A PESQUISA EM MATEMÁTICA ENQUANTO EIXO DE FORMAÇÃO: O CASO DE UMA TURMA DE 6° PERÍODO DE PEDAGOGIA Rute Elizabete de Souza Rosa Borba – UFPE - [email protected] Gilda Lisbôa Guimarães – UFPE - [email protected] Rita de Cássia Gomes de Lima – UFPE - [email protected] A importância que a pesquisa tem para a melhoria do ensino em sala de aula é inquestionável mas, na prática, há diferentes posicionamentos sobre quem e como esta deve ser efetuada. Há quem defenda que a pesquisa é uma atividade exclusiva de alguns profissionais e há quem acredite que deva fazer parte da formação inicial e em serviço de todo profissional. As diferentes formas de se investigar também são alvo de questionamento pois nem todas são amplamente reconhecidas como atividades de pesquisa. No caso da pesquisa educacional alguns têm defendido que a mesma seja realizada exclusivamente pelas universidades pois só este meio acadêmico possui suficientes recursos – materiais e humanos – para a realização de investigações desta natureza. Esta visão baseia-se na concepção de pesquisa como uma investigação rigorosa que exige clareza de objetivos a serem alcançados por parte de quem a realiza, e que requer conhecimentos teóricos e escolha de metodologias coerentes com as investigações a serem realizadas. A partir desta concepção, poderia-se defender que apenas um grupo seleto de profissionais estaria apto à realização de pesquisas. Dentre os que defendem que professores de ensino básico se envolvam em pesquisas há os que acreditam que estas devem ser desenvolvidas em cooperação com a universidade e não necessariamente preparando futuros professores e professores em exercício para uma prática investigativa autônoma e fundamental para um maior conhecimento das relações complexas existentes na sala de aula. Segundo esta postura, já que em sua formação inicial o professor não aprendeu a fazer pesquisas, o professor em exercício sempre necessitará da ajuda da universidade para realizá-las. Anais do VIII ENEM – Comunicação Científica GT 4 – Educação Matemática no Ensino Superior 2 De acordo com estes posicionamentos, o professor do ensino básico vivencia a prática de sala de aula mas não está preparado para a realização de investigações educacionais e a única pesquisa a ser efetuada autonomamente por professores de educação infantil, de ensino fundamental e médio é a coleta de material – que pode ser realizada pelo professor com ou sem a participação de seus alunos – para posterior trabalho em sala de aula. Dessa forma, temas seriam pesquisados em livros, revistas, jornais e meios eletrônicos e trazidos para serem explorados em sala de aula. Se as investigações a serem realizadas pelos professores em sala de aula se limitarem a coletas de material, na sua formação inicial é apenas para este tipo de ato investigativo que a atenção deve ser voltada. Não há, neste caso, necessidade de incluir nos cursos de formação de professores uma discussão ampla de como e por que se deve fazer pesquisa em sala de aula. Embora esta atividade de coleta de material seja relevante, Demo (1995) afirma que o sentido mais autêntico de pesquisa estaria no empenho reconstrutivo, sempre baseado no questionamento. Neste sentido, as pesquisas nas quais graduandos devem se envolver precisam ir muito além da coleta de material, envolvendo os futuros profissionais em investigações que os levarão a um maior conhecimento de sua prática futura. A prática investigativa vivenciada na graduação deve ser estimulada para que se torne parte do dia-a- dia do professor, pois esta o pode fazer melhor conhecedor do processo ensino-aprendizagem. Para muitos que julgam a universidade como meio exclusivo de realização de pesquisas educacionais, não são todos os graduandos que devem se envolver em pesquisas mas apenas aqueles que têm um perfil adequado, ou seja, aqueles que pretendem dar continuidade a seus estudos ingressando em programas de pósgraduação. Contrapondo-se à visão de que apenas um grupo seleto de graduandos participe de pesquisas, pode-se defender que todos participem de pesquisas mas que o façam em determinados períodos do curso – em geral ao final – ou, mesmo que seja ao longo do curso, que os professores de certas disciplinas específicas sejam responsáveis pela formação de práticas investigativas. Nestas posturas não há uma defesa ampla de que a pesquisa seja eixo formador de todos os graduandos de cursos de formação de professores e que as práticas investigativas estejam presentes nas diversas disciplinas. No presente trabalho, especificamente, concebe-se como pesquisa a ser realizada pelos graduandos de cursos de formação e professores a identificação de dificuldades no desenvolvimento e aprendizagem de conceitos e a experimentação na mediação da Anais do VIII ENEM – Comunicação Científica GT 4 – Educação Matemática no Ensino Superior 3 aprendizagem dos mesmos. Não se trata unicamente de diagnosticar, mas de estar atento ao dinamismo da sala de aula. Não é apenas verificar dificuldades do professor ou dos alunos, mas buscar formas de agir sobre as próprias ações, e perceber-se pesquisador a tal ponto que se note que faz “parte da natureza da prática docente a indagação, a busca, a pesquisa” (Freire, 1996). Embora haja quem defenda a pesquisa nesta perspectiva ampla, as discussões têm sido, em geral, mais teóricas e poucas investigações sobre o papel da pesquisa na formação de professores têm sido efetuadas. Muitos têm sido os debates acerca do tema, contudo, poucos estudos têm sido apresentados que observem na prática o quanto a pesquisa é relevante para a formação de educadores. O presente trabalho objetiva contribuir de forma mais prática para este debate, apresentando a observação feita de atividades de pesquisa em conceitos matemáticos desenvolvidas por alunos de Pedagogia e debatendo como estas podem contribuir para a formação profissional destes graduandos. Será aqui discutido como a realização de pesquisas pode auxiliar os graduandos na sua compreensão de como conceitos matemáticos são desenvolvidos e aprendidos, como podem se preparar melhor para a sua vida docente futura e como podem ser estimulados a serem professores pesquisadores, a partir da conscientização da necessidade de se estar continuamente investigando o processo ensino-aprendizagem ocorrido em sala de aula. A PESQUISA COMO EIXO DE FORMAÇÃO DO PROFESSOR Desde o primeiro decreto lei de 1939, que regulamentou o funcionamento e estrutura do Curso de Pedagogia, os cursos de formação de professores vêm sofrendo mudanças. As reformulações se fizeram necessárias na tentativa de adequar o curso à realidade e às necessidades educacionais brasileiras. Com o decorrer dos anos instalou-se uma crise no Curso de Pedagogia, esta foi se agravando e, para buscar soluções, debates foram promovidos. Congressos, seminários, reuniões e eventos diversos promoveram discussões acerca do curso e debateram pontos que precisavam ser repensados na estrutura e funcionamento do mesmo. No documento final do I Seminário de Educação Brasileira de 1978, segundo Freitas (1996), constatou-se a desorganização do Curso de Pedagogia que se traduzia, segundo o documento, pela falta de reflexão filosófica sobre a realidade brasileira e pela desvinculação da teoria com a prática. Uma das soluções propostas foi a de que desde o Anais do VIII ENEM – Comunicação Científica GT 4 – Educação Matemática no Ensino Superior 4 início do curso houvesse ligação entre práticas e teorias. Uma das preocupações nesta integração teoria-prática era a de dar ênfase à pesquisa da realidade educacional local, envolvendo o aluno em programas de iniciação científica ou outras formas de pesquisa. Segundo Esteban e Zaccur (2002) os professores de ensino básico não devem ser meros consumidores passivos do conhecimento que é produzido pelos pesquisadores universitários. Argumenta-se que em todos os níveis – na graduação e no ensino básico – professores e alunos são responsáveis pela produção do saber. Desta forma tanto alunos de cursos de formação quanto professores em exercício devem se engajar em atos investigativos que permitem um maior conhecimento da sala de aula. Esta via de mão dupla na produção de conhecimento só se dará se houver um reconhecimento que tanto professores e alunos universitários quanto professores de ensino básico devem pesquisar o ambiente escolar. Zeichner (2002) afirma que deve haver coerência entre o que a universidade tem defendido como o melhor para os alunos de ensino básico e o que tem sido oferecido aos alunos universitários. Tem-se afirmado que o ensino deve ser mais centrado no aluno, possibilitando-o ser co-produtor de seu conhecimento, e esta afirmativa deve tornar-se uma realidade tanto no ensino básico quanto no de graduação. Zeichner alerta, ainda, que se os formadores de professores não forem coerentes – praticando o que defendem – corre-se o risco de que o que os graduandos vivenciam – um ensino baseado na produção universitária – seja um modelo para a sua prática, não permitindo que os alunos do ensino básico sejam co-responsáveis pelo seu aprendizado. Alguns estudos recentes têm buscado analisar como a investigação realizada por professores em formação pode auxiliá-los na sua prática futura. Estes estudos buscam mostrar na prática a importância de se envolver graduandos em processos investigativos. Oliveira et al (2003) relataram uma experiência na qual alunos dos períodos finais de um curso normal superior fizeram um levantamento do que professores em exercício concebiam a respeito do desenvolvimento do conceito de número. A experiência foi considerada como válida por ter proporcionado aos graduandos uma maior familiarização com a pesquisa. Esta familiarização, no entanto, poderia ter se dado muito antes dos alunos estarem finalizando seus cursos uma vez que a prática da pesquisa requer tempo para uma melhor compreensão de seus objetivos e mecanismos. Santos, Teixeira e Morclatti (2003) relatam como professores de ensino básico e alunos e professores de Centros de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério Anais do VIII ENEM – Comunicação Científica GT 4 – Educação Matemática no Ensino Superior 5 (CEFAMs) foram envolvidos num processo de investigação das dificuldades em matemática e na realização de atividades de reforço para superação das dificuldades identificadas. Um dos resultados mais relevantes foi a observação de um desenvolvimento significativo da autonomia dos futuros professores que se envolveram no processo investigativo proposto. Estes futuros professores progrediram na sua capacidade de interpretar as dificuldades demonstradas pelos alunos e na habilidade de selecionar e criar situações de ensino para superar as dificuldades dos alunos. Os professores em exercício também se beneficiaram desse trabalho colaborativo uma vez que passaram a reconhecer a importância de se diagnosticar com maior precisão as dificuldades de seus alunos. Passaram também a planejar melhor as atividades de reforço para superação das dificuldades identificadas. OBJETIVOS O presente estudo tem como objetivos: Observar processos de elaboração e execução de pesquisas sobre estruturas multiplicativas (multiplicação, divisão e número racional) realizadas por alunos da disciplina Metodologia do Ensino da Matemática 2; Identificar as concepções de pesquisa de alunos de Pedagogia antes e depois de se envolverem em projetos de pesquisa. METODOLOGIA Duas turmas de sexto período do curso de Pedagogia da Universidade Federal de Pernambuco participaram deste estudo, enquanto alunos que cursavam a disciplina Metodologia do Ensino da Matemática 2. Ao longo do semestre os graduandos foram observados e em especial na última unidade na qual elaboraram e executaram um projeto de pesquisa sobre o tema sendo abordado – estruturas multiplicativas. No final as concepções de pesquisa destas turmas foram comparadas com as de turmas de quinto período do mesmo curso, que ainda não haviam iniciado um trabalho de pesquisa em matemática. A proposta de pesquisa a ser desenvolvida pelos alunos deu-se em três etapas. A primeira etapa envolveu a seleção de um tema, a elaboração e a execução de um projeto de pesquisa por parte dos graduandos. Na segunda etapa o desenvolvimento dos projetos foi discutido com o grupo classe. Na terceira etapa os resultados das pesquisas foram apresentados em sessões de pôsteres. Anais do VIII ENEM – Comunicação Científica GT 4 – Educação Matemática no Ensino Superior 6 As turmas do sexto período foram divididas em equipes de três, quatro e cinco alunos, totalizando catorze grupos. Todos os alunos foram inicialmente orientados com relação aos elementos essenciais de uma pesquisa. Como os alunos se envolveram nos projetos na última unidade da disciplina, eles já haviam participado da discussão de outras pesquisas e haviam efetuado pesquisas elaboradas coletivamente enquanto grupo classe. Para que a pesquisa dos alunos fosse realizada, foram indicados textos sobre estruturas multiplicativas. Cada grupo deveria escolher um dos textos selecionados e após a leitura do mesmo discutiria com a professora da disciplina a proposta de pesquisa nele contida. Iniciou-se dessa forma o processo de elaboração de pesquisas a serem realizadas pelos graduandos, tomando como base os textos estudados. Os textos versavam sobre significados das operações de multiplicação e divisão, sobre o papel das representações simbólicas na resolução de problemas multiplicativos, sobre o tratamento dado ao resto em problemas de divisão, sobre os sub-construtos do número racional (fração ordinária, fração decimal e porcentagem, dentre outros), sobre cálculos relacionais e cálculos numéricos, sobre procedimentos informais (como as heurísticas desenvolvidas fora da escola) e procedimentos formais (como os algoritmos ensinados na escola), sobre cálculos mentais e estimativas e sobre materiais e atividades para o ensino das estruturas multiplicativas. Para cada momento de elaboração e execução da pesquisa os alunos tiveram encontros quinzenais com a professora para serem orientados, tirando dúvidas e apresentando dificuldades, se as tivessem. O espaçamento entre os encontros objetivava dar aos alunos tempo para a elaboração das diversas etapas de planejamento e execução das pesquisas e também dar tempo para a reflexão das investigações sendo realizadas. Na primeira orientação os alunos escolheram o tema a ser pesquisado a partir da seleção de um dos textos indicados. A professora da disciplina orientou-os no sentido que lessem o texto e identificassem possíveis questões de pesquisa. Foi discutida com os alunos a possibilidade de replicar as pesquisas relatadas nos textos ou de apresentarem-se investigações bem distintas das propostas pelos autores lidos. Na segunda orientação os grupos apresentaram uma proposta de pesquisa. A professora discutiu com cada equipe os diversos elementos das pesquisas propostas: a escolha dos participantes e da metodologia a ser executada. Discutiu-se a coerência entre objeto investigado (tema dentro das estruturas multiplicativas), metodologias e objetivos da pesquisa – que variou entre comparações de significados dados às Anais do VIII ENEM – Comunicação Científica GT 4 – Educação Matemática no Ensino Superior 7 operações de multiplicação ou de divisão, observação do efeito de representações simbólicas na resolução de problemas, comparações de compreensão de sub-construtos do número racional, comparação de procedimentos informais e formais para resolução de problemas multiplicativos, comparações entre alunos de diferentes níveis de escolarização ou ainda experimentação de formas de intervir para auxiliar o desenvolvimento de conceitos dentro das estruturas multiplicativas. Na terceira orientação algumas equipes apresentaram resultados e análises das pesquisas realizadas e estavam em condições de discuti-los e outras equipes ainda estavam para aplicar ou analisar as atividades que haviam selecionado. Neste encontro objetivava-se uma reflexão sobre o processo investigativo efetuado ou a se realizar ainda, possibilitando aos alunos identificarem novas pesquisas que poderiam surgir a partir das efetuadas por eles. Após esta primeira etapa – que envolveu os três encontros de orientação de planejamento e execução das pesquisas por parte dos graduandos – a segunda etapa desta realização de pesquisas se deu com a apresentação de cada equipe para toda a turma, de uma síntese do texto escolhido e relato de proposta. Os resultados das pesquisas não foram apresentados neste momento. Após esta segunda etapa –– de socialização das propostas de pesquisa – a terceira etapa inicialmente proposta pela professora da disciplina era que os alunos apresentassem suas pesquisas em um relatório escrito, entretanto os mesmos sugeriram a apresentação em forma de pôsteres, sugestão aceita tanto pela professora quanto por toda a turma. Na sessão de pôsteres os alunos apresentariam suas pesquisas com objetos de estudo, objetivos, referenciais teóricos, metodologia, resultados e conclusões. Foram definidos dois dias para a realização em sala de aula da apresentação dos pôsteres. Em cada um dos dias metade dos grupos apresentava seus trabalhos enquanto o restante dos alunos apreciava os estudos dos colegas. Diante do sucesso desta forma de apresentação das pesquisas realizadas e para socializá-las com um número maior de pessoas, a professora sugeriu que os grupos participassem de uma terceira sessão na qual todos os pôsteres foram expostos e discutidos no hall de entrada do Centro de Educação da UFPE. Ao encerrarem-se estas etapas de planejamento, execução e divulgação das pesquisas realizadas pelos graduandos em Pedagogia, os alunos responderam a um questionário para que se pudesse observar a concepção de pesquisa dos mesmos após a participação nos processos investigativos. As respostas dadas pelos alunos do sexto Anais do VIII ENEM – Comunicação Científica GT 4 – Educação Matemática no Ensino Superior 8 período – após o envolvimento em pesquisas – foram comparadas com as de alunos do quinto período – que ainda não haviam se envolvido em atividades de pesquisa em matemática. No questionário constavam as seguintes questões: 1) Em quais profissões a pesquisa é imprescindível para o trabalho diário? 2) O que é um professor pesquisador? 3) Para você, o que é pesquisa? 4) No seu curso de graduação seus professores têm estimulado a pesquisa? 5) V. participa ou participou de algum projeto na UFPE? Não ( ) Sim ( ) Qual? Se sim, em que a sua participação nesse projeto enriqueceu a sua formação profissional? RESULTADOS Na Tabela 1 pode-se observar as concepções que os alunos de 5o e 6° períodos de Pedagogia demonstraram ter antes e depois de se envolverem em pesquisas, numa perspectiva destas como eixo de sua formação. Ao se analisar as respostas dadas pelos alunos dos diferentes períodos às perguntas do questionário, as mesmas foram categorizadas de acordo com uma maior e menor explicitação de elementos essenciais de processos investigativos. Quando, por exemplo, o aluno mencionava que numa pesquisa o professor precisa ter clareza do que deseja observar e de como pode realizar esta observação, esta resposta era categorizada como uma que explicitava a intencionalidade do professor em investigar sua sala de aula. Na sondagem realizada com os alunos do quinto período do curso de Pedagogia observou-se que os mesmos não apresentaram os elementos essenciais de pesquisas nas respostas dadas, evidenciando que os mesmos não concebiam claramente como um professor poderia ser um pesquisador de seu ambiente de trabalho. Um percentual muito baixo, antes do envolvimento em pesquisas, apresentou em suas respostas elementos essenciais a investigações realizadas pelo professor em sala de aula. Os alunos do sexto período, após o envolvimento em pesquisas, demonstraram ter uma maior clareza quanto aos elementos essenciais de uma pesquisa. Apenas um Anais do VIII ENEM – Comunicação Científica GT 4 – Educação Matemática no Ensino Superior 9 grupo pequeno de alunos, mesmo após ter vivenciado o processo investigativo proposto, não evidenciou a necessidade de referir-se a esses elementos em suas respostas. TABELA 1. CONCEPÇÕES DE PESQUISA DE ALUNOS DE 5O E 6O PERÍODOS DE PEDAGOGIA, ENVOLVIDOS OU NÃO EM PROCESSOS INVESTIGATIVOS. 5° PERÍODO 6° PERÍODO ANTES DO DEPOIS DO ENVOLVIMENTO ENVOLVIMENTO COM PESQUISA COM PESQUISA 76% 20% 24% 80% Sem evidências explicitas de intencionalidade nos processos investigativos. Com explicitação de intencionalidade na pesquisa: definição clara de objetos, objetivos, métodos e redirecionamento de investigações. Comparando-se as respostas dadas pelos alunos dos dois períodos observa-se um avanço significativo dos alunos do 6o período com relação ao tratamento dado à pesquisa. A experiência vivenciada por estes alunos influenciou significativamente a concepção que os mesmos tinham de pesquisa e da importância da mesma para o exercício da docência. Dois casos foram selecionados, dentre as 14 pesquisas desenvolvidas, para exemplificar o processo vivenciado, conforme se pode observar nas Tabelas 2.1, 2.2, 3.1 e 3.2. As Tabelas 2.1 e 3.1 tratam dos três encontros de orientação para planejamento e execução das pesquisas e as Tabelas 2.2 e 3.2 tratam das apresentações em classe e para um grupo maior de alunos e para professores universitários. As duas primeiras tabelas referem-se a uma pesquisa desenvolvida sobre a divisão e as duas outras tabelas referem-se a uma pesquisa que envolveu a multiplicação. Neste conjunto de tabelas são sintetizadas escolhas efetuadas pelas equipes de graduandos em Pedagogia no planejamento e para execução das pesquisas realizadas com alunos do ensino básico, bem como das aprendizagens ocorridas na realização e apresentação das pesquisas realizadas. A primeira equipe fez uma replicação da pesquisa de Selva (1998) intitulada “O papel da representação na divisão”, com o objetivo de investigar como diferentes representações, diferentes significados dados aos problemas de divisão e diferentes Anais do VIII ENEM – Comunicação Científica GT 4 – Educação Matemática no Ensino Superior 10 níveis de escolarização afetam o desempenho em problemas de divisão com e sem resto. As crianças a serem entrevistadas freqüentavam uma mesma escola publica, da qual uma das graduandas era professora. TABELA 2.1. ACOMPANHAMENTO DO DESENVOLVIMENTO DE UMA PESQUISA – CASO 1. Atividade Desenvolvimento 1° Escolha do tema: O papel da representação na divisão a partir da leitura e Encontro discussão do estudo de Selva (1998). Discussão do objeto, objetivos, de metodologia e resultados obtidos no estudo de Selva. Levantamento de orientação questões ainda a serem observadas ou confirmadas. 2° Definição de participantes da pesquisa: crianças de uma mesma escola pública Encontro cursando alfabetização, 1ª, 2a, 3a e 4ª séries, incluindo faixas de escolarização de mais avançadas não observadas por Selva (1998). orientação Número de crianças a serem entrevistadas individualmente: 2 em cada série, totalizando 10 crianças. Formas de representação simbólica a serem comparadas: uso de material concreto e uso de lápis e papel. Definição de procedimentos metodológicos: Os problemas a serem resolvidos pelas crianças envolveriam diferentes significados (partição e quotição) e teriam ou não resto. Diferentemente de Selva (1998), a mesma criança resolveria o problema utilizando material concreto e depois lápis e papel. 3° Detalhamento da metodologia: Encontro - Contextos dos problemas: Uma festa para o dia das crianças envolvendo a de divisão de objetos familiares divisíveis, tais como sanduíches, cachorros- orientação quentes e brigadeiros. (Outros contextos inicialmente pensados foram substituídos, como baralho, por ser inadequado para subdividir resto). - Dois conjuntos de 4 problemas seriam resolvidos, um conjunto com material manipulativo e outro conjunto de problemas a ser resolvido com uso de lápis e papel. Metade dos problemas seriam de partição e metade de quotição. 4 problemas teriam resto e 4 não teriam resto. Anais do VIII ENEM – Comunicação Científica GT 4 – Educação Matemática no Ensino Superior 11 TABELA 2.2. ACOMPANHAMENTO DA APRESENTAÇÃO DE UMA PESQUISA – CASO 1 Atividade Desenvolvimento Apresentação em Ao discutir com os colegas a sua proposta de pesquisa, a equipe fez uma sala de aula excelente síntese dos resultados obtidos por Selva (1998) e discutiu as comparações possibilitadas na sua replicação adaptada: entre as 5 séries, entre significados dados à divisão, entre formas de representação simbólica utilizada para resolver os problemas e entre problemas com ou sem resto. A equipe também compartilhou que ao iniciar a sua coleta observou que teria que variar a ordem de uso de representações simbólicas pois utilizar material concreto sempre antes poderia estar influenciando nas representações escritas das crianças as quais estavam se utilizando muito dos desenhos dos objetos mencionados nos problemas. Sessões de Dados muito interessados foram apresentados num pôster atrativo e pôsteres muito bem organizado. A equipe tinha clareza de como significados, representações, necessidade de dar um tratamento ao resto e níveis de escolarização poderiam influenciar a resolução de problemas de divisão. A equipe reconheceu a necessidade de ampliar a sua amostra para poder generalizar os resultados obtidos. Uma das componentes da equipe, professora em exercício de uma escola municipal, deu o depoimento de como a realização da pesquisa a fez desejosa de investigar sistematicamente o conhecimento de seus alunos. A apresentação na sessão de pôsteres para o Centro de Educação foi enriquecida com a discussão com a professora que havia realizado a pesquisa que inspirou a investigação efetuada pela equipe. Pode-se observar nas Tabelas 2.1 e 2.2 que esta equipe desde o início agiu com seriedade e organizou-se muito bem em todas as etapas propostas: na leitura cuidadosa do texto sugerido, na identificação dos elementos de pesquisa deste texto e na proposição de uma investigação que poderia replicar resultados obtidos anteriormente e que pudesse de alguma forma contribuir para os estudos realizados sobre a divisão. A equipe também apresentou sua pesquisa de forma muito organizada, tanto em sala de Anais do VIII ENEM – Comunicação Científica GT 4 – Educação Matemática no Ensino Superior 12 aula para seus colegas de turma de Metodologia do Ensino da Matemática quanto para outros alunos do Centro de Educação – inclusive para alunos de pós-graduação – e para os professores de outras disciplinas. Esta equipe parece ter percebido o valor desta atividade investigativa deste o início. Num dos encontros de orientação a professora da disciplina questionou a equipe sobre o que iriam aprender com a realização da pesquisa e a equipe respondeu que aprenderia bastante para a prática educativa delas. Esta afirmativa da equipe denota o reconhecimento dela de que atos investigativos são necessários para um exercício eficiente da docência. O estudo cuidadoso do texto que relatava uma pesquisa anteriormente relacionada com o mesmo objeto de estudo possibilitou a estas graduandas anteciparam as maiores dificuldades que os alunos teriam na pesquisa ao resolverem problemas de divisão. Elas também foram alertadas sobre contextos que fariam sentido para as crianças e objetos que naturalmente poderiam ser subdivididos, utilizando-se assim de um contexto significativo para os alunos. A partir do estudo de pesquisas anteriormente realizadas e da realização de pesquisas durante a sua graduação estas professorandas podem antecipar algumas das dificuldades que seus alunos demonstrarão ao lidarem com problemas de divisão. Conhecendo estas possíveis dificuldades e confirmando-as quando estiverem no exercício da docência as auxiliará na mediação da aprendizagem desta operação. A segunda equipe, a partir do texto sugerido (de Nunes, Campos, Magina e Bryant, 2001) e considerando a experiência de um dos componentes da equipe na Educação de Jovens e Adultos, decidiu experimentar uma intervenção que objetivava ensinar o algoritmo da multiplicação a partir de procedimentos já anteriormente conhecidos pelos participantes. A metodologia sugerida partia de procedimentos menos formais para mais formais: primeiramente resolução oral, seguida de resoluções escritas (inicialmente por meio de heurísticas, seguida de resolução por meio do algoritmo longo e finalmente por meio do algoritmo curto da multiplicação). Anais do VIII ENEM – Comunicação Científica GT 4 – Educação Matemática no Ensino Superior 13 TABELA 3.1. ACOMPANHAMENTO DO DESENVOLVIMENTO DE UMA PESQUISA – CASO 2. Atividade Desenvolvimento 1° Escolha do tema: Estabelecendo conexões entre a lógica e os algoritmos da Encontro multiplicação e da divisão a partir da leitura e discussão dos estudos propostos de por Nunes, Campos, Magina e Bryant (2001). Discussão do objeto, objetivos, orientação metodologia e resultados obtidos nos estudos descritos em Nunes et al. (2001). Escolha de participantes da pesquisa: alunos da Educação de Jovens e Adultos. A partir da experiência em sala de aula (de EJA) a equipe decidiu investigar como auxiliar os alunos a conectar seus conhecimentos orais e de heurísticas aprendidos fora da sala de aula com os algoritmos aprendidos na escola. 2° Redefinição dos participantes: alunos de EJA e de 2ª série para possibilitar a Encontro observação da eficácia de uma intervenção na qual os alunos de diferentes de idades partiriam de procedimentos informais e construiriam uma compreensão orientação de procedimentos formais. Definição de procedimentos metodológicos: os alunos resolveriam problemas por meio de procedimentos orais, depois por escrito através de heurísticas e finalmente por escrito através de algoritmos convencionais. Definição das operações a serem trabalhadas: - um algarismo por dois algarismos: 5 x 16 e 8 x 16 - dois algarismos por dois algarismos: 21 x 12 e 24 x 18. 3° Decisão de apresentar as operações dentro de contextos significativos para os Encontro participantes: agrupamentos de camisas para os adultos e de brinquedos para as de crianças, por exemplo. orientação Apresentação e discussão dos resultados obtidos com a turma de EJA. A equipe propôs comparar a intervenção efetuada numa turma de EJA com dois grupos de crianças de 2a série – um grupo de escola particular e outro de escola pública. Os alunos propuseram que as mesmas operações fossem efetuadas por todos os participantes mas que os contextos variassem de acordo com as faixas etárias trabalhadas de modo a fazer uso de contextos significativos para cada uma. Anais do VIII ENEM – Comunicação Científica GT 4 – Educação Matemática no Ensino Superior 14 TABELA 3.2. ACOMPANHAMENTO DA APRESENTAÇÃO DE UMA PESQUISA – CASO 2 Atividade Desenvolvimento Apresentação em A equipe iniciou com a discussão do texto de Nunes et al. (2002) sala de aula destacando como as mesmas propriedades – comutativa e distributiva – estão presentes nos procedimentos orais e escritos de diferentes naturezas (heurísticas e algoritmos). Partindo desta observação o grupo sugeriu que esta poderia ser uma forma eficiente de intervir em sala de aula: fazendo os alunos perceberem que nos seus procedimentos aprendidos fora da escola utilizavam-se os mesmos princípios usados nos procedimentos escolares formais. Ao apresentar a sua proposta de pesquisa a equipe apresentou o dado preciso de participantes: 15 alunos de uma turma de alfabetização na EJA, 10 alunos de 2a série de uma escola particular e 33 alunos desta mesma série de uma escola pública. Sessões de Apresentação de diferentes procedimentos orais e heurísticas pôsteres desenvolvidos por adultos e crianças antes do ensino formal de algoritmos e de como a intervenção foi bem sucedida no sentido de levar os alunos a observarem as semelhanças entre procedimentos informais - pessoais e formais – convencionais. Pode-se observar nas Tabelas 3.1 e 3.2 como a equipe foi gradativamente refinando as comparações que desejavam efetuar. O interesse da equipe na realização da pesquisa estava evidente em todas as fases de planejamento, execução e socialização da investigação realizada. A equipe constantemente relacionava os produtos obtidos na pesquisa com a sua prática futura em sala de aula. Reconheceram que há muitas maneiras diferentes de se efetuar multiplicações e esta variedade deve ser explorada em sala de aula para o enriquecimento da compreensão desta operação. Estes dois casos descritos exemplificam bem duas possibilidades de pesquisas a serem realizadas pelos professores em sala de aula: 1) a investigação de conhecimentos já possuídos pelos alunos e de fatores que influenciam a compreensão de conceitos e 2) a investigação de formas de auxiliar os alunos no seu desenvolvimento conceitual. Anais do VIII ENEM – Comunicação Científica GT 4 – Educação Matemática no Ensino Superior 15 CONCLUSÃO A proposta de envolver alunos de graduação, especificamente graduandos em Pedagogia, em processos de elaboração, execução e análise de pesquisas foi bem sucedida, pois a maioria dos alunos evidenciou, durante os encontros e nas apresentações, bem como ao responder os questionários, como a experiência tinha sido uma das mais ricas em sua formação inicial. Ao responderem as perguntas do questionário também ficou evidenciado que os professorandos reconheciam que processos investigativos realizados em sala de aula têm que ser realizados com clareza de objetivos e por meio de métodos condizentes com o que se propõe investigar. Em todas as etapas desta proposta, tanto nos encontros de orientação, quanto na coleta de dados, na apresentação de resultados obtidos e nos depoimentos dos graduandos ficou claro o quanto os alunos passaram a dar importância à pesquisa em sua formação, valorizando-a como instrumento de aprimoramento, construção e investigação de sua prática. Aqueles alunos que já possuíam experiência em sala de aula também demonstraram grande interesse pela pesquisa pois puderam entender mais profundamente algumas das relações observadas em suas salas de aula. Com a atividade proposta os graduandos puderam vivenciar passos necessários para a realização de uma pesquisa, tendo contato prático com seus elementos essenciais (objetivos, fundamentação teórica, metodologia, analise de resultados e conclusões) aliados à observação da realidade escolar. Pesquisas anteriormente estudadas passaram a ter um sentido maior quando os graduandos se envolveram nestes processos investigativos. Puderam, assim, confrontar, confirmar ou ampliar os resultados e encaminhamentos metodológicos destes estudos anteriormente estudados. Desta forma, a atividade proposta foi significantemente relevante para a aprendizagem dos alunos de Pedagogia, atingindo o objetivo de fazê-los refletir sobre a importância de uma prática investigativa cotidiana, tornando-se, assim, professores pesquisadores. Palavras-chave Pesquisa Formação de professores Anais do VIII ENEM – Comunicação Científica GT 4 – Educação Matemática no Ensino Superior 16 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS DEMO, P. 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