Dinâmicas de transformação das relações laborais em Portugal, DGERT, Colecção Estudos* Autora - Prof.ª Doutora Conceição Cerdeira Este Livro corresponde à publicação da Dissertação de Doutoramento da Doutora Conceição Cerdeira, quadro superior do Ministério do Trabalho na área das Relações de Trabalho. Na árvore de objectivos da Dissertação e do processo de Estudo que lhe deu corpo, salienta-se: Objectivo geral. Análise do sistema de relações laborais português, em particular das normas que o regulam, negociadas pelos actores institucionais, com vista à apreensão das suas dinâmicas de mudança. Objectivos específicos: (i) apreender as mudanças estruturais do sistema de relações laborais português; (ii) conhecer a dinâmica da macro concertação e da contratação colectiva e ver até que ponto, e de que modo, reflectem uma regulação conjunta das inovações tecnológicas e organizacionais; (iii) apreender as dinâmicas de renovação das normas convencionais sobre as classificações profissionais, bem como dos respectivos processos de negociação; (iv) conhecer a transformação do sistema de relações laborais de algumas empresas. Entre as vertentes estudadas pela Autora, destacam-se as duas seguintes: (a) Natureza macro, com vista à apreensão do quadro geral de evolução das relações laborais portuguesas, contemplando a conflitualidade laboral (greves, reivindicações ..); a organização dos actores sociais; a adesão ao movimento sindical e sua transformação; a concertação social ao nível macro; e a negociação colectiva (estrutura e conteúdos). * (Adaptado da apresentação da Dissertação pela Autora no Observatório de Emprego e Formação Profissional). (b) Aprofundamento de um tema particular da negociação colectiva: as classificações profissionais. A Autora partiu de três hipóteses centrais principais: As classificações profissionais cristalizam os conflitos sobre a modernização das empresas. A mudança de conteúdo das normas sobre novas grelhas de classificação profissional (substantivas), está associada a novos procedimentos da negociação colectiva. A evolução observada pode estar associada a uma transformação das características dos actores. Ou seja, a mudança das regras substantivas pode associar uma mudança estrutural do sistema de relações laborais. Com base na análise macro levada a cabo, o Estudo sistematiza alguns resultados sobre a evolução do quadro geral das relações laborais. (i) Em matéria de organização dos actores institucionais, conclui-se por: decréscimo da sindicalização e crescente atomização (1979/84, 4500; 1991/95, 2900); crescimento de «corporatismos» profissionais; transformação sociológica da composição sindical (sector de serviços contribui com 64%); menor capacidade de mobilização para acções de luta. (ii) Em matéria de transformação qualitativa da estrutura dos conflitos (greves), conclui-se por: menor frequência de recurso à greve; recurso mais selectivo (ou seja, tende a concentrar-se sobre um número menor de trabalhadores); tende a ter mais do que uma frequência, ou seja, a mesma greve regista mais do que uma ocorrência; faz referência ao grupo profissional e em menor número à classe social; os motivos salariais assumem menor representatividade, aumentando as greves sobre as condições de trabalho (tempo de trabalho); nível baixo de satisfação das reivindicações (80%). 2 (iii) Em matéria de evolução do sistema de negociação colectiva, a partir de meados dos anos oitenta, esta é marcada por posições radicais e hostis dos actores, mais do que pela procura de consensos: oposição sindical às propostas patronais de “aligeiramento” do clausulado das convenções: simplificação dos textos, supressão de normas reprodutoras da lei e de normas limitativas a uma gestão mais flexível sobre o tempo de trabalho e o conteúdo funcional; recusa patronal em satisfazer reivindicações de aproximação dos salários à média comunitária, apoiada, em parte, por constrangimentos macro económicos. A estrutura do sistema mantém-se sem alterações com a negociação sectorial a ser dominante; a negociação de empresa limitada; e sem desenvolvimento de outros níveis (regional ou orientada para as PME), nem tão-pouco da articulação de níveis. A estrutura dos conteúdos das convenções mantém-se relativamente estável e, salvo os aspectos pecuniários, o impulso da mudança existente resulta, sobretudo, de alterações legislativas, saídas dos Acordos de Concertação Social. Esses conteúdos revelam um grande alheamento da negociação às reestruturações e transformações tecnológicas dos sectores e das empresas o que é expresso, nomeadamente, no papel pouco relevante da formação profissional; na não inserção de planos sociais sobre o emprego; na não negociação de acordos de tecnologia, e na estabilidade da lógica taylorista (grelhas de classificação profissional, recrutamento, progressão na carreira e definição e classificação dos empregos). Nas conclusões da análise macro, a Autora enfatiza a permanência das características estruturais do sistema de contratação colectiva, no qual não se observam movimentos de descentralização nem de desenvolvimento de novos níveis de negociação (regional ou de empresa). Considera, ainda, como comprovada a hipótese sobre as classificações profissionais: é em 3 torno destas que os actores desenvolvem os comportamentos estratégicos mais importantes relativamente aos desafios postos pela modernização das empresas. Na análise da evolução do conteúdo das convenções, a Autora apresenta como tendências mais marcantes: a definição dos empregos com maior amplitude funcional e grande redução das categorias das grelhas; a evolução de uma lógica centrada sobre o posto de trabalho, para um referencial de competências centrada na pessoa. a diminuição dos níveis da grelha (p.e., de 15 para 5) e abertura das tabelas salariais, com vista a integrar a contribuição individual; a introdução de critérios mais individualizados de progressão na carreira (formação profissional, avaliação de desempenho, atitude face à polivalência, etc.). No domínio da transformação dos processos de negociação, a negociação propriamente dita tem-se desenvolvido no campo tradicional. Contudo, em algumas empresas, emergem, antes e após a negociação, fases de «concertação» que fazendo intervir um número importante de actores (comissões sindicais ou de trabalhadores, pessoal de enquadramento, trabalhadores) revelam uma transformação dos processos de negociação que tendem a pôr em causa a repartição tradicional de papéis entre os actores. No tocante à aplicação dos acordos a apreciação é positiva, em termos de aplicação imediata. Eles trouxeram uma reclassificação dos trabalhadores com consequência directa na elevação sensível das qualificações e de acréscimos salariais para a generalidade dos assalariados. No entanto, a apreciação é menos positiva no que se refere aos mecanismos de progressão neles previstos, devido a diversos factores: 4 má conjuntura económica de algumas empresas; dificuldades de implementar o novo sistema de gestão de carreiras (definição de perfis de competências orientadas para o futuro, programas de formação profissional, etc.); resistência do pessoal de enquadramento a formalizar práticas com implicações na destruição de zonas incerteza, de que retiravam poder, ligadas à existência de regulações informais; emergência de tensões entre grupos profissionais que procuram preservar as condições sobre as quais fundaram a sua identidade profissional, bem como entre os mais jovens e os mais antigos. Em termos de conclusões gerais, a Autora considera validadas/comprovadas as hipóteses de partida, conforme se sintetiza no quadro seguinte. Hipóteses H.1 – Esta hipótese, sustentada em observações empíricas anteriores, colocou a classificação profissional no centro dos conflitos sobre a modernização tecnológica e organizacional das empresas H.2 – Esta hipótese supôs a emergência de uma mudança na forma como se desenvolve a negociação, ou seja, que a negociação de novas regras substantivas (de conteúdo), associasse igualmente novos procedimentos da negociação colectiva. H.3 – Esta hipótese admitiu que a emergência de novos procedimentos pudesse estar associada a uma transformação das características dos actores. Ou seja, que a mudança das normas substantivas possa associar uma mudança estrutural do sistema de relações laborais. Resultados Hipótese confirmada, quer através da ausência de convenções sobre a introdução de novas tecnologias, quer pela dinâmica da sua renovação nos últimos anos. Ainda que a negociação reproduza os caminhos tradicionais, ou seja, não altere a partilha tradicional de papéis, ela fez intervir um maior número de actores, associando uma espécie de pré-negociação (concertação) de novos conteúdos de empregos. Institucionalmente as negociações foram dinamizadas por novas equipas dirigentes. Por seu lado, os sindicatos, procuraram organizar a formação de novos compromissos entre os grupos profissionais em desenvolvimento nas empresas, dinamizados por efeito das transformações tecnológicas e organizativas. 5