ANÁLISE&PERSPECTIVAS por | RITA ASCENSO fotografia | RICARDO GOMES “Temos uma forma passiva de estar…” Hélder Gonçalves, investigador Principal do Departamento de Energias Renováveis do INETI fala-nos das soluções do Edifício Solar do INETI e do actual momento. “Temos legislação desde 2006 que não é solicitada no momento próprio em alguns sítios deste país. A esta cultura do deixa andar, do há-de passar, depois altera-se etc…, juntam-se outras dificuldades manifestadas pelas pessoas que andam no mercado… Eu diria que este novo quadro regulamentar não teve o impacto esperado, nomeadamente o nível da obrigatoriedade do solar”. Durante este tempo temos visto muito poucas instalações como esta. Mesmo sendo um caso emblemático e premiado, já podíamos ter muitas “edifícios solares” no país? De facto já podíamos estar noutro patamar apesar de eu sentir que há muitos projectos a mexer que introduzem alguns dos conceitos que aqui estão incorporados. Mas se quer que lhe diga também não estava à espera que este exemplo se replicasse de uma maneira idêntica, tendo em conta a especificidade das tecnologias e soluções que aqui encontramos. Resumidamente, quais são essas soluções? Aquilo que é fundamentalmente o “ex libris” deste edifício é a integração do fotovoltaico com um aproveitamento duplo que não existe na maior parte destes sistemas. Nós aqui recuperamos a energia eléctrica produzida e recuperamos o calor produzido pelo fotovoltaico. Pelo efeito de convecção, aquecemos o interior do edifício. Não há portanto solar térmico… Temos o fotovoltaico mas integrado de raiz no edifício. Normalmente o fo32 | Janeiro/Fevereiro climatização tovoltaico surge nos edifícios já construídos na cobertura quando é muito importante que a integração destas tecnologias se faça logo na origem ou pensada aquando das reabilitações. É isso que vale a pena e que funciona. Quer as reabilitações quer os novos edifícios têm que ser pensados de raiz e projectados com a integração de várias soluções. Como é conseguida a energia térmica neste edifício? O aquecimento no Edifício Solar resulta de uma complementaridade do projecto de arquitectura que aponta para a energia solar passiva. Grande parte do aquecimento que aqui temos resulta do solar passivo, aquilo que os edifícios podem ganhar “per si”. Temos um clima magnífico e portanto podemos tirar partido dele para conseguirmos os 22 graus que temos nesta sala, neste momento, sem aquecimento auxiliar. Primeiro, é preciso alertar os arquitectos para este tipo de soluções, apontadas por todos os estudos e tendências como urgentes. Obviamente que este sistema tem que ser complementada pela eficiência energética do edifício etc… Depois, é sabido que, no Inverno, esta solução deverá ser acompanhada por aquecimento auxiliar a utilizar quando necessário. Há dias que não temos sol. O que nós fazemos é utilizar os colectores solares para irmos armazenando energia para quando for precisa. Senão chegar, temos uma caldeira. As pessoas quando ouvem falar em solar passivo, entendem esta solução como única e suficiente… É o ponto de partida mas não resolve tudo. Resolve grande parte das necessidades e em climas mais amenos, como no Algarve, eu diria que para 90% das soluções, o solar passivo seria suficiente. Mas em Portugal, de uma maneira geral, precisamos do aquecimento no Inverno. Temos que ter primeiro a estratégia do solar passivo, depois a do solar activo, seguidas dos sistemas convencionais. E é nessa integração que devemos caminhar? Exactamente. O que nós fizemos aqui foi a integração do solar fotovoltaico onde, do ponto de vista térmico, retiramos algum calor… Há ainda poucos casos dessa integração? Estamos atrasados. Há muitos edifícios com o solar térmico para apoio ao aquecimento central. Temos pouco fotovoltaico. Começa a existir a integração das duas tecnologias em moradias em consequência da legislação da microgeração e por os promotores entenderem que essa solução pode ser uma mais valia diferenciadora. O actual momento não está a ajudar muito mas o futuro passará pela integração de algumas das soluções que temos aqui. Em Portugal tudo se passa de uma forma muito lenta mas as coisas climatização Janeiro/Fevereiro | 33 ANÁLISE&PERSPECTIVAS vão acontecendo. Fiz parte do júri do recente “Green Award” e vi projectos muito interessantes que demonstram a nossa capacidade. Como é feito o arrefecimento? Essa é outra novidade deste edifício. Trata-se de um arrefecimento passivo, o chamado “ground cooling”. Não nos podemos esquecer que os edifícios de serviços são os que representam maiores consumos energéticos no sector e muito devido aos sistemas de ar condicionado e na fase inicial deste projecto procurámos desde logo pensar numa possível redução. Primeiro havia que identificar de onde vinham esses consumos. Rapidamente chegamos à iluminação e ao ar condicionado. No primeiro caso, dependendo do projecto de arquitectura pode-se chegar a ganhos muitíssimo importantes. Nos edifícios com grandes cargas, o ar condicionado é indispensável ao conforto das pessoas mas existe uma faixa de edifícios, onde se enquadra o Edifício Solar, em que se podem conseguir situações de conforto adaptativo com outro tipo de sistemas. Neste caso, este edifício não tem um sistema de ar condicionado tem com um conjunto de estratégias de arrefecimento passivo que passa pela existência de permutadores de calor no solo, o que vai arrefecer o edifício no verão porque temos temperaturas de verão no solo muito mais baixas que a temperatura do ar o chamado “ground cooling” ou arrefecimento pelo solo. De uma forma muito sintética, como funciona esse sistema? É um sistema de arrefecimento do ar. O ar é arrefecido no solo e injectado nos edifícios a 21 ou 22 graus. O que representa, entre aspas, um bom sistema de ar condicionado sem os custos tradicionais operativos comuns a estes sistemas. 34 | Janeiro/Fevereiro climatização Porque é que esta solução não é mais utilizada? Ou seja quais as suas desvantagens? Esta é uma solução com muitas limitações. Tem limitações de espaço, porque normalmente precisamos de muito espaço pela dimensão que os tubos ocupam. Quanto maior for o comprimento dos tubos, maiores são as trocas efectuadas e mais eficiente é o sistema. Por outro lado, a construção deste sistema não é fácil, requer alguma manutenção especial. Os sistemas a água, ao contrário deste que é a ar, são sistemas mais fáceis de conseguir. Para um sistema destes a ar, como é feita a manutenção da qualidade do ar interior? Esse é outro problema. Temos 2 tipos de filtros à entrada do ar e temos recolhido amostras para ir garantindo essa qualidade. E a questão da renovação do ar como é conseguida? Este edifício é muito especial pelas suas características, dimensão e taxa de ocupação. É fácil as pessoas gerirem in- “Neste momento vivemos uma mudança que vai ser recordada nos próximos séculos. Vai ser um marco histórico porque existe algo que se passa em pouquíssimo tempo. Em 6 meses os preços energéticos mundiais das matérias primas baixam a pique, o que causa uma perturbação “causa-efeito” nos investimentos”. ANÁLISE&PERSPECTIVAS dividualmente o seu conforto e abrirem e fecharem as janelas quando querem. Por outro lado, a ventilação nocturna é fundamental. Temos aqui sistemas de ventilação nocturna a funcionar quer pelo átrio central, quer pelo topo das escadas. mado conforto adaptativo e funciona muito bem dentro deste edifício. Para além das médias das temperaturas ideais há a questão da humidade relativa que contribui para o conforto e produtividade… Talvez este seja um caso ímpar por tudo o que já falámos mas de facto este ambiente é muito confortável para quem cá trabalha. Para além dessas características especiais, para se conseguir essa integração e aplicação dos sistemas passivos, é também necessário ter uma envolvente especial de forma a garantir uma boa qualidade do ar… De facto existe uma grande interacção do edifício com o exterior e estes jardins ajudam. Uma solução nem sempre possível… Esta solução a ar é por vezes difícil de conseguir mas as soluções a água são possíveis e cada vez se utilizam mais. O princípio é o mesmo, existe um permutador de calor só que o fluido passa a ser água em vez de ar. Estamos a falar da geotermia. Exactamente. Mas curiosamente, este tipo de sistemas a ar está a utilizar-se mais em moradias. Existe um conjunto de 180 moradias no Algarve em Vila do Bispo, no âmbito de um projecto europeu (Cool House), que avançou com este sistema de arrefecimento passivo. Não acredito que haja uma grande replicação dos sistemas a ar pelas dificuldades que oferecem mas acredito numa grande replicação destes sistemas a água. Nos edifícios de habitação ou outros com baixas cargas térmicas as soluções passivas tem mais sucesso mas o mesmo na se verifica em edifícios de maior dimensão. O ar condicionado é inevitável… Eu já vi estas soluções aplicadas a 36 | Janeiro/Fevereiro climatização Para além das moradias, temos bastantes edifícios com estas características e que podiam ter a mesma solução… Não temos por várias razões. O pouco conhecimento da generalidade dos um grande edifício com um sistema de pré arrefecimento. Ou seja, esta é uma filosofia que pode ser complementada e integrada em outros sistemas e é já uma realidade muito utilizada lá fora não como uma solução mas como um complemento. Uma parte da solução. Se olharmos para o lado económico e de poupança energética, encontramos outros sistemas interessantes como é o caso do evaporativo, com a vantagem da filtragem do ar. Essa hipótese foi considerada? Não foi aplicada porque tinha havido um conjunto de experiências lá fora menos felizes com o evaporativo. Com este sistema que temos e sem grande influência da humidade, a temperatura à saída que conseguimos é de 22 graus. Nos verões de 2006 e 2007, que foram muito quentes, nos dias em estavam quase 40 graus lá fora, nós aqui tínhamos 28 graus. Se calhar não é uma temperatura ideal de conforto mas não nos podemos esquecer que com esta diferença não havia choques térmicos, logo a sensação é de conforto. É o cha- promotores leva-os a seguir outros caminhos. Os técnicos que são contratados não arriscam a propor estas soluções por medo ou por não dominarem a sua prestação e eficiência. Se calhar nós próprio não conseguimos fazer passar a mensagem… Há um conjunto de factores que podem ser enumerados mas sobretudo, estou convencido que as pessoas pensam que estas soluções são muito caras. E não são? O caro é relativo. Neste momento este edifício produz 80% das suas necessidades em termos de energia eléctrica. “Vamos ter a necessidade de que os edifícios, as vilas, aldeias, cidades… tenham menos consumos energéticos e que sejam o mais possível auto sustentáveis. Isto implica que passem a haver pequenos sistemas que produzam a energia necessária para um determinado espaço”. ANÁLISE&PERSPECTIVAS Ao mesmo tempo é necessário termos uma base de dados do que é feito cá. No último projecto que fizemos neste sentido e que já tem anos, tínhamos apenas 40 edifícios e nunca mais foi feito nenhum outro levantamento. Hoje surge essa necessidade também para conhecer as prestações energéticas dos edifícios etc… Este é um bom momento… Há momentos em que há uma confluência de factores que pode ser negativa ou positiva. Infelizmente vivemos no passado momento bastantes negativos. Não havia um Governo sintonizado com as ideias que lhe chegavam ou dificuldades de entendimento com os promotores… Houve grandes desfasamentos e se falarmos dos grandes projectos, tal como a Caixa Geral de Depósitos, as ideias surgiram. Houve um projecto muito interessante para o Centro Cultural de Belém com a integração de soluções inovadoras, mas as coisas nunca se concretizaram. Não era o momento, provavelmente. Quanto custou este edifício? 800 euros o metro quadrado. Mas eu tenho uma redução da factura energética de 80%. É preciso fazer contas entre o investimento inicial, o tempo de retorno e as vantagens posteriores. Qual o balanço neste caso? Quando se fazem as contas do fotovoltaico pensa-se sempre na tarifa da microgeração. Só que nós aqui não vendemos à rede mas se vendêssemos e depois fossemos comprar, a rentabilidade seria muito maior e o retorno ao investimento seria mais rápido. Mas claramente que vai haver retorno muito rapidamente. O edifício da Caixa Geral de Depósitos instalou há uns meses a maior cen38 | Janeiro/Fevereiro climatização tral térmica da Europa e o edifício é recente. Na altura da construção do edifício, a conjuntura outra, a energia estava baixa. Nos anos 90 que foram anos de um verdadeiro “boom” construtivo perdemos a oportunidade de implementar estas medidas que hoje existem. Por outro lado é preciso perceber o que existe no nosso país. Recentemente apresentámos a necessidade da criação de uma rede de edifícios bioclimáticos no sentido lato. Não só bioclimáticos mas que englobe vários conceitos como é o caso, por exemplo, do solar passivo, eficiência energética, sustentabilidade… Queremos reunir as pessoas para troca de informação à volta de um portal e assim partilhar ideias e experiências. O momento foi criado à força do lado do Governo que se viu agora obrigado a legislar nesse sentido? Houve também um grande empurrão das questões ambientais que ajudaram a Europa a decidir pelas questões energéticas. O momento começou a alterar-se aí. Em Portugal há algo que é estrutural e que nos condiciona a todos sem darmos por isso. Temos uma forma passiva de estar e não damos saltos para a frente. Somos renitentes na adopção de novas soluções… O melhor exemplo é o que se passa de há 2 anos para cá desde que a legislação saiu. Os novos regulamentos estão cá fora mas continuamos a sentir um certo “laisser faire laisser passer” generalizado. Eu estive há dias numa parte do país em que pura e simplesmente estas questões são ignoradas. Na fase de licenciamento as Câmaras não pedem sequer os projectos. Temos legislação desde 2006 que não é solicitada no momento próprio em alguns sítios deste país. A esta cultura do deixa andar, do há-de passar, depois altera-se etc…, juntam-se outras dificuldades manifestadas pelas pessoas que andam no mercado e que se queixam dos preços estarem altos no caso dos equipamentos do solar térmico ou da instalação final, etc… Temos tudo preparado desde 2004, os regulamentos saíram em 2006, estamos em 2009, passaram 6 anos e vê-se muito pouco! Mais, vêem aí novas regras com o processo de revisão da Directiva. Eu diria que este novo quadro regulamentar não teve o impacto esperado, nomeadamente ao nível da obrigatoriedade do solar. Estou sempre em contacto com promotores, arquitectos, projectistas.... e sinto isso de uma forma muito clara. Não nos podemos esquecer que embora o processo de certificação energética tenha começado mais tarde, os regulamentos deviam ter começado a ser aplicados no momento em que saíram em 2006 e nessa altura o solar passou a ser obrigatório. Quem diz o contrário não está a ser rigoroso. Temos um clima com um potencial fabuloso a nível do solar mas a realidade é esta. Esta edifício solar do INETI já foi feita há algum tempo… Já temos mais de 2 anos de operação completa. Estamos a viver uma conjuntura mundial contraditória também a nível mundial… Neste momento vivemos uma mudança que vai ser recordada nos próximos séculos. Vai ser um marco histórico porque existe algo que se passa em pouquíssimo tempo. Em 6 meses os preços energéticos mundiais das matérias primas baixam a pique, o que causa uma perturbação “causa-efeito” nos investimentos. Havia tecnologias solares principalmente no fotovoltaico que eram economicamente viáveis quando o barril do petróleo chegou aos 100 dólares. Neste momento vivemos uma incerteza climatização Janeiro/Fevereiro | 39 ANÁLISE&PERSPECTIVAS muito grande e os investimentos neste tipo de energia, que são muitos à escala mundial e aqui em Portugal, é o caso de uma fábrica nova de fotovoltaico que vai abrir em breve, poderão sofrer com este contexto. Os investidores estão cépticos. Uma coisa é o caminho natural outra são os factores recentes de crise mundial que podem ajudar travar este impulso. Estes aspectos, relacionados com a inovação tecnológica e respectivos investimentos, podem ser postos em causa e serem adiados para daqui a alguns anos. Ainda que do ponto de vista global haja esta consciência e o caminho aponte para as renováveis, até porque as outras fontes de energia estão a começar a escassear, vivemos um momento de grande contradição em que outras prioridades que resultam desta crise podem prevalecer. Poderemos estar a viver uma crise de meia dúzia de anos, até porque o preço do petróleo e derivados tem tendência a subir e o caminho do solar é seguro. A questão é que podemos perder mais tempo. O caminho está feito de qualquer modo… Está mas quem é que tem que o seguir? Desde logo os Governos têm que dar margem em termos financeiros para a continuidade da investigação em novas tecnologias etc. Há um quadro de investigação que está a ser pensado neste momento para fazer um “push” muito grande na Europa. Uma coisa que aconteceu e passou despercebida foi a criação da EERA anunciada por Sarkosy (ver pág. 56), uma rede e aliança entre laboratórios de energia na Europa, precisamente para estas questões ganharem dimensão estratégica e da qual Portugal faz parte através do INETI. Temos que dar um salto e investir em novas tecnologias porque aquilo que hoje existe já tem bastantes anos. Apesar dos programas operacionais que há 40 | Janeiro/Fevereiro climatização ao nível da investigação, a realidade é que estamos a ficar para trás ao nível do que se passa no Japão e Estados Unidos da América. Os edifícios auto sustentáveis do ponto de vista energético, os chamados “net 0 energy buildings” são um objectivo? Estamos um passo mais à frente na perspectiva do que será o futuro dos edifícios. Essa é uma mudança brutal. Os edifícios vão passar a ser electroprodutores e termo produtores porque produzem o que consomem… É uma prioridade destas movimentações porque estamos a falar de sistemas integrados e centralizados… Já existem vários exemplos destes edifícios Temos que pensar a 50 anos. Mas esse conceito passa porque mudanças? Vamos ter a necessidade de que os edifícios, as vilas, aldeias, cidades… tenham menos consumos energéticos e que sejam o mais possível auto sustentáveis. Isto implica que passem a haver pequenos sistemas que produzam a energia necessária para um determinado espaço. A tradicional visão das centrais eléctricas tipo carregado e outras que produzem e distribuem energia, via rede nacional para todo o país, começa a ter menos impacto. Está a falar de sistemas como aquele que existe na zona da Expo que produz e alimenta todo aquele espaço… Exactamente, onde se produz calor e frio para aquela zona. Vê essa realidade possível cá em Portugal a médio prazo? O tempo é muito relativo, ainda mais em Portugal, quando se quer muito as coisas nascem, como foi por exemplo o caso da EXPO98.