Relato do trabalho com uma turma de 3 anos, desenvolvido
pela Profª Stefânia Padilha Costa, na Escola Municipal Prof.
Christovan Colombo, Belo Horizonte*1
No início do ano, quando assumi uma turma de crianças de 3 anos( 13 meninos e 7
meninas,) consultei a ficha individual de cada uma delas e percebi que a grande maioria
morava próximo à escola, situada numa comunidade pobre e com uma riqueza cultural
significativa, contando com várias entidades organizadas e muitos grupos envolvidos em
atividades artísticas. Outra característica marcante era a constituição das famílias,
geralmente avós, tias, primos, todos morando juntos, sendo a maioria esmagadora de
mulheres. Poucos membros com emprego definido e as mães das crianças, na maioria,
eram muito novas. Apesar desse aspecto comum, eram bem diversificadas as
experiências sócio-culturais das crianças. A presença da figura paterna em apenas
algumas famílias diferenciava bem as estruturas familiares. Também a opção de credo era
bem diversificada.
Percebendo que apenas 3 crianças já tinham experiência escolar anterior, defini que o
primeiro grande objetivo seria uma acolhida que trouxesse segurança afetiva para as
crianças. Na sua acolhida, organizo o espaço com muitos brinquedos e com pratos com
coisas gostosas. Também não planejo nenhuma atividade coletiva coordenada por mim,
sempre apostando no poder dos brinquedos como auxiliares na sedução por aquele novo
espaço, em princípio, “ameaçador”. Aos poucos, as crianças vão se encaminhando para os
brinquedos e fico liberada para acolher, dar colo, distrair um possível choro. Considero
importante optar por muito aconchego e tolerância e menos exigências nesse princípio. A
hora das regras e limites tem que acontecer, mas depois, no tempo e na necessidade
adequados, pois considero fundamental contribuir com a formação ética das crianças.
Além de considerar as vivências das crianças como ponto de partida para o
desenvolvimento do meu trabalho,
minha experiência como professora e os
conhecimentos que construí no meu processo formativo, aliados às definições do Projeto
Político Pedagógico da minha escola, também indicavam intenções anuais gerais que
precisavam ser consideradas ao pensar no trabalho para aquele ano. Mas só conhecendo
a turma eu poderia fazer um desenho melhor dessas intenções. Por isso o tempo de
adaptação (para as crianças e para a professora) foi vivido sem ansiedade.
Nesse tempo, procurei aprofundar minha pesquisa sobre a realidade, as necessidades e
os interesses específicos daquele grupo de crianças, buscando articulá-los às intenções
educativas apropriadas para o desenvolvimento de crianças de 3 anos. Assim, pude
decidir quais objetivos e conteúdos selecionar para aquela turma, naquele ano. Essa é
sempre uma tarefa desafiadora, pois vai indicar a qualidade do trabalho educativo. Para
enfrentar esse desafio, conto com duas atividades que são grandes aliadas de qualquer
professor de Educação Infantil: o brincar, pois é nessa atividade que as crianças mais se
revelam, e o cantar, pois elas adoram e se acalmam na realização dessa atividade,
tornando-se mais receptivas às outras propostas. Uma postura de escuta/leitura do grupo
também é determinante.
Neste sentido, nesse ano e para essa turma considerei importante :
•
Integrar as famílias ao trabalho: aos 3 anos, é ainda mais evidente que a criança não
está solta no mundo. Tem uma família, raízes, histórias que a constituem. Queria
acolhê-las por inteiro e cada família decidiu quando e com qual atividade estaria
conosco numa tarde.
•
Oportunizar a formação do aprendiz, que precisa formar uma primeira imagem positiva
desse espaço educativo, para seguir vida afora sentindo muito prazer em descobrir o
novo, aprender, aprender e gostar disso. Para isso, em cada situação, será necessário
oferecer oportunidades e diferenciar as estratégias para todos desenvolverem suas
capacidades nas diferentes dimensões humanas ( ética, ecológica, sócio-emocional,
cognitiva, física).
1
*Relato de Experiência retirado do 3º capítulo do livro “Currículo na Educação Infantil: diálogo com
os demais elementos da proposta pedagógica” de Fátima Salles e Vitória Faria. Editora Ática , 2012, 2ª
edição (no prelo).
•
Possibilitar a ampliação do conhecimento de mundo, de acordo com as demandas e
curiosidades do grupo, bem como sua habilidade, cada vez maior, para definir, com
mais objetividade, o quê, de fato, as intriga e querem investigar, buscar respostas às
suas perguntas e interpretá-las de forma pessoal, mas sempre num patamar mais
avançado de sua lógica.
•
Favorecer situações onde as diferentes linguagens apareçam com riqueza,
estimulando as crianças a construírem essa capacidade que mediará sua relação com o
outro e com o mundo da cultura.
•
Priorizar o favorecimento de experiências que possibilitem o desenvolvimento da
linguagem oral, entendendo o poder da estruturação da fala na estruturação do
pensamento. Destaca-se aqui a necessidade de oferecer oportunidades para a
ampliação do vocabulário e a construção de narrativas, com a valorização das
experiências já vividas e a pronúncia das palavras, grande dificuldade dessa turma.
Criar diversas oportunidades para a turma sair dos muros da escola e conhecer outros
espaços naturais e culturais, entendendo a cidade como espaço a ser explorado.
•
Diante dessas intenções e percebendo a agitação do grupo e a dificuldade de
concentração por muito tempo e num mesmo aspecto ou na professora, logo descobri que
aquele grupo exigiria um trabalho focado em atividades significativas e em atividades
diversificadas. Assim, essas seriam as principais estratégias metodológicas a utilizar. Seria
em pequenos grupos que eu iria perseguir as conquistas individuais. Mas, como é
fundamental para um aprendiz ampliar sua capacidade de atenção e a disciplina mental
para concentrar por mais tempo numa conversa, numa pessoa ou numa atividade
coletiva, estive o tempo todo perseguindo a atenção coletiva: no tempo das rodinhas de
planejamento e conversas, bem como no momento das histórias.
As brincadeiras coletivas de pátio ajudavam muito na construção do sentimento de
pertencimento a um grupo, retirando as crianças do egocentrismo natural dessa fase da
vida e estimulando-as à descentrar seu pensamento.
Com o tempo, as crianças foram se organizando e definindo melhor suas preferências.
Gostavam de todas as atividades que íamos definindo, construindo juntas: pintura,
modelagem, desenho, recorte/colagem, dança/música, circuitos, jogos, brincadeiras, fazde-conta, registros do vivido, histórias, poesias, dramatizações, experimentações, etc. Mas
dentre as linguagens, a cênica era de longe a preferida. Sendo a dramatização o que mais
entusiasmava as crianças, ela foi uma estratégia muito usada: as histórias eram
dramatizadas coletivamente, como se fosse um circuito - todos realizando os movimentos
do lobo e vencendo obstáculos - e, aí, se privilegiava o movimento. Ou eram dramatizadas
em pequenos grupos, privilegiando a desinibição, a linguagem oral e a apropriação da
história. A linguagem cênica também foi usada para interagir e compreender o mundo que
os rodeia, como quando exploramos, depois de nossa ida ao zoológico, a diferença dos
hábitos das cobras perigosas e das não perigosas: as crianças “cobras peçonhentas” se
escondiam em buracos e saiam só à noite, quando a lua e a coruja apareciam, para se
alimentar. Já as crianças “cobras não peçonhentas” ficavam em árvores e saiam para
buscar alimentos quando o sol aparecia e o galo cantava.
No tempo das experimentações, tinha sempre o cientista (ajudante do dia) chegando com
sua mala, cheio de caras , bocas e novidades dentro da maleta, como: imãs, lanternas,
balões, seringas, conta-gotas. Esses objetos sempre indicavam determinadas
ações/experimentações.
Também aprendi que diante das dificuldades, como as que enfrentei nessa turma
(extrema agitação e pouquíssima concentração para a escuta), não devemos desistir de
nossas intenções, mas adaptá-las à nossa realidade. Aos 3 anos, as atividades de culinária
são muito atraentes, tanto pelo prazer de saborear algo com amigos, como pelo prazer de
participar do seu preparo, observando as várias transformações dos ingredientes. Essa
turma concentrava um grande número de crianças agitadas e várias eram também
agressivas. No início, fiquei receosa em realizar várias atividades “bacanas”, depois fui
aprendendo que, se eu refletisse mais sobre as formas de organizar as crianças, o espaço
e o tempo, não precisaria desistir de nada. Para fazer salada de frutas com crianças de 3
anos agitadas, usando facas, por exemplo, teria que usar pratos individuais e não um
tabuleiro, onde as várias facas se cruzariam. E cada fruta estaria num nível de preparo
adequado à habilidade das crianças - assim tudo daria certo.
Enfim, vivemos mais um ano de muitas aprendizagens, apesar de terminá-lo pensando
que, no próximo, seria mais produtivo e mais tranquilo.
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