CENAS DE UM CASAMENTO Há 17 anos, quando eles se casaram, aconteceu o maior pé d’água. A irmã da noiva presa na costureira, onde tinha ido buscar seu vestido de madrinha, um irmão do noivo no salão de festas colocando o vinho para gelar, a noiva no cabeleireiro, que entre um trovão e outro tentava ajeitar a grinalda, enquanto o maquiador pintava de azul as pálpebras da mocinha. - Cadê os cílios postiços? – perguntava Fabinho, colocando as mãos na cabeça com medo do barulho no céu. Ai meu Deus!!! - Estão na caixinha amarela, dentro da minha bolsa – a noiva dizia, segurando o choro ao lembrar-se que o carro estava estacionado a três quarteirões. - Não tem nada aqui. Você não trouxe os cílios??? Há 17 anos, como uma noiva se atrevia a se casar sem cílios postiços? - Procura aí no chão pedacinhos de cílio para eu colocar no olho dela – pediu Fabinho para a manicure. Tenho certeza que hoje eu cortei um de uma cliente que estava com os cílios enormes. E enquanto a noiva ajudava a buscar cílios no chão, o noivo, na casa dele, tentava ajeitar o topete que, por causa da chuva, insistia em despencar. - Beth, traz a brilhantina. - Mas no dia do seu casamento você vai colocar brilhantina na cabeça? – indagava a irmã, tentando contornar o pavor dos raios. E ainda havia a mãe para completar a cena. - Ih, meu filho, você experimentou a calça no alfaiate com outro sapato, este tem salto mais baixo, a calça esta arrastando no chão. Tira que eu faço a bainha correndo. - Que isso, mãe, de chapéu, saia longa e costurando? Vou de calça arrastando e brilhantina. Na casa da noiva, o fotógrafo se inquietava. - Se ela não chegar agora, não vai dar tempo. Telefona para ela. Manda vir depressa – ele suplicava para Geraldina, a cozinheira. - Tá doido? Pegar no telefone com esses raios? Não falo de jeito nenhum. Mas, tinha que dar certo. Que chuva poderia ser mais forte que um amor? A noiva chegou, com os pés ensopados, vestiu o vestido de organiza com renda, ficou linda, como ficam lindas todas as noivas, e tirou fotos, muitas. Quando chegou à igreja, os convidados, amassados pela chuva, só falavam do temporal. - Que azar, hein? Você comia na bacia? Quem come na bacia é que casa em dia de chuva – perguntava uma tia, toda alegre. E eles se casaram e tentaram ser felizes para sempre. Realizaram sonhos, como o de ter filhos, casa própria e carro. Acreditaram no trabalho e trabalharam no que acreditaram. Tentaram ser simples e justos, errando aqui e ali, porque em 17 anos sempre acontecem erros e arrependimentos. Em alguns momentos se machucaram, em outros pediram perdão. Perderam a conta dos sorrisos a dois. Enfrentaram o desemprego, a falta de dinheiro, muitos dias de chuva e de sol escancarado, desilusões, doenças, mortes de parentes e amigos. Já se foram o pai da noiva, que entrou tão orgulhoso na igreja, e o pai do noivo, um homem manso de poucas palavras. Mudaram de apartamento, de hábitos e de interesses. Casaram em preto e branco no álbum de fotografias, passaram para a tevê a cores e hoje filmam gracinhas dos filhos no vídeo. Desenvolveram a arte de tolerar, ouvir e ceder. Foram – e por que não? – teimosos e indecisos. Mas, sempre tentaram ser felizes para sempre. Bem, ele engordou 25 quilos, ela, para não ser indelicada com a heroína desta história, acrescentou mais seis na silhueta. E como o tempo passou e os costumes mudaram, depois de 17 anos, sabe o que noiva de cílios postiços disse, dia desses, para o noivo de topete de brilhantina? - Você quer casar comigo?