Mamíferos têm memória para calorias, diz cientista
Gosto de alimento ultracalórico não é o único estímulo biológico à obesidade
Experimento de brasileiro mostra como camundongos identificam carboidratos,
gorduras e açúcares sem recorrer a um paladar inato
EDUARDO GERAQUE
ENVIADO ESPECIAL A NATAL
Da próxima vez que subir na balança e constatar a presença de uns quilos a mais,
lembre-se: talvez o paladar aguçado que os mamíferos têm para gorduras, carboidratos e
açúcares não seja o único culpado pelo ganho de peso. Pesquisas novas têm revelado
novos vilões, entre eles uma espécie de memória inconsciente que associa alimentos a
seu teor calórico.
Estudos apresentados anteontem em um ciclo de palestras no recém-inaugurado IINN
(Instituto Internacional de Neurociências de Natal) mostram que a obesidade não é
mesmo só uma questão de gosto. "Claro que o paladar é importante, não se trata de
dizer o contrário. Mas temos que separar as coisas. Ele não explica necessariamente
tudo", disse à Folha o pesquisador Ivan de Araújo, da Universidade Duke, na Carolina
do Norte (EUA).
Filósofo de formação, ele está há dois anos e meio nos Estados Unidos estudando os
mecanismos biológicos que fazem as pessoas -e camundongos de laboratórioengordarem.
Amigo de Sidarta Ribeiro (diretor do IINN) desde os tempos de colégio em Brasília,
Araújo tem planos de colaborar com as pesquisas do instituto. Na apresentação feita
durante um congresso encerrado ontem, que marcou a inauguração do centro de
pesquisa, o cientista brasileiro mostrou por que ele passou a desconfiar do paladar como
mecanismo único.
Experimentos feitos com camundongos deixaram claro que o cérebro dos mamíferos
possui uma espécie de memória calórica. Ou seja, independentemente do paladar,
alguns processos desencadeados no cérebro forçam o corpo humano a ingerir mais
caloria.
"Temos alguns circuitos sensíveis ao consumo de alimentos calóricos sim, que
funcionam separados do gosto pela comida. Na verdade, eles são complementares",
disse.
No estudo controlado com os animais, foram oferecidas aos bichos soluções com altas
concentrações de açúcares, água e um líquido com um adoçante comercial.
Simplificadamente, a preferência pelas garrafas onde havia mais calorias disponíveis
chamou a atenção dos pesquisadores.
Mecanismo desvantajoso
Do ponto de vista anatômico, os mecanismos identificados agora por Araújo ocorrem
em várias partes do cérebro, mas principalmente em uma região abaixo do córtex (a
superfície do cérebro, onde se concentram suas funções mais sofisticadas). Outras
pesquisas já haviam mostrado que nessa área pode estar uma espécie de centro da
obesidade do cérebro.
Com o paladar de lado, a memória calórica do cérebro pode ser explicada também do
ponto de vista evolutivo, segundo o pesquisador da Duke.
"Essas coisas são sempre meio especulativas, mas é lógico pensar que esse mecanismo
que faz o homem se entupir de calorias pode ter sido muito útil no passado", disse
Araújo.
O problema é que, apesar de o homem dos tempos pré-históricos ter tido sempre a
necessidade de armazenar a maior quantidade possível de energia (porque ela não estava
sempre disponível), a mesma estratégia não compensa mais hoje.
"Esse processo natural, com a vida sedentária atual, é totalmente desvantajoso e acaba
gerando uma verdadeira epidemia de obesidade", explica o pesquisador.
Efeito sanfona
Essas descobertas de circuitos cerebrais que levam ao consumo calórico, segundo
Araújo, poderão ser úteis para explicar, por exemplo, por que algumas pessoas perdem
peso e depois de alguns meses recuperam boa parte dos quilos a mais que haviam sido
queimados, mesmo com um controle maior sobre o paladar.
O famoso e indesejável efeito sanfona pode ter causas bem mais complexas do que uma
simples relação inata de paladar com gorduras, açúcares e alimentos mais calóricos.
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