Escola de Formação Política Miguel Arraes TEXTO DE REFERÊNCIA Módulo III Gestão das Políticas Públicas Aula 2 Formulação e Implementação de Políticas, Programas e Projetos Públicos Helvio Moisés1 Sumário MOTIVOS E CONDICIONANTES DE PROCESSOS DE PLANEJAMENTO: INTRODUÇÃO CONCEITUAL LINHA DO TEMPO - MARCOS DO PLANEJAMENTO GOVERNAMENTAL PLANO DE GOVERNO, PLANOS ESTRATÉGICOS SETORIAIS E PLANO PLURIANUAL PLANO POLÍTICO DE GOVERNO PLANO ESTRATÉGICO SETORIAL Metodologias de planejamento estratégico Passo a passo do planejamento estratégico setorial PPA – PLANO PLURIANUAL Conceitos em Planejamento e Orçamento Governamental Relação entre Políticas Públicas – exemplos na esfera municipal Relação entre PPA, LDO e LOA PARTICIPAÇÃO SOCIAL A escada da participação Desafios ao gestor Bibliografia 1 Biólogo e Mestre em Educação pela USP, é professor de planejamento e gerenciamento de programas para gestores governamentais e presta assessoria em gestão ambiental. É autor de artigos sobre planejamento, gestão ambiental, desenvolvimento local e sustentabilidade. Escola de Formação Política Miguel Arraes MOTIVOS E CONDICIONANTES DE PROCESSOS DE PLANEJAMENTO: INTRODUÇÃO CONCEITUAL A prática do planejamento parece inerente aos grupos humanos, pois deve ocorrer pelo menos desde quando combinavam a estratégia da caçada ou a semeadura que garantiria mais tarde a colheita2. Embora possamos valorizar a espontaneidade, exercitamos o planejar em muitas de nossas decisões, em especial as que se referem ao uso de recursos escassos, que envolvem outras pessoas ou que tendem a ter alta repercussão no futuro. É o caso da escolha da carreira profissional, da compra da casa própria e da participação em um movimento social. O estranho seria improvisá-las. Geralmente a decisão de planejar é tomada quando o sujeito, influenciado por seus valores e pelas circunstâncias, mobiliza-se para superar um problema ou satisfazer um desejo, suprir uma necessidade ou realizar uma obrigação. Se na esfera pessoal o planejamento pode significar um simples exercício mental individual, quando se trata de organizações – empresa, associação, partido político, governo – tende a ser um processo institucionalizado, orientado por um método definido e do qual resulta um plano documentado. Encontramos referências teóricas e metodológicas sobre planejamento pelo menos desde que Sun Tzu, há cerca de 2400 anos, escreveu a Arte da Guerra. Mas foi no século XX que o desenvolvimento do capitalismo suscitou teorias sobre administração que orientassem o gerenciamento das empresas e acabou por popularizar conceitos e metodologias de planejamento e gestão. Assim, já na primeira década do século inicia-se a difusão do taylorismo 3 e das reflexões de Webber sobre a organização burocrática, bem como a chamada teoria clássica da administração, de Henri Fayol. 4 A emergência da União Soviética em 1917 cria uma nova configuração sócio - política, que supervaloriza a prática do planejamento estatal. O Estado Soviético estabelece a propriedade social dos meios de produção e assim elimina os mecanismos da economia de mercado que regulam a produção e o consumo. Para equacionar a alocação de recursos e a distribuição de produtos passa, 2 Muito provavelmente, os grupos primitivos nunca se deram conta disso, porque o planejamento só é valorizado quando se desacredita do destino. Se a riqueza estava na natureza ou na divindade que dava a caça e a colheita, e não no trabalho, a prática do planejamento era percebida apenas como um fazer, e não como um saber-fazer. 3 Taylorismo é o modelo de administração de empresas desenvolvido pelo americano F. W. Taylor, que colocou o planejamento como um dos quatro princípos da “Administração Científica”, ao lado dos princípios da preparação dos trabalhadores, do controle e da execução. 4 Outras teorias - classificadas por Chiavenato (1999) nas abordagens humanística, neoclássica, estruturalista, comportamental, sistêmica e contingencial - surgem durante o século e influenciam as práticas empresariais e governamentais. Escola de Formação Política Miguel Arraes então, a fazer uso de ferramentas de planejamento como nos Planos Qüinqüenais, iniciados em 1928. No mundo capitalista, as fragilidades expostas pela crise econômica mundial de 1929 justificaram a prática e o desenvolvimento teórico sobre planejamento e a intervenção estatal na Economia, que teve em Keynes um importante aliado. A oportunidade do exercício de implementação de um amplo plano de desenvolvimento foi realizado no pós-guerra por meio do Plano Marshal, com efetivo sucesso na revitalização econômica das nações européias aliadas. Procurando estabelecer os elementos essenciais de qualquer processo de planejamento, verificamos que mesmo em modalidades tão diversas como planejar uma obra de engenharia (fim pré-definido, controle unilateral de todos os passos do processo, previsibilidade dos acidentes de percurso) e planejar a atuação de um batalhão em guerra (fim indeterminado, controle interativo – em que cada um é parcialmente comandado pela ação do opositor), tudo parece se resumir a um sujeito individual ou coletivo que concebe uma estratégia (seqüência ordenada de ações) para alcançar um objetivo desejado. O diagrama a seguir acrescenta alguns outros elementos conceituais a essa visão geral dos fatores que influenciam o sujeito que planeja e dos passos da espiral do processo de planejamento. Escola de Formação Política Miguel Arraes Problema Oportunidade Necessidade Obrigação Poder/Governabilidade Capacidade VONTADE DECISÃO Conhecimento das causas e circunstâncias Avaliação Indicadores Objetivos Diretrizes Critérios Prioridades Seleção de soluções Metas Estratégias Efeitos RECURSOS Princípios Valores SUJEITO AÇÕES Plano Programas = Projetos e Atividades Figura 1 – Espiral do planejamento e condicionantes. (Elaboração própria). Estabelecido o objetivo, o sujeito escolherá os meios (a estratégia) conforme a orientação que decorre de seus valores e conforme os recursos de que dispõem (capacidade) e o seu grau de autonomia / poder / autoridade / legitimidade para realizar o planejado (governabilidade). Cada estratégia corresponde a uma seqüência de ações a realizar, conforme os efeitos que se espera alcançar. Deve ser prevista, então, a permanente observação das mudanças da realidade (os efeitos sensíveis) para avaliar se o problema está sendo mesmo resolvido, a oportunidade aproveitada, a utopia alcançada. O PLANO DE GOVERNO, OS PLANOS ESTRATÉGICOS SETORIAIS E O PLANO PLURIANUAL (PPA): CONHECIMENTO, NEGOCIAÇÃO E COMPROMISSOS Escola de Formação Política Miguel Arraes O planejamento das ações de governo responde a necessidades políticas, a exigências constitucionais e a conveniências gerenciais. A Constituição Federal de 1.988 determina que as ações governamentais do poder executivo nas esferas municipal, estadual e federal sejam previamente definidas e orçadas, editadas em forma de lei e votadas nas casas legislativas de cada esfera. São previstos três instrumentos de planejamento e orçamento (Art. 165): Plano plurianual - PPA Diretrizes orçamentárias - LDO Orçamentos anuais - LOA O PPA é um plano de médio prazo com vigência de quatro anos. Sua preparação se dá no primeiro ano e seu início no segundo ano de mandato do governante recém-eleito, enquanto a LDO e a LOA têm vigência anual. Além destes, a Constituição exige que o governo federal remeta ao Congresso Nacional um Plano de Governo por ocasião da abertura da sessão legislativa, devendo tratar da “situação do País e as providências que julgar necessárias” (Art. 84, XI). O mesmo pode ser exigido de governadores e prefeitos se na Constituição Estadual ou Lei Orgânica Municipal assim tiver sido estabelecido. Para os prefeitos um outro instrumento de planejamento é exigido na Constituição de 1988. Trata-se do Plano Diretor Municipal (Art.182), que se refere principalmente ao ordenamento territorial da cidade. Além destes, o Executivo deve elaborar os planos previstos na legislação das políticas públicas setoriais, tais como, na esfera federal, o Plano Nacional de Educação 5, Plano Nacional de Saúde6, Plano Nacional de Recursos Hídricos 7, Plano Nacional de Agroenergia 8 etc E pode desenvolver modalidades de planejamento participativo como o chamado OP - orçamento participativo e a Agenda 21 - plano estratégico de desenvolvimento sustentável, entre outros. PLANO POLÍTICO DE GOVERNO Antes da campanha, o candidato ao executivo dedica esforços para estudar a situação em que se encontra o País, o Estado ou o município e propor soluções aos problemas identificados. Assim, 5 http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/pne.pdf http://dtr2004.saude.gov.br/susdeaz/pns/arquivo/Plano_Nacional_de_Saude.pdf 7 http://pnrh.cnrh-srh.gov.br/ 8 http://www.agricultura.gov.br/portal/page?_pageid=33,2864458&_dad=portal&_schema=portal 6 Escola de Formação Política Miguel Arraes traça seu plano político de governo inicial e define seus projetos prioritários, antevendo a marca de seu governo. Nesse plano são esboçados, assim, intenções e compromissos iniciais do candidato, que serão enriquecidos conforme reivindicações e demandas de regiões e segmentos específicos se tornam conhecidos durante a campanha. Vencida a eleição, o governante desenvolve gestões políticas em busca do apoio dos parlamentares o que, em muitos casos, significa incorporar sugestões e assumir o compromisso de realizá-las. Em paralelo, estuda a Lei de Diretrizes Orçamentárias e o Orçamento Anual em vigor, para melhor conhecer os custos dos programas em desenvolvimento e a disponibilidade de recursos. O plano de governo assim ajustado serve de base para as conversas iniciais com os ministros ou secretários escolhidos. O governante lhes transfere as encomendas com as quais se comprometeu e, agora, a eles caberá “colocar em pé” as propostas e fazê-las andar. Para isso, os gestores de primeiro escalão podem promover a elaboração de Planos Estratégicos Setoriais. PLANO ESTRATÉGICO SETORIAL Cada ministro ou secretário deverá realizar uma avaliação dos programas em andamento e dos recursos com os quais contará. Poderá fazer, então, o planejamento estratégico9 setorial e elaborar um plano inicial que levará ao governante para aprovação. Quando elaborado com a participação dos gestores setoriais e com formas de consulta a servidores e representantes da sociedade civil, essa modalidade de planejamento poderá agregar muito do conhecimento sobre a realidade e as circunstâncias de realização das atividades governamentais, evidenciar possibilidades de parcerias com outros setores da municipalidade e com organizações da sociedade civil e favorecer o compromisso de todos para o alcance dos resultados esperados. Aprovado em suas linhas gerais pelo prefeito, os programas e projetos prioritários devem ser viabilizados em termos orçamentários e gerenciais e, então, executados e acompanhados. Metodologias de planejamento estratégico A construção do Plano Estratégico pode adotar abordagens, metodologias e técnicas diversas. 9 Planejamento estratégico: aquele voltado ao alcance de objetivos de médio ou longo prazo, em meio a ações e reações de iniciativa externa. Escola de Formação Política Miguel Arraes Têm sido muito utilizados no meio governamental o PES – Planejamento Estratégico Situacional10 e uma família de métodos simplificados a ele associados. O PES foi desenvolvido principalmente pelo chileno Carlos Matus, desde o fim do governo Allende, do qual foi ministro, até sua morte em 1998. É um método para a alta direção política de governo, que enfrenta problemas complexos e lida com diferentes atores que também planejam seus lances no jogo político. Versões mais simples são o MAPP – Método Altadir de Planejamento Popular11 e o PEP – Planejamento Estratégico Participativo12, mais adequados para tratar de poucos problemas de menor complexidade, ou o ZOPP – Planejamento de projetos orientado por objetivos13, voltado para a elaboração de projetos mais específicos. Essas metodologias de planejamento, que contam com a participação de diversas pessoas envolvidas com os problemas tratados, utilizam técnicas de mediação das reuniões (um moderador conduz o grupo) e de registro e visualização da produção do grupo em fichas coloridas. Para realizar o plano estratégico setorial, o gestor pode, por exemplo, percorrer o caminho abaixo sugerido, para melhor conhecer a situação encontrada e tomar as primeiras decisões. Passo a passo do planejamento estratégico setorial A identidade do setor: o A missão14, a visão15 e os valores16 do setor, os princípios das políticas públicas sob sua responsabilidade e as obrigações legalmente estabelecidas. As demandas e expectativas da sociedade o Os principais problemas17 a enfrentar, suas causas18 e conseqüências19. Quem ganha e quem perde com sua solução. O valor político da solução dos problemas (para o 10 http://bases.bireme.br/bvs/sp/P/pdf/saudcid/vol2_06.pdf http://bases.bireme.br/bvs/sp/P/pdf/saudcid/vol2_07.pdf 12 http://asplan.uern.br/pages/pdi/docs/PlanejamentoEstrat%E9gico_Participativo.pdf 13 http://www.participando.com.br/metodologia/zopp_pcm.asp 14 Missão: a razão de ser da organização: o que ela faz e, se necessário, para quê e como faz. Ex: Zelar pela boa e regular aplicação dos recursos públicos (Secretaria Federal de Controle Interno – CGU) 15 Visão: a expectativa da organização para um horizonte de tempo estratégico definido pelos planejadores a médio ou longo prazo. Ex: Em 2008, a Sabesp será referência de implementação de política pública. Será uma empresa dotada de organização simples, flexível e ágil, atuando por intermédio de Unidades de Negócio, alinhadas por políticas institucionais e coordenadas pela alta administração, para assegurar a sinergia entre a descentralização e os objetivos corporativos. 16 Valores: a declaração dos valores ou princípios da organização deve expressar os seus limites éticos e servir de orientação para o comportamento de seus gestores e agentes. 11 17 Problema: situação negativa reversível, identificada por um sujeito que se mobiliza para a sua superação. Causa: é o fator determinante que provoca um efeito sensível (problema), ao qual se relaciona instantaneamente ou após certo prazo 19 Conseqüência: efeito sensível decorrente de um estado, de uma ação ou omissão. 18 Escola de Formação Política Miguel Arraes governante e os demais atores, os partidos políticos, a população afetada e a população geral). A definição dos objetivos e da estratégia o Estabelecido o problema e suas causas, são identificados o objetivo geral20 e os específicos21 das ações que devem ser realizadas, com os recursos (políticos, econômicos, cognitivos, institucionais) disponíveis. o São sugeridas diferentes formas de enfrentar o problema e escolhe-se uma dessas estratégias (seqüência ordenada de ações). o Responde-se às seguintes questões, sobre cada projeto ou programa: Por quê? - justificativa / entendimento do problema O quê? - a ação / estratégia a ser realizada Onde? - localização no espaço – área de influência das ações Para quem? - o público-alvo a ser atendido Para quê? - objetivos / resultados a atingir Como? – metodologia, ordem das ações, procedimentos Com quê? - os recursos necessários Com quanto? - recursos financeiros e materiais Com quem? - recursos humanos Quando? - localização no tempo – cronograma Quem? - responsável As condições do setor o Os pontos fortes22 e fracos23 do setor, bem como as ameaças24 e oportunidades25 que o ambiente oferece e as potencialidades a desenvolver. o A eficiência26 e eficácia27 dos programas que já eram desenvolvidos e uma estimativa da demanda reprimida. Definição de quais devem ser descontinuadas, os custos de sua desmobilização e o aproveitamento dos recursos liberados. 20 21 22 Objetivo geral: a alteração da realidade favoravelmente à solução de cada problema considerado relevante. Objetivo específico: a solução de cada uma das causas do problema. Ponto forte: vantagem interna do setor favorável ao alcance dos objetivos pretendidos. Pontos fracos: aspectos internos ao setor desfavorável ao alcance dos objetivos pretendidos. 24 Ameaça: aspecto negativo do ambiente com potencial de dificultar o alcance dos objetivos ou comprometer vantagens internas. 25 Oportunidade: situação existente favorável para o alcance de um objetivo almejado ou com o potencial de fazer crescer vantagens internas. 23 Escola de Formação Política Miguel Arraes o Ajustar as ações em andamento e previstas às diretrizes estratégicas28 do plano político de governo. o Definir os procedimentos legais e institucionais que deverão ser realizados para garantir legitimidade às iniciativas. A execução da estratégia O acompanhamento das ações e seus resultados o Promover a permanente avaliação e replanejamento. O Plano Estratégico setorial servirá não só de orientação para o início dos trabalhos, como será a base para a elaboração do Plano Plurianual do setor. 26 Eficiência: compara as realizações, os resultados e/ou os impactos com os recursos (em especial os financeiros) utilizados para atingi-los. Eficácia: quando o resultado desejado é inequivocamente alcançado. Comparação entre as realizações, os resultados e/ou os impactos efetivos com os que eram esperados ou estimados. 28 Eixos de atuação ou conjuntos de atividades-fim ou de macro-processos. 27 Escola de Formação Política Miguel Arraes Escola de Formação Política Miguel Arraes Figura 2. Planejamento estratégico organizacional. Elaboração FUNDAP, 2005. Escola de Formação Política Miguel Arraes PPA – PLANO PLURIANUAL A rigor, tudo o que gera despesa e consome recurso orçamentário deve estar previsto no PPA, bem como na LDO e LOA - lei de diretrizes orçamentárias e lei orçamentária anual. O PPA é um plano de médio prazo com vigência de quatro anos. Sua preparação se dá no primeiro ano e seu início no segundo ano de mandato do governante recém-eleito, enquanto a LDO e a LOA têm vigência anual. No PPA são explicitados os programas a desenvolver, precedidos da declaração dos princípios que orientaram as escolhas das diretrizes e prioridades de governo. Para cada programa, devem ser detalhados os objetivos, metas e indicadores, tanto para os projetos que demandam despesas de capital (investimentos) como para os programas de duração continuada (custeio). Participação da Sociedade Civil PPA Plano Plurianual Atividades Marca de Governo Projetos prioritários Diretrizes de Governo Promessas de Campanha Programas Planos Estratégicos Setoriais Agenda Política Ações Projetos Plano de Governo Demandas Políticas Demandas Sociais Marcos Legais LOM, LOAS; LDB; ECA; ... Figura 3. Condicionantes do PPA. Escola de Formação Política Miguel Arraes Em muitos casos, o PPA e as leis orçamentárias são tratados como instrumentos de planejamento e acompanhamento das ações de governo. Em outros, são vistos como peças formais de interesse exclusivo do setor de planejamento e finanças. A desejável participação social é exigência legal, ao menos por meio de audiência pública, visando melhor ajustar as prioridades de aplicação dos recursos às necessidades sociais do município. Conceitos em Planejamento e Orçamento Governamental O Poder Executivo, responsável pelo sistema de Planejamento e Orçamento, segue os princípios básicos para elaboração e controle definidos principalmente na Constituição Federal, na Lei nº. 4.32029, de 17/03/1964 e na Lei Complementar nº. 101, de 4/05/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal). Na estruturação do PPA, ação é um termo genérico que representa tanto uma atividade como um projeto, que são os elementos resultantes do desmembramento de um programa. Projeto é uma ação temporária, destinada a criar novos produtos, implantar infra-estrutura ou desenvolver novos processos, com início, desenvolvimento e término predefinidos. Atividade é uma ação rotineira, continuada. Projeto é a construção de um hospital, que cria a infraestrutura de atividades de conservação da saúde, por exemplo. Por essa razão, o recurso orçamentário necessário à execução de um projeto é considerado investimento, enquanto o previsto à execução de uma atividade é considerado custeio. Programa é um conjunto de atividades continuadas e eventuais projetos, sem término predeterminado, que geralmente decorre de uma política pública e corresponde ao atendimento de um direito social. O Programa de Saúde da Família é um exemplo. 29 Lei que “Estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal”. Escola de Formação Política Miguel Arraes Programa Problema Oportunidade Estratégia : Meio Objetivo : Fim “Custeio” “Investimento” Ações (repetitivo) (único) Definição do Público-alvo Análise da Situação Recursos Valor Agregado • Humanos • Financeiros • Materiais • Normativos • Políticos Figura 4. Programa governamental. Elaboração: FUNDAP, 2005 É necessário escolher indicadores para medir e acompanhar a evolução das ações ou as mudanças da realidade. Indicadores são aspectos da ação e da realidade que podem ser expressos em termos numéricos. Atendimentos por dia, nascimentos por ano, renda média mensal, percentual de acertos, são alguns exemplos. Uma meta a alcançar corresponde a um valor previsto para determinado indicador em um dado momento futuro. Assim, pode-se prever atingir ou manter, num certo prazo, o valor expresso pela meta. Em outros termos, a meta corresponde ao grau de atendimento de um objetivo ao longo do tempo. Como exemplo, uma atividade poderia ter como meta atingir 20 atendimentos-hora até julho/2008, alcançar 30 atendimentos-hora a partir de dezembro/2008 e manter este valor até dezembro/2011. Busca-se, por meio do planejamento, garantir maior eficiência e eficácia às ações governamentais e maior efetividade às políticas públicas. Escola de Formação Política Miguel Arraes Uma ação é eficaz quando o resultado desejado é inequivocamente alcançado. É eficiente quando é feito muito com pouco, quando o gasto de recursos é pequeno em face dos resultados obtidos. Uma política pública é efetiva quando a realidade é transformada conforme previsto, em razão do esforço despendido pelo programa governamental. Assim, conforme o que se deseja acompanhar, devem ser escolhidos indicadores de andamento ou de resultado, de eficácia, eficiência ou efetividade. Relação entre Políticas Públicas – exemplos na esfera municipal O Poder Público municipal é o principal responsável por obras, serviços públicos e normas legais da maior relevância para a saúde ambiental e a qualidade de vida dos que nele moram, trabalham, estudam, empreendem, circulam e se divertem. É o principal protagonista na área de saúde pública e de educação pré-escolar e fundamental. Realiza obras de drenagem e de abertura e conservação de vias públicas e estradas vicinais; cria e mantém parques, praças e jardins; implanta e mantém a iluminação pública. Garante o abastecimento de água e o esgotamento sanitário; e realiza a coleta, o tratamento e a disposição final de resíduos. Pode desenvolver programas de combate à erosão, proteção de mananciais, controle do uso de agrotóxicos, educação ambiental etc. Deve manter a fiscalização permanente dos recursos ambientais, implantar unidades de conservação, manter o controle das atividades poluidoras e monitorar a qualidade ambiental de áreas críticas. Pode realizar o licenciamento ambiental de empreendimentos de impacto local Elabora, implementa e fiscaliza códigos e planos locais de organização territorial, de uso dos espaços públicos e de proteção ambiental, como a lei de zoneamento, o código ambiental, de obras, de posturas etc. Escola de Formação Política Miguel Arraes Muitas dessas atividades são desenvolvidas tradicionalmente por meio de programas continuados, cada qual da plena responsabilidade de setores definidos: Saúde, Educação, Obras, Serviços etc. O processo de elaboração do PPA, quando se inspira nos problemas que a sociedade manifesta, cria a oportunidade para a concepção de programas e normas focados não apenas nos setores da administração, mas no resultado esperado para o cidadão e o território. A diferença de enfoque possibilita que o problema de assoreamento do córrego que corta a cidade não seja resolvido apenas pelo desassoreamento realizado pelo setor de obras, mas contemple a recomposição da mata ciliar na zona rural, a edição de normas que regulem a movimentação de terra e minimizem as erosões urbanas, a varrição pública e o estabelecimento de locais para descarte de entulho, por exemplo. Assim, a abordagem à população em situação de rua não fica mais restrita ao setor de assistência social, mas se realiza com ações convergentes dos setores de saúde, educação e trabalho; ou o programa de recolhimento de embalagens de agrotóxicos, que passa a contar com ações dos setores de serviços públicos, meio ambiente, educação e agricultura, articulados por um mesmo programa. Relação entre PPA, LDO e LOA O Plano Plurianual contém as diretrizes, os objetivos e as metas da administração pública para despesas de capital, para outras delas decorrentes e para os programas de duração continuada. A Lei das Diretrizes Orçamentárias, com base nos programas enunciados no PPA, tem como objetivos fundamentais orientar a elaboração da lei orçamentária anual e sua execução, e dispor sobre as alterações na legislação. A LDO estabelece as metas e prioridades do Governo, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subseqüente, orienta as bases de elaboração da lei orçamentária anual, dispõe sobre as alterações na legislação tributária, sobre o equilíbrio entre receitas e despesas, sobre critérios e forma de limitação de empenhos nas hipóteses legais, sobre normas relativas ao controle de custos e dos resultados dos programas financiados com recursos dos orçamentos. Escola de Formação Política Miguel Arraes Normalmente a LDO compreende os seguintes documentos: 1) Mensagem – apresentando ao Legislativo as linhas gerais da proposta orçamentária. 2) Projeto de Lei – discorrendo sobre: • Disposições preliminares, sobre o conteúdo da LDO; • Prioridades e metas da administração; • Estrutura e organização do Orçamento; • Diretrizes para elaboração e execução do Orçamento. 3) Disposições sobre: • Despesas com Pessoal e Encargos sociais; • Receita e alterações na legislação tributária; • Dívida pública; • Disposições finais. O Orçamento Anual compreende o orçamento referente aos Poderes do Estado, seus fundos, órgãos e entidades da Administração direta e indireta. A lei orçamentária anual não deverá conter dispositivos estranhos à previsão da receita e à fixação das despesas, não se incluindo na proibição a autorização para abertura de créditos suplementares e contratações de operação de crédito, inclusive por antecipação de receita, nos termos da lei. A Constituição Federal prevê a possibilidade de emendas ao projeto de lei do orçamento anual, desde que compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias. PARTICIPAÇÃO SOCIAL A demanda por participação da sociedade na proposição e gestão das políticas públicas não fazia sentido no longo período da Primeira República30, marcado pelo domínio das oligarquias, nem teria encontrado solo fértil durante o período populista31, quando o governo adiantava-se aos movimentos sociais e implementava por sua iniciativa as reformas que esses reclamariam. Não apareceu, também, no período inicial da ditadura militar, que ativamente reprimia qualquer movimento que buscasse afirmar direitos sociais. 30 31 De 1989 a 1930 De 1930 a 1964. Escola de Formação Política Miguel Arraes Os primeiros relatos de participação popular na gestão pública reportam experiências que confrontavam os limites impostos pela ditadura, ao final dos anos 1970, ocorridas em cidades governadas pelo partido de oposição – o MDB. Eram não só meios de construção de espaços democráticos substantivos, como estratégias de desenvolvimento político que apontavam para a continuidade das políticas públicas para além da gestão de governo. Vivia-se o início da crise que solaparia as bases sociais, econômicas e políticas da ditadura militar no Brasil. Quando a nova Constituição Federal é desenhada ao final dos anos 80, o modelo de democracia que se estabelece mescla a eleição de representantes com a participação direta por meio de proposição de projetos de lei de iniciativa popular, de direito a voz em audiências públicas e de compartilhamento de decisões em conselhos gestores de fundos e de políticas públicas setoriais (saúde, educação, assistência social, meio ambiente, política urbana, previdência). Esses avanços nas relações entre a sociedade e o Estado suscitaram a abertura de cada vez mais espaços para a participação do chamado terceiro setor – as organizações da sociedade civil que desenvolvem atividades de caráter público32 - na execução de políticas públicas, em especial a partir de meados de 1990. Esse modelo passa a ter, então, a oposição sistemática de parcelas da esquerda ideológica que, ao perceber o deslocamento para a sociedade de responsabilidades que até então caberiam ao Estado assumir, nele vêem a afirmação de teses do neoliberalismo. Por outro lado, sobre o exercício da participação social na gestão pública, uma das críticas mais contundentes refere-se às diferenças entre o discurso politicamente correto comum à direita e a esquerda e a prática dissonante das experiências conhecidas, muitas das quais não vão além da simples manipulação, como bem elucida a “escada da participação”, que resenharemos a seguir. A Escada da Participação A médica Sherry Arnstein, que atuou como consultora em participação popular junto ao Ministério da Habitação e Desenvolvimento Urbano dos EUA, publicou um texto muito 32 ONGs – Organizações Não-Governamentais e OSCIPs – Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público. Escola de Formação Política Miguel Arraes citado33 que parte da afirmação de que a legítima participação é “a estratégia pela qual os sem-nada se integram ao processo de decisão acerca de (...), quais os objetivos e quais as políticas públicas que serão aprovadas, de que modo os recursos públicos serão alocados, quais programas serão executados e quais benefícios, (...), estarão disponíveis.”34 Identifica, então, 8 graus de participação, que lhe permite qualificar práticas desenvolvidas em alguns programas governamentais. Seguem referências de seu texto que caracterizam cada um dos degraus de participação. Oito degraus da escada da participação cidadã 8 Controle cidadão 7 Delegação de Poder 6 Parceria 5 Pacificação 4 Consulta 3 Informação 2 Terapia Níveis de poder cidadão Níveis de concessão mínima de poder Não-participação 1 Manipulação A manipulação ocorreria, por exemplo, quando pessoas são convidadas a participar de conselhos consultivos sem real poder de decisão. No lugar da genuína participação, o real propósito dos seus promotores seria “coletar informações” e obter o apoio da comunidade para o projeto que pretendem desenvolver, sem sequer informar suficientemente sobre seus custos e suas conseqüências. A terapia corresponde a, no lugar de responder às necessidades do cidadão e enfrentar suas causas, envolvê-lo em processos e práticas de terapia de grupo direcionados a “curá-lo de suas patologias”. 33 Escada da participação cidadã. Revista da Associação Brasileira para o Fortalecimento da Participação – PARTICIPE, Porto Alegre/Santa Cruz do Sul, v. 2, n. 2, p. 4-13, jan. 2002. 34 Esta definição exclui a participação de muitos setores sociais relevantes, como os sindicatos de empregados e patronais, igrejas e denominações religiosas, associações comunitárias etc. Escola de Formação Política Miguel Arraes A informação designa processos que podem ser o primeiro passo rumo á efetiva participação do cidadão, quando alcançam seu objetivo de informá-lo de seus direitos, responsabilidades e opções. Mas realizam-se com ênfase na mão única da informação – dos técnicos para o cidadão. Assim, as pessoas têm pouca possibilidade de influenciar o programa que foi definido para “seu benefício”. A consulta, que ocorre quando se solicita a opinião dos cidadãos, pode ser um passo legítimo rumo à participação. Mas, se a consulta não estiver integrada a outras formas de participação, não oferece nenhuma garantia de que as preocupações e idéias dos cidadãos serão levadas em consideração. Os instrumentos mais utilizados para consultar a população são pesquisas de opinião, assembléias de bairro e audiências públicas. Quando os tomadores de decisão restringem as contribuições dos cidadãos apenas a este nível, a participação permanece apenas um ritual de fachada. O que os cidadãos conseguem em todas estas atividades é que “participaram da participação”. E o que os tomadores de decisão conseguem é a evidência de que cumpriram as normas de envolver “aquelas pessoas”. No nível da pacificação, os cidadãos passam a ter certa influência, mas com muitas limitações. Um exemplo dessa estratégia, que serve para acalmar os ânimos, consiste em colocar algumas pessoas “confiáveis” em colegiados deliberativos em que a prerrogativa de decidir sobre a legitimidade e a viabilidade das sugestões apresentadas pelos cidadãos se mantém nas mãos de alguns “tomadores de decisão”. O grau de pacificação dos cidadãos depende, basicamente, de dois fatores: a qualidade da assessoria técnica independente que eles recebem para definir suas prioridades e o grau de organização da comunidade. Na parceria há, efetivamente, uma redistribuição de poder através da negociação entre cidadãos e tomadores de decisão. Ambos os lados concordam em compartilhar o planejamento e as responsabilidades de tomada de decisão através de estruturas, tais como conselhos paritários, comitês de planejamento e mecanismos de solução de conflitos. A parceria funciona melhor se existir uma efetiva organização popular na comunidade que mantém as lideranças responsáveis em prestar contas de seus atos; quando a organização comunitária dispõe dos recursos financeiros necessários para pagar às lideranças algum tipo de compensação pelo seu trabalho; e quando a organização tem os recursos para contratar (e demitir) seus próprios técnicos, advogados e agentes de desenvolvimento. Com estes Escola de Formação Política Miguel Arraes ingredientes, os cidadãos têm uma capacidade real de influenciar os resultados do plano (pelo menos, enquanto ambas as partes acharem que vale a pena manter a parceria). Havendo delegação de poder, estamos em um ponto no qual os cidadãos têm em mãos as principais cartas do jogo, maioria dos votos e atribuições claramente definidas para garantir que o programa atenda aos interesses da comunidade. Divergências com os grupos poderosos podem ser resolvidas de forma negociada, sem a necessidade de se organizar pressão. No caso do controle cidadão, a população está simplesmente querendo certo grau de poder (ou controle), que garanta que os moradores possam gerir um programa público ou uma organização, assumindo a responsabilidade pela definição das ações e os aspectos gerenciais, sendo capaz de negociar as condições sob as quais “externos” poderão introduzir mudanças. O modelo mais definido é o de uma organização comunitária que tenha acesso direto á fonte de financiamento sem precisar de intermediários para a produção de bens ou serviços públicos de seu interesse. Desafios ao gestor A partir principalmente dos anos 90, diversas experiências de participação social no orçamento público realizadas no Brasil passaram a fornecer um riquíssimo material para reflexões de cunho político e acadêmico sobre a participação social. Não sendo este um espaço para uma leitura aprofundada dessas iniciativas, cumpre-nos apenas apontar alguns dilemas dos gestores desses processos de Orçamento Participativo, para exemplificar a gama de variações que encontramos entre elas. Deveriam ser chamados para as assembléias as organizações da sociedade ou os cidadãos? Qual seria o caráter das assembléias, consultivo ou deliberativo? Que método utilizar para informar sobre o orçamento e para incorporar as sugestões? As decisões deveriam ser tomadas com base no número de votos ou por meio de ponderações que levassem em conta a carência, a urgência, a quantidade de pessoas beneficiadas? As decisões deveriam ser tomadas por comitês setoriais ou pelas plenárias? Que parcela do orçamento destinar por meio deste processo participativo? Que papel reservar à Câmara dos Vereadores? Como promover o acompanhamento da execução orçamentária? Escola de Formação Política Miguel Arraes Aqueles que vivenciaram experiências de Orçamento Participativo certamente identificaram, a par de suas singularidades, a provocação de transformações na cultura burocrática do poder público e na cultura política dos representantes do governo e da sociedade, bem como a fertilidade dos processos participativos de planejamento e gestão. Bibliografia Arnstein, Sherry R. Uma escada da participação cidadã. Revista da Associação Brasileira para o Fortalecimento da Participação – PARTICIPE, Porto Alegre/Santa Cruz do Sul, v. 2, n. 2, p. 4-13, jan. 2002. ("A Ladder of Citizen Participation," Journal of the American Planning Association, Vol. 35, No. 4, July 1969, pp. 216-224) Arroyo Marcos. Planejamento: exercitando a democracia, in Coleção Pedagógica - Cadernos de apoio, São Paulo : Instituto Cajamar, 1996. Daniel, Celso. Gestão local e participação da sociedade. Fundação para o desenvolvimento Administrativo – FUNDAP. Gestão Estratégica: planejamento e gerenciamento de programas e projetos. São Paulo, 2005. Fundação Prefeito Faria Lima – Cepam. Plano Diretor passo a passo. São Paulo, 2005. Fundação Prefeito Faria Lima - Cepam. Política Municipal de Meio Ambiente. São Paulo, 1991. Fundação Prefeito Faria Lima – Cepam. PPA: o município no rumo certo. São Paulo, 2005. Huertas, Franco. Método PES: entrevista com Matus/Franco Huertas : FUNDAP, São Paulo, 1996. Macruz, J.C, Moreira, M. O estatuto da cidade e seus instrumentos urbanísticos. LTR Editora. São Paulo, 2002. Matus, C. Adeus Senhor Presidente. Fundap. São Paulo, 1996. Moisés, H.N. Agenda 21 local, in Cadernos do Projeto Entre Serras e Águas. Secretaria do Meio Ambiente – SMA/SP, 1998. Moisés, H.N. Município rede - planejamento, desenvolvimento político e sustentabilidade, in Cenários e perspectivas - o Município no século XXI. Fundação Prefeito Faria Lima – Cepam. São Paulo, 1999. Monteiro, Yara Darcy Police (coord.). 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