UNIVERSIDADE FEDERAL DE LAVRAS APLICAÇÕES DAS ENZIMAS EM DIAGNÓSTICO MOLECULAR: DESENVOLVIMENTO DE UM REAGENTE ENZIMÁTICO PARA DETERMINAÇÃO DE LACTATO EM FLUIDOS BIOLÓGICOS. ROSCELLI SETTE SILVA MAIOLINI LAVRAS MINAS GERAIS - BRASIL 2009 ROSCELLI SETTE SILVA MAIOLINI APLICAÇÕES DAS ENZIMAS EM DIAGNÓSTICO MOLECULAR: DESENVOLVIMENTO DE UM REAGENTE ENZIMÁTICO PARA DETERMINAÇÃO DE LACTATO EM FLUIDOS BIOLÓGICOS. Monografia apresentada ao Departamento de Bioquímica da Universidade Federal de Lavras, como parte das exigências do curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Química, para a obtenção do título de Especialização. Orientador Prof. Dr. Walclée de Carvalho Melo Co-orientador Dr. Márcio Henrique Lacerda Arndt LAVRAS MINAS GERAIS – BRASIL 2009 ROSCELLI SETTE SILVA MAIOLINI APLICAÇÕES DAS ENZIMAS EM DIAGNÓSTICO MOLECULAR: DESENVOLVIMENTO DE UM REAGENTE ENZIMÁTICO PARA DETERMINAÇÃO DE LACTATO EM FLUIDOS BIOLÓGICOS. Monografia apresentada ao Departamento de Bioquímica da Universidade Federal de Lavras, como parte das exigências do curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Química, para a obtenção do título de Especialização. Aprovada em de de Prof. Prof. Prof. Dr. Walclée de Carvalho Melo UFLA (Coordenador do curso) LAVRAS MINAS GERAIS – BRASIL 2009 RESUMO Esta monografia pretende fazer uma abordagem geral das propriedades das enzimas enfatizando a especificidade enzimática, o que permitiu grande desenvolvimento da enzimologia com aplicações em diversas áreas como na indústria farmacêutica, indústria de alimentos, Indústria do álcool, papel, celulose, etc. Na indústria de Diagnóstico Molecular o avanço foi significativo propiciando o desenvolvimento de reagentes de fácil aplicação laboratorial e alta especificidade o que gerou resultados cada vez mais exatos e importantes para as decisões médicas. O Lactato, importante analito plasmático encontrado em casos de exercícios severos, convulsões, acidose respiratória, etc. pode ser quantificado por meio de um reagente enzimático-colorimétrico que após testes de validação e análise de desempenho passou a ser fabricado pela BioTécnica Indústria de Diagnóstico in vitro. Palavras-chaves: enzimas; especificidade; diagnóstico molecular; Lactato; reagente enzimático; validação. SUMÁRIO LISTA DE FIGURAS ........................................................................................................................ 5 LISTA DE TABELAS ....................................................................................................................... 6 1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................................. 7 2. OBJETIVOS.................................................................................................................................. 10 2.1. Objetivo Geral.............................................................................................................................. 10 2.2. Objetivos específicos.................................................................................................................... 10 3. DESENVOLVIMENTO TEÓRICO........................................................................................... 11 3.1. Enzimas........................................................................................................................................ 11 3.2. Propriedades das Enzimas............................................................................................................ 12 3.3. O centro ativo enzimático............................................................................................................. 13 3.4. Desnaturação e Inibição Enzimáticas........................................................................................... 14 3.5. Importância do estudo das Enzimas e suas aplicações gerais....................................................... 15 3.5.1. Importância Clínica................................................................................................................... 16 3.5.2. Importância Prática.................................................................................................................... 16 3.6. Enzimas como reagentes analíticos em Diagnóstico Molecular................................................... 19 3.7. Exemplos de reações enzimáticas no Diagnóstico Molecular..................................................... 20 3.8. Fabricação de Reagentes/Kits para Diagnóstico Molecular.......................................................... 22 3.9. Desenvolvimento de um reagente enzimático na Indústria de Diagnóstico in vitro.............................................................................................................................. 22 3.10. A importância do Lactato no Diagnóstico Clínico..................................................................... 23 3.11. O Reagente Lactato..................................................................................................................... 25 3.11.1. Composição do Reagente......................................................................................................... 26 4. Resultados obtidos no desenvolvimento do Reagente de Lactato BioTécnica......................................................................................................................................... 27 5. Considerações Finais.................................................................................................................... 33 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA................................................................................................ 34 ANEXOS........................................................................................................................................... 36 LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Comportamento cinético do reagente de Lactato após adição de amostra biológica (Reação de Ponto Final)..................................................................................................................... 27 Figura 2 - Teste de precisão mostrando distribuição de 20 determinações de uma amostra em torno da média no eixo Y e com escalas de três desvios padrões abaixo e acima da média.................................................................................................................................... 28 Figura 3 - Linearidade: correlação entre as absorvâncias obtidas e as concentrações de Lactato (Coeficiente de correlação) r = 0,9997................................................................................ 28 Figura 4 - Teste de Estabilidade do Calibrador de Lactato em condições de estresse (A absorvância em função do Tempo em dias)................................................................................................... 29 Figura 5 – Análise Estatística do Teste de Sensibilidade Metodológica do Reagente de Lactato. Gráfico da média das dosagens de amostras de baixa concentração de Lactato em função do Coeficiente de Variação de tais amostras....................................................................... 30 Figura 6 - Teste de Correlação do Reagente de Lactato Trinder e Reagente de Lactato LDH UV (Lactato Desidrogenase Ultravioleta).................................................................................. 31 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Valores de referência para o Lactato................................................................................... 25 Tabela 2 - Exatidão: determinação da concentração de lactato em relação aos soros controles e seus respectivos desvios em relação ao valor esperado (Recuperação)..................................... 29 Tabela 3 - Dados referentes a Figura 5: Teste de Sensibilidade Metodológica do Reagente de Lactato............................................................................................................................... 30 Tabela 4 - Teste de Reprodutibilidade do Reagente de Lactato BioTécnica......................................... 31 1. INTRODUÇÃO As enzimas são essenciais para a vida já que apresentam uma eficiência catalítica extraordinária, em geral muito maior que dos catalisadores sintéticos ou inorgânicos. Elas têm um alto grau de especificidade por seus substratos (molécula que se liga ao sítio ativo e sofre ação da enzima), aceleram as reações químicas de uma maneira formidável e funcionam em soluções aquosas sob condições muito variáveis de temperatura e pH. Com exceção de um pequeno grupo de moléculas de RNA que apresentam propriedade catalítica, todas as enzimas são proteínas terciárias e quaternárias com propriedades catalíticas devido sua capacidade de ativação específica dos seus substratos. Tal definição indica as propriedades características das enzimas, que, por sua vez governam os fundamentos dos métodos de análise enzimática. “Pelo fato de serem proteínas com estrutura terciária ou quaternária, as enzimas são dotadas de dobramentos tridimensionais em suas cadeias polipeptídicas, o que lhes confere uma forma característica e exclusiva. Assim, diferentes enzimas têm diferentes formas e, portanto, diferentes papéis biológicos. As proteínas, como uma classe de moléculas, são altamente eficientes na catálise de diversas reações químicas, por causa da sua capacidade de se ligar especificamente a uma larga variedade de moléculas. Pela utilização de um repertório completo de forças intermoleculares, as enzimas aproximam substratos a uma orientação ótima, o prelúdio do fazer e quebrar ligações químicas. Em essência, elas catalisam reações pela estabilização dos estados de transição, as espécies químicas de maior nível de energia nos caminhos das reações. Fazendo isto seletivamente, uma enzima determina qual das reações químicas potenciais realmente ocorre. As enzimas podem também agir como interruptores moleculares, na regulação da atividade catalítica e na transformação de energia, por causa da sua capacidade de acoplar as ações em centros de ligação separados.” (STRYER, L.1996) A determinação de um analito em qualquer amostra biológica se baseia primariamente na reação do analito que se deseja avaliar, qualitativa ou quantitativamente, com um ou mais reagentes visando a formação de um produto, que podem ser identificado visualmente ou medido através de um equipamento. O trabalho no Laboratório Clínico baseia-se, quase na sua totalidade, no uso de reagentes que produzem as reações desejadas e específicas, formando os produtos indicadores da reação. Na grande maioria das vezes, os reagentes utilizados na análise instrumental ou quantitativa devem gerar produtos, cuja quantidade pode ser medida com a utilização de equipamento como o fotômetro e o espectrofotômetro. Os dados obtidos são comparados com padrões para se obter então a concentração do analito presente na amostra. Durante muito tempo os reagentes empregados na pesquisa instrumental utilizaram somente substâncias químicas, orgânicas ou inorgânicas, capazes de gerar um produto mensurável. Para gerar produtos estes reagentes devem, em muitos casos, produzir grandes quantidades de energia ou necessitam da adição de energia externa fornecida por incubações em temperaturas elevadas. Estes reagentes químicos, no entanto, apresentam os seguintes problemas: 1 - dificuldades de manuseio por serem em muitos casos, reagentes muito cáusticos ou muito ácidos; 2 - o ensaio pode requerer o emprego de mais de um reagente, e estes reagentes não podem ser combinados para formar reagente único; 3 - o sistema de reagentes requer incubações em temperaturas elevadas são dificilmente aplicáveis nos analisadores; 4 - em muitas situações utilizam-se sistemas analíticos complexos ou demorados, que por diversas razões não podem ser aplicados em aparelhos. O desenvolvimento de métodos eficientes de fermentação e separação permitiu a obtenção de enzimas purificadas de custo acessível, fazendo com que as enzimas pudessem ser utilizadas como reagentes, substituindo os reagentes químicos em muitos sistemas analíticos. As enzimas passaram então a fazer parte da formulação de um número cada vez maior de sistemas analíticos com as seguintes vantagens: - emprego de reagentes pouco agressivos e de fácil utilização; - facilidade para utilização de reagentes únicos de alta especificidade; - aplicação em analisadores automáticos, por empregarem reagentes únicos pouco agressivos que não requerem incubações em temperaturas muito elevadas; - custos operacionais totais muito similares aos dos reagentes químicos, porque reduzem as operações manuais. As enzimas são também produtos químicos, mas devido a características próprias, os sistemas analíticos utilizando enzimas são denominados reagentes enzimáticos. Os usuários dos reagentes enzimáticos sentiram necessidade de distinguir estes reagentes dos reagentes químicos e criou-se então a denominação de reagentes colorimétricos para os reagentes químicos e de reagentes enzimáticos para aqueles utilizando enzimas. Entretanto, muitos reagentes enzimáticos formam produtos coloridos, sendo colorimétricos também. Assim, para distinguir os dois tipos de reagentes, deve-se denominar como enzimáticos os reagentes que utilizam enzimas, e como reagentes químicos aqueles que não utilizam enzimas. O ácido láctico ou lactato é um resíduo do metabolismo glicídio, predominantemente encontrado no músculo esquelético, no cérebro e nas hemácias. A concentração de lactato no sangue depende também da taxa da produção metabólica no fígado e nos rins. O aumento da concentração de lactato no sangue é, então, um indicador do metabolismo anaeróbico, sendo, portanto, um importante marcador de insuficiência da circulação local por lesões e isquemias específicas ou generalizadas por estresse metabólico ou exercícios físicos. A acidose láctica pode ocorrer em dois perfis clínicos característicos. No primeiro, ocorre a diminuição de oxigenação tecidual (hipoxia), resultante de choques, hipovolemia e insuficiência ventricular esquerda. No segundo perfil (metabólico), ocorre associação a doenças como o diabetes mellitus, neoplasias, doenças hepáticas, ou então está relacionado a drogas e/ou toxinas como o etanol, o metanol e o salicilato. A acidose láctica também pode ocorrer na falência renal, na leucemia e na deficiência de tiamina. Portanto, as determinações de lactato são importantes para a avaliação do status ácido-base sanguíneo e tratamento da acidose láctica (acidez anormal do sangue). O Lactato é dosado no plasma e no Líquido Céfalo-raquidiano através da reação com um reagente enzimático-colorímétrico. A concentração de L-Lactato na amostra é determinada através da reação: L-Lactato + O2 Lactato Oxidase Piruvato + H2O2 H2O2 + 4-aminoantipirina + TOOS* Peroxidase Cromógeno + 2 H2O * TOOS (N-etil-N-(2 hidroxi-3-sulfopropil)-3-metilanilina) “A intensidade da cor formada na reação é proporcional a concentração de Lactato na amostra, que quando lido em fotômetro a 546 nm e comparado a um calibrador protéico fornece o valor de Lactato na amostra.” (SHIMOJO; et al. 1991) O desenvolvimento e análise do reagente enzimático-colorimétrico para dosagem de Lactato ocorreu mediante pesquisa bibliográfica, pesquisa de mercado, estudo e otimização de lotes Pilotos e por fim realização da Validação da formulação por meio de testes como: o Teste da Linearidade, Teste de Exatidão, Teste de Ponto Final, etc., que comprovaram o desempenho adequada do reagente diante de amostras biológicas. 2. OBJETIVO 2.1. Objetivo Geral: Destacar a importância das enzimas para o desenvolvimento de reagentes para a Indústria de Diagnóstico in vitro, exemplificado pelo reagente de Lactato. 2.2. Objetivos específicos: - Descrever as principais propriedades das enzimas enfatizando a especificidade, o centro ativo e sua inibição; - Destacar o avanço alcançado com as diversas aplicações enzimáticas; - Descrever o funcionamento de um reagente enzimático e exemplificar; - Descrever o Fluxograma na Indústria de Diagnóstico; - Descrever as etapas de desenvolvimento de um reagente enzimático-colorimétrico na Indústria de Diagnóstico; - Discutir sobre testes realizados durante o processo de Validação do reagente de Lactato BioTécnica para uso laboratorial. 3. DESENVOLVIMENTO TEÓRICO 3.1. Enzimas Existem duas condições fundamentais para a vida. Uma delas é que o organismo vivo deve ser capaz de se auto-replicar e a segunda é que o organismo deve se auto-sustentar, o que se dá através da catálise de reações químicas eficientes e seletivas. Sem a catálise, as reações químicas necessárias para sustentar a vida não ocorrem em uma escala de tempo útil. As enzimas são responsáveis pela catálise de reações e apresentam alta especificidade. Em sistemas vivos, a maioria das reações bioquímicas dá-se em vias metabólicas, que são seqüências de reações em que o produto de uma reação é utilizado como reagente na reação seguinte. Diferentes enzimas catalisam diferentes passos de vias metabólicas, agindo de forma concertada de modo a não interromper o fluxo nessas vias. Cada enzima pode sofrer regulação da sua atividade, aumentando-a, diminuindo-a ou mesmo interrompendo-a, de modo a modular o fluxo da via metabólica em que se insere. “As enzimas, como outras proteínas, têm pesos moleculares que variam de cerca de 12.000 até mais de um milhão. Algumas enzimas não requerem nenhum outro grupo químico além de seus resíduos de aminoácidos. Outras requerem um componente químico adicional chamado co-fator – um ou mais íons inorgânicos, uma molécula orgânica complexa ou uma molécula metalorgânica chamada de coenzima. A coenzima, ou íon metálico, que está firmemente ou até mesmo covalentemente ligada à parte protéica da enzima, é chamado de grupo prostético. Uma enzima completa e cataliticamente ativa, juntamente com sua coenzima e/ou íons metálicos ligados, é chamada de holoenzima. A parte protéica dessa enzima é chamada de apoenzima ou apoproteína.” (LEHNINGER. 1995) A função das enzimas e de outros catalisadores é diminuir a energia de ativação da reação e, desta forma, aumentar a velocidade da reação de um fator de 105 a 1017. Cada enzima é classificada de acordo com a reação específica que ela catalisa. As reações catalisadas pelas enzimas são caracterizadas pela formação de um complexo entre o substrato e a enzima (complexo ES). K1 [E] + [S] K3 [ES] → [E] + [P] K2 [E]: Concentração de Enzima [S]: Concentração de Substrato [ES]: Concentração do complexo enzima-substrato [P]: Concentração de Produto K1, K2, K3: Constantes de velocidade A ligação ocorre em uma fenda na molécula da enzima chamada de sítio ativo. Como catalisadores, as enzimas não são consumidas na reação e não alteram seu equilíbrio químico. A energia empregada para aumentar a velocidade da reação enzimática é derivada das ligações fracas (ligações de Hidrogênio, interações hidrofóbicas e iônicas) entre o substrato e a enzima. O sítio ativo enzimático está estruturado de tal maneira que algumas dessas interações fracas ocorrem preferencialmente no estado de transição da reação, estabilizando assim o estado de transição. A energia disponibilizada pela formação das numerosas ligações fracas entre a enzima e o substrato (a energia de ligação) é substancial e em geral pode explicar as acelerações nas velocidades das reações. 3.2. Propriedades das Enzimas A cinética é uma metodologia importante para o estudo dos mecanismos enzimáticos. A maioria das enzimas tem algumas propriedades cinéticas em comum. À medida que a concentração do substrato aumenta, a atividade catalítica de uma concentração fixa de uma enzima aumenta de forma hiperbólica, aproximando-se de uma velocidade máxima, Vmáx característica, na qual praticamente toda enzima está na forma do complexo ES. A concentração de substrato que produz metade da velocidade máxima é a constante de Michaelis , KM, que é característica para cada enzima agindo sobre um determinado substrato. A equação de Michaelis-Menten V0 = Vmáx [S] KM+ [S] relaciona a velocidade inicial de uma reação enzimática (V0) com a concentração de substrato [S] e a velocidade máxima (Vmáx) pela constante KM. Tanto o KM como a Vmáx podem ser medidos. Eles têm significados diferentes para enzimas diferentes. Em condições de saturação, a velocidade limite de uma reação catalisada enzimaticamente é descrita pela constante Kcat, também chamada número de renovação. A relação Kcat/KM fornece então uma boa medida de eficiência catalítica. Cada enzima tem um pH ótimo (ou intervalo de pH) no qual apresenta atividade máxima. As enzimas, como outros catalisadores, não interferem na constante de equilíbrio das reações, mas aumentam a velocidade das reações químicas, diminuindo a energia de ativação dos reagentes, necessária para transformá-los em produto. Para que haja essa transformação, os reagentes precisam atingir um estado de transição e as enzimas aceleram a velocidade da reação reduzindo a energia do estado de transição. As enzimas não somente aceleram as reações, mas também acoplam reações de maneira produtiva: Considerando a energia livre (ΔG°’) necessária para transformar glicose em glicose-6fosfato: Glicose → Glicose-6-Pi ΔG°’ = 4,0 kcal/mol e a energia de hidrólise do ATP: ATP → ADP + Pi ΔG°’ = -7,3 kcal/mol A enzima hexoquinase catalisa o acoplamento destas duas reações, gerando glicose-6fosfato, com ΔG°’ de hidrólise -3,3 kcal/mol: Glicose + ATP → Glicose-6-Pi + ADP + Pi 3.3. O Centro Ativo Enzimático O centro ativo de uma enzima é a região que se liga aos substratos (e ao grupamento prostético, se houver algum), e contém os radicais de aminoácidos que participam diretamente na geração e quebra de ligações. Estes radicais são chamados de grupamentos catalíticos. Embora as enzimas difiram amplamente em estrutura, especificidade e modo de catálise, podem ser feitas algumas generalizações referentes aos seus centros ativos: 1. O centro ativo ocupa uma parte relativamente pequena do volume total de uma enzima. A maioria dos radicais de aminoácidos em uma enzima não está em contato com o substrato. Isto levanta uma questão intrigante de por que as enzimas são tão grandes. Praticamente todas as enzimas são feitas de mais de 100 aminoácidos, o que lhes dá uma massa maior do que 10 KDa e um diâmetro de mais de 25Å. 2. O centro ativo é uma entidade tridimensional formada por grupamentos que vêm de diferentes partes da seqüência linear podem interagir mais fortemente do que os adjacentes na seqüência. 3. Os substratos são ligados a enzimas por atrações fracas múltiplas. Os complexos ES têm geralmente constantes de equilíbrio que variam de 10-2 a 10-8M, correspondendo a energias livres de interação que variam de cerca de -3 a -12 kcal/mol. As interações não covalentes de complexos ES são muito mais fracas do que ligações covalentes, as quais têm energias entre -50 e -110 kcal/mol. A enzima e o substrato devem ter formas complementares de ligação, já que as interações reversíveis de biomoléculas são feitas por ligações eletrostáticas, pontes de hidrogênio, forças de Van der Waals e interações hidrofóbicas. O caráter direcional das pontes de hidrogênio entre enzima e substrato freqüentemente obriga um alto grau de especificidade. 4. Centros ativos são fendas ou frestas. Em todas as enzimas de estrutura conhecida, as moléculas de substrato estão ligadas a uma fenda ou a uma fresta. A água é geralmente excluída, a não ser que ela seja um reagente. O caráter apolar da maior parte da fenda melhora a ligação do substrato. Contudo, a fenda pode também conter aminoácidos polares. Ela cria um microambiente no qual certos radicais adquirem propriedades especiais, essenciais para a catálise. As posições internas destes aminoácidos polares são exceções biologicamente cruciais à regra geral de que aminoácidos polares estão expostos à água. 5. A especificidade de ligação depende do arranjo precisamente definido de átomos no centro ativo. Para caber dentro do centro, um substrato deve ter um formato correspondente. A metáfora de Emil Fisher, da chave e fechadura expressa em 1890, provou ser altamente estimulante e profícua. Contudo, está evidente agora que os formatos dos centros atvos de muitas enzimas são acentuadamente modificados pela ligação do substrato, como foi postulado por Daniel E. Koshland, Jr., em 1958. Os centros ativos destas enzimas assumem formatos que só são complementares ao do substrato depois que o substrato estiver ligado. Este processo de reconhecimento dinâmico é chamado de encaixe induzido. 3.4. Desnaturação e Inibição Enzimáticas “A atividade biológica de uma molécula de proteína – sua atividade catalítica no caso da molécula de enzima – depende geralmente da integridade de sua estrutura. Portanto, qualquer alteração de sua estrutura é acompanhada de uma perda de atividade, processo conhecido como desnaturação. Se o processo de desnaturação não for demasiado, poderá ser revertido, e a atividade recuperada, quando o agente desnaturante for removido. Isso acontece graças à tendência da molécula da enzima de reassumir sua conformação habitual. Contudo, condições desnaturantes prolongadas ou intensas resultam numa perda irreversível da atividade. As condições desnaturantes incluem temperaturas elevadas, que quebram as ligações de estabilização por aumentar a vibração dos átomos constituintes. As temperaturas baixas são, portanto, necessárias para preservar a atividade da enzima, especialmente em soluções aquosas com soro. Os extremos de pH também causam o desenovelamento das estruturas moleculares das enzimas.” (BURTIS e ASHWOOD. 1998) “Algumas enzimas, por apresentarem alta estabilização por efeito hidrofóbico, podem também sofrer desnaturação a frio.” (KYTE. 1995) As enzimas podem também ser inativadas por modificações irreversíveis de um grupo funcional essencial para atividade catalítica. Podem ser inibidas ainda por moléculas que se ligam reversivelmente. Os inibidores competitivos competem reversivelmente com o substrato pelo centro ativo, mas não são transformados pela enzima. Os inibidores não-competitivos ligam-se somente ao complexo ES, em um sítio distinto do sítio ativo. Na inibição mista, o inibidor liga-se tanto a E como a ES. Neste último caso, em um sítio distinto daquele em que o substrato se liga. Se uma enzima é quebrada em seus aminoácidos constituintes, a sua atividade catalítica é sempre destruída. Assim, as estruturas protéicas primária, secundária, terciária e quaternária das enzimas são essências para a atividade catalítica. A maioria das enzimas pode ser inibida por certos reagentes químicos. Essa inibição por pequenas moléculas e íons específicos é importante nos mecanismos de controle em sistemas biológicos. O estudo de inibidores de enzimas, também se constitui em uma fonte valiosa de informações sobre os mecanismos da ação enzimática. Os inibidores podem ser agrupados em: Inibidores irreversíveis – aqueles que se ligam ou destroem um grupo funcional, imprescindível para a atividade enzimática. A ligação pode ser covalente ou não e sua dissociação é muito lenta. O composto diisopropilfluorofosfato (DIFP), por exemplo, reage com uma serina, no sítio catalítico da acetilcolinesterase. A inibição da enzima compromete a transmissão dos impulsos nervosos. Inibidores reversíveis – caracterizados por uma rápida dissociação do complexo enzimainibidor. Podem ser de dois tipos: Competitivos – em que a enzima pode ligar-se ao substrato ou ao inibidor, mas não aos dois simultaneamente. Uma vez ligado, o inibidor competitivo não sofre transformação. Esse tipo de inibição é revertido pelo simples aumento da concentração do substrato.(competição) Não-competitivos – nesse caso o inibidor liga-se à enzima em um local diferente do sítio ativo, alterando a sua conformação. Nesse caso a enzima pode ligar-se simultaneamente ao inibidor e ao substrato. O aumento na concentração de substrato, no entanto, não atenua a inibição. “A inibição da atividade enzimática, por pequenas moléculas e iontes específicos, é importante porque ela serve como dos principais mecanismos de controle em sistemas biológicos . Além disso, muitos medicamentos e agentes tóxicos agem inibindo enzimas. Mais ainda, a inibição pode ser uma fonte de esclarecimento dos mecanismo de ação enzimática: aminoácidos críticos para a catálise podem, muitas vezes, ser identificados pelo uso de inibidores específicos. O valor de análogos de estado de transição.” (STRYER. 1996) 3.5. Importância do estudo das Enzimas e suas aplicações gerais As enzimas, importantes componentes do metabolismo de todos os seres vivos, têm a capacidade de promover e acelerar reações químicas. Microrganismos ou substâncias com essa propriedade já eram usados por populações humanas muito antigas para modificar alimentos – fermentar uvas e fabricar o vinho, ou alterar o leite e produzir queijo, por exemplo. Depois que os cientistas desvendaram a atuação das enzimas, estas passaram a ser cada vez mais empregadas, com variadas finalidades. Hoje, essas proteínas especiais são úteis inclusive na indústria, não apenas na área de alimentos, mas em muitos outros setores. O estudo das enzimas tem uma grande importância prática e clínica. Em algumas doenças, especialmente nas desordens genéticas herdadas, pode ocorrer uma deficiência ou mesmo a ausência total de uma ou mais enzimas. Outras condições anormais também podem ser causadas pela excessiva atividade de uma enzima. Medidas da atividade de enzimas no plasma sanguíneo, eritrócitos ou amostras de tecido são importantes no diagnóstico de várias doenças. Muitas drogas exercem seu efeito biológico por meio de interações com as enzimas. As enzimas tornaram-se importantes ferramentas práticas não apenas na medicina, mas também na indústria química, no processamento de alimentos e na agricultura. 3.5.1. Importância Clínica: Todas as enzimas presentes no corpo humano são sintetizadas intracelularmente. Três casos se destacam: - Enzimas plasma-específicas: Enzimas ativas no plasma utilizadas no mecanismo de coagulação sangüínea e fibrinólise. Exemplo: pró-coagulantes: trombina, fator XII, fator X e outros. - Enzimas secretadas: São secretadas geralmente na forma inativa e após a sua ativação atuam extracelularmente. Os exemplos mais óbvios são as proteases ou hidrolases produzidas no sistema digestivo. Exemplos: lipases, alfa-amilase, tripsinogêneo, fosfatase ácida prostática e antígeno prostático específico. Muitas são encontradas no sangue. - Enzimas celulares: Normalmente apresentam baixos teores séricos que aumentam quando são liberadas a partir de tecidos lesados por alguma doença. Isso permite inferir a localização e a natureza das variações patológicas em alguns órgãos, tais como o fígado, o pâncreas e o miocárdio. A elevação da atividade sérica depende do conteúdo de enzima do tecido envolvido, da extensão e do tipo de necrose. São exemplos de enzimas celulares as transaminases, lactato desidrogenases, creatinoquinases, etc. Enzimas digestivas tais como a amilase, protease e lipase, reduzem os alimentos em componentes menores que são mais facilmente absorvidos no trato digestivo. 3.5.2. Importância Prática: Segundo MUSSATO (2007), é vantajoso usar enzimas na indústria, porque elas são naturais, não tóxicas e específicas para determinadas ações. Além disso, são capazes de alterar as características de variados tipos de resíduos, contribuindo para reduzir a poluição ambiental, substituindo processos químicos rigorosos. Os microrganismos são a principal fonte de enzimas de aplicação industrial, mas diversas podem ser obtidas de animais (pancreatina, tripsina, quimotripsina, pepsina, renina e outras) ou vegetais (papaína, bromelina, ficina e outras). Hoje, porém, como é possível modificar geneticamente os microrganismos para que forneçam qualquer enzima, a tendência é substituir as produzidas por vegetais e animais pelas de origem microbiana. O uso de enzimas em processos industriais é de grande interesse, em especial devido à facilidade de obtenção (por biotecnologia) e às vantagens em relação aos catalisadores (aceleradores de reações) químicos, como maior especificidade, menor consumo energético e maior velocidade de reação. Além disso, a catálise enzimática tem outros benefícios, como o aumento da qualidade dos produtos, em relação à catálise química; a redução dos custos de laboratório e de maquinário, graças à melhoria do processo; ou a fabricação controlada de pequenas quantidades. Medicamentos: Várias enzimas têm propriedades que permitem seu uso como medicamentos. São exemplos as que têm ação antibiótica ou antiinflamatória (lisozima, bromelina, hialuronidase e outras), as que auxiliam a terapia da leucemia (L-asparaginase) ou facilitam a digestão (papaína, bromelina, tripsina e outras). Em geral, enzimas utilizadas com essa finalidade devem ter pureza e especificidade altas, antigenicidade baixa (para evitar reações imunológicas) e estabilidade em condições fisiológicas. Além das aplicações terapêuticas, diversas enzimas são empregadas na síntese de fármacos (penicilina, por exemplo). As lipases, que degradam gorduras, são úteis em reações químicas necessárias à produção de remédios. Atuação na produção de alimentos: As enzimas têm destacado papel no setor alimentício, pois podem influir na composição, no processamento e na deterioração dos alimentos. Elas às vezes são indesejáveis: provocam, por exemplo, o escurecimento de frutas e vegetais (é o caso das polifenoloxidases), o ranço de farinhas (lipases e lipoxigenases) e o amo-lecimento de tecidos vegetais (enzimas pécticas). Na panificação, a enzima alfa-amilase promove a decomposição do amido, que leva à produção de maltose, aumentando a maciez e a textura da massa e do miolo e mantendo o pão fresco por mais tempo. Já a amilase maltogênica e a xilanase dão estabilidade à massa, enquanto a protease altera a elasticidade e a textura do glúten e melhora a cor e o sabor do pão. No processamento de amidos, enzimas como glicose isomerase, alfa-amilase, beta-amilase, pululanase e isoamilase convertem o amido em dextrose ou xaropes ricos em açúcares simples. Na indústria de laticínios, a quimosina promove a coagulação do leite (para a produção de queijos), a lactase decompõe a lactose em açúcares mais simples, a protease quebra proteínas de soro. Neste e em outros setores, as lipases decompõem gorduras. Enzimas como papaína, bromelina e ficina ajudam a amaciar carnes, e outras são empregadas nos processos de produção de bebidas alcoólicas. No caso das bebidas destiladas, a alfaamilase e a glicoamilase decompõem o amido. No caso dos vinhos, a pectinase facilita a prensagem, a filtração e a clarificação e reduz o tempo de processamento. Nos dois tipos de bebidas, as proteases quebram proteínas. As cervejarias usam diferentes enzimas para liquefazer e fermentar a matériaprima (alfa-amilase), aumentar o teor de certos açúcares (glicoamilase), aumentar a velocidade de filtração (glucanase), remover compostos indesejáveis (pentosanases) e evitar a turbidez do produto final (papaína, bromelina ou ficina). Enzimas, celulose e papel: Muitas enzimas interessam à indústria de papel e celulose. Para produzir papel, composto basicamente de fibras de celulose, é preciso picar a madeira, transformá-la em polpa, por processos químicos, e retirar dessa polpa a hemicelulose, a lignina, certas resinas e outros componentes. Enzimas capazes de realizar algumas dessas tarefas permitem, nessa indústria, substituir produtos químicos responsáveis por sérios problemas ambientais. Tecidos com maior requinte: Na indústria têxtil, a presença das enzimas tem crescido nas últimas décadas. Elas podem atuar nas fases de fiação, tingimento e acabamento dos tecidos. Nesse último caso, ajudam a limpar a superfície do material, a reduzir as pilosidades e a melhorar a aparência, o brilho, o caimento, a resistência e a estabilidade. Em outra aplicação relevante, certas enzimas (proteases) conferem resistência ao encolhimento às fibras da lã. Em muitos processos têxteis, substâncias químicas sintéticas podem ser substituídas por enzimas, que têm ação mais específica e geram benefícios ambientais, pois são biodegradáveis e dependem de menor consumo de energia. Aumento do poder de limpeza: É cada vez maior o número de produtos de limpeza que contêm enzimas, em especial amilases, proteases, lipases e celulases. Cada uma delas ‘ataca’ um tipo de substância, tornando-a solúvel em água e facilitando sua remoção: as amilases atuam sobre o amido (presente em manchas de molhos, frutas, chocolate e outras), as proteases quebram proteínas, as lipases degradam gorduras e as celulases ajudam a remover fibrilas de celulose que aparecem com o tempo nos tecidos (essa remoção melhora o brilho e a maciez das roupas). Cosméticos: Outra área em que as enzimas vêm ganhando espaço é a de cosméticos. Já há enzimas incorporadas à formulação de vários produtos presentes no mercado, como tinturas, depilatórios, alisantes de cabelo, sais de banho, dentifrícios, desodorantes, produtos anti-caspa, curativos e outros, ou aplicadas em limpezas de pele (descamação) e produtos aromáticos. Enzimas que quebram proteínas têm recebido atenção especial da cosmetologia, com destaque para a papaína, capaz de promover a penetração de compostos na pele e atuar como agente de raspagem e depilação em produtos de uso local. É importante, no desenvolvimento do cosmético, conhecer as características da enzima usada, dos demais componentes da fórmula e do recipiente onde é acondicionado, além das condições de armazenamento, para evitar reações entre essas substâncias, que prejudicariam a eficácia e a segurança do produto. Uso no tratamento de efluentes: O desenvolvimento das chamadas tecnologias limpas, ou seja, que reduzem o impacto ambiental de uma atividade industrial, também conta com a participação de enzimas. Um exemplo é o uso na produção de polpa de celulose e no branqueamento desta. Combinadas com técnicas de processamento, as enzimas permitem reduzir ou até eliminar o uso de cloro nessas atividades industriais, evitando a emissão de substâncias organocloradas – altamente tóxicas e mesmo cancerígenas – para o ambiente. Enzimas são aplicadas ainda no tratamento de efluentes e resíduos industriais. As águas residuais das indústrias alimentícias, por exemplo, contêm gorduras sólidas ou líquidas (graxas e óleos), que causam sérios problemas de poluição, ao formar filmes na superfície dos corpos receptores (impedindo o fluxo do oxigênio necessário à vida aquática) e ao causar entupimentos. A adição de lipases a esses efluentes gera substâncias mais simples, facilmente degradadas, evitando tais problemas. O mercado mundial de enzimas industriais é estimado hoje em US$ 2,3 bilhões anuais e tem três segmentos: enzimas técnicas (destinadas a indústrias de tecidos e de produtos de limpeza), enzimas para alimentos e bebidas e enzimas para ração animal. As principais enzimas de aplicação industrial são proteases, amilases, lipases, celulases, xilanases e fitases, e as maiores empresas produtoras são européias: Gist-Brocades (Holanda), Genencor International (Finlândia) e Novo Nordisk (Dinamarca). A última detém, sozinha, cerca de metade do mercado mundial de enzimas industriais. No Brasil, em 2005, as importações de enzimas chegaram a US$ 31 milhões e as exportações a US$ 3 milhões. As mais importadas foram amilases (US$ 4 milhões), seguidas de proteases (US$ 2,5 milhões). O mercado brasileiro de enzimas, embora ainda pouco representativo (cerca de 2% do total mundial), revela grande potencial, devido à enorme geração de resíduos agroindustriais e ao dinamismo das indústrias de alimentos, medicamentos, tecidos e celulose/papel. A redução do custo de produção de enzimas é favorecida, no país, pela possibilidade de bioconversão de subprodutos agrícolas como farelo de trigo, farelo de algodão, casca de soja e outros. Acredita-se, por isso, em um aumento rápido do uso de enzimas, de forma geral, e em particular em processos industriais, no país. 3.6. Enzimas como reagentes analíticos em Diagnóstico Molecular “Em todos os métodos analíticos, a quantidade da substância a ser determinada deve ser a única variável que cause uma diferença observável nos resultados.” (BURTIS e ASHWOOD. 1998) De acordo com GURTMANN (1974), a quantidade de substrato transformada em produtos durante uma reação enzimática pode ser determinada com qualquer método analítico apropriado. Contudo, o método mais comumente utilizado é a análise fotométrica. A reação pode ser acompanhada de uma mudança característica de absorbância de algum componente do sistema de ensaio, no espectro do visível ou do ultravioleta e esta mudança pode ser observada enquanto progride. As necessidades fotométricas das análises enzimáticas não são diferentes daquelas das análises quantitativas fotométricas em geral. Contudo, o fotômetro utilizado deve ser provido de meios para manter os conteúdos da cubeta numa temperatura constante durante a reação. A utilização de enzimas como reagentes analíticos oferece a vantagem de maior especificidade para a substância a ser dosada. Esta alta especificidade reduz a necessidade de etapas preliminares de separação e purificação, de modo que a análise pode ser executada diretamente em misturas complexas como o soro, a urina, o líquor, etc. As enzimas com especificidade absoluta para a substância a ser avaliada são claramente preferíveis para o uso analítico. Contudo, este ideal não pode ser sempre alcançado na prática, e o conhecimento das especificidades para o substrato das enzimas reagentes é, portanto, essencial para permitir que uma possível interferência com o ensaio seja prevista e evitada. As reações acopladas são, com freqüência, utilizadas para construir um sistema analítico enzimático para dosagem de um composto em particular, e a especificidade das reações acopladas pode modificar a especificidade de todo o processo. O fundamento mais amplamente utilizado para determinar a quantidade de uma substância de modo enzimático é permitir que a reação chegue ao fim, de maneira que todo o substrato seja convertido a um produto mensurável. Tais métodos são chamados de “ponto final” ou, mais corretamente, de método de equilíbrio, pois a reação cessa, quando o equilíbrio é alcançado. As reações nas quais o ponto de equilíbrio corresponde realmente à conversão completa do substrato são preferidas para esse tipo de análise. Todavia, o equilíbrio desfavorável pode, com freqüência, ser deslocado no sentido desejado por reações enzimáticas ou não-enzimáticas adicionais, que transformam ou “aprisionam” um produto da primeira reação. É importante destacar que o tempo necessário para transformar uma quantidade fixa do substrato em produtos é inversamente proporcional à quantidade da enzima presente. Os métodos de equilíbrio podem, portanto, requerer o uso de quantidades apreciáveis de enzimas para cada amostra, a fim de impedir períodos de incubação inconvenientemente longos. Quando a concentração do substrato cai a níveis baixos pouco antes do fim da reação, a KM da enzima torna-se importante na determinação da velocidade da reação. As enzimas com altas afinidades pelos substratos (valores baixos de KM) são, portanto, mais apropriadas para as análises de equilíbrio. Os métodos de equilíbrio são muito insensíveis a pequenas variações nas condições da reação. Não é necessário ter exatamente a mesma quantidade de enzima em cada mistura de reação, ou manter o pH ou a temperatura absolutamente constante, contanto que as variações não sejam grandes, a ponto da reação não se completar dentro de um tempo fixo permitido. A quantidade de enzima reagente necessária para cada análise pode ser reduzida e o tempo encurtado pelo uso de métodos nos quais a quantidade de mudança produzida num intervalo de tempo fixo seja medida. É uma propriedade das reações de primeiro grau que a variação na concentração de substrato por um intervalo de tempo fixo seja diretamente proporcional à sua concentração inicial. A seleção cuidadosa das condições de reação, como concentrações dos substratos e cofatores pode, com freqüência, melhorar as curvas e os mecanismos de marcha da reação, eliminando as fases de demora e prolongando o período de linearidade, de modo que os métodos de análise com tempo fixo tornam-se factíveis. Aperfeiçoamentos na fotometria, levando a medidas mais sensíveis da formação do produto, também permitiram que a duração da incubação fosse encurtada em comparação com os testes mais antigos. 3.7. Exemplos de reações enzimáticas no Diagnóstico Molecular 1 – Na determinação enzimática da glicose no soro, plasma ou no LCR (Líquido céfalo raquidiano) a enzima glicose oxidase catalisa a oxidação da glicose existente na amostra, em presença de oxigênio e água, produzindo peróxido de hidrogênio. A enzima peroxidase catalisa a oxidação do fenol pelo peróxido de hidrogênio formado em presença de 4-aminoantipirina produzindo um composto róseo-avermelhado (quinonimina), que apresenta um máximo de absorção em 505 nm. A intensidade de cor é proporcional à concentração de glicose na amostra, que quando comparado a um padrão de concentração conhecida permitir o cálculo da concentração absoluta no soro ou plasma. glicose oxidase Glicose + O2 + H2O Ácido Glucônico + H2O2 peroxidase 2H2O2 + 4-Aminoantipirina + Fenol Quinonimina + 4 H2O 2 – Outro exemplo é a determinação enzimática do ácido úrico no soro, na urina, no líquido amniótico e sinovial. O ácido úrico da amostra sofre a ação da uricase, na presença de oxigênio, produzindo alantoína e peróxido de hidrogênio; este, em presença do reagente fenólico (DHBS)* e de 4-aminoantipirina, sofre a ação da peroxidade produzindo um composto violáceo (quinonimina) com máximo de absorção em 500 nm. Ácido Úrico + O2 + 2 H2O uricase Alantoína + CO2 + H2O2 2 H2O2 + 4-aminoantipirina + DHBS* peroxidase Quinonimina + 3 H2O * DHBS (Ácido Di-hidróxi benzeno sulfônico) 3 - A uréia da amostra biológica é hidrolisada pela enzima urease com produção de gás carbônico e íons amônio. Estes íons são captados por uma segunda enzima, a glutamato desidrogenase, que em presença dos substratos NADH e α-cetoglutarato produz NAD+ e glutamato. A taxa de diminuição da concentração de NADH no meio pode ser medida no espectrofotômetro em 340 nm, sendo proporcional à concentração de uréia na amostra. Urease Uréia + H2O 2 NH4+ + CO2 4+ NH + α-cetoglutarato + NADH + H + glutamato desidrogenase Glutamato + NAD+ 4 - A Aspartato aminotransferase (AST ou TGO) catalisa a transferência do grupo amino do aspartato a α-cetoglutarato, formando oxalacetato e glutamato. A concentração catalítica se determina, empregando a reação acoplada de malato desidrogenase (MDH), a partir da velocidade de desaparecimento no NADH, medido em 340 nm. AST L-Aspartato + α-cetoglutarato Oxalacetato + NADH + H+ Oxaloacetato + L-Glutamato. MDH Malato + NAD+ 5 - A Alanina Aminotransferase (ALT ou TGP) catalisa a transferência do grupo amino da alanina a α-cetoglutarato, formando piruvato e glutamato. A concentração catalítica se determina, empregando a reação acoplada de lactato desidrogenase (LDH), a partir da velocidade de desaparecimento do NADH, medido a 340 nm. ALT L - alanina + α-cetoglutarato Piruvato + NADH + H+ Piruvato + L-Glutamato LDH D - Lactato + NAD+ 3.8. Fabricação de Reagentes/Kits para Diagnóstico Molecular A fabricação de reagentes nas indústrias de diagnóstico in vitro acontece de acordo com as Boas Práticas de Fabricação e Controle (BPFC), da Portaria 686 BRASIL - ANVISA. (1998) e da RDC 167 ANVISA – BRASIL (2004), o que garante a confiabilidade no produto e a rastreabilidade do processo produtivo. Após validação do reagente pelo setor de Pesquisa e Desenvolvimento o reagente está disponível para fabricação. As matérias-primas são adquiridas conforme especificações e o Controle de Qualidade (CQ) realiza testes com os produtos químicos como verificação do pH, ponto de fusão, densidade, teste de especificidade para enzimas, etc. Após aprovação dos produtos químicos, é manipulado um lote Piloto que passa por nova análise no CQ. Se aprovado, é manipulado o lote comercial com as mesmas características do lote piloto. Após uma série de testes no CQ como: Teste de exatidão, repetibilidade, linearidade, teste de branco, de estresse e do limite de detecção. Estes testes têm como objetivo avaliar a performance e estabilidade do produto fabricado. Se o reagente obtiver um desempenho adequado será aprovado para envase e montagem do kit. O kit passa por uma última inspeção do CQ e é aprovado então para venda. A cada lote envasado e embalado, após aprovação do CQ, são retirados kits para o estoque de rastreabilidade e o lote é monitorado periodicamente no CQ conforme prazo de validade. (Anexo A – Fluxograma de Produção) 3.9. Desenvolvimento de um reagente enzimático na Indústria de Diagnóstico in vitro Após pesquisa bibliográfica, pesquisa de mercado e desenvolvimento da formulação, o reagente é submetido a uma série de testes para sua validação como: 1. Estudo de efeito matriz, que é a influência de um componente na amostra, diferente do analito a ser medido, na dosagem quantitativa e/ou qualitativa daquele analito. 2. Interferência de anticoagulante, lipemia, bilirrubina e hemólise. 3. Teste de Sensibilidade (limite de detecção): variação da resposta de um método de medição dividida pela correspondente variação do mensurando ou a menor quantidade, diferente de zero, que o método consegue medir. 4. Teste de Linearidade: quantidade máxima de um analito que um reagente (ou sistema analítico) consegue medir. 5. Teste Cinético: Teste que avalia o comportamento da reação em função do tempo. Feito em espectrofotômetro com leitura em intervalos determinados, imediatamente após a adição da amostra. 6. Teste de Exatidão: Teste que avalia o quanto a dosagem realizada com o reagente em análise se aproxima do valor real da amostra. A calibração do ensaio deverá ser feita com Calibrador ou Padrão de Referência. Deverá ser dosado pelo menos um Soro Controle. 7. Teste de Branco de Reagente: Determina a cor do reagente em análise em espectrofotômetro e em relação à água no comprimento de onda pré-determinado, avaliando a sua determinação. 8. Teste de correlação com reagente referência utilizando pelo menos 50 amostras humanas. 9. Teste de Inspeção das características visuais do produto: os reagentes em análise devem ser colocados em frascos e/ou tubos transparentes e seu aspecto visual observado e registrado, conforme especificações. 10. Teste de Repetibilidade: Avalia a dispersão dos resultados do teste realizado em um dia, por um operador, por um reagente usando um equipamento. Um soro humano é ensaiado 20 (vinte) vezes seguidas pelo lote em teste, calibrado com Calibrador ou Padrão de Referência. Deverão ser calculados a Média, Desvio Padrão (DP) e Coeficiente de Variação (CV) para cada ensaio. 11. Teste de Reprodutibilidade: Teste em que um dos parâmetros é modificado para avaliar o comportamento analítico do reagente como, por exemplo, teste realizado em dia diferente, por operador diferente, lotes diferentes de reagentes, etc. 12. Teste de Campo: teste de rotina que simula a utilização do produto no Laboratório Clínico, de forma a avaliar o seu desempenho a partir de parâmetros pré-estabelecidos. Se o reagente é aprovado nos testes citados, possui desempenho adequado para o uso em Laboratório Clínico. 3.10. A importância do Lactato no Diagnóstico Clínico “O ácido láctico ou íon lactato, um intermediário no metabolismo dos carboidratos, é proveniente do músculo esquelético, cérebro e eritrócitos. A concentração de lactato sangüíneo é dependente da sua produção e degradação no fígado, rins e músculos esqueléticos. Ao redor de 30% do lactato formado é utilizado no fígado, predominantemente na glicogênese para a produção da glicose. Aumentos moderados na formação de lactato resultam no incremento da depuração do lactato hepático. No entanto, a captação fica saturada quando as concentrações excedem dois mmol/L, por exemplo, durante o exercício intenso, as concentrações de lactato podem aumentar significativamente de uma média de 0,9 mmol/L para mais de vinte mmol/L em apenas dez segundos. Não existe uniformidade quanto aos teores de Lactato que caracterizam a acidose láctica. Níveis de lactato, excedendo cinco mmol /L e pH sangüíneo <7,25, indicam acidose láctica.” (MOTTA. 2003) A acidose láctica se apresenta em duas condições clínicas diversas: Tipo A (hipóxica): Esse é o tipo mais comum. Associada com a redução de oxigenação tecidual (hipóxia) encontrada em exercícios severos, convulsões, pobre perfusão tecidual (hipotensão, insuficiência cardíaca, parada cardíaca), conteúdo de oxigênio arterial reduzido (asfixia, hipoxemia, toxicidade pelo monóxido de carbono e anemia por deficiência de ferro severa). Tipo B (metabólica): Associada com doença subjacente: diabetes melitus, malignidade (leucemias, linfomas e câncer de pulmão), hepatopatia, acidose respiratória, cetoacidose respiratória, infecções (malária, e cólera) insuficiência renal, feocromocitoma, deficiência de tiamina, intolerância a proteínas do leite, pancreatite e sepse. Fármacos/toxinas/infusões: antiretrovirais, ácido valpróico, agentes beta-adrenérgicos, cocaína, etanol, metanol, salicilatos, nitroprussianos, fenformin, catecolaminas, frutose e sorbitol. Acidose láctica congênita: defeitos na gliconeogênese (deficiência de glicose 6-fosfatase ou piruvato carboxilase), no metabolismo do piruvato (deficiência da piruvato desidrogenase ou piruvato carboxilase), deficiência da fosforilação oxidativa mitocondrial e acidúria metilmalônica. O tipo B pode ser dividido em três subtipos: Tipo B1: ocorre em associação à doença subjacente. Tipo B2: promovida por fármacos. Tipo B3: devida a erros inatos do metabolismo. “O mecanismo da acidose láctica tipo B não é conhecido, mas acredita-se que o defeito primário seja o impedimento mitocondrial na utilização do oxigênio que produz os estoques de ATP e NAD+, com acúmulo de NADH e H+. Em presença de perfusão hepática reduzida ou enfermidade hepática, a remoção do lactato é diminuída provocando o agravamento da acidose láctica.” (MOTTA. 2003) “O teor de lactato no LCR (líquido céfalo-raquidiano) normalmente varia de forma paralela aos encontrados no sangue. Em alterações bioquímicas no LCR, entretanto, o lactato altera de forma independente dos valores sanguíneos. Níveis aumentados no LCR são encontrados em acidentes cerebrovasculares, hemorragia intracraniana, meningite bacteriana, epilepsia e outras desordens do SNC. Na meningite asséptica (viral), os níveis de lactato no LCR não elevam. (Motta) O aumento da concentração de lactato no sangue é um indicador do metabolismo anaeróbico, isto é, diminui o fluxo sanguíneo aos tecidos e a diminuição do oxigênio é insuficiente. Graves insuficiências de oxigênio podem originar “Acidose Láctica”. O L-lactato pode, portanto ser utilizado como um indicador da gravidade da insuficiência circulatória.” (SHIMOJO. et al..1991) Na coleta sanguínea, como o lactato é produzido pela glicólise nas hemácias, o sangue deve ser colhido na presença de fluoreto obtendo-se assim o plasma fluoretado, e centrifugado rapidamente. Apenas após estes cuidados o lactato ficará estável 14 dias se armazenado de 2 a 8 oC. Ainda, como há presença de lactato na saliva humana, deve-se utilizar máscara e evitar conversar próximo ao local de ensaio e proceder com rigorosa higienização dos materiais de laboratório. Tabela 1: Valores de Referência para o Lactato. Amostra Plasma LCR mg/dL 4,5-19,8 4,5-14,4 mmol/L 0,5-2,2 0,5-1,6 Especificação Venoso Arterial 10-60 10-40 10-25 10-22 1,1-6,7 1,1-4,4 1,1-2,8 1,1-2,4 Neonato De 3 a 10 dias > 10 dias Adulto Conversão para Unidade do Sistema Internacional (SI): Lactato (mg/dL) x 0,111 = Lactato (mmol/L) 3.11. O Reagente Lactato O Kit de Lactato é destinado à determinação no plasma e líquido cefalorraquidiano (LCR). O reagente de Lactato enzimático segue a metodologia TRINDER (1969 e 1972) (Lactato Oxidase / Peroxidase), apresenta-se na forma MONOREAGENTE pronto para uso e contém um calibrador protéico líquido e estável com valor definido, sendo adequado para a utilização em todos os sistemas manuais e automatizados de bioquímica clínica. O lactato da amostra sofre a ação da enzima lactato oxidase na presença de oxigênio, produzindo piruvato e peróxido de hidrogênio. Este último, em presença de um reagente fenólico (TOOS) e de 4-aminoantipirina, sofre a ação da peroxidade produzindo um cromógeno violáceo (quinonimina) com máximo de absorção em 546 nm: Lactato oxidase L-Lactato + O2 Piruvato + H2O2 Peroxidase H2O2 + 4-aminoantipirina + TOOS Cromógeno + 2 H2O Em outra metodologia, o lactato é oxidado a piruvato pela lactato desidrogenase (LDH) na presença de NAD+. O NADH formado nesta reação é determinado por espectrofotometria em 340 nm e serve como uma medida da concentração de lactato. (DURLIAT. 1976; MARTI. 1997) 3.11.1. Composição do Reagente 1 - Reagente: Tampão Pipes 200 mmol/L pH 6,8; Lactato Oxidase > 6.000 U/L; Peroxidase > 2.500 U/L, 4-aminoantipirina 0,5 mmol/L; TOOS (N-etil-N-(2 hidroxi-3-sulfopropil)-3-metilanilina) 4 mmol/L; Triton X100 0,1% v/v. 2 - Calibrador: Contém; Albumina bovina 7% p/v; azida sódica 0,05% p/v e Lactato. 4. Resultados obtidos na Validação do Reagente de Lactato BioTécnica De acordo com NOLL (1974), para assegurar a qualidade nos Laboratórios Clínicos é necessário implementar um sistema de qualidade que inclua um conjunto de processos e o uso de reagentes de qualidade. As determinações quantitativas na rotina laboratorial são realizadas por instrumentos automatizados. Assim sendo, torna-se pré-requisito a elaboração de métodos de padronização na indústria de diagnóstico tais como: comportamento cinético da reação, exatidão, precisão e linearidade os quais foram avaliados durante o desenvolvimento da reagente enzimáticocolorimétrico de Lactato, que então permitiram avaliar o desempenho do produto segundo Manual de Validação dos Produtos, BIOTÉCNICA (2006). O comportamento cinético do reagente de lactato é de ponto final, ou seja, o produto formado atinge ponto máximo de concentração e permanece inalterado por um determinado tempo em função da estabilidade do produto (equilíbrio). A concentração do produto formado é medida através de leituras fotométricas. Na figura 1 encontram-se resultado do reagente de lactato durante o processo de validação: Absorvância (546 nm) 0,6 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0 0 1 2 3 4 5 Tem po (m inutos) 6 7 8 Figura 1 – Comportamento cinético do reagente de Lactato após adição de amostra biológica (Reação de Ponto Final) O reagente apresentou ponto final da reação em três minutos e permaneceu estável até sete minutos com absorvância de aproximadamente 0,500A. É preconizado que a reação atinja ponto final no máximo em cinco minutos, sendo assim, o reagente em desenvolvimento atendeu a especificação. Teste de repetibilidade onde forma obtidos os seguintes resultados: Média de 46,2 mg/dL, Desvio Padrão de 2,14 mg/dL e Coeficiente de Variação de 4,64%. Os resultados podem ser visualizados na Figura 2: 52,58 50,44 Valores 48,3 46,16 44,02 41,88 39,74 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 Análises Figura 2 – Teste de precisão mostrando a distribuição das vinte dosagens de uma amostra em torno da média no eixo Y e com escalas de três desvios padrões abaixo e acima da média No teste de precisão foi obtido coeficiente de variação de 4,64% atendendo ao determinado pelo setor de Pesquisa e Desenvolvimento da BioTécnica e pelo Manual do Controle de Qualidade BIOTÉCNICA (2008), que é de no máximo 5% e a dispersão das determinações em torno da média não mostram tendências de elevação ou diminuição em determinações em seqüência. Além disto, nenhuma delas ultrapassa os limites de três desvios padrões conforme especificações internas da BioTécnica e Regras de WESTGARD (1981). A obtenção de baixo coeficiente de variação indica baixo erro aleatório. Os resultados obtidos no teste de linearidade estão demonstrados no Gráfico 3: Absorvância (546 nm) 1,2 1 0,8 0,6 0,4 R2 = 0,9994 0,2 0 0 25 50 75 Concentração (m g/dL) 100 125 Figura 3 – Linearidade: correlação entre as absorvâncias obtidas e as concentrações de Lactato (Coeficiente de correlação r = 0,9997) No teste de linearidade os resultados obtidos mostram leituras de absorvâncias lineares no intervalo de concentração de zero a 120 mg/dL e r= 0,9997 demonstrando comportamento linear neste intervalo. Para este método o coeficiente de variação r foi maior que 0,99 conforme determinado no Manual de Validação do setor de Pesquisa e Desenvolvimento da BioTécnica. Os resultados obtidos no teste de exatidão encontram-se na Tabela 2. Tabela 2 - Exatidão: determinação da concentração de Lactato em relação aos soros controles e seus respectivos desvios em relação ao valor esperado (Recuperação) Amostra Soro Controle um Soro Controle dois Soro Controle três Valor obtido 11,8 mg/dL 38,2 mg/dL 13,8 mg/dL Valor esperado 11,4 mg/dL 37,9 mg/dL 13,7 mg/dL Desvio 3,50% 0,79¨% 0,73% Recuperação 103,5% 99,21% 99,27% O teste apresentou desvios de 3,5%, 0,79% e 0,73% para os soros controles um, dois e três respectivamente, demonstrando baixo erro sistemático em relação ao valor esperado e de acordo com o preconizado no Manual de Validação de produtos da BioTécnica que é de 10% para este analito. Os resultados obtidos no Teste de Estabilidade do Calibrador de Lactato estão demonstrados na Figura 4: Estabilidade CALIBRADOR - Lactato 60,00 55,00 Concentração (mg/dL) 50,00 45,00 40,00 35,00 30,00 2 a 8 oC Plástico 37oC Plástico 37oC Vidro 25,00 20,00 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 Tem po ( dias) Figura 4 – Teste de Estabilidade de Calibrador de Lactato em condições de estresse (Absorvância em função do Tempo em dias) No teste de Estabilidade do Calibrador de Lactato a concentração inicial foi de 38,0 mg/dL. Após sete dias, as amostras de Calibrador que foram colocadas em estufa a 37ºC obtiveram queda na concentração para 37,1 mg/dL (em frasco de plástico) e para 37,4 mg/dL (em frasco de vidro) não sendo esta queda significativa devido às variações intra-ensaio, que são da ordem de aproximadamente 3% (~1,11 mg/dL) e variações de calibração do equipamento da ordem de 5% (~1,85%). Na amostra refrigerada a concentração obtida após sete dias foi de 41,8 mg/dL. Após 20 dias as amostras obtiveram mesma concentração. Após 27, 34 e 41 dias a amostra de Calibrador de Lactato em condição de estresse e em frasco de vidro obteve uma queda significativa na concentração. Portanto o Calibrador de Lactato tem maior estabilidade quando envasado em frasco plástico, mesmo em condições de estresse. Os resultados obtidos no Teste de Sensibilidade Metodológica do Reagente de Lactato estão demonstrados na Tabela 3 e na Figura 5: Tabela 3 - Dados referentes à Figura 5: Teste de Sensibilidade Metodológica do Reagente de Lactato Média de cinco replicatas(mg/dL) 1,66 3,4 6,46 12,7 24,82 CV (%) 3,30 0 1,38 0,56 1,96 Figura 5 – Análise Estatística do Teste de Sensibilidade Metodológica do Reagente de Lactato. Gráfico da média das dosagens de amostras de baixa concentração de Lactato em função do Coeficiente de Variação (CV) de tais amostras Os resultados obtidos no Teste de Sensibilidade (ou limite de detecção) Metodológica do Reagente de Lactato, de acordo com a Tabela 3 e a Figura 5, mostram uma replicata de maior Coeficiente de Variação foi a média de 1,66 mg/dL, sendo este valor aproximado a sensibilidade o Reagente de Lactato, já que a sensibilidade se refere a variação da resposta de um método de medição que é possível se medir. Os resultados obtidos no Teste de Correlação do Reagente de Lactato BioTécnica (Metodologia Trinder) em relação a um reagente de Lactato (Metodologia LDH UV – Lactato Desidrogenase Ultra violeta), estão demonstrados na Figura 6: Teste de Correlação - Lactato 120 LDH UV (mg/dL) 100 80 60 Y = 0,945X + 2,1316 2 R = 0,9946 R = 0,9973 40 20 0 0 20 40 60 80 100 120 Biotécnica LOD POD (mg/dL) Figura 6 - Teste de Correlação do Reagente de Lactato Trinder BioTécnica e Reagente de Lactato LDH UV (Lactato Desidrogenase – Ultra violeta) No Teste de Correlação do Reagente de Lactato Trinder BioTécnica que apresenta como princípio do método a reação do Lactato com a Lactato oxidase e a Peroxidase e leitura em espectrofotômetro em 546 nm com um reagente de Lactato que tem como princípio do método a oxidação do Lactato pela Lactato Desidrogenase e leitura em 340 nm, o r obtido foi de 0,9973 demonstrando comportamento linear e atendendo aos requisitos do Manual de Validação de Reagente da BioTécnica que é de r no mínimo de 0,99. O reagente Lactato BioTécnica apresentou valores correspondentes aos obtidos pelo reagente de Lactato LDH UV. Os resultados obtidos no Teste de Reprodutibilidade encontram-se na Tabela 3: Tabela 4 - Teste de Reprodutibilidade do Reagente de Lactato BioTécnica Teste de Reprodutibilidade Tempo (dias) Resultados (mg/dL) Um Dois Três Quatro Cinco Média (mg/dL) Desvio Padrão (mg/dL) Coeficiente de Variação (%) 27,35 29,20 30,26 28,60 29,41 28,96 1,08 3,73 No Teste de Reprodutibilidade um dos parâmetros é modificado para avaliar o comportamento analítico do reagente. No caso dos resultados apresentados na Tabela 4 o teste foi realizado usando um mesmo sistema analítico (Equipamento, operador, calibrador, etc) variando-se somente o dia. Foi obtido coeficiente de variação de 3,73% atendendo as especificações do Manual de validação do setor de Pesquisa e Desenvolvimento da BioTécnica que é de no máximo 5%. Este resultado demonstra que o sistema analítico, que inclui o reagente em análise é estável mesmo após um determinado intervalo de tempo. 5. Considerações Finais Neste trabalho foram revisadas as características gerais das enzimas e exploradas as suas diversas aplicações na ciência e na indústria. Atenção especial foi dada à aplicação destas em diagnóstico molecular conforme explicações mais detalhadas que seguem. Após a pesquisa e o desenvolvimento de metodologia Trinder para a dosagem do Lactato (um analito plasmático encontrado em diversas patologias ou situações de estresse físico), a formulação proposta para o produto apresentou desempenho adequado, demonstrado nos testes de: exatidão, sensibilidade, especificidade, estabilidade, linearidade, reprodutibilidade, etc. O desenvolvimento do reagente para dosagem de Lactato foi possível devido à alta especificidade enzimática que utiliza enzimas como a Peroxidase e a Lactato oxidase, demonstrando a importante aplicação das enzimas no Diagnóstico Molecular dentre as diversas áreas. A otimização e estabilização das enzimas em meio líquido foi possível através da formulação desenvolvida na BioTécnica de acesso restrito. Verificou-se que a metodologia enzimática-colorimétrica para dosagem de lactato atendeu de modo satisfatório a determinação para o Diagnóstico Clínico, o que possibilitou sua utilização na rotina laboratorial. Os procedimentos de validação, Controle de Qualidade e controle estatístico foram perfeitamente aplicáveis a essa metodologia e forneceram dados que garantem a qualidade do processo analítico. Os laboratórios puderam, então, adquirir reagentes confiáveis para a determinação de lactato dos seus pacientes. A prevenção de erros no desenvolvimento do reagente enzimático implica na criação de Processos Analíticos capazes de atingir os requisitos da qualidade para a Produção de reagentes e consequentemente resultados de utilidade médica. É uma atitude que determina a qualidade inerente dos processos de medidas. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA BARHAN, D.; TRINDER P. An improved colour reagent for the determination of blood glucose by the oxidase system. Analyst, 1972. 142p. BIOTÉCNICA. Manual de Validação de Produtos. Varginha: Sistema da Qualidade, 2006. BIOTÉCNICA. Manual do Controle de Qualidade. 5. ed. Referência PBT 7/003. Varginha: Sistema da Qualidade, 2008. BRASIL. Ministério da Saúde. 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