dobra RUMO AOS ISBN 978-85-647-8900-5 Uma história sem heróis Registros da luta por saúde e segurança dos trabalhadores dobra DIRETORIA EXPEDIENTE Jorge Nazareno Rodrigues SEDE OSASCO Rua Erasmo Braga, 310 Presidente Altino Cep 06213-008 (11) 3651-7200 Carlos Aparício Clemente Cláudio Magrão Mônica Lourenço Veloso Alex Sandro Ferreira da Silva Antonio de Souza Milton Baptista Cavalo SUBSEDE COTIA Av. Profº Joaquim Barreto, 316 Centro (11) 4703-6117 SUBSEDE TABOÃO DA SERRA Rua Ribeirão Preto, 397 Vila Iasi (11) 4137-5151 Gilberto Almazan Marcos de Sousa Roca Roberto Brito Reis Antonio Pina Geremias José da Silva SUBSEDE BARUERI Av. Capitão Francisco César, 37A Cruz Preta (11) 4706-1443 EMAIL IMPRENSA [email protected] Gleides Sodré ACESSE O SITE: www.sindmetal.org.br Rafael Alves Pereira JORNALISTA RESPONSÁVEL Cristiane Alves - Mtb. 45.757 Sertório Ap. R. de Carvalho Cláudio Mattos Barbosa EDITORA DE ARTE Lecticia Kasperavicius - Mtb. 57.754 Charles Tartarelli Francisco Leite de Oliveira Gentil Mayer Branco Eliana da Silva Ferreira Dalmo Aparecido Ferreira Everaldo dos Santos Maria Pacheco Edson Cogo Hermar Pereira da Silva Juvenal Manoel da Silva João Batista da Costa ASSISTENTE DE ARTE Tatiane Cuco TIRAGEM 3 mil exemplares Edição 2011 IMPRESSÃO RR Donnelley SINDICATO DOS METALÚRGICOS DE OSASCO E REGIÃO Uma história sem heróis Registros da luta por saúde e segurança dos trabalhadores Copyright © 2011 by Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e Região Título Uma história sem heróis : registros da luta por saúde e segurança dos trabalhadores Concepção Carlos Aparício Clemente Gilberto Almazan Projeto Gráfico e Capa Lecticia Kasperavicius Fotografias Eduardo Metroviche - MTB 23.853 Carlos Marx Ilustrações Rice Araújo Glauco Laerte Vart Eton Gibão Redação Cristiane Oliveira Reimberg Revisão Cristiane Alves Pesquisa Iconográfica Geraldo Perpétuo Cristiane Oliveira Reimberg Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Catalogação na fonte André de Araújo (CRB 8-6831) _________________________________________________________ Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e Região. Uma história sem heróis : registros da luta por saúde e segurança dos trabalhadores / Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e Região ; concepção Carlos Aparício Clemente ; redação Cristiane Oliveira Reimberg ; pesquisa iconográfica Geraldo Perpétuo e Cristiane Oliveira Reimberg. – São Paulo: Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e Região, 2011. 120 p. : il. color. ; 22 cm. Inclui bibliografia. ISBN 978-85-64789-00-5 1. Acidentes de trabalho 2. Segurança do trabalho 3. Segurança dos trabalhadores I. Clemente, Carlos Aparício II. Reimberg, Cristiane Oliveira III. Perpétuo, Geraldo IV. Título. CDD-331.823 _________________________________________________________ SINDICATO DOS METALÚRGICOS DE OSASCO E REGIÃO Uma história sem heróis Registros da luta por saúde e segurança dos trabalhadores osasco, 2011 índice introdução prefácio Uma história de luta ......................................................... Resgate fundamental ..................................................... 8 11 capítulo 1 O emblemático ano de 1979 ...................................... 12-17 capítulo 2 As primeiras conquistas .......................................... 18-21 capítulo 3 Uma questão de formação ....................................... 22-27 capítulo 4 Informação, sempre ................................................. 28-31 capítulo 5 A arte à serviço da saúde do trabalhador .................. 32-49 capítulo 6 Em busca de melhores condições ............................. 50-55 capítulo 7 O fim das chapas de pulmão inadequadas ................. 56-59 capítulo 8 Amianto: luta permanente ...................................... 60-65 9 Acidentes ontem e hoje ............................................................... 66-71 capítulo 10 O adoecimento no trabalho ......................................................... 72-83 capítulo 11 Ações regressivas: ressarcimento e estímulo à prevenção ............. 84-87 capítulo 12 Ações preventivas ....................................................................... 88-93 capítulo 13 De olhos bem abertos .................................................................. 94-99 capítulo 14 O papel das instituições ............................................................... 100-107 capítulo 15 Em defesa do trabalho decente ................................................ 108-112 conclusão Acidentes e doenças no trabalho: uma “rosca sem fim” ............ 113-116 capítulo agradecimentos ........................................................................................................ 119 Capa do documento base utilizado na 1ª Semsat (maio de 1979) 8 Capa do documento base utilizado na 2ª Semsat (setembro de 1979) INTRODUÇÃO Uma história de lutas O Brasil vivia os últimos suspiros da dita- trabalhadores, que já pediam melhores salários, A articulação entre trabalhadores de di- dura militar e um momento de mobilização entre os passaram a olhar para as condições de trabalho. ferentes categorias impulsionou ações entre elas, trabalhadores, marcado pelas greves de 1978. Nesse Nesse contexto, 1979 trouxe uma novidade: a criação do DIESAT (Departamento Intersindical ano, também foram publicadas as Normas Regula- a união de diferentes sindicatos para discutir a saúde de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes mentadoras do Ministério do Trabalho, voltadas do trabalhador e propor melhorias. Até então, ações de Trabalho), em agosto de 1980. para a segurança e saúde dos trabalhadores. sindicais ocorriam de formas pontuais. Assim nasce- Por tudo isso, o ano de 1979 foi considera- Os índices de acidentes de trabalho ram as Semsats (Semanas de Saúde do Trabalhador). do como o início de uma luta pela saúde e seguran- eram alarmantes. Só em 1978 a Previdência So- No mesmo ano, na campanha salarial, os ça do trabalhador. Ele é o começo de uma histó- cial registrou 1.551.501 ocorrências. No ano se- metalúrgicos alcançaram uma grande conquista: à in- ria sem fim, que terá alguns momentos marcantes guinte, o número foi de 1.444.627 acidentes e em clusão da cláusula de estabilidade para o trabalhador vivenciados pelo Sindicato dos Metalúrgicos de 1980 ficou em 1.464.211 casos. Diante disso, os vítima de acidente de trabalho, na convenção coletiva. Osasco e Região contados nas próximas páginas. 9 10 PREFÁCIO Resgate fundamental Resgatar a luta histórica dos trabalhadores voarias, canaviais, indústrias de confecção, a sociedade (universidades, corporações, ONGs, na preservação da vida e da saúde, retratando fatos etc) até graves problemas de saúde mental, instituições públicas e privadas). e situações importantes significa defender, antes provocados pela imposição de metas absurdas de tudo, uma preciosidade que, a rigor, não preci- de produtividade e pelo assédio moral. Tudo isso há de ser temperado pelo mais nobre dos sentimentos : o amor! O amor por nós mesmos, Andam juntas a ganância e a insensibi- o amor pelas nossas famílias, o amor pela humanidade. As gerações que se sucedem encontram lidade dos predadores sociais, que se preocupam Acompanhamos e – por que não dizer – nessa documentação de realidades vividas, o exem- exclusivamente com lucros e vantagens, às custas somos um soldado a mais nessa luta que deixa ci- plo e o alento para também enfrentarem, com as di- do dano dos trabalhadores e de suas famílias, da catrizes, que caleja e que, não obstante, se fortalece ficuldades de sempre, os desafios que se repetem e os saúde/SUS, da Previdência Social, da nação enfim, e nos fortalece com as vitórias obtidas. outros que surgem no decorrer do tempo. concorrendo deslealmente no mercado. saria de defesa: a dignidade humana! Daí cumprimentarmos os Amigos-Compa- Hoje, em contraste com os avanços O Sindicato dos Metalúrgicos de Osas- nheiros de Osasco e região pela publicação de obra da ciência e da tecnologia, encontramos pela co e Região participa ativamente desta história que resgata e eterniza parte dessa história sem heróis. frente desde a exploração degradante das pes- de batalhas, as quais exigem união, organiza- soas, inclusive crianças (em latifúndios, car- ção, conhecimento, estratégia, integração com Antônio Rebouças 11 Risco de silicose na demoldagem de peças fundidas na Sotefun, de Santana de Parnaíba (SP), em 1982 1 capítulo “É preciso assumir a defesa da saúde do trabalhador com a organização no interior das empresas, com o fortalecimento sindical, com a luta por melhores condições de vida e trabalho. E quem pode fazer isso somos nós, trabalhadores.” Abertura do Gibi dos Trabalhadores, publicado em 1979. O emblemático ano de 1979 O ano de 1979 foi um marco na luta por melhores condições de trabalho. Pela primeira vez, o movimento sindical se uniu para discutir a saúde Risco de silicose no setor de acabamento da Fundição Munck, em Cotia (SP), em 1979 do trabalhador. Foi assim que nasceu a I Semsat (Semana de Saúde do Trabalhador), ocorrida entre os dias 14 e 19 de maio, no Estado de São Paulo, com a participação de 1.800 trabalhadores, 49 sindicatos e seis federações de trabalhadores. No total, foram realizadas 13 reuniões, uma delas no Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e Região. O principal tema de discussão dessa primeira Semsat foi a silicose e as doenças pulmonares causadas por poeira. Na área metalúrgica, foi denunciada a presença da poeira de sílica nas operações que ocor13 14 riam com jatos de areia para polimentos, fundições, rebarbas, entre outras atividades. Já naquela época levantou-se a importância das medidas preventivas, visando à proteção coletiva e ações de engenharia. Defendia-se o enclausuramento de processos e máquinas; exaustão; ventilação; umidificação; além de se explicar que as máscaras não protegiam os trabalhadores, por permitirem a passagem das partículas menores. As discussões também geraram o Gibi dos Trabalhadores. A revista explicava como deveria ser feita uma proteção efetiva contra as doenças pulmonares. Tratava da silicose: da asbestose e o risco do câncer de pulmão trazidos pelo amianto; da bissinose causada por poeiras de algodão, linho, cânhamo e sisal. Outro ponto importante decidido na I Semsat foi a criação de um “DIEESE da Saúde”. Ou seja, de um órgão que, à semelhança do Dieese, fosse organizado pelo conjunto do movimento Gibi dos Trabalhadores - maio, 1979 sindical, porém, para estudar as questões relacio15 nadas à saúde e segurança dos trabalha- “...causa arrepios saber que, dores. Essa ideia foi amadurecida na II em São Paulo, a Delegacia Regional do Trabalho conta com 20 técnicos para Semsat, que passou por Osasco no dia 12 executar essa tarefa. E quantas indús- de setembro do mesmo ano. trias funcionam somente na Capital? Mais uma vez se abordou o Milhares! Daí qualquer pessoa sensa- problema das empresas não elimina- ta pode concluir que as empresas fa- rem os agentes causadores de doenças zem o que querem e quando querem”. e acidentes provocados por ruído. A As sementes lançadas em 1979 opção por equipamentos de proteção deram frutos. Um deles foi a criação individual, que nem sempre protegiam, do DIESAT (Departamento Intersin- e por pagamento de adicional de insa- dical de Estudos e Pesquisas de Saú- lubridade mostrava que o trabalhador, de e dos Ambientes de Trabalho) em aos poucos, comprometia sua saúde nos 1980, do qual o Sindicato dos Meta- ambientes de trabalho. lúrgicos de Osasco participa desde a A fiscalização inexpressiva do primeira diretoria. Ministério do Trabalho nas empresas e Outras Semsats também foram o pequeno número de fiscais já eram te- organizadas pelo DIESAT até 1995. No mas de debate. A edição n° 34 do jornal total, ocorreram doze edições da Se- do Sindicato, Visão Trabalhista, chegou a mana de Saúde do Trabalhador. Esses denunciar o problema: 16 Gibi do Trabalhador divulgava os resultados da I Semsat, de maio de 1979 encontros possibilitaram a discussão e a busca por soluções para diversos temas como o trabalho insalubre, as condições de trabalho da mulher, o trabalho infantil, a legislação trabalhista e previdenciária, a fiscalização, a saúde pública, as doenças relacionadas ao trabalho e os agravos trazidos pelas tecnologias. Resultaram em recomendações, que passaram a fazer parte da pauta de reivindicações do Sindicato nas campanhas salariais. Essa união entre os sindicatos foi importante por articular o movimento dos trabalhadores em defesa da saúde e segurança. As recomendações surgidas nas Semsats impulsionavam ações. Já na primeira edição se recomendou a inclusão nas convenções coletivas de I Semsat, em Osasco, 1979. reivindicações relacionadas à segurança e saúde dos trabalhadores. Esse foi um dos aspectos trabalhado pelo Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e Região. Assim nasceu a cláusula de estabilidade para o trabalhador acidentado, introduzida na campanha salarial de 1979. 17 Imagem extraída do Gibi dos trabalhadores, de 1979 18 capítulo 2 “A construção do Diesat pelo movimento sindical foi uma conquista por juntar a luta política e o conhecimento técnico. Quando juntamos esses dois aspectos conseguimos mudanças com mais facilidade” Gilberto Almazan, Presidente do Diesat. As primeiras conquistas Pode-se dizer que a estabilidade para os acidentados com sequelas foi a primeira grande conquista dos metalúrgicos do Estado de São Paulo. Em 1979, essa questão passou a fazer parte da campanha salarial, motivada pela mobilização gerada pelas primeiras Semsats. E a cláusula chegou não por negociação, mas por decisão judicial, no desfecho da campanha salarial daquele ano. Naquela época, quando o trabalhador se acidentava era comum, ao voltar do afastamento, ser demitido. O posto, então, ficava com outro trabalhador, que corria risco de ser a próxima vítima. A cláusula de Garantia de Emprego ao Acidentado Garante-se aos acidentados no trabalho, incapacitados para continuarem a exercer a função que vinham exercendo, e, em condições de exercer, ou exercendo, qualquer função compatível com seu estado físico após o acidente, que serão eles mantidos na empresa, sem prejuízo da remuneração antes percebida. § 1° Estarão abrangidos por esta garantia os já acidentados no trabalho com contrato em vigor nesta data, na mesma empresa em que se acidentaram, assim como os que vierem a se acidentar durante a vigência deste acordo; § 2° Estes empregados não poderão ser despedidos a não ser em razão de falta grave; § 3° Essa garantia é assegurada durante a vigência deste acordo. Fonte: Cláusula 17 da Negociação dos Metalúrgicos e Osasco, São Paulo e Guarulhos, com validade de 1º/ 11/1979 a 31/10/1980 estabilidade dava garantia de emprego aos acidentados 19 Tabela publicada no Oi nº 55, setembro de 1993 em um período que se intensificava a luta por melhores condições de trabalho. De lá para cá, as conquistas na área de saúde e segurança foram ampliadas. Se em 1978 havia no Sindicato apenas quatro pautas de saúde e segurança, com uma atendida, esse número chegou a 37 reivindicações em 1991, com 24 acatadas de forma parcial. A questão da estabilidade se manteve em todas as convenções posteriores. A legislação que prevê estabilidade de apenas um ano ao acidentado de trabalho só chegou 12 anos depois, através da lei 8.213/91. Outra conquista após a 1ª Semsat se deu com a criação da Comissão Intersindical Permanente de Saúde do Trabalhador (CISAT). O órgão foi responsável por levar o documento final da Semsat aos ministros da Previdência Social, do sindicais formaram a primeira diretoria. Além de ser responsável pela organização Desde a criação, o objetivo do Diesat foi de todas as outras semanas de saúde do trabalhador, o o de assessorar os sindicatos na luta pela melho- novo órgão atuou na publicação de livros, informati- sileira para o Progresso da Ciência. Além disso, es- ria das condições de trabalho. Possibilitou ainda o vos e materiais sobre Segurança e Saúde no Trabalho. truturou as bases para o nascimento do Diesat, que fortalecimento da ação intersindical em defesa da O primeiro lançamento foi “De que ado- ocorreu em agosto de 1980. Na época, 16 entidades saúde dos trabalhadores brasileiros. Trabalho e da Saúde. Também entregou ao Poder Legislativo e a instituições como a Sociedade Bra- 20 ecem e morrem os trabalhadores”, de 1984. O livro trazia um capítulo sobre o trabalho da mulher. Ainda apresentou um estudo sobre 12.859 trabalhadores metalúrgicos de Osasco e região. Desse total, 33% eram mulheres e 67% homens. A maior defasagem salarial entre homens e mulheres ocorreu justamente na empresa com maior contratação de trabalhadoras: a Toko do Brasil, que empregava 1082 mulheres e 108 homens. Outro destaque foi a Revista Trabalho & Saúde, que existiu por 11 anos. Atualmente o Diesat produz um informativo mensal, mantém site, blog e está no twitter. No início da atuação do Diesat, documentaram-se contaminações, especialmente por benzeno e mercúrio. Já os trabalhadores do setor plástico e metalúrgico, eram vítimas de mutilações por injetoras, prensas e outras máquinas. Havia ainda o problema da silicose, que impulsionou a I Semsat. Na constru- Boletim informativo do Diesat (abril de 2010) ção civil, as mortes eram causadas por queda, soterraCapa do primeiro livro publicado pelo Diesat, em 1984 mento e choque elétrico. Além disso, existiam outros agravos à saúde que nem sequer apareciam. Apesar dos avanços, essas questões persistem. Por isso e pelos novos problemas que surgem no mundo do trabalho, o Diesat permanece indispensável. 21 22 Doze anos apos a I Semsat, Sindicato reunia protagonistas da luta por saúde e segurança (esq. p/ dir.): Antonio Rebouças (advogado do Diesat), Edson Luiz Yamaçaque (médico do trabalho do Sindicato), Carlos Clemente (diretor do Sindicato), Claudio Magrão (presidente do Sindicato), Ercílio Barreto (Sindicato dos Ceramistas de Jundiaí), Luiz Carlos Morrone (médico), Edvon Teixeira (Promotor de Justiça da Coordenadoria de Acidentes de Trabalho - SP), Lucíola Rodrigues Jaime (Subdelegada Regional do Trabalho e Herval Pina Ribeiro (médico idealizador da Semsat). capítulo 3 “Conhecer é tarefa de sujeitos, não de objetos. E é como sujeito e somente enquanto sujeito, que o homem pode realmente conhecer. Por isto é que, no processo de aprendizagem, só aprende verdadeiramente aquele que se apropria do aprendido, transformando-o em apreendido, com o que pode, por isto mesmo, reinventá-lo; aquele que é capaz de aplicar o aprendido-apreendido a situações existenciais concretas” Paulo Freire, em “Extensão ou Comunicação” Na primeira vez que os metalúrgicos de Osas- encontros descentralizados. Assim, em julho de 1980, co se reuniram para debater questões de saúde relativas nasceu o Ciclo de Debates sobre CIPAs, Acidentes exclusivamente à categoria, o auditório do Sindicato de Trabalho e Doenças Profissionais, que ocorre até não comportou o total de participantes. Às pressas, o hoje. A segurança e a saúde dos trabalhadores passa- encontro foi transferido para o salão de bailes do Clu- ram a ser vistas também pela ótica da informação. be Atlético Osasco. Era fevereiro de 1980, quase 1500 O I Ciclo de Debates ocorre nas cidades de pessoas estiveram presentes. Além dos debates, elas re- Osasco, Cotia e Taboão da Serra. Discutiu-se a pre- ceberam a publicação “Melhorar as condições do am- venção de acidentes e as condições de trabalho, ava- biente de trabalho: uma necessidade urgente”. liando como fazer das CIPAs um instrumento para Todo esse interesse, motivado em parte pelas melhorar essa realidade. O resultado foi um relatório Semsats de 1979 e pela conquista da cláusula de pro- com textos sobre as discussões, cartuns e perguntas teção aos acidentados, inspirou o Sindicato a criar formuladas nos encontros, com as devidas respostas. Documento distribuído em 29 de fevereiro de 1980 Uma questão de formação 23 Esse episódio se repetiu anualmente na história do Sindicato. Em 2011, o Ciclo chegou a 32ª edição, totalizando 112 encontros. Em toda existência, trouxe ideias para fortalecer a prevenção e possibilitou aos metalúrgicos o contato com profissionais de diferentes áreas. De forma descentralizada, os encontros ocorrem na sede do Sindicato, em Osasco, e nas subsedes: Cotia, Taboão da Serra e Barueri. No início, o Ciclo acontecia em uma mesma semana. Nos últimos anos, Lançada em 1980, publicação abordava as condições inseguras de trabalho e o alto número de acidentes ocorridos no país, especificamente em Osasco. Também trazia informações sobre as atribuições e funcionamento da CIPA, além de recomendações voltadas para a saúde e segurança dos trabalhadores discutidas em diferentes ocasiões, como nas Semsats. Reprodução de página interna do I Ciclo de Debates 24 passou a ser realizado em semanas diferentes, com o objetivo de ampliar a participação dos trabalhadores. São discutidos temas como a prática prevencionista das CIPAs, aspectos da legislação previdenciária, meio ambiente, assédio moral, investigação policial de acidentes no trabalho ações regressivas, entre outros. Os Ciclos, no entanto, não são os únicos eventos que contribuem para a formação em saúde e segurança dos trabalhadores. Ao longo dos anos, o Sindicato organizou e também participou de diversos encontros, tanto exclusivo dos metalúrgicos quanto em parceria com outras categorias ou organizações. A partir de maio de 1986, por exemplo, o Sindicato passou a apoiar e participar da organização de debates promovidos pela então Subdelegacia do Trabalho de Osasco e Região e com a participação de representantes de empresas, da CIESP, da Associação Comercial de Osasco e de outros sindicatos. Foi naquele ano que ocorreu o I Encontro Interinstitucional – Avaliação das Questões de Segurança e Medicina do Trabalho na Região. A ação conjunta visava melhores condições de trabalho. Uma das prioridades foi desenvolver um plano de ação para combater os acidentes de trabalho em Osasco e nos municípios vizinhos. No total, ocorreram 18 encontros interinsO encontro do 32º Ciclo de Debates, realizado em Taboão da Serra, reuniu 180 participantes em 16 de junho de 2011. Também ocorreram Debates em Cotia, Barueri e Osasco titucionais, sempre capitaneados pela Subdelegacia do Trabalho de Osasco. Lucíola Rodrigues Jaime, subdelegada na região por 19 anos, foi responsável pela realização de 17 desses eventos. O último, o XVIII Encontro Interinstitucional, aconteceu no cinema do Osasco Plaza Shopping em 2007, sob a 25 gestão da subdelegada Eladir Liane Maes Paes. Outro projeto voltado para a formação foi o Qualidade Total em Saúde e Segurança, com apoio da Fundacentro e do DIESAT. Lançado em 1994, o objetivo era treinar apenas naquele ano 1200 cipeiros. Para tanto, foram realizados seminários, cursos e debates, como a 1 ª Conferência de Saúde dos Metalúrgicos de Osasco. Ciclo de Debates 2008 O meio ambiente sempre está em debate como ocorreu no Seminário Meio Ambiente em abril de 1992. A base para a discussão foi o documento resultante do 1º Seminário Internacional de Trabalhadores e Meio Ambiente, ocorrido no Rio de Janeiro (RJ), em março daquele ano. Em 2011, o primeiro dia da 32ª edição do Ciclo de Debates foi dedicado às questões ambientais, com foco nos impactos que o contato com o amianto oferece à Encontro Interinstitucional realizado no cinema do Osasco Plaza Shopping, 2007 saúde dos trabalhadores. Esses são alguns exemplos de espaços que serviram não só para a informação, mas também para reflexão sobre os problemas existentes e 26 busca de soluções. Para um tema ser discutido, basta que se perceba sua atualidade, sua importância e a abrangência da questão. A observação contínua da realidade possibilita a realização desse processo que pode resultar em ações de vanguarda. A saúde mental, por exemplo, já era discutida em 1997 em um debate no Sindicato, fruto de uma pesquisa realizada com os trabalhadores da categoria. Os acidentes de trabalho, que começaram a ser discutidos sistematicamente em 1980, continuaram em pauta. Uma das primeiras ações nesse sentido no início do século XXI foi o Seminário de Prevenção de Acidentes do Trabalho em 2001, abrindo espaço para que outras ações de formação se repetissem, sempre marcadas pelo debate. 27 “Cortei a perna, não tinha hospital na hora. A máquina estava com defeito e o juíz disse que eu tinha parte da culpa por frear a máquina com o pé. Se eu não fizesse isso, estava despedido” - Benedito Alves da Silva, que trabalhava na Cecil Langone. In: “Rompendo o Silêncio” (2001) capítulo 4 “Manter a segurança no trabalho seria a manutenção do operário inteiro. Naquela época, o trabalhador estava pouco voltado para a segurança. Mas no sindicato tínhamos uma Comissão sobre esse tema e até nos finais de semanas fazíamos reuniões para tratar destas questões” Antonino de Freitas, 79, técnico de segurança na Mamoré, hoje aposentado. Foi o criador do nome Operário Inteiro para o informativo do Sindicato, em 1981. e livros são organizados pelo Sindicato com a preocupação de informar e de formar os trabalhadores para que ajam preventivamente nos ambientes de trabalho. A criação desses materiais tem relação direta com o 2º Ciclo de Debates, realizado em julho de 1981. Na ocasião, o Sindicato criou o Departamento de Higiene, Segurança e Medicina do Trabalho, que contava com três Grupos de Trabalho. O primeiro se dedicava à elaboração de informes. O segundo, à organização de cursos e eventos. O terceiro, ao acompanhamento de CIPAs e orientação 59ª edição, de março de 1995, com 20 páginas e 10 mil exemplares Cartilhas, jornais, cadernos de estudo 1ª edição do OI circulou em agosto de 1981, com 8 páginas e 2.500 exemplares Informação, sempre de assuntos ligados à saúde do trabalhador. 29 OI - Operário Inteiro - relançado em 2011 em versão digital Ainda nesse encontro surgiu a ideia de criar um informativo para os Cipeiros. Assim, em agosto de 1981, nasceu o Oi – Operário Inteiro. A primeira edição contou com oito páginas e 2.500 exemplares. O objetivo era levar aos trabalhadores assuntos técnicos sobre segurança e saúde em uma linguagem popular. Para tanto, um recurso bastante explorado foi o uso de cartuns. Foram 14 anos de existência. Na segunda edição, a tiragem subiu para 4.000 exemplares. Mais tarde alcançou 10.000 informativos. Uma publicação especial, e foi lançado em 1995. Quatro anos depois, surgiu uma nova ilustração. O Oi circulou até o mês de março de 1995 e proposta que culminou no “Rompendo o silêncio”. teve um total de 59 edições. O livro VÍTIMAS fez parte do projeto Qualidade Em 2011, o OI foi relançado como uma revista Total em Saúde e Segurança no Trabalho. Para realizá-lo, on-line, voltada não só para os cipeiros, mas também recorreu-se ao arquivo do Sindicato referente ao período para o público em geral, interessado em saúde e segu- de 1978 a 1994. As 66 fotos de acidentados e de condições rança que acessa a Internet. Na matéria de capa, a edi- de trabalho inadequadas tinham um forte impacto e de- ção de reestréia, tratava do descaso da perícia médica da nunciavam os problemas vivenciados pelos trabalhadores. Previdência Social. Cada imagem era acompanhada de uma pequena frase que As edições trimestrais podem ser acessadas pelo endereço: www.sindmetal.org.br/revistaOI/junho2011/ 30 les chamava-se “O ambiente de trabalho e suas VÍTIMAS” a de nº 54, teve 58 páginas e foi totalmente dedicada à descrevia a situação apresentada. Eram trabalhadores sem dedos, sem mãos, sem Já entre os livros produzidos pelo Sindicato, dois pernas, vítimas de prensas e outras máquinas sem prote- marcaram a história da Saúde e Segurança no Trabalho a ções coletivas. Ferimentos nos olhos, na cabeça, queimadu- ponto de se tornarem referências nacionais. O primeiro de- ras graves que acometeram todo o corpo. Histórias de vidas solação das vítimas desse descalabro com o triste realismo que jamais as estatísticas conseguirão demonstrar”, afirmou o então presidente do Sindicato, Claudio Magrão, na abertura do livro. Se o forte do “VÍTIMAS” foram as imagens, no livro “Rompendo o silêncio” as vítimas ganharam vozes. Em 178 páginas, os trabalhadores ou seus familiares puderam contar alguns problemas que acidentes e doenças do trabalho causaram em suas vidas. Os textos ainda apresentaram análises sobre estatísticas de acidentes de trabalho, a questão das ações regressivas, a terceirização e a discriminação, entre outros temas. Lançado em 1999, teve sete edições consecutivas em menos de três anos. No prefácio, um dos primeiros médicos do trabalho do Brasil, Bernardo Bedrikow, relatou: “Manifesto a esperança e modificadas pelo trabalho. Alguns retratos mostravam os ambientes imersos em poeiras, outros com gases. Trabalhadores sem proteção, locais sujos, até trabalho escravo, além de imagens que ilustravam os a certeza de que vencida a barreira do tradicional, apresentando fatos e nomes, sirva esta publicação para um real resultado na luta contra os acidentes de trabalho e as doenças profissionais”. movimentos repetitivos nas indústrias metalúrgicas. “Uma imagem vale mais do que mil palavras. As fotografias aqui elencadas mostram a de31 Capa de publicação do Sindicato sobre assistência médica capítulo 5 “Ao associar o poder da síntese, um código universal como o desenho e a força do humor, o cartum atinge tanto o intelectual quanto o menos escolarizado, alertando para aspectos que, muitas vezes, passam despercebidos e contribuindo para uma visão mais crítica da realidade e dos problemas a serem enfrentados.” Rice Araújo, cartunista e ilustrador A arte à serviço da saúde do trabalhador A formação e a informação na história do Sindicato sempre tiveram um grande aliado: o cartum. O uso de ilustrações é anterior ao ano de 1979. Em 1974, por exemplo, as notas chamadas “marteladas”, que faziam parte da coluna “O Martelo”, eram ilustradas com charges. Assim, os problemas existentes nas fábricas eram denunciados de forma certeira com a sátira dos cartuns publicados no jornal “Visão Trabalhista”. Mais tarde, cartuns com a mesma finalidade também passaram a ser utilizados em outras publicações como Oi – Operário Inteiro, em cartilhas das Convenções Coletivas, documentos de apoio e em cartazes. O recurso é utilizado para a eleição de cipeiros, frequentemente. “Coapa: operário só pode adoecer com autorização” Visão Trabalhista nº 31, novembro de 1978. CALAZANS 33 Vários cartunistas contribuíram para a prevenção de acidentes com traços marcantes, que, ao mesmo tempo, davam leveza a um tema pesado. Entre eles, Glauco, que trabalhou também no jornal Folha de S.Paulo, e foi assassinado em 12 de março de 2010. 34 Na edição nº 20, de 8 a 12 de junho de 2010, o Visão Trabalhista denunciava o silêncio do Ministério do Trabalho frente aos acidentes de trabalho que haviam ocorrido em empresas de Taboão da Serra. Um deles causou a morte do trabalhador. “Osram: Exames comprovam contaminação por mercúrio” Oi nº 53, março/93 RICE 35 Praguinhas impulsionam campanha dos cipeiros Sindicato dá força às eleições dos cipeiros, com a impressão dos “santinhos” dos candidatos 36 A vigilância permantente para garantir a instalação e o funcionamento das Cipas é o tema da ilustração. OI nº 13 Cartunista GLAUCO Fevereiro de1984 37 E a resposta chega de forma bem criativa, em outra ilustração. Oi nº 12 Cartunista GLAUCO Setembro de1983 38 Ilustração do carro de corrida: Estava plantada a idéia do trabalho em conjunto com diferentes entidades para a solução das questões de segurança do trabalho (sindicato, empresas, Ministério do Trabalho, Secretaria da Saúde, Fundacentro, INSS, Ministério Público, etc). OI nº 49 Cartunista VART Novembro de 1991 39 Foi uma chamada aos trabalhadores e familiares para que registrassem as denúncias do atendimento médico do INAMPS, prefeituras, estado e convênios médicos, que estava calamitoso na região. O resultado foi apresentado ao ministro da previdência social Hélio Beltrão. Oi nº 9 Cartunista GLAUCO Janeiro de 1983 40 Visava mostrar o estágio atualizado das informações relacionadas aos acidentes de trabalho, ligando este fato à falta de autonomia dos profissionais do SESMT. Gibi da SEMSAT Cartunista LAERTE Setembro de 1979 41 Ilustração de uma das “MARTELADA” retratando uma prática comum de controle de uso dos sanitários em fábricas metalúrgicas da região. (A chave do banheiro tinha que ser pega com o chefe). Visão Trabalhista Edição 43 Cartunista GLAUCO março de 1982 42 Denunciava uma prática comum nos ambulatórios médicos dentro das empresas, cujos profissionais ignoravam a queixa do paciente e até já tinha a receita na ponta da língua: toma doril que passa. NOTA: Era um medicamento que tinha muita propaganda em rádio nos programas populares. As pessoas compravam sem receita nas farmácias. Oi nº 38, pag. 4 Cartunista VALTER Fevereiro de 1989 OI nº 8 Cartunista GLAUCO Dez/1982 43 Encontro com trabalhadores, cipeiros e técnicos da área tirou a decisão de que era necessário identificar escala prioritária dos riscos e resolver com urgência as situações mais graves, justamente as poderiam levar à morte, mutilação e doenças irreversíveis; OI nº 12 Cartunista GLAUCO Outubro de 1983 44 Manifestações pelo fortalecimento e respeito às funções da CIPA foram constantes pauta de ações, em especial em 1983 e 1984. Cipeiro não pode fazer “corpo mole”. Capa Oi nº 12 Adaptação de charge do cartunista LAERTE Outubro de 1983 45 Todas as comunicações eram no sentido de exigir uma conduta prevencionista do cipeiro. Oi nº 12 Cartunista GLAUCO Outubro de 1983 46 Os trabalhadores se posicionam em defesa da democratização da eleição da CIPA. Oi nº 15 Cartunista GLAUCO Maio de 1984 47 Ilustra a movimentação contra o cipeiro fantasma. Oi nº 10 Cartunista GLAUCO Maio de 1983 48 Documentava a presença de cláusulas de prevenção de acidentes na convenção coletiva de trabalho que estava em vigor. Oi nº 8 Cartunista GLAUCO Dezembro de 1982 49 Sindicato alertava trabalhadores na porta da empresa Meridional sobre direitos de saúde e segurança que estavam sendo desrespeitados, em 1982 50 capítulo 6 “É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender” Lei 7.783 , de 28 de junho de 1989. Se por muitas vezes o Sindicato recorreu à graça dos cartuns e aos debates para o processo de trabalho por usar tecnologia fornecida por parceira alemã. formação em segurança e saúde, por outras foi Diante da recusa, começou a mobilização necessário usar o recurso da greve. Três situa- através de uma foto tirada pelo fotógrafo do Sindicato, ções foram emblemáticas em 1982, 1985 e 1997. Carlos Marx Alves. A imagem de um dos acidentados Anos diferentes marcados por greves que tive- internado em estado grave foi mostrada na porta da ram uma motivação comum: garantir melhores empresa e sensibilizou os colegas. Os trabalhadores condições de trabalho. entraram em greve e a empresa resolveu o problema A primeira delas aconteceu após um aci- no ambiente de trabalho no mesmo dia. dente de trabalho. Tudo começou com a explosão Já a segunda paralisação foi fruto de uma de uma estufa de secagem no setor de macharia situação precária que se arrastava por anos. Desde da Fundição Munck, localizada em Cotia (SP). 1978, o Sindicato alertava sobre as condições de tra- Três trabalhadores se acidentaram gravemente. balho ruins da empresa Meridional, fabricante de Na época, a empresa alegou não poder modificar baixelas e talheres. As denúncias foram feitas em Paulo Cândido, da Fundição Munck, no leito hospitalar Em busca de melhores condições 51 Capa do relatório de vistoria realizado pela Fundacentro em 1981 com 13 técnicos, cujo conteúdo originou a greve na Meridional quatro anos depois, quando foi entregue ao Sindicato (na ocasião sem essa capa) Matéria veiculada pelo jornal Primeira Hora (junho de 1985) 52 Matéria publicada no boletim OI, dias antes de eclodir a greve jornais, na Câmara dos Deputados e em eventos, os funcionários do escritório. Ao ser repreendida como a reunião anual da Sociedade Brasileira para por usar aquela água, preparou uma nova bebida com o Progresso da Ciência, em 1981. água fornecida em bombonas, que era de uso exclusi- Crianças e mulheres sofriam com a exposi- vo dos chefes e da administração. ção à poeira, substâncias tóxicas, risco de acidente Os trabalhadores do chão de fábrica sou- em prensas e ruído excessivo. Técnicos da Funda- beram da discriminação e descobriram que a água centro analisaram a situação naquele ano, compro- das torneiras vinha de uma cisterna sem controle vando sua gravidade. Mas o relatório só chegou às de potabilidade. A paralisação deu resultados. A mãos do Sindicato anos mais tarde, após as eleições presidenciais. Assim, em julho de 1985, ao tomarem conhecimento “oficial” do risco de contaminação que sofriam, os trabalhadores entraram em greve, e o problema existente foi resolvido em poucos dias. A terceira greve aconteceu na empresa Micron porque os trabalhadores da produção não tinham o direito de beber água potável. A empresa era especializada em tratamento de su- “A água que você bebe na fábrica já foi analisada?” OI nº 14, cartunista GLAUCO fev-mar/1984 perfície e pintura eletrostática, no ano de 1997, e contava com 106 trabalhadores. O movimento se deu quando a copeira preparou uma jarra de suco com água da torneira para 53 Vigilância Sanitária fiscalizou o local, e a empresa passou a fornecer água potável para todos. As greves ainda hoje são uma alternativa para casos extremos. Nos últimos cinco anos, têm sido usadas para combater o assédio moral nas empresas metalúrgicas. Em 2010 e 2011, houve paralisações por esse motivo nas empresas Rayton (Jandira), Facobrás, (Barueri), Liceu de Artes e Ofícios (Osasco). O assédio moral se caracteriza pela exposição dos trabalhadores a situações humilhantes durante a jornada de trabalho e no exercício do trabalho de forma contínua. A vítima geralmente é isolada e passa a ser hostilizada, sofrendo com o silêncio dos colegas. Quando uma greve ocorre para denunciar esse tipo de situação, essa corrente é rompida e se dá voz aos trabalhadores que sofrem. É muito importante que esse problema ganhe visibilidade, pois é comum que os assediados fiquem mais vulneráveis a acidentes de trabalho e aos transtornos mentais. Em novembro de 2010, assédio moral era manchete do jornal do Sindicato 54 Jornal Visão Trabalhista denunciava prática de assédio moral 55 Foto denunciava comércio de chapas de pulmões no Centro de Osasco em 1984 56 7 capítulo “Além das tarefas cotidianas, a ação do Sindicato é marcada por episódios como o do combate às más abreugrafias, que resultou em melhores exames de saúde...” O fim das chapas de pulmões inadequadas Uma das lutas travadas pelo Sindicato dos de Osasco. Mesmo antes de tirar a chapa, a carteira Metalúrgicos de Osasco e Região começou em agosto de saúde já recebia o selo de pulmão sadio. O caso era de 1984, pedindo o fim da abreugrafia. Naquela época, grave em toda a região. Um trabalhador que não tinha todos os trabalhadores eram obrigados a tirar chapa um pulmão, por exemplo, recebeu uma chapa em Ca- de pulmão periodicamente e sempre que entravam rapicuíba com diagnóstico de “pulmões sadios”. em um novo emprego. A obrigatoriedade do exame, Depois de fechados, muitos voltaram a chamado de abreugrafia, criou uma indústria que lu- funcionar da mesma forma. Os casos eram relata- crava com a venda de chapas, muitas vezes falsificadas dos no jornal do Sindicato, no boletim Oi (Operário ou realizadas em condições inadequadas. Inteiro), ao mesmo tempo em que se pressionava o Para combater o problema, o Sindicato de- Bernardo Bedrikow – Médico do trabalho que atuou mais de 50 anos na área em instituições como o Sesi (Serviço Social da Indústria), a OIT (Organização Internacional do Trabalho) e OMS (Organização Mundial da Saúde). poder público para solucionar a questão. nunciou os locais impróprios, que foram fiscalizados. Assim foi com alegria que a edição nº 19 do Um deles era o Mercadão de Documentos, no Centro Oi, de janeiro de 1985, noticiou que as abreugrafias 57 estavam suspensas no estado de São Paulo. As empresas não poderiam mais exigir que os trabalhadores fizessem o exame, a não ser para os que trabalhavam em locais insalubres. No dia 18 de janeiro, o próprio Ministério do Trabalho determinou a suspensão da exigência de abreugrafia nos exames admissionais, periódicos e demissionais. A conquista só foi possível porque contou com uma série de ações integradas. Cada vez que constatava uma irregularidade, o Sindicato chamava a polícia ou a Divisão do Exercício Profissional, que fiscalizava os “institutos”. Também realizou reuniões com o delegado regional do trabalho de São Paulo da época e com o secretário estadual de saúde. Para levantar provas, pessoas doentes, como uma mulher com tuberculose, foram tirar chapas e saíram com resultado de pulmões sadios. Ofícios foram enviados ao Ministério do Trabalho e ao Ministério da Saúde. Até “morto” conseguiu tirar abreugrafia na região. 58 Comércio de documentos no centro de Osasco, em 1984 O próximo passo foi lançar uma campanha de esclarecimento sobre o fim da exigência de chapas de pulmões para todos os trabalhadores. O Sindicato ainda acompanhou o cumprimento da determinação, denunciando a Fiesp por não cumpri-la ao orientar os associados a continuar exigindo o exame. Dessa forma, contribuiu-se para a mudança da lei e para a implementação da mesma. 59 Demolição da Eternit, em 2 de maio de 1995 (hoje no local funciona uma unidade do hipermercado Wal Mart) 60 capítulo 8 “O amianto é um problema de saúde pública que ainda não foi tratado de maneira séria no Brasil, apesar de iniciativas importantes como a lei paulista para o banimento. As vítimas da fibra esperam ansiosos que se coloque fim a essa catástrofe sanitária anunciada.” Fernanda Giannasi, auditora fiscal e símbolo da luta contra o amianto. Amianto: luta permanente Em março de 2011, 66 países no mundo já haviam banido o uso do amianto. A fibra pode causar doenças como asbestose, câncer de pulmão, de laringe e ovário e o mesotelioma, tumor maligno incurável de pleura, peritônio e pericárdio. Mesmo assim ainda é usada no Brasil. A omissão reiterada das autoridades brasileiras ao permitir o uso do amianto em diferentes tipos de produtos, especialmente na construção civil, ignora os riscos de adoecimento e as vítimas já diagnosticadas em todo o país. Também fecha os olhos à resistência de entidades como a Abrea (Associação Brasileira dos Expostos ao Amianto) e do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e Região. 61 A luta do Sindicato contra a substância começou em 1986 com uma campanha de conscientização para que o produto não fosse mais usado como matéria-prima na fabricação de lonas e pastilhas de freio. Um dos marcos foi a realização de um seminário intersindical sobre o amianto, com a presença de representantes da OIT (Organização Internacional do Trabalho), organizado pelo Diesat em 1990. Já em 1994 as centrais CGT, CUT e Força Sindical reafirmaram posição pelo banimento do amianto por meio de carta conjunta. Nesse mesmo ano, promoveram, em parceria com a Fundacentro, o Seminário Internacional “Amianto: uso controlado ou banimento?”. Na mesma época, o então Ministro do Trabalho, Walter Barelli, convocou o setor automotivo e trabalhadores para discutir a substituição do amianto. Em janeiro de 1994, foi assinado o protocolo de intenções. Mas ficou só na intenção porque o sucessor do Ministro Barelli, Marcelo Pimentel, recusou-se a respeitar a decisão das partes. 62 Três anos depois, na prática, o amianto deixou da Saúde. O ano de 1996 ainda foi marcado pela reco- de ser usado pelo setor de autopeças. Além da pressão mendação de banimento do amianto ao Ministro da sindical, as empresas foram influenciadas pelo mercado Saúde pelo Comitê Interministerial de Doenças Pul- internacional, que via o amianto negativamente. monares, Ambientais e Ocupacionais. O movimento sindical pressionou de várias No ano seguinte, as três centrais sindicais formas. Em 1995, o Sindicato dos Metalúrgicos de Osas- defenderam o banimento do amianto no Brasil, co entrou em contato com os fabricantes de EPIs, soli- ao participarem da Conferência Internacional citando que deixassem de usar amianto na produção de das Organizações Sindicais Livres, na Bélgica. As vestimentas, capuz e luvas para temperaturas extremas. entidades sindicais brasileiras foram representa- O Sindiseg (Sindicato da Indústria de Material de Segu- das por um dirigente do Sindicato dos Metalúr- rança) foi favorável à substituição em prazo de um ano. gicos de Osasco e Região . O tema amianto também foi debatido em O Sindicato continuou participando de dis- 1996 pelas centrais sindicais com o Ministério do cussões, reforçando a posição pelo banimento, como Trabalho e Emprego e a Comissão Nacional do fez em 1999 no Conselho Nacional de Saúde e em 2000 Amianto, culminando na criação de um Grupo no Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente). Tripartite. Falava-se na substituição por meio de Foi também em 2000 que o Sindicato par- negociações por categorias, nas atividades em que ticipou ativamente da organização do “Congresso houvesse tecnologia disponível. Mundial do Amianto – Passado, Presente e Futu- As centrais mais uma vez reforçaram a po- ro” em Osasco, com a presença de 38 países. Osasco sição pelo banimento através de documentos enca- é uma das primeiras cidades do Brasil que proibiu o minhados aos Ministérios do Trabalho e Emprego e amianto por meio de lei municipal. 63 Em nível estadual, a proibição já ocorreu em Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo. Mas a luta não acabou. O amianto continua sendo extraído em Minaçu (GO) e utilizado em fabricação de telhas e caixa d’água e na indústria de cloro-soda. Outro problema é a entrada de produtos chineses contendo amianto no país, sem nenhum controle. Entre as áreas afetadas estão a de produtos automotivos, de isolamento térmico e acústico. No caso da produção nacional, esses setores já eliminaram o amianto, mas sofrem concorrência desleal de indústrias da China, que não levam em conta os impactos à saúde humana e ao meio ambiente. Não é possível baixar a guarda nem mesmo onde já existem leis que proíbem o amianto. “No estado de São Paulo, as empresas fabricantes, lideradas pelo grupo empresarial Eternit e seu poderoso lobby econômico, representado pelo IBC - Instituto Brasileiro do Crisotila, insistem em descumprir a lei. Buscam amparo em medidas cautelares, nas quais utilizam a ameaça do desemprego em massa como desculpa para continuarem a produzir, comercializar, transportar, exportar e utilizar a fibra cancerígena em território paulista. Ameaçam inclusive com ações criminais àqueles ativistas que defendem a proibição da chamada ‘poeira assassina’”, alerta a auditora do MTE Fernanda Giannasi. 64 OI voltava ao assunto em janeiro de 1994 APELO DE CASALE MONFERRATO Por ocasião da 6ª. Jornada Mundial das Vítimas do Amianto, celebrada em Casale Monferrato, Itália, em 28 de abril de 2011, com a participação de delegações vindas dos Estados Unidos, Brasil, França, México, Espanha, Suíça, Itália, Grã Bretanha e de numerosas regiões italianas, se aprovou o que se segue: Dada a nocividade do amianto, é indispensável e urgente eliminá-lo completamente do ambiente humano. Na Europa, uma tragédia continental de imensas proporções foi criada pelo uso industrial do amianto. Como resultado disto, centenas de milhares de mortes ocorreram. Trata-se de um dado subestimado, considerando que dados documentando esta tragédia humana são tragicamente incompletos. Atualmente, esta epidemia de doenças induzidas pelo amianto se expandiu para os países em desenvolvimento, os quais continuam a usar o amianto. A existência de duplo-padrão entre os países industrializados e em desenvolvimento é eticamente injustificável e moralmente corrupta. Há uma obrigação moral de se realizar iniciativas médicas e científicas para prevenir a ocorrência de doenças relacionadas ao amianto. Muitos cidadãos estão sob risco de contraírem doenças pelas fibras mortais do amianto em seus pulmões. Pesquisa relativa à prevenção deve ser prioridade máxima. Uma estratégia delineando em tempo adequado o diagnóstico e protocolos de tratamento para todas as doenças relacionadas ao amianto (asbestose e cânceres) é necessária e deverá ser regularmente atualizada. O dito “uso controlado” do amianto é simplesmente uma propaganda comercial para enganar populações desinformadas e vulneráveis as quais são incapazes de avaliar os riscos relacionados ao uso de todos os tipos comerciais de amianto. É obrigatório que a crisotila (amianto branco) seja listada no anexo da Convenção de Roterdã como substância que requer o consentimento prévio informado (PIC) pelos países importadores. A exposição ambiental causada pela extração e uso do amianto se constitui numa outra catástrofe humana que ameaça a saúde da atual e futuras gerações. Poluição difusa permanece na atmosfera, água, solo e em edifícios em áreas tais como nossas comunidades de Casale e Bari na Itália, Córsega na França, Widnes no Reino Unido e Getafe na Espanha. As comunidades afetadas, que estão tentado agir para atenuar a contaminação por amianto de seus territórios, devem receber e obter apoio das agências internacionais, autoridades regionais e governos nacionais. É essencial identificar as áreas poluídas por décadas de exploração do amianto e ter acesso aos fundos e conhecimento técnico necessários para lidar de modo abrangente com o legado funesto do amianto. A experiência inglesa contra a empresa Cape Asbestos e o processo criminal em Turim contra os principais executivos acionistas da multinacional Eternit representam um símbolo emblemático e concreto na luta para se obter justiça para as vítimas do amianto. No processo italiano, mais de 6 mil pessoas estão buscando reparação judicial e se constituíram como parte civil. Estes processos judiciais demonstram a importância de se adotar uma perspectiva internacional referente aos direitos das vítimas e relativa aos crimes promovidos pelas empresas multinacionais do amianto. Todas as vítimas de doenças relacionadas ao amianto (malignas e outras) têm o direito de serem indenizadas pelos danos sofridos, independentemente se suas exposições foram de origem ocupacional, ambiental, doméstica ou de qualquer outra forma. Prioritariamente, o pagamento de indenização deve ser realizado de maneira rápida e justa. A experiência Francesa (FIVA) é um exemplo de como isto pode ser obtido. Se for decidido o estabelecimento de um fundo, o mesmo deverá ser financiado por empregadores públicos e privados. Em todos os casos, será garantido o direito legal de se buscar na via judicial (civil ou penal) a indenização referente aos danos causados bem como as responsabilidades cabíveis. Concluindo, reafirmamos que a indústria do amianto é uma indústria criminosa que expôs e ainda expõe massivamente populações a riscos mortais em busca de lucros e, portanto, EXIGIMOS JUSTIÇA. 65 Trabalhadores acidentados fazem manifestação na Câmara dos Deputados contra mudanças na competência de julgamentos, em 19 de janeiro de 2000 66 9 capítulo “Existe uma concepção de transformar o acidente de trabalho, que é um evento complexo e multicausal, em um evento simples, provocado pelo indivíduo. Esta visão acaba na culpabilização da vítima . É interesse da empresa usar essa estratégia para defesa jurídica. Essa visão restrita acaba sendo reproduzida nas ações da CIPA e dos profissionais dos SESMTs. É necessário observar as condições latentes, como um erro de projeto, a organização do trabalho, a cobrança de produção, o ritmo acelerado. O modelo de análise e prevenção de acidente (mapa), por exemplo, permite analisar profundamente as causas e identificar os fatores potenciais de um acidente, para agir sobre todos eles. Os sindicatos podem contribuir para mudar a situação atual. Devem se atentar a fazer uma boa análise do acidente de trabalho e construir acordos coletivos com objetivos preventivos.” Rodolfo Andrade G. Vilela, engenheiro de segurança e professor livre-docente da Faculdade de Saúde Pública da USP. Ao folhear os livros “Vítimas” e “Rompen- Essa relação é confirmada pelos regis- do o Silêncio”, saltam aos olhos imagens e histórias tros históricos. O médico e professor da USP de pessoas que tiveram a vida transformada por Diogo Pupo Nogueira, já falecido, costumava acidentes no trabalho. Diferentes pessoas, datas e relatar uma triste lembrança da infância. O pai empresas, mas uma mesma história. Vidas mutila- dele presenciou um acidente com uma criança das pela insegurança do meio laboral. na fábrica onde trabalhava no início do século Perdas de membros como dedos, mãos, XX. Um menino foi engolido por uma máquina. pés, pernas. Visões comprometidas. Corpos No início da industrialização em São marcados por queimaduras. Septos nasais perfu- Paulo, na metade do século XIX, as condições rados e dentes descalcificados pelas substâncias de trabalho eram muito duras. Nessa história, tóxicas de galvanoplastia. Audições perdidas o movimento operário foi importante para a por causa de ruídos. As imagens parecem revelar busca de uma situação melhor. Mas é fato que que a relação entre o ser humano e o trabalho é acidentes e doenças relacionadas ao ambiente marcada pelos acidentes e adoecimentos. laboral nunca deixaram de ocorrer. Oi, janeiro de 1986 Acidentes ontem e hoje 67 Documento do Sindicato, de novembro de 1985, comparava o resultado dos acidentes e condições de trabalho à resultados de uma guerra Folha de S. Paulo, 28 de outubro de 1982, após a morte de trabalhador na metalúrgica Cinpal, em Taboão da Serra 68 Segundo estimativa da Organização Internacional do Trabalho (OIT), divulgada em 2010, 6.300 pessoas morrem por dia no mundo devido a acidentes Relatório da fiscalização do Ministério do Trabalho ou doenças ocupacionais. São mais de 2,3 milhões de mortes e 337 milhões de acidentes do trabalho por ano. No Brasil, os dados da Previdência Social de 2009 apontam o registro de 723.452 doenças e acidentes do trabalho e 2.805 mortes. Esse número abrange apenas o mercado formal e ainda persiste o problema da subnotificação, que são os casos em que as empresas deixam de informar como deveriam. Na Região de Osasco, o Sindicato dos Metalúrgicos tem buscado acompanhar a questão da acidentalidade e do adoecimento no trabalho. Em 1985, por exemplo, produziu um documento intitulado “Estamos em guerra” devido às mortes, doenças e acidentes ocorridos com trabalhadores. Naquele ano, os registros da Previdência mostravam a existência de 1.077.861 acidentados e 4.384 mortos. Somente em Osasco os dados de 1984 do então INPS mostravam o registro de 13.082 acidentes e 69 Imprensa registrou o fato em abril de 1997 48 mortes no trabalho. O documento alertava que, de 1979 a 1984, foram 84.695 acidentes e 173 mortes no município, segundo os números da mesma instituição. Uma das grandes preocupações permanentes era com as prensas, especialmente as mecânicas, de engate por chaveta. Muitas não tinham proteção, apesar de a lei exigir que tivessem equipamentos de segurança. Além de denunciar, negociavam-se melhorias que eram incluídas na Convenção Coletiva. O movimento sindical brasileiro alcançou várias medidas preventivas e de proteção por meio da negociação tripartite. Entre as ações sindicais, ainda estão o pe- Gerson da Conceição, dido e o acompanhamento das investigações dos demitido em acidentes e das medidas para corrigir as causas do coma na UTI problema. Uma das situações documentadas foi o acidente de trabalho que vitimou Gerson da Conceição, em 17 de dezembro de 1996. Ele ficou 107 dias internado, até sua morte, mas teve seu contrato de trabalho temporário rescindido durante a internação, mesmo estando em coma, na UTI hospitalar. 70 Valdívio Mendes, ouviu os médicos se perguntarem “Por onde vamos começar?” Entre os anos de 1985 e 1994 ocorreram 133.693 acidentes do Trabalho em Osasco. No primeiro ano citado, o número foi de 15.025 contra 5.764 ocorridos em 1994. Nesses 10 anos, aconteceram ainda 429 mortes, 1800 doenças e 1149 incapacidades relacionadas ao trabalho, segundo os Registros da Previdência Social. Já em 2000, o perfil dos acidentados de Osasco e Região mostrou uma maior ocorrência de acidentes na área metalúrgica entre trabalhadores com 25 a 36 anos, correspondendo a 42,8% do total. A concentração de acidentes era maior entre os homens, Jorge Luis Conrado, com 82,8%. A pesquisa foi feita pelo Sindicato a partir perna amputada por da análise das informações da CAT (Comunicação de uma calandra no dia Acidente do Trabalho). em que completava 36 anos Em pleno século XXI, ainda é comum o jornal sindical Visão Trabalhista denunciar a ocorrência de acidentes e mortes no trabalho nas empresas metalúrgicas da região de Osasco. A gravidade é confirmada pelos números da própria Previdência. Em 2009, o estado de São Paulo teve o registro de 246.448 acidentes no trabalho e 651 óbitos. Isso apenas contando os trabalhadores do mercado formal. 71 Fiscalização encontrou 50 crianças e adolescentes trabalhando em condições subumanas, na Aramearte, em novembro de 1984 72 capítulo 10 “Podemos observar o crescimento de transtornos de comportamento/humor, ansiedade em face ao ‘assedio moral’; cobrança de produtividade, litígios variados com o RH das empresas, e o agravante das drogas hoje disseminadas em todas as categorias de trabalhadores” Paulo Moura, médico do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e Região O adoecimento no trabalho comprimido) sobre os trabalhadores. bém é marcada pela presença de doenças. Tanto que a Ambas ocorreram em 1979, mas nos anos se- questão das doenças ocupacionais sempre esteve pre- guintes as doenças continuaram sendo discutidas e até sente nas Semsats. Na primeira edição, por exemplo, fo- hoje configuram um problema não resolvido. Nos anos ram abordadas as doenças pulmonares causadas por di- 90, houve um crescimento da LER/DORT (Lesões por ferentes tipos de poeiras presentes no ambiente laboral. Esforço Repetitivo/Doenças Osteomusculares). Casos como silicose, asbestose e até câncer de pulmão. Documento que antecedeu a 1ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador (outubro de 1986) A história da acidentalidade no trabalho tam- Tanto que nesse período a LER era tema cons- Já na segunda SEMSAT um estudo estimou tante de informativos e seminários. Havia até um Grupo a existência de 8.871 trabalhadores metalúrgicos voltado ao tema. Em 1993, o Sindicato chegou a publi- com surdez de origem profissional, em São Paulo. car a Norma Técnica sobre Lesões por Esforço Repe- Outros 48.869 tiveram perdas auditivas de diferen- titivo do Ministério da Previdência. Explicavam-se os tes graus devido ao ruído no ambiente de trabalho. diferentes tipos de doenças, tratamentos e a prevenção. Na ocasião, observaram-se os efeitos dos agentes Essa incluía pausas, adequação de móveis e máquinas, físicos (ruído, calor, frio, vibração, radiação, ar alterações nos processos e na organização do trabalho. 73 Linha de produção na metalúrgica LOG, de Osasco, em 1981 74 A LER passou a ser responsável por mais de 75% de todos os registros de doenças da região. Jo- Trabalhos que exigiam esforços repetitivos, documentados desde 1981, 10 anos antes dos primeiros registros de casos de LER vens, homens e mulheres foram incapacitados para o trabalho. Um estudo entre 1994 e 1997 demonstrou o ranking das principais doenças da época: DOENÇAS PROFISSIONAIS E DO TRABALHO TIPOS REGISTROS PERCENTUAIS LER 2.590 75,1% DISACUSIA (SURDEZ) 590 16,5% PNEUMOCONIOSE 107 3,1% DERMATITE 64 1,9% OUTROS AGENTES 116 3,4% TOTAL 3447 100% Fonte: INSS de Osasco Em diferentes ambientes de trabalho, os movimentos repetitivos causam LER. Na maioria das vezes, as vítimas são mulheres 75 Linha de produção na metalúrgica LOG, de Osasco, em 1981 76 Em 21 de março de 1991, o Sindicato iniciava grande mobilização em torno do conhecimento da tenossinovite Prevenção e combate à LER é assunto dos informativos do Sindicato Aurineide Gomes de Souza recebeu “alta” da perícia, em junho 1998, apesar de sentir dores e dormência nos braços 77 Na década seguinte, aumentaram os problemas psicossociais. Atualmente cada vez mais pessoas são vítimas de doenças e transtornos mentais e psicológicos relacionados ao trabalho. São casos de depressão, burnout (esgotamento profissional caracterizado por exaustão emocional e sofrimento psíquico), assédio moral e até suicídio. Antes disso, o Sindicato já atento ao problema, realizou, em abril de 1997, um debate sobre sofrimento mental no trabalho. Ao mesmo tempo, continuou vigilante ao problema da LER/DORT. O Perfil dos Acidentados de 2000 revelou um aumento de vítimas do trabalho mulheres, chegando a 17,2%. A análise mostrou que a maioria das ocorrências estava relacionada às lesões por esforço Documento amplamente divulgado pelo Sindicato nos encontros prevencionistas. Era um sinal de alerta diante de uma “epidemia de LER”, }em 1993 78 Boletim do Sindicato destacava a preocupação com a LER, em julho de 1994 repetitivo. No total de acidentes ocorridos, entre homens e mulheres, 22,6% eram casos de LER. O adoecimento no trabalho também pode ocorrer devido à presença de algumas substâncias químicas. O chumbo traz o risco de saturnismo e o mercúrio, de hidrargirismo. Isocianatos, poeiras minerais, vapores, fumos e gases têm relação com a asma e a bronquite. Amianto, arsênico, benzeno, berílio, cádmio, cloreto de vinila, cromo VI e cromatos Cartilha de bolso mostrava prioridades no combate aos acidentes. Publicação teve várias reimpressões, a partir de 1991,com o apoio da Fundacentro, Secretaria de Estado do Trabalho e Secretaria de Estado de Promoção Social hexavalentes, emissões de coqueria, entre outros, são considerados cancerígenos para seres 79 humanos pelo IARC (Agência Internacional para Pesquisa em Câncer). Pontos prioritários acompanharam publicações do Sindicato no período de O risco de câncer de pulmão, da cavidade 1984 a 1991. A partir daí, as oral, da faringe, da laringe pode estar presente na LER - Lesões por Esforços indústria metalúrgica. Em siderurgias, há relação cena com carga total com leucemias devido ao benzeno. Polimentos em galvanoplastia e trabalho em fundições geram poeiras e vapores tóxicos. Em todos esses casos, é importante que não haja exposição do trabalhador às substâncias. Medidas de engenharia e de higiene ocupacional são necessárias para uma proteção efetiva. Ao longo dos anos, o movimento sindical procurou denunciar e discutir o problema do adoecimento. Nos livros “Vítimas” e “Rompendo o Silêncio”, há imagens e relatos de trabalhadores que tiveram, por exemplo, perfuração do septo nasal devido à aspiração de cromo, zinco, níquel e ácido clorídrico em ambiente insalubre de galvanoplastia. Também há histórias de vítimas da LER/DORT com tenossinovite, tendinite e bursite. 80 Repetitivos - entraram em Em todos os casos, o Sindicato atua pela cons- balhadores em torno das doenças pulmonares, apenas trução de ambientes saudáveis. Assim as questões são um adoecimento foi registrado. Na outra ponta, vemos tratadas em diferentes publicações e debates. Junto a o número de 240 registros em 2009. Será que esses da- isso, empresas são denunciadas e pressionadas a se ade- dos realmente expressam o aumento de transtornos quarem. Essa luta, que ganhou força em 1979 com a I mentais relacionados ao trabalho dos dias atuais? Semana de Saúde do Trabalhador, cresceu ao longo dos anos e continua firme até hoje. Do lado dos acidentes, é possível observar que enquanto a lei obrigava a Previdência a pagar os Nos 30 anos retratados neste livro, as do- afastamentos a partir do dia seguinte ao acidente, até enças ocupacionais só passam a ser registradas após julho de 1991, os registros anuais indicavam mais de muita pressão social. Acompanhamos os registros 15.000 acidentes. Mas, quando entrou em vigor a lei de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho em 8.213, de 24 de julho de 1991, os números caíram. nove municípios que compõem a jurisdição da atu- Essa legislação obrigou as empresas a as- al Gerência Executiva do INSS da região. O quadro sumirem os 15 primeiros dias de afastamento após nos dá ideia da dimensão das dificuldades de ontem os acidentes. Também deu garantia de estabilidade e hoje de Osasco, Carapicuíba, Barueri, Jandira, no emprego, por 1 ano, aos acidentados. Por outro Itapevi, Santana do Parnaíba, Pirapora do Bom Je- lado, a subnotificação aumentou e até hoje o pro- sus, Cotia e Vargem Grande Paulista. Também co- blema não foi resolvido. locamos ao lado os registros brasileiros, para que se possa observar a realidade nacional. Mesmo subnotificado, o número de acidentes continua a mostrar os problemas vivenciados pe- Os números de Osasco e Região denunciam los trabalhadores. As mortes no trabalho não pararam que em 1979, quando começou a mobilização dos tra- de ocorrer. Os adoecimentos oriundos do trabalho 81 Acidentes de trabalho registrados pela Previdência Social Osasco e Região Ano Brasil Acidentes Doenças Mortes Acidentes Doenças Mortes Osasco e Região Brasil 1979 14.591 1 34 1.444.627 3.823 4.673 0,07 1980 13.434 1 23 1.464.211 3.713 4.824 0,07 2,54 1981 15.190 2 24 1.270.465 3.204 4.808 0,13 2,52 2,65 1982 15.196 5 34 1.178.472 2.766 4.496 0,33 2,35 1983 12.947 1 10 1.003.115 3.016 4.214 0,08 3,01 1984 13.037 3 48 961.575 3.233 4.508 0,23 3,36 1985 15.025 3 45 1.077.861 4.006 4.384 0,20 3,72 1986 19.655 6 55 1.207.868 6.014 4.578 0,31 4,98 1987 17.936 96 59 1.137.124 6.382 5.738 5,35 5,61 1988 19.756 13 54 992.737 5.029 4.616 0,66 5,06 1989 17.987 4 75 895.213 4.838 4.554 0,22 5,40 1990 15.838 46 38 693.572 5.217 5.355 2,90 7,52 1991 10.122 121 31 640.790 6.331 4.523 11,95 9,88 1992 6.260 617 29 532.514 8.299 3.634 98,56 15,58 1993 5.350 409 41 426.960 11.111 3.689 76,45 26,02 1994 5.764 427 31 388.304 15.270 3.129 74,08 39,32 1995 6.140 858 46 424.137 20.646 3.967 139,74 48,67 1996 4.422 1.024 46 395.455 34.889 4.488 231,57 88,22 1997 4.003 1.138 52 421.343 36.648 3.469 284,29 86,98 1998 6.285 1.045 31 414.341 30.489 4.144 166,27 73,78 1999 9.190 423 23 387.820 23.903 3.896 46,03 61,63 2000 6431 884 17 363.868 19.605 3.094 137,46 53,88 2001 não fornecido não fornecido não fornecido 340.251 18.487 2.753 não fornecido 54,33 2002 4.961 572 40 393.071 22.311 2.968 115,30 56,76 2003 5.644 729 32 399.077 23.858 2.674 129,16 59,78 2004 6.170 777 18 465.700 30.194 2.839 125,93 64,84 2005 6.581 817 17 499.680 33.096 2.766 124,15 66,23 2006 7.034 770 31 512.232 30.170 2.798 109,47 58,90 2007 6.321 402 19 659.523 22.374 2.845 63,60 33,92 2008 6.511 276 22 755.980 20.356 2.817 42,39 26,93 2009 6.153 240 39 723.452 17.693 2.496 39,01 24,45 Fontes: INSS Osasco 1979 a 1999/pesquisa na internet 2002 a 2009 82 Registros de doenças / mil acidentes registrados ganharam visibilidade ainda que muitos casos estejam lho. O estresse, a pressão por metas inatingíveis, o invisíveis aos olhos da Previdência. assédio moral fazem parte desse quadro. Aparecem Tornar os problemas visíveis é dever de toda a sociedade. O aumento de notificações de doenças como depressão e alcoolismo, além de sintomas físicos com dores de cabeça e hipertensão. adoecimentos observado em meados dos anos 90 só Pesquisa da UnB (Universidade de Brasí- foi possível com a mobilização social. Um dos im- lia), divulgada no começo de abril de 2011, apontou pulsos veio com a criação do CISSOR (Conselho In- que os problemas causados pelo estresse levaram tersindical de Saúde e Seguridade Social de Osasco 1,3 milhão de brasileiros a se afastarem do trabalho e Região). O maior comprometimento dos sindica- e receberem auxílio-doença. A Isma-BR, associa- tos com as questões de saúde também ajudou. ção internacional voltada ao estudo e prevenção do Os anos 90 ainda foram marcados pela estresse, aponta que 70% da população brasileira luta para o banimento do amianto. Infelizmente, sofre de estresse. Desse total, 30% apresentam bur- o adoecimento não deixou de aparecer com o fe- nout, exaustão física e mental. chamento de fábricas que usavam a substância ou O cenário atual mostra que novos desafios a retirada da mesma dos processos de produção. aparecem no século XXI sem que os problemas das Isso porque o câncer, que é causado pelo produto, últimas décadas do século XX tenham sido resolvidos. tem longo período de latência. Assim, a doença demora a se manifestar, o que faz com que, muitas vezes, não se faça o nexo com o trabalho. Na década seguinte, entram em cena as doenças e transtornos mentais relacionados ao traba83 Sindicato entrega provas de negligências que originaram acidentes de trabalho ao superientendente do INSS no Estado de São Paulo, Sergio Bueno, em maio de 1995 84 capítulo 11 “A empresa tem obrigação de pagar SAT [Seguro Acidente de Trabalho], mas também tem a obrigação legal de deixar o ambiente seguro. Ela só é acionada quando não cumpre isso.” Eurípedes Cestare, procurador federal da Agência Geral da União. Ações regressivas: ressarcimento e estímulo a prevenção Em julho de 1991, o artigo 120, da Lei 8213, De 1991 a 2007, quando as ações ocorriam sob trouxe a possibilidade do INSS exigir das empresas responsabilidade da Procuradoria do INSS, apenas causadoras de acidentes de trabalho ressarcimento do 223 foram ajuizadas no país em todo o período. Com a dinheiro gasto com benefícios. Para tanto, é preciso mudança, de 2008 a 2010, a PGF teve uma média anual constatar que houve negligência no cumprimento das de ajuizamento de 340 ações regressivas em prol do normas de segurança e higiene do trabalho. A partir INSS. Assim, no início de 2011, contabilizou-se mais disso, propõe-se a ação regressiva acidentária. de 1.250 processos existentes. O ressarcimento ao Apesar de a legislação fazer 20 anos em 2011, INSS pode chegar a R$ 200 milhões. apenas recentemente a ação regressiva começa a sair As ações regressivas ganharam um reforço do papel. Isso ocorreu em 2008 quando a questão na região de Osasco em 2011, com a instauração de passou a ser gerida pela Procuradoria-Geral Federal duas Varas Federais. No primeiro semestre, foram (PGF), órgão ligado à Advocacia Geral da União. distribuídas seis ações, além de 40 casos em exame. 85 O tema também faz parte da agenda sindiAdvocacia Geral da União Seccional Osaco recebe dirigentes sindicais para falarem sobre ações regressivas acidentárias em 1º de dezembro de 2010. cal. Em dezembro de 2010, a Procuradoria Seccional federal de Osasco recebeu representantes de diversas categorias para falar do tema. Já em fevereiro, esteve presente no Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e Região. “Para nós, é muito importante o auxílio do Sindicato. A realização de evento divulga e gera uma forma de prevenção. As ações regressivas são prioritárias para cumprir o objetivo não só de ressarcir a Previdência como também um meio di- Sidicato recebe procuradores federais para discutirem Ações Regressivas Acidentárias com a categoria em 19 de fevereiro de 2011. dático para a empresa cumprir as normas de segurança”, garante o procurador Eurípedes Cestare, da Procuradoria Seccional Federal de Osasco. Os sindicatos ainda têm um papel de denunciar as irregularidades. No caso do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e Região, esse trabalho começou bem antes que as ações regressivas acidentárias se tornassem prioridade para o país. Em 1995, ele preparou um dossiê e entregou ao então superintendente do INSS em São Paulo, Sérgio Bueno. 86 Foram denunciados 15 casos graves de acidentes no trabalho ocorridos desde 1992. Desses, seis resultaram nas primeiras ações acidentárias no Estado de São Paulo. Em 1998, o Brasil tinha apenas 38 ações desse tipo instauradas. No estado de São Paulo, só havia as seis relatadas ao INSS pelos metalúr- Sentença proferida em 9 de março de 1999 pela Juíza Federal Renata Andrade Lotufo Cerqueira gicos. As outras se dividiam entre Minas Gerais, com 25, e Santa Catarina, com sete. A primeira condenação de ação regressiva em São Paulo também foi fruto da denúncia dos metalúrgicos de Osasco e ocorreu em 1999. Tratava-se de um caso de trabalhador da Incorporadora Mendes Salge, que morreu após cair do andaime. Além de levantar os casos e levar ao conhecimento do INSS, o sindicato procurou levar a discussão sobre a importância das ações regressivas à agenda pública. A questão chegou às páginas de jornais como Folha de S.Paulo, Diário Popular, Notícias Populares, O jornal Diário Popular fez editorial publicado em 4 de maio de 1999 com o tema Ação Progressiva. Folha da Tarde e Diário de Osasco e Região. 87 Cerimônia das Velas Em 28 de abril de 1996, na sede da ONU (Organização das Nações Unidas), em Nova Iorque, sindicalistas de vários países reunidos sob a coordenação da Confederação Internacional das Organizações Sindicais Livres - atual CSI -, organizaram uma cerimônia acendendo uma vela e um incenso, por ocasião da reunião da Comissão de Desenvolvimento Sustentável da ONU. Foi a primeira Jornada Mundial para chamar a atenção das autoridades para as consequências que têm as formas insustentáveis de produção para os trabalhadores e suas famílias. O ato de acender uma vela expressa a ação de jogar uma luz sobre dimensões ocultas e enterradas da vida no trabalho. A combustão evoca o sofrimento, a dor e a morte; recorda os momentos de aflição e sofrimento em nossas vidas e a destruição da mesma, onde vivemos e trabalhamos. O calor que libera a combustão se associa com o impacto sobre as vítimas e o sofrimento do coletivo de trabalhadores e das comunidades. Trabalhadores participam da cerimônia das velas, no auditório do Sindicato, no Dia Internacional em Memória às Vítimas de Acidentes de Trabalho, 28 de abril de 2010 88 capítulo 12 “Ninguém melhor que o próprio trabalhador para indicar quais os riscos existentes no local de trabalho e quais seus principais agentes. Por isso, é ele quem deve orientar as ações de prevenção. É nessa constatação que se baseia o conceito de mapa de riscos” Oi Operário Inteiro nº 43 (setembro de 1990). Ações preventivas Mapa de riscos era assunto permanente das comunicações com os trabalhadores Mais importante do que ressarcir os cofres públicos dos gastos com benefícios acidentários é impedir que o adoecimento ou o acidente no trabalho ocorra. Para isso, é extremamente importante conhecer os riscos e ouvir o trabalhador. Dessa forma, pode-se agir preventivamente e assim protegê-lo. Um importante instrumento preventivo chegou aos metalúrgicos em julho de 1990 no XI Ciclo de Debates: o mapa de riscos. Assim se iniciou uma ação de formação sobre a questão. Dois pesquisadores da Fundacentro de Minas Gerais, João Cândido de Oliveira e Dalva Aparecida Lima, já utilizavam a técnica e estiveram em Osasco para orientar os trabalhadores, a pedido do Sindicato e da então Subdelegacia Regional do Trabalho. 89 Baseado na experiência sindical italiana, o objetivo do mapa de riscos é solucionar os problemas a partir do olhar do trabalhador. Quatro fatores devem ser observados: o ambiente e seus agentes; o processo produtivo; a organização do trabalho; e fatores psicofísicos. Para fazê-lo, monta-se uma planta com todos os departamentos ou setores da empresa, que permita a identificação dos pontos de perigo com círculos de cores e tamanhos variados. A ideia é incentivar a prevenção e dar força para que os trabalhadores exijam medidas de controle ou para a eliminação dos riscos. A elaboração do mapa deve ser feita pela CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes). Os sindicatos de Osasco e a Subdelegacia do Trabalho passaram a aplicar o conceito de mapa de riscos. A experiência foi tão positiva que, em agosto de 1992, uma portaria do Ministério do Trabalho tornou a elaboração obrigatória em todo o país. A sugestão partiu da subdelegada Lucíola Jaime Rodrigues, que construiu uma minuta em parceria com os setores sindical e patronal da região. 90 A partir da divulgação feita pelo Sindicato e Subdelegacia do Trabalho, mapa de riscos passou a ser uma exigência nacional Lucíola produziu um livro, “Caminhos para a Solução”, em 1993. O material informava sobre a ação interinstitucional que ocorria em Osasco e relatava a experiência local do mapa de riscos. Outra importante ação para a prevenção na história do Sindicato foi o Programa de Educação em Segurança e Saúde dos Trabalhadores. Fruto de uma parceria com a Fundacentro no ano de 1996, o objetivo era sensibilizar cipeiros para uma atuação sistemática na construção de um ambiente de trabalho seguro e saudável. Para tanto, foram realizados cursos na Fundacentro, no Sindicato e nas empresas. Um documento de apoio trazia orientações para a CIPA e analisava as mortes, os acidentes e os adoecimentos dos trabalhadores na região de Osasco. Entre os dados, constava um levantamento realizado em 1995 a partir de 1372 CATs (Comunicações de Acidentes de Trabalho). O estudo apontou que 47% dos trabalhadores tiveram os membros superiores atingidos. Já as doenças ocupacionais atingiram 21% das pessoas. Dessas 49,49% tiveram LER (Lesões por Esforços 91 Repetitivos), surdez, 23,05%, problemas na coluna vertebral, 18,30%. O restante apresentou doenças pulmonares, dermatológicas, saturnismo, perda de visão, leucopenia ou hidrargirismo. A parceria rendeu também uma cartilha mais completa em 1997, chamada de CIPA: Planejando a Prevenção. O papel do cipeiro foi tratado de maneira aprofundada assim como as atribuições: elaboração do mapa de risco, análise dos acidentes, Sipat (Semana Interna de Prevenção de Acidentes), entre outras. Outra iniciativa foi a Escola do Futuro Trabalhador. Uma parceria entre prefeitura e Ministério do Trabalho com intermediação do Sindicato produziu livros educativos com temas relacionados à saúde, segurança e direitos trabalhistas para alunos do ensino fundamental. A ação mostrava que quanto mais cedo se trabalhar a prevenção, maiores as chances de se obter bons resultados. Um dos materiais produzidos foi o Caderno do Aluno, com exercícios e orientações para as crianças, contava ainda com várias ilustrações. A primeira 92 A “Escola do Futuro Trabalhador” ganhou as salas de aula e divulgações nos jornais tiragem, em 1998, contou com 20 mil exemplares; em de Acidentes e Doenças do Trabalho. Tudo isso 2000, mais 4.000 unidades foram impressas. Os mate- ilustrado com cartuns. riais eram utilizados nas escolas do município. A ex- A cartilha tem sido utilizada com diferen- periência mostrou que a prevenção no trabalho pode tes grupos de trabalhadores. A ideia é que a troca começar na infância. de informações e a capacitação sejam permanentes. As ações preventivas continuaram espe- A iniciativa se complementa com um Fórum para cialmente sobre a CIPA, um importante instru- pensar ações de segurança e saúde, que também se mento para acidentes e doenças não ocorrerem no reúne periodicamente. Afinal, para se ter um am- ambiente de trabalho. Tanto que em toda a história biente de trabalho efetivamente seguro e saudável, do Sindicato dos Metalúrgicos sempre foi alvo de as ações preventivas nunca podem parar. discussões. Tema constante tanto nos informativos como Oi e Visão Trabalhista quanto nos eventos como os Ciclos de Debates. As iniciativas em favor da CIPA atuante e democrática continuam vivas. No Ciclo de 2010, foi lançada a publicação “Caminhos para o fortalecimento das CIPAS”. O conteúdo se baseou em discussões dos cipeiros ocorridas em maio e junho do mesmo ano. Também incluiu informações de especialistas que se reuniram no Sindicato no dia 28 de Abril, em ra- Cartilha lançada em junho de 2010 teve sugestões de 340 prevencionistas da região zão do Dia Internacional em Memória às Vítimas 93 Cartaz que deu visibilidade à denúncia do Sindicato apresentada à OIT, em agosto de 1995 94 capítulo 13 “A verdade é combativa. Não luta somente contra a inverdade, mas também contra certos homens que a divulgam” Bertolt Brecht, escritor alemão, em “Cinco maneiras de dizer a verdade” De olhos bem abertos sim não ofereciam possibilidades de prevenção. mente seus papéis, é necessário um funcionamento Outra denúncia marcante aconteceu em adequado. Para tanto, trabalhadores e movimento agosto de 1995 e foi enviada à OIT (Organização sindical devem estar atentos. Internacional do Trabalho), tanto ao escritório Um caso que ilustra bem essa necessidade brasileiro quando à sede em Genebra, na Suiça. O ocorreu em 1986. O Sindicato denunciou um funcio- Sindicato percebeu que os dados de acidentes no nário da então Delegacia Regional do Trabalho de São trabalho apresentados pelo Ministério do Traba- Paulo que falsificava certificados de reuniões mensais lho à OIT eram diferentes dos números registra- de CIPAs acobertando empresas irregulares na região, dos na Previdência Social. em troca de serviços de suposta assessoria. resumo de denúncia distribuída a sindicatos (1995) Para que as CIPAs desempenhem adequada- O erro relatado ocorreu entre os anos de Onze anos depois, os Metalúrgicos de Osas- 1990 e 1993, e 781.815 acidentes no trabalho deixa- co e Região prepararam um dossiê denunciando à ram de ser informados. A discrepância foi maior Subdelegacia irregularidades no funcionamento da no último ano, quando se apontou 100.944 ocor- CIPA em 120 empresas. Muitas já haviam sido palco rências. Na verdade os registros eram de 426.960. de trágicos acidentes e adoecimentos. Mesmo as- Em 1992, também houve grande diferença, 172.702 95 Capa de documento comprovando irregularidade de máscaras (1993) 96 casos contra 532.514 acontecimentos reais. O problema se repetiu e o Sindicato denunciou. Em 2000, pela oitava vez, o Anuário da OIT recebeu dados incorretos do Brasil. Os dados eram de 1998, e a Previdência divulgou a ocorrência 414.341 acidentes e 4.144 mortes relacionados ao trabalho no país. No entanto, o mesmo órgão enviou para a OIT outros números: 348.178 e 3.795, respectivamente. A busca pela verdade pelo sindicato também aconteceu no caso das máscaras descartáveis, ao mostrar que elas não protegiam contra poeiras tóxicas. Muitos trabalhadores em Osasco sofriam devido à contaminação de sílica e amianto. Eles usavam esse EPI (Equipamento de Proteção Individual), que ganhou o apelido de “máscaras da morte”. A mobilização se iniciou com a ida de sindicalistas brasileiros aos Estados Unidos, em maio de 1993, para participar de um curso sobre saúde e meio ambiente. Eles visitaram a NIOSH, órgão do governo americano voltado à saúde e segurança no Informe publicitário divulgado em jornais de circulação nacional tais como Gazeta Mercantil, Folha de São Paulo e Estado de São Paulo, no dia de 29 de julho de 1993. 97 trabalho. Lá souberam que as máscaras protetoras respiratórias descartáveis não eram utilizadas para proteção contra poeiras de sílica, amianto e cádmio, porque não possibilitavam selagem e permitiam a entrada de poeiras nas laterais.. Assim, em junho o Sindicato começou uma campanha contra a emissão ou renovação de Certificados de Aprovação (CA) para essas máscaras. Procurou apoio da Subdelegacia Regional do Trabalho de Osasco. Pediu a realização de testes na Fundacentro. Denunciou o uso inadequado ao Ministro do Trabalho e ao Ministério Público de São Paulo. No mês seguinte, diretores do Sindicato e o auditor do Ministério do Trabalho, Noé Dias de Azevedo foram recebidos pelo Ministro do Trabalho, Walter Barelli. Entregaram um dossiê sobre o problema. O Ministro já tinha em mãos os resultados do estudo da Fundacentro, que condenavam as máscaras. No dia 27 de julho de 1993, a Instrução Normativa nº 1 proibiu o uso de máscaras descartá98 Entrevista concedida pela Dra. Raquel Maria Rigotto dia 30/07/93 sobre a decisão do Ministério contra máscaras descartáveis ineficazes veis em ambientes com exposições à sílica, amianto e cádmio. O Sindicato se reuniu em agosto do mesmo ano com as empresas metalúrgicas para discutir o Programa de Proteção Respiratória, assinando um acordo com a Autolatina (associação entre as empresas Ford e Volkswagen, desfeita posteriormente) para a adoção de medidas coletivas e substituição da máscara proibida, na fundição da Ford de Osasco. O principal fabricante de máscaras descartáveis do país tentou reverter a situação, mas já era tarde demais. Anunciou a suspensão temporária das atividades como forma de pressão. Também entrou na Justiça. Mesmo assim o movimento avançou e no ano seguinte foi aprovada uma norma para proteção respiratória. Capa do Estudo da Fundacentro que seguiu às denúncias sobre a ineficácia das máscaras descartáveis e que mudou a trajetória desta questão no país 99 Em março de 1998, diante da cúpula da Polícia Civil,de autoridades do mundo do trabalho e de dirigentes sindicais paulistas, o então governador Mario Covas lançou a cartilha polícia e acidentes de trabalho, no Palácio dos Bandeirantes. No ato, garantiu que a inteligêncai policial paulista passaria a investigar corretamente as causas dos acidentes, resgatando a cidadania dos lesionados e direitos a seus familiares na ocorrência de acidentes fatais. 100 capítulo 14 “Sozinhos, ficamos livres, mas não podemos exercitar a nossa liberdade. Com o grupo, encontramos os meios de multiplicar as forças individuais, mediante a organização. É assim que nosso campo de luta se alarga e que um maior número de pessoas se avizinha da consciência possível, rompendo as amarras da alienação.” Milton Santos, no livro “O espaço do cidadão”. O papel das instituições Diversas instituições podem contribuir para momento que os trabalhadores sofriam com a recusa a construção de um ambiente de trabalho seguro e de benefícios pelo INSS, devido a acidentes e doen- saudável. Um primeiro passo é o diálogo entre os gru- ças do trabalho, os sindicatos se uniram e criaram o pos da sociedade, incluindo o Poder Público. Por isso, Conselho Intersindical de Saúde e Seguridade Social em setembro de 1989, a Ministra do Trabalho, Doro- de Osasco e Região (Cissor), no início dos anos 1990. thea Werneck visitou o Sindicato dos Metalúrgicos O objetivo do Cissor é combater a opressão so- de Osasco e Região. Outro ocupante da pasta a fazer frida pelos trabalhadores dentro e fora do ambiente de isso foi Antonio Rogério Magri, em janeiro de 1991. trabalho. Uma das lutas da entidade é a humanização Walter Barelli também esteve no Sindicato e se posi- das perícias do INSS. Tanto que o primeiro ato do grupo cionou em casos como das máscaras descartáveis e no foi uma manifestação em frente à Agência da Previdên- debate para o banimento do amianto. cia Social de Osasco, seguida de um ato ainda maior, em Também é importante que os órgãos públicos frente à Superintendência estadual em São Paulo. cumpram a sua função. Osasco tem um exemplo de Novas ações surgiram desde então. O Cissor luta que nasceu justamente dessa necessidade. Em um passou a encaminhar trabalhadores ao Cerest. Outro par101 ceiro é o Hospital Regional de Osasco, que através do Programa de Saúde do Trabalhador, atende as vítimas de acidentes e doenças do trabalho. Também há uma atuação a partir de denúncias de trabalhadores. Outra movimentação para que o papel institucional fosse cumprido ocorreu junto à Polícia. Desde 1992, o Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco batalhava para que a polícia investigasse os acidentes de trabalho e chegou a pleitear a criação de uma delegacia especializada. Mas as discussões foram paralisadas após a invasão do presídio do Carandiru, com a matança de 111 presos e a substituição do secretário de Segurança Pública que discutia a idéia. Cinco anos depois os metalúrgicos voltaram ao tema e prepararam um dossiê, que foi entregue ao Delegado Geral de Polícia. O documento mostrava casos de acidentes em que não houve uma investigação adequada. A mobilização rendeu frutos. A Delegacia Geral de Polícia publicou uma portaria, em 24 de novembro de 1997, sobre a atuação da polícia 102 Capa e página 9 da cartilha de orientação sobre a conduta policial na investigação de acidentes de trabalho março de 1998 civil na repressão às infrações penais relacionadas aos acidentes de trabalho. A equipe técnica da Delegacia Geral também discutiu a elaboração de uma cartilha - “Polícia e acidentes de trabalho” - com vários sindicatos. O material trazia a íntegra da portaria e divulgava as boas práticas de investigação policial. Além dos subsídios para investigar corretamente as causas de acidentes e doenças do trabalho, colocavam-se aspectos conceituais e criminais do tema. O material foi impresso pela Fundacentro, em 1998. A cartilha foi lançada pelo governador Mario Covas, em março de 1998. Após a morte de Covas, a estrutura policial passou a fazer “vistas grossas” aos compromissos do governador. Havia vários anos, o Sindicato já estava atento ao papel da Polícia e de outras instituições. Denúncias contra a Mecano Fabril, com o apoio do Ministério Público e do Ministério do Trabalho, levaram à prisão de diretor da empresa 103 em 1991, após a interdição de área perigosa. Com o ocorrido, a empresa assinou acordo para eliminar os riscos do ambiente de trabalho. Em novembro de 1993, a Galvatec foi interditada pela fiscalização do Ministério do Trabalho. No entanto, mesmo sem corrigir os problemas, a empresa voltou a funcionar no dia seguinte a revelia. O Sindicato acionou a polícia, que autuou em flagrante um dos proprietários. As decisões judiciais estão no foco do Sindicato. Um caso emblemático foi registrado em 1997, quando o juiz Edmundo Lellis Filho, do Forum Cível de Cotia, explicou o porquê que considerou o pedido de indenização de um acidentado metalúrgico improcedente. Editorial do Jornal sobre a prisão. jornal Diário de Osasco documentou a ação policial na empresa 104 Decisão repercutiu em vários jornais, revistas e telejornais nos dias 26 e 27 de março de 1997. 105 Valdir Martins Pozza se acidentou em fevereiro de 1993, enquanto fazia a manutenção de uma máquina na empresa Lucas Concentric Ltda. Ficou quatro meses afastado do trabalho e perdeu o movimento do dedo mínimo da mão esquerda. Demitido em 1996, teve que aprender uma nova função e trabalhar como fiscal de ônibus. O trabalhador ingressou com uma ação indenizatória contra o INSS. O juiz negou o pedido, sentenciando em 17 de março de 1997: “Na verdade, como o autor esclareceu, está trabalhando e, pelo que Em janeiro de 1998 o 2º Tribunal de Alçada Civil derrubou a decisão, dando ganho de causa ao pedido do metalúrgico. consta, não é fato comprovado que teve sua capacidade diminuída pelo acidente até porque o dedo lesado, o mínimo, muito pouca utilidade tem para mão e, por muitos estudiosos em antropologia física, é considerado um apêndice que tende a desaparecer com a evolução da espécie humana”. 106 O jornal Folha de S. Paulo publicou reportagem sobre a nova decisão em 22 de janeiro de 1998. Felizmente, no dia 6 de janeiro de 1998, o Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo revogou a sentença e determinou o pagamento pelo INSS de 30% do salário que o trabalhador recebia na época. O juiz Celso Pimentel concluiu que “o corpo humano não tem partes descartáveis”. Quando as instituições cumprem seus papéis na prevenção, é possível construir um ambiente que proteja o trabalhador e previna doenças e acidentes. Se a polícia investiga corretamente, descobrem-se as causas garantem-se direitos e se pode agir preventivamente. Quando a Justiça julga de forma imparcial, diante das provas oferecidas, também contribui para evitar novos acidentes. 106 107 Trabalho Decente? Alessandro Meira Melo morreu aos 17 anos esmagado debaixo do ônibus que ajudava a consertar, numa oficina no município de Osasco. A fiscalização trabalhista chegou um ano depois para investigar as circunstâncias do acidente e exigir o seu registro profissional 108 capítulo 15 “O trabalho decente é uma condição fundamental para a superação da pobreza, a redução das desigualdades sociais, a garantia da governabilidade democrática e o desenvolvimento sustentável. Em inúmeras publicações, o trabalho decente é definido como o trabalho adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, capaz de garantir uma vida digna.” Plano Nacional de Emprego e Trabalho Decente Em defesa do trabalho decente O Brasil realizará a I Conferência Nacional balho). Considerada uma prioridade, a questão foi pauta de Emprego e Trabalho Decente entre os dias 2 e 4 de de 11 conferências e reuniões internacionais, realizadas maio de 2012. O texto base do encontro será o Plano entre setembro de 2003 e novembro de 2005. Um dos Nacional de Emprego e Trabalho Decente, documen- relatórios gerados foi: Trabalho decente nas Américas: to criado em 2010 de forma tripartite (governo, traba- uma agenda hemisférica, 2006-2015. lhadores, empregadores). Nesse contexto, o governo brasileiro assinou O plano tem três prioridades: Gerar Mais e Me- em 2003 um Memorando de Entendimento com a OIT. lhores Empregos, com Igualdade de Oportunidades e de O documento prevê o estabelecimento de um Programa Tratamento; Erradicar o Trabalho Escravo e Eliminar Especial de Cooperação Técnica para a Promoção de uma o Trabalho Infantil, em especial em suas piores formas; Agenda Nacional de Trabalho Decente, em consulta com Fortalecer os Atores Tripartites e o Diálogo Social como as organizações de empregadores e de trabalhadores. As- um instrumento de governabilidade democrática. sim foi construída a Agenda Nacional de Trabalho De- A discussão sobre trabalho decente tem sido fomentada pela OIT (Organização Internacional do Tra- cente lançada em maio de 2006, que serviu de base para a construção do Plano Nacional de Trabalho Decente. Jornais repercutiram a denúncia em novembro de 1993 109 sódios que mostram como a busca por um trabalho decente se dá na prática. Um desses casos foi o combate ao trabalho escravo, em novembro de 1993. Vários trabalhadores foram encontrados em condições análogas à escravidão na fazenda Cacique, da mineradora Mamoré, em Bom Jesus de Pirapora. Morando em barracões sem acesso a água nem luz, muitos não recebiam salários porque a empresa descontava os custos da mudança deles para São Paulo. A maioria era migrantes nordestinos. Trabalhavam 12 horas por dia, sem folga semanal. Segundo a Mamoré, os trabalhadores não tinham vínculos com a empresa, pois a área da fazenda estava cedida em comodato. A Subdelegacia Regional do Trabalho em Osasco autuou a empresa Mamoré por considerá-la co-responsável pela fazenda. A fiscalização foi divulgada e o fato virou notícia. Em informe público, a subdelegada Lucíola Rodrigues Jaime divulgou o aumento do número de pessoas trabalhando sem registro e o uso de serviços de terceiros, especialmente, na área metalúrgica. 110 Diário Popular 9 de novembro de 1993 A região de Osasco tem em sua história epi- A fiscalização foi comandada pela subdelegada Lucíola Rodrigues Jaime, que esteve pessoalmente na hora do flagrante A terceirização como forma de precarizar as relações de trabalho persiste ainda hoje, indo contra ao significado de trabalho decente. Sem os mesmos salários e direitos, os terceiros são tratados de forma diferente, quase sempre, com piores condições de saúde e segurança. Outro problema que vai contra a lógica do trabalho decente é a exposição a substâncias que comprovadamente prejudicam a saúde do trabalhador. Um exemplo é o mercúrio. Em Osasco, os anos 90 foram marcados pelo combate à contaminação por mercúrio na Osram, uma fábrica de lâmpadas. Os trabalhadores passaram por vários exames em 1992, a partir de fiscalização trabalhista O Sindicato documentou trabalho de adolescentes em galvanoplastias, e, como revela a foto, até uma blusa no rosto era usada como proteção realizada pela médica e auditora do Ministério do Trabalho, Cecília Zavariz. O Sindicato dos Metalúrgicos esteve envolvido nessa luta, mobilizando os trabalhadores para que comparecessem aos exames e apoiando os contaminados. Uma das exigências era que fossem afastados do ambiente que gerou problema. Seis 111 mesas redondas foram realizadas com a empresa Matéria do OI (Operário Inteiro) nº 51 de maio de 1992. de 1991 a 1999. A Fundacentro realizou avaliações Outro grave problema é o trabalho in- ambientais no local e denúncias de contaminação fantil. Estimativa da (OIT) aponta a existência de chegaram ao Ministério Público e à Justiça. 217,7 milhões de crianças entre 5 e 7 anos traba- A conduta de agentes do INSS em rela- lhando em todo o mundo. Dessas, cerca de 126,3 ção ao reconhecimento das contaminações des- milhões estão em condições perigosas de traba- tes trabalhadores e não caracterização de benefí- lho. No Brasil, mais de 2,2 milhões de crianças cios previstos em lei, ignorando até os resultados entre 5 e 14 anos trabalham. encontrados pela fiscalização do Ministério do Os números mostram que o trabalho de- Trabalho, passa a ser melhor observada pelos ór- cente ainda está longe de ser uma realidade. A gãos públicos instalados na região. precariedade faz parte da vida de muitos traba- Ainda hoje a questão do mercúrio não foi lhadores. Cabe ao movimento social se mobilizar solucionada no mundo. O Comitê de Negociação para que todos realmente possam ter um traba- Intergovernamental foi criado pela (ONU) para lho remunerado de forma adequada, exercido produzir até 2013 um documento internacional so- em condições de liberdade, com equidade e se- bre o controle do mercúrio e de seus compostos. gurança, capaz de garantir uma vida digna. Da mesma forma, o trabalho escravo é uma realidade em diversos países, inclusive no Brasil. Apenas em 2010, o Ministério do Trabalho resgatou 2.617 pessoas submetidas a condições análogas à escravidão. De 1995 a 2010, o 112 número chegou a 39.169 trabalhadores. CONCLUSÃO Acidentes e doenças no trabalho: uma “rosca sem fim” Nesta publicação apresentamos algu- Ao mesmo tempo, a ação sindical não Diante disso, novas soluções foram buscadas. mas situações que se repetiram por mais de três para. Em maio de 2010, os metalúrgicos desenvol- Cem das maiores empresas da região foram décadas. Elas fizeram parte da luta diária que os veram uma capacitação para 370 cipeiros. Infeliz- convocadas pela Gerência Regional do Traba- trabalhadores metalúrgicos sempre enfrenta- mente, no mesmo período, mais mortes e mutila- lho em Osasco, no dia 15 de junho de 2010. Na ram em suas “piruetas para cavar o ganha pão”. ções de trabalhadores e trabalhadoras ocorreram. ocasião, um novo modelo de ação foi anuncia- Mas a busca por melhores condições de traba- Uma trabalhadora da empresa Metale, em Taboão do e prazos para adequação, estabelecidos. As lho não termina aqui. da Serra, perdeu a mão. Uma morte aconteceu na empresas deveriam proteger o maquinário e Novos problemas surgem, outros empresa Cinpal, na mesma cidade, e outra na em- desenvolver um sistema de gestão para a pre- permanecem, e os trabalhadores ainda são presa Orgus, em Vargem Grande Paulista, todas si- venção de acidentes. Após um ano, os resulta- vítimas do ambiente de trabalho. Acidentes, tuadas na base do Sindicato. dos não chegaram ao Sindicato, que preparou doenças e mortes acontencem em locais que Mas, aquela mesma dificuldade que foi um plano de comunicação aos trabalhadores. deveriam significar vida. É “uma rosca sem denunciada pelas Semsats em 1979 continuou: O Ministério do Trabalho se defende alegando fim” que não para. a falta de agilidade e interesse da fiscalização. falta de auditores fiscais. 113 No mês seguinte, durante o 32º Ci- disco decorrente de condições no ambiente de da Advocacia Geral da União estiveram presentes clo de Debates, o Sindicato lançou a cartilha trabalho. O fato foi apontado pela fiscalização no auditório do Sindicato para mostrar que a ques- “Caminhos para o Fortalecimento das Cipas”. da Gerência Regional do Trabalho de Osasco. A tão se tornou uma prioridade. O próprio Estado to- Trabalhadores prevencionistas e o Departa- fiscalização ocorreu em 31 de agosto de 2010 e o mou a iniciativa de olhar para o problema, que, 16 mento de Saúde e Segurança desenvolveram o Sindicato recebeu o resultado em 26 de janeiro anos antes, havia sido denunciado pelo Sindicato. material. As ações de informação e formação de 2011, cinco meses depois. No ano seguinte, so- Mas, a rosca sem fim não para de girar. estavam vivas, como em 1980, quando ocorreu bre cadeira de rodas, ela deu entrevista ao jornal No início de fevereiro, um trabalhador foi viti- o primeiro ciclo e surgiram as publicações es- Visão Trabalhista, contando o drama que viveu. mado gravemente por uma fresa (ferramenta de Os problemas vivenciados pelas pessoas corte lateral) na empresa Model Plast, em Osas- Paralelamente, havia o processo de de- com deficiência também passaram a fazer parte co. Ele teve o braço arrancado na altura do om- núncias de riscos presentes no trabalho. No de- da luta dos metalúrgicos. Em fevereiro de 2011, bro. A equipe de resgate mobilizou o Helicópte- correr do segundo semestre de 2010, abordaram-se o Sindicato completou uma década em defesa ro Águia da Polícia Militar, que o levou para o também os problemas enfrentados pelos trabalha- da inclusão de pessoas com deficiência no setor Hospital das Clínicas da USP, na capital. dores nas perícias médicas realizadas pelo INSS. metalúrgico. Uma ação marcada pelo diálogo Falharam a prevenção, os registros da Relataram-se situações de desrespeito aos lesiona- com empresas, órgãos públicos e entidades espe- Cipa e a conduta da empresa, que, quando fisca- dos por acidentes e doenças, vítimas de condições cializadas. A Gerência Regional do Trabalho de lizada no final do mês seguinte ao acidente, ain- e ambientes de trabalho inadequados. Osasco se destacou ao exigir, com o apoio sindi- da não tinha corrigido a falha no equipamento. cal, o cumprimento da Lei de Cotas, tornando-se Depois de quatro meses, a máquina aind estava exemplo nacional de atuação. sem proteção. pecíficas para prevenção. A rosca sem fim não dava trégua. A trabalhadora, Sandra Ferreira Teixeira, da empresa New Oldany, em Cotia, teve que passar O tema ações regressivas acidentárias Para acabar com essas situações, o Sindi- por cirurgia por causa de coágulo de hérnia de também ganhou destaque. Procuradores federais cato intensificava as ações de formação. Em março 114 e abril, aconteceram cursos para cipeiros em em- para. Novos encontros visaram preparar cláusu- Os problemas também se repetem, quan- presas desobrigadas a ter Cipa, mas que têm que ter las de saúde e segurança para pauta para campa- do o assunto é o adoecimento dos trabalhadores. um responsável pela prevenção. A iniciativa, em nha salarial de 2011. A Declaração Universal, proclamada em parceria com SENAI “Nadir Dias de Figueiredo, Um dos aspectos que é questionado pelos 1948 pela ONU (Organização das Nações Uni- contaria com três turmas, mas uma não se realizou empresários é a cláusula da estabilidade, impor- das), afirma no Artigo XXIII que “toda pessoa por falta de empresas interessadas. tante conquista de 1979, que garante o emprego tem direito ao trabalho, à livre escolha de em- No mês de abril, também junto com o ao acidentado. A alegação patronal é o custo que prego, a condições justas e favoráveis de traba- SENAI, o Sindicato ainda ofereceu um curso esse direito representa, já que em outros esta- lho”. Quando trabalhadores se acidentam, ado- de PPRPS (Programa de Prevenção de Riscos dos os concorrentes podem fazer demissões sem ecem ou morrem, são vítimas de condições de em Prensas e Equipamentos Similares), com maiores problemas. trabalho injustas e desfavoráveis, de ambientes todas as vagas preenchidas logo nos primeiros Se, por um lado, querem tirar uma con- dias de seu anúncio. A maioria dos inscritos quista de 1979, por outro, problemas daquela O país é palco do crescimento econômi- era profissionais de segurança do trabalho e época permanecem, como a fragilidade do Mi- co, mas, ao mesmo tempo, aumenta a acidenta- não cipeiros e trabalhadores que operavam es- nistério do Trabalho para exigir cumprimento lidade e o adoecimento. Falta uma política pú- sas máquinas. das normas de segurança. Os metalúrgicos não blica nacional voltada à prevenção de doenças Os acontecimentos mostram que as em- ficaram indiferentes e participaram da luta re- e acidentes no trabalho. Também é preciso um presas permitem elevar o conhecimento dos Téc- gional para a ampliação do número de fiscais e empresariado que realmente respeite os direitos nicos de Segurança, mas resistem à capacitação dos permanência da Gerência Regional do Trabalho dos trabalhadores. Emerge, assim, a necessida- trabalhadores que vivem na pele os riscos de aci- na região em 2011, pois sem prédio próprio sem- de urgente de união entre os trabalhadores para dentes, principalmente, em horário de trabalho. pre tem dificuldades para alugar um novo local exigir que se cumpra um direito básico de todo ou permanecer no mesmo. ser humano: o direito à vida. Apesar das dificuldades, o trabalho não insalubres, que mutilam. 115 Atentos a essas necessidades, o movi- Em 2011, no Brasil, a data foi o marco mento sindical usou o 28 de abril de 2011 para para se lembrar a importância de se retomar as realizar atos em todo o país. Pedia-se a huma- ações regressivas como forma de combate e pre- nização das perícias médicas do INSS. As mobi- venção aos acidentes de trabalho. A Força Sin- lizações reforçam a tese de que a rosca sem fim dical promoveu ato em sua sede para marcar a continua a girar. data, o que ocorreu também com outras centrais sindicais. No mesmo dia, a Advocacia Geral da Folder conjunto das centrais CGTB, CUT, CTB, Força SIndical, Nova Central, UGT, com apoio do DIEESE e DIESAT União também marcou a data distribuindo ações regressivas nas Varas Federais pelo Brasil. Três delas foram distribuídas em Osasco. Desde 2003, a OIT adotou a mesma data como o Dia Mundial da Segurança e Saúde no Trabalho. Já no Brasil, em 2005, a Lei 11.121 oficializou 116 O próprio 28 de abril anualmente é um aler- 28 de abril como Dia Nacional em Memória das ta sobre a ocorrência desses problemas e um clamor à Vítimas de Acidentes e Doenças do Trabalho. O prevenção. Isso porque a data foi escolhida como Dia movimento sindical do país tem mantido o espírito Internacional em Memória das Vítimas de Aciden- de denúncia na data, dando visibilidade às doenças tes e Doenças do Trabalho. A iniciativa surgiu com e aos acidentes, que continuam a vitimar traba- o movimento sindical canadense, em virtude de um lhadores. Nessa história sem heróis, todos devem acidente que matou 78 trabalhadores em uma mina, se unir para que essa seja uma luta constante e que no estado de Virgínia (EUA), em 1969. finalmente se faça a rosca sem fim parar de girar. Agradecimentos A todos os profissionais do Sindicato que colaboraram, direta ou indiretamente, com a tragetória dessa história de defesa da saúde e segurança dos trabalhadores. Em especial, ao médico lutador Marco Antônio Diniz (1959 † 2010). Muitas das vítimas de acidentes de trabalho contaram com o apoio incansável de Dr. Marco no enfrentamento à perícia do INSS. Essas pessoas fazem história. 119 1ª EDIÇÃO [2011] Esta obra foi composta em Servus Text Display e impressa pela RR Donnelley em ofsete em papel Couchê Magno Star LD brilho para o Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e Região em julho de 2011