A TAXA DE JUROS LEGAL EM ANGOLA
Victor Ceita
Janeiro de 2014
Nos últimos anos, tem sido muito discutido entre os advogados angolanos qual é a taxa de juro
que se deve aplicar à imobilização do capital ou aos casos em que se verificam atrasos no
pagamento (juros de mora), independentemente do tipo de contrato que lhe subjaz.
Em matéria de fixação de taxas de juros, o legislador angolano sempre experimentou grandes
dificuldades, muito por causa da vulnerabilidade de um sistema económico com grande
depreciação da moeda (o kwanza) e alto valor da inflação, como o que o país viveu de há uns
anos a esta parte.
Assim, por exemplo, em Julho de 1998, o Banco Nacional de Angola publicou o Aviso 3/98, no
qual estipula que as instituições bancárias, nas suas operações activas podiam praticar os
seguintes limites máximos de taxa de juros: até 180 dias – 50% ao ano; de 181 dias a 1 ano –
55% ao ano; mais de 1 ano – 57,5% ao ano. Entretanto, esse aviso veio a ser revogado pelo
Aviso 7/99, o qual veio prever que as instituições bancárias passavam a poder adoptar, nas suas
operações activas e passivas, taxas de juros livremente negociadas com os seus clientes, que é o
mesmo que dizer que a taxa de juros não conhecia qualquer limite.
Ora, a razão desta desmesurada liberdade na fixação de taxa de juros nas operações financeiras
devia-se à circunstância de, sendo o Kwanza, à data, uma moeda de fácil e acelerada
depreciação, necessário seria garantir que, no final do prazo do contrato, o mutuante (pessoa que
dá o dinheiro por empréstimo) não saisse prejudicado pela desvalorização que entretanto a
moeda emprestada sofreu.
Com o início da estabilização da economia, foi publicada a Lei 13/03, de 14 de Feveiro, a qual
alterou o Código Civil em matéria de juros. Neste contexto, o artigo 559.º do Código Civil
passou a presrever que “Os juros legais e os estipulados sem determinação de taxa ou
quantitativo, são os fixados em despacho conjunto dos Ministros do Planeamento, das Finanças
e da Justiça”. Desta forma parece claro que o legislador quis que, a partir de 14 de Fevereiro de
2003, a questão dos juros legais ficasse definitivamente resolvida. A 25 de Abril de 2003 foi
publicado o Despacho conjunto 36/03, segundo o qual a taxa dos juros legais referidos no artigo
559.º do Código Civil é fixada trimestralmente, de acordo com uma fórmula específica, que
toma em consideração o índice de preços no consumidor em Luanda, acumulado e divulgado
nos seis meses mais recentes (referentes àquela data), e a meta de inflação para os seis meses
seguintes, extraída da programação monetária. E, com base nessa fórmula é decretado que “Fica
estabelecida para os juros legais do trimestre Abril-Junho de 2003 a taxa de 75% ao ano”. Daí
até à presente data não conhecemos qualquer alteração a esse despacho, que fixasse a taxa de
juros legal, tal como se acha previsto no artigo 559.º do Código Civil. Assim, a questão é: qual a
taxa de juros actualmente em vigor?
Alguns profissionais de direito têm sugerido a aplicação da taxa de juros de 75% ao ano, como
resulta do Despacho conjunto 36/03, um pouco baseando-se na ideia de que não tendo o
legislador actuado em sentido contrário, deverá manter-se aquela taxa já fixada.
Entendemos porém que não poderá ser esta a taxa de juros em vigor no país, por duas ordens de
razão.
A primeira, prende-se com o facto de ser manifestamente usurário aplicar-se, nos dias que
correm, uma taxa de juros de 75% ao ano. Na verdade, como se disse supra, para a fixação da
taxa de juros de 75% ao ano, nos termos do Despacho conjunto 36/03, foram tomados em
consideração alguns critérios específicos, que visavam acautelar a constante depreciação da
moeda nacional, o Kwanza. Tanto assim é que nesse mesmo Despacho conjunto é publicado um
quadro de onde se pode ver o factor de actualização monetária. Por outro lado, uma análise das
taxas de câmbio de referência, praticadas pelo Banco Nacional de Angola (www.bna.ao) nos
últimos anos, leva-nos à seguinte conclusão: em 2002, de Janeiro a Dezembro, a moeda
nacional sofreu uma depreciação na ordem dos 75%; em 2003 (data da publicação do referido
Despacho conjunto), de Janeiro a Dezembro, a moeda nacional sofreu uma depreciação de cerca
de 52%; em 2004, no período homólogo, a depreciação da moeda nacional já foi de cerca de
7,5%; no período homólogo de 2008 nota-se que a moeda nacional manteve-se sempre
constante. Assim sendo, parece claro que a taxa de juros fixada pelo Despacho conjunto 36/03
incluía um valor de correcção monetária, ou seja, o indicado valor de 75% não representava
todo ele a taxa de juros, mas sim previa um mecanismo que visava corrigir a depreciação da
moeda nacional. Portanto, face ao contexto actual, de manifesta estabilidade da moeda nacional,
não faz qualquer sentido falar-se em taxas de juros na ordem dos 75%.
A segunda razão para afastar a aplicação da taxa de juro fixada pelo Decreto conjunto em causa
tem a ver com a simples interpretação jurídica dos comandos emanados desse diploma legal. Na
verdade, o referido instrumento legal diz expressamente que “Fica estabelecido para os juros
legais do trimestre Abril-Junho de 2003 a taxa de 75% ao ano”. Ou seja, inequivocamente,
aquela taxa de juros foi fixada apenas e só para aquele trimestre, pelo que a partir de 1 de Julho
de 2003 essa taxa passou a ser ilegal.
Por tudo o que se deixa dito, necessário parece concluir-se que existe um vazio legal no que diz
respeito à taxa de juros legal em Angola, tal como vem previsto no artigo 559.º do Código Civil.
Temos vindo a defender, ao longo dos últimos anos, que este vazio legal deve ser colmatado
circunstancialmente pela prudente aplicação da média das taxas de juros normalmente
praticadas pelos bancos comerciais que operam em Angola.
Uma decisão recente proferida pelo Tribunal Provincial de Luanda (Secção do Cível e
Administrativo), no processo n.º 0985/09-B, de Março de 2013, determinou que o Despacho n.º
36/03 estabelece uma norma de carácter temporário, que já não se encontra em vigor.
Considerando que o tribunal estava vinculado à determinação de uma taxa de juro aplicável ao
caso sub iudice, este decidiu aplicar uma taxa de juro de 10%, que foi encontrada tendo em
conta a média das taxas de juro aplicadas pelos bancos comerciais a operar em Angola.
Em nosso entender, esta foi uma boa decisão. Não obstante, é premente que os Ministros do
Planeamento, das Finanças e da Justiça emitam um novo despacho conjunto, nos termos do
artigo 559º do Código Civil, e fixem a taxa de juros legal a vigorar no país. Só deste modo
poderá o sistema jurídico angolano assegurar um maior grau de confiança e de segurança
jurídica a todas as pessoas e entidades que desenvolvem a sua actividade ao abrigo da lei
angolana.
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