Alcançando os objetivos mais simples e garantindo uma transformação duradoura do negócio Por Nestor Gavilan Nada nos faz crescer tanto quanto cometer erros. Com o passar do tempo, meu entendimento quanto a o que é uma transformação lean mudou muito, devido a influências de muitas experiências e de meu desenvolvimento profissional. Durante meus anos na Delphi foi que minhas ideias sobre lean começaram a se formar e ganhar força. Entretanto, tratando-se de transformações, devo dizer que o projeto que me trouxe mais aprendizado foi aquele no qual Oriol Cuatrecasas (presidente do Instituto Lean Management, sediado em Barcelona) e eu trabalhamos há alguns anos, em uma fabricante de portas aqui da Espanha. O CEO queria que o ajudássemos a dar uma virada no negócio, e mergulhamos nessa ideia. Desenvolvemos um plano muito ambicioso e intensivo para transformar o negócio todo: ensinamos pessoas sobre os princípios mais fundamentais, assim como sobre ferramentas complexas do Sistema Toyota de Produção (STP); mudamos drasticamente o layout da fábrica e introduzimos o trabalho padronizado. Conseguimos resultados verdadeiramente incríveis: os níveis de qualidade nunca haviam sido tão altos, as vendas dispararam (para mais de mil portas vendidas por dia), a produtividade cresceu 40% em um ano, e o estoque foi reduzido à um quinto do original. Após dois anos, entretanto, começamos a nos perguntar quão sustentáveis eram esses resultados. A empresa conseguiria manter o bom desempenho quando Oriol e eu fôssemos embora? E, então, um dia, entendemos: tínhamos ido muito rápido, tentando alcançar resultados massivos em um curto período de tempo. Tínhamos aplicado técnicas lean para solucionar problemas, mas não tínhamos uma estratégia clara definida para mudar a cultura da organização de uma forma sustentável. Decidimos, então, contratar alguém com experiência no setor automotivo para nos ajudar a administrar o negócio. Em três meses, o novo gerente nos chamou e nos disse que as pessoas não “dominavam” o sistema que Oriol e eu tínhamos criado e que ele teria que lhes reensinar tudo. Em suas palavras, ele tinha “herdado uma Ferrari e batido na primeira curva”. O carro era poderoso, mas não havia ninguém capacitado para dirigi-lo. Esse tipo de situação está longe de ser incomum no mundo dos negócios, onde a sede da alta administração em transformar uma empresa muitas vezes entra em conflito com o balanço, os alvos financeiros e as iniciativas de redução de custos. O resultado disso é que muitas organizações esperam rápidos resultados financeiros, que podem ser alcançados com a simples aplicação de algumas ferramentas lean, e decidem parar em vez de perseguir uma longa e duradoura transformação. O que determina a direção na qual o negócio finalmente é a abordagem da alta administração: sem conquistar os corações e as mentes das pessoas, nada além de resultados pouco duradouros será alcançado. Para construir um caminho para a melhoria duradoura, a liderança deve fazer um esboço do futuro do negócio e dá-lo às pessoas. Mas eles também devem desenvolver líderes em todos os lugares, inclusive na linha de frente, se quiserem que esse esboço não suma assim que saírem. É isso o que aconteceu na fabricante de portas: não tínhamos passado os ensinamentos para a linha de frente da organização, e, assim que saímos, o projeto inteiro foi por água abaixo. Estávamos com tanta pressa para dar uma virada no negócio que nos esquecemos de que o lean precisa andar como passos de bebê. O pensamento em curto prazo é o pior inimigo da metodologia. COMO ESSAS LIÇÕES PODEM SER APLICADAS HOJE Recentemente, estive envolvido na transformação de uma grande organização de manufatura que possui fábricas por todo o mundo. Tendo percebido que o lean é a única forma para garantir a competitividade e rentabilidade do negócio no volátil mercado dos dias de hoje, a direção da organização decidiu concentrar-se em alcançar uma mudança cultural. Por anos, a empresa tem usado várias ferramentas lean (alguns dos executivos seniores, como costuma acontecer, vieram de outras grandes empresas e eram familiares com as ferramentas lean), mas está, agora, buscando um entendimento mais completo do tipo de mudança à qual o lean pode levar, focando mais nos ensinamentos do Sistema Toyota de Produção. Sem uma plataforma excitante, o único incentivo era a vontade que a direção tinha de melhorar a organização. Mas, dessa vez, eu tinha mais conhecimento. Nosso ponto de partida foi ter uma visão para a transformação. Entretanto a direção estava esperando bons resultados financeiros imediatamente. Conforme a experiência anterior me havia ensinado, tivemos que imaginar uma visão que permitiria ganhos financeiros rápidos enquanto pavimentaria o caminho para longos e duradouros resultados. Deixe-me dizer-lhe que não é um equilíbrio fácil de se alcançar. Minha abordagem à transformação lean é efetivamente representada neste desenho, a versão original que esbocei durante uma conversa com a Planet Lean há algumas semanas: A área vermelha do gráfico representa as necessidades do negócio (agrupadas nos quatro elementos mais importantes para uma empresa: Segurança, Qualidade, Volume, Custo), as quais você pode satisfazer rapidamente utilizando as ferramentas lean, enquanto a área verde representa o caminho para uma verdadeira transformação lean. A ideia básica atrás das necessidades do negócio é “fazer já” o que é necessário a fim de alcançar resultados. Chamo isso de “Buffet lean” – escolher a ferramenta necessária para uma situação específica. As pessoas muitas vezes caem na armadilha de pensar que, dessa forma, estarão entendendo o lean e caminhando para alcançar uma transformação lean. Na verdade, estão criando bolsos de excelência. Na maioria dos casos, nesse momento, fazer os 5S, por exemplo, significa ter apenas dois desses S funcionando, e alcançar mudanças mais rápidas não significa muito, porque elas não terão apoio do trabalho padronizado. Mas, com o passar do tempo, conforme desenvolve as capabilidades das pessoas e consegue mudar a mentalidade da empresa, você chegará ao ponto no qual terá tanto resultados financeiros quanto uma infraestrutura que lhe permita construir uma empresa lean. Completar uma transformação lean é um ótimo investimento! COMO COMEÇAR O foco nas necessidades do negócio é muito importante no começo, e isso significa escolher diferentes ferramentas para preencher suas principais lacunas (de uma forma ainda não estruturada). A fim de identificar essas lacunas, você deve fazer uma Análise de Lacunas, que é baseada no pensamento A3. Aqui está o que você precisa fazer para completar: Escolha o elemento mais crítico entre Segurança, Qualidade, Volume, Custo (começando pela segurança e seguindo essa ordem). Foque nos três principais problemas que estão prejudicando o negócio naquela área; utilize o diagrama de Pareto. Faça um A3 para cada um dos três problemas que você identificou. Não há porque focar na produtividade (custo) ou nas entregas (volume), por exemplo, se você tiver um monte de problemas com qualidade ou se suas instalações tenham acidentes todos os meses. É por isso que recomendamos fortemente verificar a segurança, a qualidade, o volume e o custo nessa ordem. Nesse ponto, considerando que você tenha dados dos últimos três meses, você pode organizar seu primeiro evento kaizen, cujo objetivo é ensinar as pessoas quanto ao pensamento A3 e construir o quadro que será usado como referência nesses primeiros estágios da transição para se tornar um negócio mais lean. Se você não tiver os dados dos últimos três meses, o primeiro kaizen terá que construir um sistema que faça as medições necessárias, e, nesse contexto, uma semana pode ser usada como um exemplo do que deve ter sido os últimos três meses. PROGRESSO Uma vez que a implementação das necessidades do negocia esteja dando resultados (SQVC), você terá a oportunidade de começar a aplicar os princípios e as técnicas da transformação lean. Se o foco das necessidades do negócio foram no “faça já”, aqui o foco é no “faça certo”. Nesse estágio, é necessário escolher a “granularidade” de seu processo de implementação. Você precisa começar de algum lugar, seja de uma máquina modelo, de uma linha modelo, de uma área modelo ou de uma fábrica modelo: isso é essencial para ganhar a confiança das pessoas, porque o lean significa aprender fazendo e, somente quando começa a fazer algo, você consegue produzir aqueles resultados rápidos que você busca. Tenha consciência de que, muito em breve, ao notar as melhorias visíveis da máquina/linha/área/fábrica modelo, as pessoas irão querer que a implementação seja estendida para outras partes do negócio. Por mais tentador que pareça, você deve resistir ao impulso. É muito cedo para avançar e você teria uma repetição de minha experiência com Oriol na fabricante de portas. O modelo (máquina, linha, área ou fábrica) deve ser protegida e separada do resto da organização, onde as necessidades do negócio estão sendo atendidas. Você não pode pedir que o modelo contribua com o negócio: lá é onde seus experimentos acontecem e onde você está tentando construir as bases da casa STP de uma forma de baixo para cima (bottom-up). CONSTRUINDO MELHORIAS INCREMENTAIS Enquanto seu modelo cresce e lentamente muda a cultura de sua organização, o resto da empresa trabalha para preencher os requerimentos do negócio usando a Análise de Lacunas em SQVC. Aqui eles estão usando ferramentas semelhantes às do STP, mas não de uma forma estruturada e de baixo para cima, que é a razão para os resultados que alcançarem na área das necessidades do negócio não serem sustentáveis. É nisso que seu modelo foca: em construir as bases para a casa STP, que dará longos e duradouros resultados e mudará para sempre a cultura do negócio. Para atacar esses problemas identificados na área das necessidades do negócio por meio da Análise de Lacunas, você pode treinar as pessoas para usar o kaizen organizando eventos focados no “apenas faça” e eventos kaizen. Quanto mais eventos você organiza, mais melhorias conseguirá. Algumas serão significantes, outras, mais modestas – mas, juntas, elas todas contribuirão para alcançar a mudança em todo o negócio. A realidade é que, conforme você melhora, encontrar outras oportunidades de melhoria torna-se semelhante a caçar cogumelos: as primeiras grandes mudanças serão fáceis de visualizar, mas, quanto mais você pratica, mais difícil será encontrar aqueles pequenos cogumelos que se escondem sob a vegetação. Será necessário muito tempo e esforço – como a parte vermelha do gráfico (necessidades do negócio) mostra claramente. O que a atividade kaizen fará é trazer uma estrutura para a solução de problemas e as atividades de melhoria a fim de ajudá-lo a sustentar os resultados que alcançou na área modelo. A alta administração pode ajudar participando das atividades de melhoria diretamente (por exemplo, verificando os resultados e o progresso no fim do kaizen). Mas também depende administração média garantir que os resultados kaizen sejam duradouros, criando responsabilidade por meio de revisões A3 ou verificações de frequência. Voltando ao gráfico, as atividades da área das necessidades do negócio se alimentam das atividades de transformação lean, porque, se você não fornecer melhorias (e dinheiro) rápidas para a organização, as pessoas não o apoiarão mais. Ao mesmo tempo, você precisa aprender como usar as ferramentas se você quiser dominar o uso da casa STP. Uma vez que o modelo esteja consolidado com a toda a casa STP pronta, construída do baixo para cima (isso normalmente leva de dois a três anos), você pode estender a alcance de seus esforços lean para outras partes do negócio. Começando com o pacificador da organização (na manufatura, normalmente a produção ou o acondicionamento) e, a partir de então, seguir fluxo acima e abaixo, você pode copiar o que fez no modelo e envolver mais pessoas conforme faz isso. Em meu desenho, é aqui que a contaminação começa. Conforme a área verde cresce, a vermelha encolhe porque os princípios são, agora, bem conhecidos, e as pessoas que observam a área modelo irão querer replicar seu sucesso. O conhecimento e a mudança podem, agora, espalhar como fogo. O que está por trás do extraordinário poder de uma área modelo é o fato de que ela introduz uma visão horizontal perturbadora da organização: levar a casa STP para cada um dos departamentos envolvidos em certo fluxo de valor permite criar um sistema baseado em responsabilidade (ao apontar um gerente do fluxo de valor) e põe em evidência a contribuição de cada atividade para o objetivo final previsto para a organização. A Toyota nos deu um modelo de sucesso, e só depende de você adaptar seus ensinamentos para suas próprias circunstâncias. Porque provavelmente você precisará de dinheiro hoje a fim de conseguir fazer algo bom amanhã, pode ser útil seguir esse modelo, que o Instituto Lean Management, na Espanha, sugere e segue enquanto apoia organizações em suas tentativas de dar uma virada. Fonte: Planet Lean.