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Honoris Causa – Discurso de Sérgio Niza
Instituto da Educação da Universidade
Magnífico Reitor da Universidade de Lisboa
Senhores Reitores, Senhores Vice-Reitores
Senhor Presidente do Instituto de Educação
Ilustres convidados
Uma palavra especial à Equipa Reitoral e aos Professores do ISPA, instituto universitário onde fui
aluno e professor.
Ao Professor António Nóvoa, Reitor Honorário desta Universidade, agradeço ter aceite ser meu
padrinho neste acto solene de investidura.
Devo-lhe a amigável distinção de me ter escolhido, a pedido do professor Jean Houssaye, para,
com um estudo seu, em colaboração com Graça Vilhena, figurar entre os oito pedagogos
contemporâneos do livro editado em França pela Armand Colin, em 1996 e em 2013 pela editora
Fabert.
Dirigiu, com o Professor Jorge Ramos do Ó e Marcelino Pereira a edição, na Tinta da China, de
escritos meus sobre educação, com o apoio do Instituto de Educação e da Fundação Calouste
Gulbenkian.
Devo-lhe muitas outras intervenções públicas sobre o meu trabalho e do Movimento da Escola
Moderna.
Mas recordo, sobretudo, com emoção o modo como o conheci em 1977/78, tinha ele 22 anos, já
professor em Aveiro na formação de professores.
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Eu coordenava a conceção dos programas curriculares para o ensino primário publicados em
Outubro de 1979. Convidei-o, então, para participar nessa equipa.
A inteligência com que captou a estratégia de um programa integrado de Artes, a invulgar
capacidade de trabalho e de responsabilização, a maturidade intelectual e a sua cultura e
criatividade, fizeram-me esquecer a sua idade.
Era o prenúncio de uma vida académica e de intervenção cultural fulgurantes.
Uma palavra, ainda, de muito apreço pela intenção do Professor Jorge Ramos do Ó,
desencadeadora do encontro solene que hoje partilhamos. Este discurso de elogio a duas mãos e
uma só voz é um exemplo, sem par, de humildade intelectual que só os homens invulgares sabem
revelar.
Rendo-me ao gesto com que a Universidade de Lisboa quis honrar-me.
Agradeço ao Magnífico Reitor, por acolher a generosa iniciativa do Instituto de Educação. Interpretoo como um gesto de quem pretende reiniciar o diálogo cultural com os pedagogos: os pedagogos,
esses seres “excessivos”, na interpretação irónica de Jean Houssaye, o universitário francês que
mais tem feito para que se compreenda a natureza do trabalho dos pedagogos, a sua identidade e o
seu estatuto, na história da educação e da cultura.
Com efeito, para além dos pedagogos, o que é urgente, hoje, é resgatar a pedagogia, da sua
ocultação ou rarefação nas últimas décadas, ao ter-se feito dela um saber desclassificado e
impertinente.
Sim, é urgente desfazer o equívoco das partilhas de poder académico aquando da assunção tardia,
mas legítima, das Ciências da Educação, pela universidade portuguesa. Digo-o como sócio
fundador da Sociedade Portuguesa das Ciências da Educação.
Adiou-se assim, uma vez mais, a pertinência de um diálogo vigoroso e continuado entre os
estudiosos, os investigadores e os práticos, no campo da educação. Diálogo esse que terá de
convergir, no caso da educação escolar, para o locus da organização social das aprendizagens
curriculares, que é a vocação mesma da pedagogia escolar, enquanto articulador ético e epistémico
da práxis social do profissional de educação.
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Que poderemos esperar, então, da pedagogia, quando a universidade entender reconsiderar o lugar
dela na sua missão formativa?
Duas coisas se impõem:
A primeira, que contribua para a cultura pedagógica indispensável aos seus docentes, para
satisfazer a sua função primordial que é, desde que se funda, em Bolonha, no século XI, a função
de ensinar.
Tal indiferença pela formação pedagógica vem contribuindo para alargar algum insucesso formativo
da universidade, precisamente quando tem de confrontar-se com a necessidade de avançar para a
frequência tendencialmente universal dos cidadãos, como justo direito do acesso à universidade ao
longo da vida.
A expansão do seu ensino decorre, igualmente, da pressão poderosa sobre a universidade para
satisfazer as empresas e a urgente incorporação de conhecimento académico na composição do
trabalho, para alimentar o lucro desenfreado das novas sociedades do conhecimento.
A segunda, que possa, com determinação, fazer repercutir a apropriação dos conhecimentos
científicos e dos estudos humanísticos, de um modo novo e cientificamente mais congruente, por
todos os docentes dos vários graus de ensino para os quais a universidade vai formando.
Espera-se da universidade, como das outras escolas superiores um impressivo e competente
referencial de práticas educativas, para a construção cultural da profissionalidade docente, agora
ainda mais depreciada pelas políticas de formação para a docência introduzidas pelo atual governo.
Importa lembrar a similitude que Bourdieu traçou no estimulante ensaio sobre a “Alta Costura e Alta
Cultura” evocando as formas de produção e de uso desses bens de luxo, os da moda como os da
cultura académica, e a magia que desencadeiam por repercussão social, para podermos
compreender melhor o papel formativo da universidade que pode agir, de igual modo, por sedução e
fascínio, dado o poder que exerce sobre aqueles que forma ou poderia formar.
Tal poder impõe uma rotura corajosa com a sua tradicional atividade pedagógica. Mas “a identidade
relativamente fragmentária das Ciências da Educação”, no dizer do Professor Almerindo Afonso, não
tem ajudado a realizar tal rotura.
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Pretendo com este apontamento reflexivo recuperar de Michel Foucault a questão fundamental de
“tornar difíceis os gestos fáceis” da vida da universidade e honrá-la com a minha inquietude, tal
como ela acaba de honrar-me, acolhendo-me tão solenemente entre os seus.
Como poderá então a universidade vir a corresponder àquilo que dela se espera, desde há tanto, e
a que tem oposto tanta resistência?
Não basta dizer-vos que, para alterar o rumo de toda a prática escolar, precisamos de uma simples
reforma.
Precisamos, antes, de uma rotura contra a exigência imposta à universidade para que responda às
pressões do lucro mercantil, no espírito do tempo desta decadente Europa.
Falo-vos de uma revolução mental que, para resistir a tais pressões, venha a reconsiderar como
prioridade de afirmação e de sobrevivência, as novas missões da universidade a partir de
oitocentos: a de, por um lado, produzir conhecimento pelo estudo e investigação e, por outro, a de
renová-lo, fazendo, ao mesmo tempo, avançar o seu ensino, entretanto estagnado.
Urge, portanto, fazer regressar a pedagogia ao seio da universidade, uma pedagogia geradora,
geratriz ou gerante, na feliz asserção de Delfim Santos, para que se possa fundir a missão de
ensinar com a missão renovadora de investigar, sonho de Humbolt, para a Universidade de Berlim,
ainda por cumprir.
Só retomando esse sonho como ato pedagógico, será possível compreender melhor quanto a
participação na génese da produção do conhecimento se torna indissociável da aprendizagem
desse mesmo conhecimento.
Pede-se, por isso, à universidade uma constante vigilância epistemológica que impeça a distância e
os perigosos desvios entre o conhecimento e o ensino escolar. São os desvios das transposições
didáticas que degradam cada vez mais o conhecimento e o transformam em meras “coisas da
escola”, tristes simulacros culturais que fazem subir vorazmente a “insignificância” referida por
Castoríadis.
Sei bem da desmesura do que peço à universidade; mas a que outra instituição o poderia fazer?
Falei quase todo o tempo do conhecimento e do ensino. Mas o cadinho da formação, o ethos e o
clima para a sua emergência, é a socialização que institui uma história de vida a cada um dos
estudantes, nas escolas, como nas universidades.
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Na velha Europa ensaia-se desde setecentos uma socialização democrática por vir.
No entanto, os imperativos maiores da ética e da transparência metodológica da cultura científica,
próprios da universidade, não têm conseguido servir de norte a tão promissor desígnio.
A cooperação, a solidariedade, o diálogo criador que fundam a comunicação como valor primeiro de
uma democracia participada, enriquecerão, um dia, a universidade.
Também as outras escolas poderão nela inspirar-se, nesse dia que desponta, para que venham a
vencer a sua grande indiferença aos valores democráticos da relação, para que a reumanização da
escola aconteça.
É a arte de vivermos juntos que a socialização democrática nos exige (e retomo Foucault). Para que
possamos, então, fazer de cada uma das nossas vidas uma obra de arte, acrescentando valor
democrático à democracia que se desfigura.
Termino, renovando a minha gratidão à Universidade de Lisboa e a todos os que vieram, de perto ou
de bem longe, viver comigo este momento. Lembrarei com Herberto Helder, como aprendi
convosco, a amar devagar os amigos que sois.
Obrigado.
Sérgio Niza
23/04/2015
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Discurso do Laureado - Instituto de Educação