NOVAS PERSPECTIVAS SOBRE AVALIAÇÃO EM ARTE/EDUCAÇÃO: A
EXPERIÊNCIA DA OI KABUM! EM BELO HORIZONTE
Victor Ribeiro Guimarães
[email protected]
Associação Imagem Comunitária
Paulo Emílio Andrade
[email protected]
Associação Imagem Comunitária
Resumo
A avaliação é hoje um tema de intenso debate. Especificamente em contextos de
arte/educação, as práticas avaliativas enfrentam uma série de desafios, que as configuram
como um dos principais dilemas do ensino de arte no Brasil. No intuito de contribuir com essas
discussões, o objetivo deste artigo é apresentar e discutir algumas experiências de avaliação
realizadas pela Diretoria de Pesquisa e Metodologia da Associação Imagem Comunitária na Oi
Kabum! – Escola de Arte e Tecnologia, em Belo Horizonte. Nossa análise abarca três aspectos
centrais: quais são as questões avaliadas; os métodos e procedimentos empregados; e os
usos dos registros da avaliação.
Palavras-chave:
avaliação, arte/educação, Oi Kabum!, Oi Futuro, Associação Imagem Comunitária
Abstract
Nowadays, evaluation is a theme intensely debated. Specifically in contexts of art education,
the evaluation practices face a range of challenges, which place them as one of the key issues
of art teaching in Brazil. Attempting to contribute with these discussions, the goal of this article
is to present and to discuss some evaluation experiences conducted by the Community Image
Association’s Research and Methodology Team at Oi Kabum! – School of Arts and Technology,
in Belo Horizonte. Our analysis covers three main aspects: the questions evaluated; the
methods utilized; and the uses of the evaluation registries.
Keywords:
evaluation, art education, Oi Kabum!, Oi Futuro, Community Image Association
Seja nas pesquisas atuais ou no cotidiano de escolas e centros educacionais
brasileiros, cada vez mais a avaliação adquire espaço como uma dimensão
central de qualquer processo educativo. Sua importância é inegável, e o
volume das discussões recentes sobre avaliação é prova disso. O
entendimento sobre o que está em jogo nas práticas avaliativas, entretanto,
não é simples, nem isento de dissenso. A pergunta de Philippe Perrenoud é
significativa: “algum dia teria havido, na história da escola, consenso sobre a
maneira de avaliar (..)? (PERRENOUD, 1999, p. 9)”
No entanto, se a discussão acadêmica é cheia de nuances e de algumas
contradições, porém rica e abrangente, a prática educativa é plena de desafios.
Para Celso Vasconcellos, no Brasil “a avaliação se tornou um dos principais
problemas da educação escolar” (VASCONCELLOS, 2006, p. 14). Em outras
palavras, o debate é instigante e intenso, mas permanece longe da realidade
das salas de aula: “observa-se um descompasso em relação ao conhecimento
da avaliação educacional, de seu emprego em diversos âmbitos e a discussão
sobre seu significado social” (GATTI, 2003, p. 9). Mas quais são os principais
desafios em relação à avaliação na prática educativa?
Atualmente, é possível posicionar três questões relevantes que emergem da
prática e dos debates atuais sobre avaliação no contexto da educação
brasileira: para que serve a avaliação? Como ela é feita em geral? O que se faz
com seus resultados? Tanto a discussão que propomos neste artigo quanto o
estudo de caso que apresentamos aqui procura trazer subsídios para
pensarmos essas três questões, no contexto específico da arte/educação.
Em termos dos propósitos, Doug Boughton (2008) descreve quatro papéis mais
comuns da avaliação em educação: avaliação como “medida de temperatura”,
que se presta a indicar a performance de grupos selecionados de estudantes;
avaliação somatória (ou “catraca”), utilizada para determinar o acesso de
estudantes a outras oportunidades educativas; avaliação do tipo “diagnóstico”,
que informa educadores e demais envolvidos no processo sobre metodologias
e escolhas, e os auxilia no traçado de novos rumos; e a avaliação “formadora”,
cujo objetivo é fomentar, nos próprios estudantes, a autocrítica e a análise do
próprio desempenho. Essas diferentes compreensões podem ser observadas,
separadamente ou de forma mista, no dia-a-dia da educação em todo o mundo.
Cada uma dessas concepções sobre o propósito da avaliação, entretanto,
possuem implicações políticas profundas. Escolher entre uma avaliação do tipo
“catraca” ou “diagnóstico”, ou dar ênfase maior a uma ou outra, é uma decisão
política. Embora reconheçamos que “toda avaliação é processo classificatório”
(DEMO, 2006, p. 15), é necessário apontar também que “o grande entrave da
avaliação é o seu uso como instrumento de controle, de inculcação ideológica e
de discriminação social” (VASCONCELLOS, 2006, p. 32).
Partindo do pressuposto de que a avaliação é um processo político, é
necessário dizer que já se avançou muito em relação à discussão sobre seus
propósitos. As teorizações recentes enfatizam cada vez mais a avaliação como
um processo global, de acompanhamento da prática educativa e que busca
influenciar as escolhas pedagógicas futuras. Cada vez mais se fala de
avaliação formativa (PERRENOUD, 1999) e mediadora (HOFFMANN, 2005).
No entanto, como apontam as pesquisas de Celso Vasconcellos, a idéia da
avaliação como simples atribuição de notas ainda é predominante na educação
brasileira. A resposta à pergunta sobre “como a avaliação é feita em geral?”
precisa reconhecer que, em nosso sistema educacional, permanece ainda uma
lógica quase exclusivamente classificatória, que distingue entre bons e maus
alunos: “apesar de tudo o que já foi elaborado e divulgado em termos de
avaliação, as pesquisas de cotidiano têm demonstrado que as mudanças não
têm atingido o chão da sala de aula” (VASCONCELLOS, 2004, p. 1).
Além disso, de acordo com Sandra Sousa (2009), embora a legislação
brasileira tenha se transformado em direção à superação dessa lógica, com a
aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9.394), de
1996, “as práticas escolares vigentes, em geral, conservam marcas de
orientações remotas” (SOUSA, 2009, p. 17).
E é preciso dizer também que o contexto geral da educação brasileira ainda é
bastante inóspito às transformações nas práticas avaliativas apontadas pela
teoria e pela legislação. Como aponta Jussara Hoffmann (2005), os desafios
são muitos, e vão desde a oposição das famílias, que não aceitam a abolição
de métodos tradicionais, até os problemas habituais relacionados a recursos e
formação docente.
Quanto aos usos, os desafios também são muitos. Embora haja diversas
experiências de avaliações de caráter mais diagnóstico e formativo,
permanecem ainda dificuldades quanto ao que fazer com os registros dessas
avaliações. O retorno para educandos e educadores ainda é difícil, e a
incorporação das indicações nas práticas pedagógicas cotidianas também.
Embora se reconheça teoricamente que “devem-se programar tarefas
avaliativas, tempos de análise de tarefas e devolução aos alunos, estratégias
interativas decorrentes, etc. (HOFFMANN, 2005, p. 15), na prática as análises
e retornos da avaliação são um processo difícil 1. Falta garantir tempo para
refletir criticamente sobre os resultados, e faltam estratégias interessantes para
o retorno dessas informações para educadores e educandos.
Dilemas da avaliação em arte/educação
O contexto da arte/educação não apenas está longe de ser isento de todos
esses desafios, como apresenta alguns dilemas complementares em relação
às práticas avaliativas. Doug Boughton afirma que, no ensino de arte, “conduzir
uma avaliação permanece como uma das mais complexas tarefas que os
professores enfrentam em sua vida diária” (BOUGHTON, 2008, p. 376).
O debate sobre avaliação em arte/educação também é intenso e está em
franca atividade:
“Com o crescente movimento de reformas curriculares para o ensino
de arte que vem ocorrendo em vários estados – São Paulo, Minas
Gerais, Amapá, Goiás, Santa Catarina, etc. – o tema avaliação tem
sido retomado, ampliado e debatido” (TOURINHO, 2010, p. 2095).
Desse debate, é possível depreender alguns dilemas específicos da avaliação
em arte/educação hoje. Em primeiro lugar, há um desafio básico em relação
aos conceitos de avaliação empregados (BOUGHTON, 2008). Se práticas
como a atribuição de notas já são um processo reducionista em outros campos,
na arte/educação isso se complica, uma vez que é muito difícil expressar em
números ou palavras os complexos resultados obtidos na produção artística.
Além disso, outro desafio específico do campo da arte/educação são os
critérios que embasam a avaliação. Como aponta a professora Irene Tourinho,
“a apreciação está intimamente ligada à análise e esta, à formulação de
critérios. Para analisar, preciso definir focos, estabelecer prioridades, distinguir
elementos para examiná-los criticamente” (TOURINHO, 2010, p. 2098).
Essa formulação de critérios é bastante problemática, uma vez que,
atualmente, os parâmetros para avaliar qualquer trabalho artístico – não
apenas aqueles produzidos em contextos de arte/educação – são bastante
nebulosos. Em anos recentes, as ideologias pós-modernas desafiaram
severamente qualquer tentativa de atribuir valor ao trabalho artístico recorrendo
somente aos valores formalistas tradicionais.
Como aponta Boughton (2008, p. 379), há uma discussão viva e acesa sobre
temas como a virtude da originalidade na produção artística e os méritos
relativos entre “arte popular” e “belas-artes”. Isso torna o trabalho dos
educadores-avaliadores mais complexo, pois torna-se mais difícil estabelecer
uma base sólida sobre a qual seja possível avaliar a produção artística dos
educandos.
O que se observa em muitas escolas brasileiras é que, na maioria das vezes, a
avaliação acaba por atender a critérios que são exclusivamente pedagógicos –
comportamento, participação em sala de aula –, e não inclui questões que
pertencem ao campo do trabalho artístico, propriamente. Diante da dificuldade
em estabelecer critérios e dos desafios, a qualidade da produção artística dos
educandos – ainda que seja discutível em que consiste essa qualidade – fica
em segundo plano, ou é simplesmente desconsiderada.
A Associação Imagem Comunitária e a avaliação na Oi Kabum! BH
Tendo esses dilemas em vista, buscamos a partir daqui lançar um olhar sobre
uma experiência educativa específica, e sobre o modo como ela lida com esses
desafios. Contudo, antes de nos debruçarmos sobre as práticas de avaliação
específicas que nos dispomos a apresentar e discutir, faz-se necessária uma
pequena contextualização sobre a escola de arte e tecnologia na qual essas
práticas acontecem e sobre a instituição responsável pelo projeto.
A Associação Imagem Comunitária – Grupo de Pesquisa e Experimentação em
Mídias de Acesso Público – é uma organização sem fins lucrativos com sede
em Belo Horizonte. Fundada em 1993, a partir de uma experiência de extensão
universitária, a ONG busca – por meio de diversos projetos – “construir
espaços para que grupos socialmente excluídos ou com poucas oportunidades
de visibilidade se coloquem no debate público” (LIMA, 2006, p. 29). Ao longo
dos últimos 17 anos, a AIC vem buscando colocar em prática, por meio de
experiências estético-expressivas em diversas mídias – rádio, jornal impresso,
web e audiovisual –, um ideal de acesso público à comunicação baseado na
produção coletiva, na experimentação com as diferentes linguagens e na
efetiva ocupação de espaços de publicização.
Em 2009, a convite do instituto Oi Futuro, a AIC tornou-se a ONG executora,
em Belo Horizonte, da Oi Kabum! – Escola de Arte e Tecnologia. A Oi Kabum! 2
foi criada em 2001 pelo Oi Futuro com a intenção de ser um programa inovador
que tivesse um impacto estruturante no desenvolvimento efetivo da juventude
popular urbana, complementando os processos formais de educação. No
alicerce da escola, estava o anseio por construir um programa educativo em
arte capaz de despertar a curiosidade dos jovens, fomentar as capacidades de
ação autônoma e coletiva e promover a expressão criativa. A aposta na arte e
na tecnologia nasce, assim, dessa ambição por criar as condições de
possibilidade para o desenvolvimento integral das capacidades dos jovens.
A Oi Kabum! trabalha com jovens que estejam cursando o Ensino Médio em
escolas públicas. Ao longo de 18 meses, eles participam de um amplo
programa formativo em arte e tecnologia, especializando-se em uma de cinco
áreas artísticas: Design Gráfico, Webdesign, Computação Gráfica, Vídeo e
Fotografia. Além deste percurso, os jovens participam também das atividades
em quatro núcleos transversais: História da Arte e Tecnologia, Ser e Conviver,
Oficina da Palavra e Design Sonoro.
Os jovens integram ainda grupos de trabalho, formados por educadores e
educandos, que têm por objetivo cuidar da gestão de algum aspecto da
escola 3. E, além disso, participam de um processo de orientação para projetos
individuais e coletivos. Durante todo o processo formativo, os educandos
recebem uma bolsa para participar das atividades. A primeira turma da Oi
Kabum! BH, com 100 jovens, foi selecionada em julho de 2009 e o programa
de formação teve início em agosto.
Pouco tempo depois da implantação da Oi Kabum! em Belo Horizonte a escola
tornou-se um espaço privilegiado para a produção de conhecimento, e as
práticas de avaliação têm um papel central nesse processo.
Desde seu início, a AIC sempre procurou aliar as intervenções sociais
presentes em seus diversos projetos à produção de conhecimento a partir dos
mesmos. A vinculação entre prática e reflexão teórico-metodológica sempre foi
uma diretriz importante para a instituição, que tem investido cada vez mais na
sistematização e na publicização de suas diretrizes e metodologias.
Atualmente, a AIC conta com uma Diretoria de Pesquisa e Metodologia,
responsável pela organização dos diversos conhecimentos produzidos
cotidianamente nos projetos desenvolvidos pela instituição. A Diretoria realiza,
juntamente com a equipe de cada projeto, procedimentos de avaliação
processual dessas iniciativas. O objetivo, a curto prazo, é fornecer subsídios
para o replanejamento e a reinvenção das práticas de cada projeto, além do
intercâmbio de métodos e procedimentos entre os projetos da instituição. A
longo prazo, o interesse é consolidar e fazer circular os conhecimentos teóricometodológicos que foram sistematizados a partir das experiências nessas
iniciativas. Essas práticas convergem com a intenção do Oi Futuro em garantir
que os conhecimentos produzidos no cotidiano das ações da Oi Kabum!
possam contribuir com as práticas de ensino de arte em outros espaços
educativos, especialmente a escola pública.
Tendo essas diretrizes e esses objetivos em vista, a Diretoria realiza uma série
de processos avaliativos junto aos diferentes públicos construtores da Oi
Kabum! – educadores, jovens e coordenadores. Foram criados procedimentos
de avaliação dos mais diversos, e que incluem vários olhares. Isso é natural,
uma vez que “reduzir a avaliação a apenas uma ação é incorrer numa ameaça
pedagógica – ou tudo ou nada – além de ser uma postura autoritária na
educação” (TOURINHO, 2010, p. 2098). Na medida em que os processos
educativos em curso na escola são múltiplos e complexos, procura-se atentar
sempre para o fato de que:
“Ao avaliar efetiva-se um conjunto de procedimentos didáticos que se
estendem sempre por um longo tempo e se dão em vários espaços
escolares, procedimentos de caráter múltiplo e complexo tal como se
delineia um processo” (HOFFMANN, 2005, p. 13).
Nesse sentido, a avaliação na Oi Kabum! é um processo constante e intenso,
que acontece em vários espaços, serve-se de diferentes métodos e atende a
propósitos específicos. Na sala de aula, ao final de cada ciclo formativo, os
educadores realizam uma avaliação em conjunto com os jovens. Essas
conversas têm o intuito de avaliar escolhas metodológicas e processos e, com
isso, influenciar o planejamento das atividades subseqüentes. Também as
reuniões entre educadores adquirem funções de avaliação e de planejamento,
em processos realizados coletivamente por educadores e coordenadores.
Além disso, há uma série de procedimentos criados pela Diretoria de Pesquisa
e Metodologia da AIC que são postos em prática na Oi Kabum!. Em relatórios
trimestrais, os educadores avaliam seu próprio trabalho, o desempenho dos
educandos e a coordenação da escola, de acordo com parâmetros comuns
estabelecidos em um modelo. Além disso, os jovens também respondem a um
questionário auto-avaliativo periódico, em que avaliam a própria participação, o
trabalho dos educadores e da coordenação.
Periodicamente, a Diretoria consolida relatórios temáticos com os resultados
dessas avaliações e realiza encontros de retorno e de discussão desses
resultados. Além disso, mensalmente, um boletim voltado para os jovens é
elaborado e distribuído na escola e em suas redes sociais, também com o
intuito de sistematizar conhecimentos e influenciar práticas futuras.
O objetivo desse artigo, contudo, não é dar conta de todos os processos
avaliativos que acontecem cotidianamente na Oi Kabum!. A seguir, nos
debruçamos sobre dois procedimentos de avaliação implementados na escola,
suas questões norteadores e seus usos, com vistas a contribuir com o debate
sobre avaliação em contextos de arte/educação a partir de uma experiência
singular.
Avaliação de processos educativos em arte na Oi Kabum! Belo Horizonte
As práticas avaliativas que nos dispomos a apresentar e discutir aqui são parte
de um grande conjunto de atividades que ocorre semestralmente na Oi Kabum!
BH, coordenado pela equipe da Diretoria de Pesquisa e Metodologia da AIC: o
Dia da Avaliação. Nas proximidades do fim de cada semestre do programa
formativo, separamos um dia letivo para a realização de alguns procedimentos
avaliativos com os jovens da escola.
Em primeiro lugar, é preciso chamar atenção para as questões avaliadas
durante esse dia. Em uma escola como a Oi Kabum! BH, os processos
educativos em andamento são variados e complexos. São cinco áreas
artísticas diferentes, mais os núcleos transversais, os grupos de trabalho e as
atividades de orientação. Isso sem contar as atividades autonomamente
inventadas pelos jovens a cada momento.
No entanto, a partir das contribuições dos educadores e dos jovens 4, foram
estabelecidos alguns grandes focos de avaliação. São eles: produções
artísticas na escola; modos de ensinar e de aprender; relações no interior da
escola; gestão coletiva; multiplicações fora da escola; relações com o mundo
do trabalho.
Essas questões estão em consonância com os objetivos estabelecidos no
projeto pedagógico da escola, ou seja: a Oi Kabum! BH não tem o intuito único
de formar jovens capazes de produzir bons trabalhos nas cinco áreas artísticas.
É de interesse da escola a formação de sujeitos críticos em relação a seu
ambiente e que conseguem agir autonomamente; sujeitos capazes de avaliar
os procedimentos de seus educadores e colegas; de se relacionar com o outro,
em sua heterogeneidade; de se apropriar de processos de gestão dos espaços
e das práticas em que estão inseridos; de multiplicar os conhecimentos que
adquiriram em projetos coletivos fora da escola; de se relacionar de forma
madura com o mundo do trabalho.
Todas essas dimensões são avaliadas na escola, pois cada uma delas está
intimamente relacionada com o trabalho artístico em si. Afinal de contas, como
já nos lembrava Susan Sontag (2004) para a fotografia, qualquer escolha
artística inclui, necessariamente, aspectos éticos e políticos, indissociáveis das
questões puramente estéticas.
Em segundo lugar, apresentamos dois dos procedimentos realizados no Dia da
Avaliação. Como aponta Jussara Hoffmann, “métodos e instrumentos de
avaliação estão fundamentados em valores morais, concepções de educação,
de sociedade, de sujeito” (HOFFMANN, 2005, p. 13). É nesse sentido que
esses procedimentos são norteados tanto pelas questões centrais da avaliação
– que já eram coerentes com o projeto pedagógico da escola – quanto pela
experiência e pelos valores já defendidos pela AIC ao longo do tempo e que
encontram eco na concepção da Oi Kabum!.
Com objetivo de avaliar as produções artísticas na escola, foram formados dez
grupos de análise das produções (um para cada área artística, um para cada
núcleo transversal e um décimo grupo que analisou trabalhos artísticos
realizados por jovens das outras escolas Oi Kabum! do Brasil). Previamente, os
educadores e os jovens de cada turma selecionaram algumas produções que
poderiam gerar uma discussão interessante (não necessariamente uma boa
produção, mas algo que pudesse fomentar um debate rico).
Esses agrupamentos foram formados da seguinte maneira: cada grupo contava
com a presença de um mediador (que era um membro da equipe da Diretoria
ou um educador de uma área artística que não fosse a que estava sendo
avaliada), um educador da linguagem ou núcleo avaliado (que tinha a função
de produzir um relato escrito das discussões) e dez jovens selecionados
aleatoriamente entre as cinco áreas artísticas. A heterogeneidade do grupo era
essencial para que a avaliação fosse feita a partir de olhares externos, que não
compartilhavam das referências específicas de cada linguagem ou núcleo.
Apesar de contar com um decisivo grau de liberdade, essa avaliação não era
isenta de parâmetros. Afinal, “todo processo avaliativo bem-feito baseia-se em
critérios construídos com fundamentação adequada” (DEMO, p. 100). No caso
da avaliação dos trabalhos artísticos produzidos pelos jovens, foram
estabelecidos alguns focos, bem gerais, que deveriam orientar cada grupo.
Eram eles: aspectos éticos, de linguagem e técnicos; tratamento da temática;
relação entre realizadores e participantes das produções (formas de
representação, reverberações sociais); inovação X clichê (relação entre
deslocamentos e reprodução de lugares comuns).
A idéia era que essas diretrizes, no entanto, fossem apenas orientações gerais,
e que fossem necessariamente reformuladas – conjuntamente, por jovens e
educadores, e tendo em vista as especificidades das produções – antes do
início da discussão de cada grupo. Nesse sentido, o grupo que analisou as
produções da Computação Gráfica, por exemplo, decidiu por guiar a
apreciação por três critérios: interatividade (um dos focos dessa linguagem é a
criação de peças interativas, e por isso analisar como esse elemento foi
trabalhado em cada um dos trabalhos era uma questão importante);
conteúdo/ética (os trabalhos avaliados atendem ao que se propõem? Como
lidam com o conteúdo? No contexto em que estão, eles deslocam o olhar?) e
estética (os trabalhos são bem resolvidos esteticamente? Quais foram as
soluções estéticas adotadas pelos realizadores? O que poderia mudar?).
Se o estabelecimento de critérios é um dos desafios centrais da avaliação em
arte/educação hoje, a saída não parece ser a recusa da avaliação ou a adoção
de parâmetros exógenos (puramente pedagógicos). Os grupos de avaliação
das produções artísticas da Oi Kabum! demonstram que uma saída para esse
dilema pode ser o estabelecimento compartilhado de critérios, que garante a
legitimidade e a validade dos mesmos na medida em que são elaborados
coletivamente, num processo de justificação pública. Como aponta Habermas
(2003), uma decisão produzida na troca pública de argumentos não é apenas
mais legítima, como tende a ter um ganho epistêmico significativo.
Em seguida ao estabelecimento coletivo dos critérios, as produções foram
mostradas e avaliadas em cada um dos grupos. O mediador era responsável
por conduzir a discussão de forma respeitosa e, ao mesmo tempo, provocativa.
Atentando para as respostas preguiçosas, como “gostei” ou “não gostei”, ele
buscava lançar questões instigantes para os jovens. Esse procedimento de
apreciação dos trabalhos, baseado não numa avaliação isolada, mas num
debate entre os próprios jovens, se mostrou capaz de fomentar discussões
interessantes sobre a produção artística, estimulando a autocrítica constante.
Como aponta Doug Boughton, “o diálogo, apropriadamente conduzido, pode
revelar valiosas percepções para o processo de fazer arte” (BOUGHTON,
2008, p. 384). Nesse sentido, a avaliação cumpre seu papel de diagnosticar e
apontar caminhos, ao mesmo tempo em que está inserida num processo
educativo, com conseqüências de aprendizagem para os jovens envolvidos ali.
Para Zimmerman, um dos pressupostos da avaliação autêntica no campo da
arte é “examinar tanto os procedimentos como os produtos de aprendizagem”
(ZIMMERMAN, 2008, p. 406). É nesse sentido que a outra prática avaliativa
que apresentamos aqui abarcou os demais focos de avaliação propostos.
Cinqüenta jovens foram divididos em grupos de dez, para discutir alguma
questão transversal importante no processo formativo da escola. Esses cinco
grupos de discussão tinham a mediação de um integrante da Diretoria, e não
contavam com a participação dos educadores. Todas as discussões foram
registradas em áudio.
Na tabela abaixo, listamos os grupos de discussão organizados e algumas
perguntas geradoras de cada um deles.
Grupo de discussão
Algumas Questões
Grupo 1: Modos de Ensinar e Aprender
Quais são as diferentes estratégias de ensino
dos educadores? Como esses métodos estão
presentes nos espaços da escola (áreas
artísticas, núcleos, orientação)?
Objetivo: registrar a visão dos jovens sobre os
processos pedagógicos em curso na escola,
com ênfase nos métodos adotados pelos
diferentes educadores.
Como os educadores lidam com as
dificuldades e potenciais específicos de cada
jovem?
Quais
foram
os
aprendizados
significativos do semestre?
Grupo 2: Relações no interior da escola
Objetivo: avaliar, com os participantes, a
estrutura das relações entre jovens e entre
eles e os educadores: dilemas, desafios e
descobertas.
Grupo 3: Gestão coletiva
Objetivo: avaliar o andamento do projeto de
gestão coletiva da Oi Kabum! BH. A intenção
é produzir uma reflexão, com os jovens, sobre
a forma como as decisões são tomadas na
escola, e em que medida eles se vêem como
participantes dessa decisão.
Grupo 4: Multiplicações fora da Oi Kabum!
Objetivo: discutir as iniciativas individuais ou
coletivas no campo da arte e da mobilização
social que eventualmente estejam sendo
feitas pelos jovens, fora do espaço da escola.
mais
Como os jovens percebem as relações entre
eles e os membros da equipe (coordenação,
educadores, administrativo)?
Como lidar com as diferenças diversas? Há
rivalidades? De que tipo? Como elas são
processadas cotidianamente?
O que os jovens entendem como gestão
coletiva? Como essa noção pode ser
observada no cotidiano da escola?
Como a gestão coletiva é vivenciada na
prática? Como se dá a participação dos
jovens?
Quais são as movimentações dos jovens em
suas comunidades? Os conhecimentos
trabalhados na escola estão sendo, de
alguma forma, reapropriados em outros
campos da vida deles?
Quais
são
os
exemplos
dessas
multiplicações? É interessante que elas
existam? Por quê?
Grupo 5: Relação com o mundo do trabalho
Objetivo: discutir as relações atuais dos
jovens com o mundo do trabalho e seus
projetos para o futuro. O foco é em como a
experiência da Oi Kabum! se insere nas
oportunidades – presentes ou futuras – de
trabalho para os jovens.
Qual é a importância da escola para as
escolhas no mundo do trabalho?
Na opinião dos jovens, de que forma a Oi
Kabum! influencia nas decisões sobre a
inserção no mundo do trabalho, e o que a
escola tem a contribuir com isso?
Alguém
já
conseguiu
oportunidades
profissionais que se relacionam
inserção na escola?
com
a
Tabela 1: Grupos de discussão e algumas questões
Inicialmente, o mediador explicava a natureza daquele encontro e a posição
dos jovens, que, naquele momento, eram mais avaliadores do que avaliados.
No dizer de Zimmerman, “essa reorientação desfaz a autonomia tradicional dos
pesquisadores, requerendo que pesquisadores e sujeitos tornem-se coinvestigadores” (ZIMMERMAN, 2008, p. 417).
Na discussão, embora o mediador conduzisse a conversa por meio de
perguntas geradoras, o grupo funcionava mais como um bate-papo, em que os
participantes poderiam interromper uns aos outros livremente. Segundo
Jussara Hoffmann, “é função da avaliação a promoção permanente de espaços
interativos” (HOFFMANN, 2005, p. 16). Essa característica é fundamental para
que possamos perceber nuances e detalhes da avaliação dos jovens, que
muitas vezes ficam em segundo plano, por exemplo, num questionário escrito.
Finalmente, apresentamos alguns usos que fazemos dos registros dessas
avaliações, e as conseqüências delas em diferentes âmbitos. Acreditamos que
dar retorno dos processos de avaliação aos diversos membros da escola é
fundamental, uma vez que “somente se constitui o processo como tal, se
ocorreram
os
três tempos: observar,
analisar e
promover melhores
oportunidades de aprendizagem” (HOFFMANN, 2005, p. 14). Ao fim e ao cabo,
a avaliação na Oi Kabum! BH serve a três objetivos principais: construir uma
visão mais ampla sobre o que acontece na escola; alimentar o movimento da
escola de se adaptar e incorporar mudanças; e sistematizar e compartilhar
conhecimentos.
Nesse sentido, os registros são utilizados para a confecção de relatórios
temáticos semestrais, que consolidam uma visão geral sobre os processos da
escola. Esses relatórios são redigidos pela Diretoria e lidos pela coordenação e
pelos educadores. Esse documento é importante para o compartilhamento de
informações entre educadores, que muitas vezes se vêem isolados em sua
área artística ou núcleo específico.
Num segundo momento, esse relatório é peça fundamental para o
replanejamento das atividades e dos espaços da escola, em diferentes
âmbitos. As reuniões de planejamento sempre levam em conta o que foi aferido
a partir da avaliação. Várias mudanças já foram realizadas tendo como
referência as análises feitas a partir dos registros das práticas avaliativas.
Além disso, foi criado recentemente o boletim Recado da Pesquisa, com o
objetivo de fazer com que esses resultados da avaliação cheguem também aos
jovens, e possam fomentar discussões. O boletim é distribuído entre os jovens
e publicado também na rede social Ning, juntamente com o relatório completo.
Importante citar que as descrições e análises que aparecem nos relatórios para
coordenadores e educadores e nos boletins para os jovens respondem,
também, ao objetivo de sistematizar conhecimentos elaborados a partir das
práticas nos projetos em que a AIC atua. As metodologias e experiências
podem ser trocadas entre os projetos, e também com outras instituições com
objetivos semelhantes. Por meio da publicação e divulgação dos resultados
das análises, esses conhecimentos podem contribuir para discussões
importantes. Este artigo é uma tentativa de atuar nesse sentido.
1
Inclusive na Oi Kabum! BH esse é um processo difícil. Ainda hoje estamos procurando a melhor maneira de
consolidar informações e de promover os retornos das avaliações para educadores e jovens.
2
Há quatro unidades da Oi Kabum! em funcionamento. Além de Belo Horizonte, elas estão localizadas no Rio de
Janeiro (realizada em parceria com o CECIP), no Recife (cujo parceiro é a ONG Auçuba) e em Salvador (desenvolvida
parceria com a Cipó – Comunicação Interativa).
3
No último semestre, os seguintes grupos funcionaram na escola: Grupo Diálogo com o Ensino Médio, Grupo
depesquisa e práticas sustentáveis, Grupo de gestão da biblioteca, Grupo de pesquisa artística, Grupo Ensinar e
Aprender e Conselho Gestor. Todos esses grupos são formados por educadores e jovens.
4
Nos dias anteriores ao Dia da Avaliação, os jovens do Conselho Gestor da escola realizaram uma pesquisa junto aos
colegas, que buscava apreender quais seriam, na opinião dos jovens, as principais questões a serem avaliadas na
escola. Essas questões foram importantes para a definição dos focos da avaliação.
_____________________
BIBLIOGRAFIA
BOUGHTON, Doug. “Avaliação: da teoria à prática”. In: BARBOSA, Ana Mae
(org.). Arte/educação contemporânea: consonâncias internacionais. São Paulo:
Cortez, 2008.
DEMO, Pedro. Avaliação: para cuidar que o aluno aprenda. São Paulo: Editora
Criarp, 2006.
GATTI, Bernardete A. “Reflexões à margem sobre o tratamento dado a
questões de avaliação educacional – a propósito de uma leitura”. In: FREITAS,
Luiz Carlos de (org). Questões de avaliação educacional. Campinas: Komedi,
2003.
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contemporânea: consonâncias internacionais. São Paulo: Cortez, 2008.
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MINI-CURRÍCULO
Victor Ribeiro Guimarães é graduado em Comunicação Social
Integrante do Grupo de Pesquisa em Mídia e Esfera Pública
Diretoria de Pesquisa e Metodologia da Associação Imagem
Atualmente, é o profissional responsável pela sistematização
avaliativas em curso na Oi Kabum! Belo Horizonte.
pela UFMG.
(EME) e da
Comunitária.
das práticas
Paulo Emílio de Castro Andrade é mestre em Educação pela UFMG. Diretor de
Projetos Educacionais da Associação Imagem Comunitária, atuando na
coordenação da Oi Kabum! Belo Horizonte. Foi coordenador de projetos da
ONG Humbiumbi – Arte, Cultura e Educação, à qual é associado. Foi diretor do
Centro Cultural Maria Lívia de Castro (1998 a 2008).
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título do trabalho (cole aqui) - Associação Imagem Comunitária