursora das
inovações que a geração seguinte realizará.
A geração resolutiva, ao produzir a síntese
dos legados das três gerações antecessoras,
engendrará também soluções inovadoras. A
própria síntese é uma atividade de criação.
É preciso lembrar também que nem todas
as mulheres de uma geração compartilharam e viveram os ideais preponderantes de
sua geração, o que demonstra, mais uma
vez, que uma geração não é monolítica. As
definições de geração apontam-lhe uma
dupla função de símbolo coletivo e de referência do tempo social. Os símbolos coletivos agem como pólos de ligação, mediando
a identificação com acontecimentos históricos. Por outro lado, as definições de geração produzem os discursos sociais, marcando a memória coletiva e promovendo elos
entre o passado, o presente e o futuro.
>51
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são indissociáveis nas relações estabelecidas entre as gerações. E a maternidade na
adolescência revela-os de maneira especial,
uma vez que as relações intergeracionais
entre mães-adolescentes e jovens-avós
produzem estratégias de solidariedade, mas
também de conflitos. Ambos são motores
que promovem o movimento transformador
na história das gerações.
O conflito entre as gerações está marcado
pela dominação que os adultos exercem sobre crianças, adolescentes e velhos. E o discurso que desqualifica a gravidez e a
paternidade/maternidade entre adolescentes, construído pelos adultos, revela a lógica da subordinação.
A solidariedade intergeracional e intrageracional é fruto dos vínculos sociais e dos sentimentos de pertencimento a uma coletividade, vivenciados pelos indivíduos. A solidariedade, no entanto, não exclui e não livra as relações intrageracionais dos conflitos, uma vez que estes são inerentes às relações intergeracionais e intrageracionais e
manifestados tanto no fato de que a afirmação de uma geração pressupõe o desaparecimento da geração anterior, quanto no exercício de dominação de uma geração sobre a
outra, de um grupo de idade sobre outro.
A gravidez tem o sentido da solidariedade
entre as gerações, ao promover a renovação e a perpetuação da humanidade. Este
sentido está presente na gravidez, em qualquer fase da vida reprodutiva de uma mulher, inclusive na fase da adolescência. No
entanto, a gravidez na adolescência revela
de maneira particular o conflito entre as
gerações, por mostrar que o início da vida
sexual e reprodutiva dos jovens não permite esquecer o declínio da vida sexual e o
encerramento da possibilidade reprodutiva
daqueles que envelhecem.
Por outro lado, a gravidez na adolescência
parece ser um episódio capaz de acionar
redes de solidariedade na família quando,
além da mãe, outros parentes ocupam-se
dos cuidados com o bebê: jovens-avós, as
bisavós, as tias. Nesse sentido, a geração
das mães-adolescentes reedita o funcionamento das famílias extensas, mais comum
entre a geração de suas avós do que entre
a de suas mães, essas mais identificadas
com a família nuclear conjugal.
A cultura da geração
das mães-adolescentes
A experiência da gravidez e da maternidade
na adolescência cria uma cultura da mãeadolescente apoiada nos seguintes princípios: assumir a gravidez, ter responsabilidade, experimentar a privação da liberdade e
a solidão. Assumir a gravidez significou
para as adolescentes entrevistadas não
abortar e não dar o filho em adoção. Os
pais delas foram informados da gravidez
entre o terceiro e o quarto mês. Nesse intervalo de tempo, elas tomaram a iniciativa
de confirmar suas suspeitas por meio de
exames laboratoriais. Contaram a eles depois de algumas certezas: estavam mesmo
grávidas, o risco de um aborto natural parecia afastado, e as prováveis pressões externas para a realização de um aborto ficariam
sem efeito, devido à idade gestacional. Contar aos pais depois desse tempo parece então significar uma proteção à vida do filho
e uma forma de expressar que a gravidez foi
assumida.
A responsabilidade consiste em saber que
uma outra pessoa passa a depender delas
por “toda a vida”. Interessante notar dois
aspectos: o primeiro é que essa noção é
vaga, durante a gravidez, e vai tornando-se
mais concreta, a partir do nascimento da
criança e à medida que esta passa a demandar cuidado e atenção de suas mães. O segundo aspecto a acrescentar é que ser mãe
é uma condição que passa a ser compreen-
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as jovens-avós são marcadas por uma série
de ambivalências. O júbilo pelo nascimento
das crianças é acompanhado de sentimentos de pena, raiva, tristeza, orgulho. A maternidade na adolescência não ficou
reduzida a uma tragédia na vida das mulheres entrevistadas.
Mães-adolescentes e jovens-avós estão de
acordo em que não existe uma idade cronológica ideal para a maternidade, de tal sorte
que uma mulher que se tornou mãe aos
quinze anos é citada como exemplo de maternidade responsável e de dedicação à filha, ao passo que outra mulher, mãe depois
dos trinta anos e que não quis ter nenhum
contato com o filho, optando por entregá-lo
para a adoção, é considerada como irresponsável, no sentido de não ter assumido o
seu filho.
A responsabilidade e a coragem com as
quais as mães-adolescentes assumiram a
gravidez e a maternidade contribuíram para
que, sem negar as dificuldades, as jovensavós encontrassem aspectos positivos na
vivência da gravidez de suas filhas e se dispusessem a ajudá-las.
Entre as vantagens apontadas, foi lembrada
a possibilidade de maior aproximação entre
a mãe-adolescente e o seu filho, facilitada
pela menor diferença de idade. As jovensavós relataram que suas filhas têm mais disponibilidade e mais “pique” para brincar
com suas netas. Chegam a afirmar que elas
próprias foram menos disponíveis para suas
filhas, quando essas eram crianças. As mães
mais jovens são mais companheiras dos filhos e isso, na visão das jovens-avós, acarreta uma diminuição dos conflitos entre as
gerações.
A maternidade é fruto, entre as adolescentes, do relacionamento sexual com os seus
namorados. Esse dado, aparentemente óbvio, merece ser considerado porque contribui para o questionamento de um
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dida como permanente. A sensação de perda de liberdade está relacionada tanto à
impossibilidade de aceitar convites de última hora quanto de ausentar-se muitas horas de casa. Ou, ainda, da desidealização da
liberdade, considerada como própria do
mundo dos adultos. A solidão é fruto do
afastamento dos amigos sem filhos. Isso
gera afastamentos decorrentes da não disponibilidade para sair sempre, para ir a todas as festas, para saídas não programadas
com antecedência.
As mães-adolescentes relataram que temeram contar às suas mães que estavam grávidas. O medo, denominador comum entre
elas, estava associado ao sentimento de terem feito alguma coisa “errada”, de terem
“aprontado”. É possível perceber nos relatos que o erro relacionava-se mais ao fato
de não terem seguido a orientação dada
pelas mães, de usar métodos contraceptivos, do que ao fato de terem uma vida sexualmente ativa. Mas, vencido o temor,
descobriram em suas mães guias solidárias
na nova experiência da maternidade. Os
bebês recém-nascidos são, ao mesmo tempo, elos de união e fonte de conflitos entre
suas mães e suas avós.
A preocupação maior das jovens-avós com
a gravidez de suas filhas adolescentes parece ser a de que essa maternidade venha
prejudicar o futuro de suas filhas. As preocupações são basicamente ligadas ao risco
de interrupção dos processos de escolarização, profissionalização e afirmação em bons
postos de trabalho, de afastamento das
possibilidades de convivência social, das
oportunidades de lazer e de diminuição de
suas chances no mercado afetivo-sexual,
sobretudo quando a mãe-adolescente rompe o relacionamento com o pai da criança.
E as jovens-avós movem-se no sentido de
atenuar tais riscos.
As relações entre as mães-adolescentes e
>53
preconceito que envolve as discussões sobre a gravidez na adolescência, ou seja, de
que é fruto da promiscuidade sexual dos
jovens. Isso não parece confirmar-se quando examinamos a vida afetivo-sexual dos
jovens. As mães-adolescentes entrevistadas
consideram o casamento como algo “sério”
e “indissolúvel”. Por isso, amparadas por
suas famílias, evitam o casamento reparador formal e mantêm relações consensuais,
que poderão tornar-se formais no futuro.
Trabalhar com a hipótese de que a gravidez
entre jovens tenha sido uma opção dos
mesmos exige a consideração de que são
sujeitos de direitos e que têm autonomia, o
que não significa que possam dispensar cuidados de saúde e orientação para viverem
essa etapa da vida reprodutiva.
As formas inventadas pelas famílias para
que possam viver a nova realidade da gravidez e da maternidade das adolescentes
são contraditórias, revelando a um só tempo os conflitos e a solidariedade, bem como
práticas precursoras, revolucionárias, reacionárias e resolutivas.
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Os legados geracionais
>54
A geração das jovens-avós depositou na geração das mães-adolescentes expectativas
de que seus legados fossem não só aceitos,
mas sobretudo fortalecidos. E, ainda, que
seus impasses pudessem ser resolvidos. Nesse sentido, uma geração espera que a seguinte seja resolutiva, que produza sínteses
e ultrapasse limites. Essa seria uma das maneiras de manifestação da solidariedade de
uma geração em relação à outra. A geração
anterior (das jovens-avós) prepara seus legados e a geração posterior (das mães-adolescentes) os recebe e fortalece, garantindo
assim a permanência dessa geração, através da permanência de seus valores.
A primeira grande expectativa das jovensavós em relação às suas filhas está relacio-
nada à escolaridade. Aquelas que não ultrapassaram a escola fundamental ou média
esperam que suas filhas o façam. Aquelas
que cursaram a universidade esperam que
suas filhas também cursem. O maior grau de
escolarização está associado à possibilidade de ascensão a bons postos de trabalho e,
dessa forma, à independência das mulheres, o que favorece a busca de relações
mais igualitárias entre os gêneros.
A gravidez na adolescência aparece no primeiro momento como uma ameaça à realização dessa aspiração, passada de geração
a geração, desde as bisavós precursoras. O
esforço das jovens-avós é feito no sentido
de possibilitar às suas filhas a conciliação
das atividades escolares com a maternidade.
O outro legado diz respeito à conduta no
terreno afetivo-sexual e reprodutivo. As jovens-avós aprenderam a dissociar a vida
sexual-afetiva tanto do casamento formal
quanto da reprodução. Sua geração pôde
contar com a tecnologia reprodutiva. O domínio sobre o próprio corpo foi importante
para essa geração, como estratégia de negociação de relações mais igualitárias com
seus parceiros. E a geração de suas filhas,
as atuais mães-adolescentes, pôde contar
tanto com as informações acerca das práticas contraceptivas quanto com o acesso aos
métodos contracepcionais.
No entanto, a geração das mães-adolescentes reagiu a esse legado. Elas recusaram
tanto as informações, à medida que não
operaram com elas na vida cotidiana e prática, quanto os métodos contraceptivos, uma
vez que engravidaram. A gravidez na adolescência evidencia essa ruptura com os valores recebidos e é fonte de conflitos. As
jovens-avós revelaram não condenar suas
filhas pela vida sexual ativa, o que as associaria a um padrão de comportamento tradicional com o qual elas não se identificam.
Mas condenaram-nas, porque não fizeram
Considerações finais
Combater os preconceitos em torno da gravidez na adolescência e as dominações de
idade é condição necessária para garantir
os direitos reprodutivos dos adolescentes e,
dessa forma, promover o amparo daqueles
que se tornam pais e mães. Isso significa
ajudá-los a elaborar a própria experiência e
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dos pais. E, ao mesmo tempo, “vai acontecer tudo”, porque os pais estão disponíveis
para ajudá-las no que for preciso.
Por outro lado, a relação provedor/dependente favorece a ordem de dominação das
idades, uma vez que as mães-adolescentes
são constantemente alvo de ações reguladoras dos adultos da família de origem e
dos serviços de saúde e de educação, no
que se refere à sua vida afetivo-sexual e ao
exercício da maternidade, já que são consideradas imaturas para cuidar dos próprios
filhos sem a orientação dos adultos, notadamente das jovens-avós.
Para as mães-adolescentes, a maternidade
significa também uma dificuldade adicional
na autonomia financeira, o que leva a postergar a saída da casa dos pais. No entanto,
o projeto da geração das mães-adolescentes não parece ser o de sair da casa de seus
pais. Esse foi o projeto muitas vezes realizado pela geração das jovens-avós. Tal discurso parece distanciado da vida prática
dessas jovens, uma vez que não revelaram
em suas entrevistas nenhuma ação concreta que as pudesse encaminhar para uma
vida independente. Não trabalham e tiveram, à exceção de uma entrevistada, dificuldades na trajetória escolar. Nesse
aspecto, é interessante notar que a gravidez
e a maternidade provocaram nelas uma
mudança em relação ao processo de escolarização: muitas tentaram melhorar seu desempenho escolar, associando tal esforço
às novas responsabilidades da maternidade.
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nem cargo das informações, nem uso de
métodos contraceptivos. Essa condenação
as mantêm fiéis a um padrão de comportamento moderno inventado por sua própria
geração.
As adolescentes, por sua vez, reagem a um
código que prega a prática de uma sexualidade racional. O desejo de ter um filho na
adolescência é tecido subjetivamente, o
que não significa necessariamente que seja
um projeto racional, consciente. As mãesadolescentes revelaram, em suas entrevistas, como já assinalei, que seus sentimentos
frente à notícia da gravidez foram ambivalentes: sentiram medo, mas também alegria. Todas teriam, com maior ou menor
facilidade, recursos para o aborto, mas nenhuma delas optou por interromper a gravidez, o que faz supor que os sentimentos
positivos em relação à gravidez e à maternidade prevaleceram, e que a nova condição lhes traria ganhos, do ponto de vista
emocional e social.
A gravidez e a maternidade para as adolescentes entrevistadas foram o resultado da
experimentação afetivo-sexual. Não podemos deixar de considerar que a socialização
das mães-adolescentes incentivou a sua
autonomia e a busca de novas experimentações. Nasceram e cresceram em famílias
nas quais as relações entre os gêneros e
entre as idades eram menos hierarquizadas,
o que as levou a experimentar menor grau
de repressão.
Uma das faces do conflito entre as gerações
está presente nas relações de solidariedade
entre pais e filhos que colocam os primeiros
como agentes de proteção irrestrita aos filhos, e estes no pólo da dependência total
em relação aos pais. Nesse sentido, o medo
das adolescentes em revelar a gravidez aos
pais é apaziguado pela certeza de que “não
vai acontecer nada”. De fato, não sofreram
nenhuma punição ou restrição, por parte
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a desempenhar as tarefas de educar e cuidar de seus filhos. O significado cristalizado
e homogêneo de “problema” atribuído à
gravidez na adolescência, oculta as contradições e a pluralidade das significações e
acaba por sustentar práticas discriminatórias e de exclusão social de pais e mães
adolescentes.
Por outro lado, tal significado também nega
as possibilidades de transformação da vida
cotidiana, pela interação das gerações, no
interior das famílias. As significações são
construções sócio-históricas elaboradas ao
longo das gerações.
>56
Referências
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Artigo recebido em abril/2002
Aprovado para publicação em maio/2002
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